Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1332/22.2T9ALM.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CELSO MANATA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A aplicação das penas de substituição não é um poder discricionário do tribunal, constituindo, antes, um poder/dever ou um poder vinculado, pelo que, uma vez verificados os respetivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de se pronunciar e de aplicar a pena de substituição que satisfaça as exigências legais.
II - Não constitui omissão de pronuncia a não apreciação da eventual aplicação de penas de substituição quando o Tribunal condena o arguido numa pena de prisão (de 6 anos e 6 meses) que, face à sua duração e ao estabelecido na lei, as não admite.
III - O decurso de 3 anos sobre a prática dos factos não integra o conceito de “muito tempo”, dado que tal expressão significa um lapso de tempo muito amplo, excecionalmente longo, tendo em consideração a normal tramitação do processo.
IV - O recurso manifestamente improcedente, que revela uma censurável falta de diligência e de prudência na sua apresentação, justifica a condenação do recorrente, nos termos do art. 420.º, n.º 3, do CPP, no pagamento sanção processual, a fixar entre 3 e 10 unidades de conta.
Decisão Texto Integral:


ACÓRDÃO


Acordam, em conferência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


A - Relatório


A1. Através de acórdão proferido a 17 de novembro de 2023 o Juízo Central Criminal … – Juiz ... condenou o arguido AA, pela prática do crime adiante descrito e nas penas a seguir indicadas:


a) Pela prática de um crime de violação, previsto e punível pelo artigo 164º, n.º 2, al. a), e 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.


b) Na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, pública ou privadas, cujo exercício envolva o contacto regular com menores, por um período fixado em 10 (dez) anos.


c) Na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado de 10 (dez) anos.


d) A pagar à vítima BB a quantia de 6.000,00 (seis mil) euros, quantia que se arbitra a título de danos não patrimoniais.


A2. O arguido não se conformou com essa decisão pelo que dela veio recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça.


São, há muito, doutrina e jurisprudência pacíficas (cfr., v.g., Germano Marques da Silva, Curso de Direito Processual Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V e Acórdão do STJ de 28 de abril de 19991 e Acórdão do Pleno do STJ nº 7/95, de 19 de outubro de 20232) que, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, da apreciação das questões de conhecimento oficioso.


Assim, o arguido termina a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição integral):


“IV- CONCLUSÕES


1) O presente recurso tem como objeto parte da matéria da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido, pela prática em autoria material, um crime de violação, p.p. pelo artº 164, nº2 al. Aa) 177º, nº7, do Código Penal na , na pena de 6 anos e seis meses de prisão por cada um dos ilícitos, dois crimes de coação sexual agravada previstos


2) É o arguido condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, pública ou privadas, cujo exercício envolva o contacto regular com menores, por um período fixado em 10 (dez) anos.


3) É condenado na proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período fixado de 10 (dez) anos.


4) Condenar o arguido AA a pagar à vítima BB a quantia de 6.000,00 (seis mil) euros, quantia que se arbitra a título de danos não patrimoniais.


4) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 (três) UC’s - 513.º, 514.º do Código de Processo Penal).


2) Tendo o Tribunal a quo dado como provado entre outros factos que:


O arguido não tem antecedentes criminais registados;


verbalizando, em termos abstratos, juizo critico quanto aos mesmos.


3) Tendo o douto tribunal aplicado ao arguido em cúmulo jurídico a pena única de 4 anos de prisão efetiva., Indicando que : “na determinação concreta da pena o tribunal atende a toda as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alineas do nº2 do art.71º do Código Penal”.


4) Dizendo ainda que é necessário ponderar “ quanto ás exigências de prevenção geral, exigências de culpa do agente e as exigência de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar em último termo, e dentro dos limites referidos a medida concreta da pena.”


5) Indicando ainda o douto tribunal “ a quo” que a Titulo de prevenção especial temos que :


“o arguido tem 7 (setenta anos) de idade, não tem antecedentes criminais registados, mostrando-se social e familiarmente integrado.”


6) Pelo que se entende, in casu, as exigências de prevenção especial não são elevadas, até porque estes factos terão ocorrido em 2021 e o arguido desde ai não teve mais nenhuma situação em que tal tenha acontecido.


7) No entanto, também se entende que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos deve ter lugar nos termos do art. 50º do Código Penal, sempre que atendendo às condições de vida do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime, for de concluir que a simples censura e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.


8) Sendo que, constitui a suspensão uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para certas circunstancias. Pois, a suspensão da execução da pena de prisão, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como fatores de inclusão, evitando os riscos de uma nova fractura social, familiar e comportamental, como fatores de exclusão.


9) Não são por outro lado, considerações da culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos de prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida e as circunstâncias de facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.


10) A suspensão da execução da pena de prisão, não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas antes do exercício de um poder – dever vinculado devendo ser decretada na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.


11) O Tribunal a quo, entende que se mostra completamente afastada a possibilidade de suspensão da pena de prisão ora aplicada, pois “ quanto à prevenção especial, nenhuma circunstancia conhecida permite razoavelmente concluir que o arguido “aprendeu a lição”, tendo interiorizado o desvalor das suas condutas, não havendo elementos de facto para se poder concluir que a “simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, desviando o arguido de futuras praticas criminosas, nomeadamente da mesma natureza, tendo em conta a intensidade do dolo, não permitindo ao tribunal fazer um juízo de prognose favorável sobre a sua futura conduta de forma a suspender a execução da pena”.


12) Desvalorizado as necessidades de ressocialização do arguido, e as suas condições de vida, estando o mesmo completamente integrado a nível socia, familiar, auferindo rendimentos suficientes à sua subsistência (tal como dado como provado) e sendo o suporte familiar.


13) Desvalorizando também o facto de já terem passado 2 anos desde a suposta ocorrência dos factos e que é de conhecimento comum de que estes crimes são altamente investigados pela polícia competente e que este arguido não voltou a delinquir. Pois caso contrário de tal seria dado devido conhecimento aos autos e o arguido não teria aguardado julgamento apenas com a medida de coação de Termo de Identidade e Residencia.


14) Pelos fundamentos supra expostos constata-se que a sentença da qual se recorre, violou o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal. E, aqui colocam-se- nos várias questões,


15) Assim, dentro da moldura legal, estabelece o art. 71º nº1 do Código Penal, que a determinação da medida da pena é feita” em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. O no 2 elenca, a título exemplificativo, algumas circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o no3 que na sentença são expressamente referidos os fundamento da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva nos artigos 375º nº 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada.


16) Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.


17) O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição, pois não detém, nesta sede, uma faculdade discricionária; o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição que satisfaça as exigências legais.


18) E, não resulta deste acórdão, que o tribunal a quo, tenha devidamente e exaustivamente ponderado, no processo aplicativo, as penas de substituição detentivas como o regime de permanência na habitação (artigo 44.º,n.o 1, alínea a),do Código Penal); a prisão por dias livres (artigo45.º, do Código Penal);e, o regime de semidetenção (artigo 46.º,do Código Penal), adequando-as ao caso e arguido em concreto e pronunciado acerca motivos concretos para o seu afastamento.


19) Sendo que no caso concreto, e no que toca especialmente ao regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, seria importante, pronunciar-se concretamente e exaustivamente, sobre os motivos da sua não aplicabilidade.


20) Afigurando-se-nos assim que o tribunal a quo incorreu no vicio de omissão de pronuncia, determinante da nulidade da sentença prevista na alínea c) do no1 do art. 379o do Código de Processo Penal.


21) Omitiu-se, assim, a apreciação e decisão de uma questão cujo conhecimento a lei impõe, o que se resolve numa omissão de pronúncia determinante de nulidade da sentença (arto 379º, nºa, al.c) do CPP cfr. Artº 660º, nº2, do CPC, aplicável ex vi artº 40 do CPP).


22) Aliás, “(...) toda a tendência do futuro direito penal –naturalmente condicionada pelo afinamento da sensibilidade dos homens para o efeito penoso que qualquer forma de tutela exterior sobre eles sempre envolve –há-de caracterizar-se pelo esforço para a substituição integral de uma tal forma externa de exprimir a reprovação ético-social por outra, ou outras, que melhor se harmonizem com o sentido reeducativo, que a toda a pena deve caber” -Professor EDUARDO CORREIA.


23) No entender do Professor GERMANO MARQUES DA SILVA, conjuntamente com a suspensão da execução da pena (artigo 50.ºoe ss.,do Código Penal) e com suspensão da execução da pena de prisão com regime de prova (artigo 53.º,do Código Penal),estaríamos perante penas substitutivas na execução da pena de prisão.


24) No processo de determinação da pena, como já referimos, à determinação da medida concreta da pena principal segue-se a obrigatória ponderação da aplicação de uma pena de substituição, e o douto tribunal, no nosso entender não o fez expressamente.


25) E o douto tribunal aqui apenas ponderou, e no nosso entender erroneamente, que não estavam verificados os pressupostos da aplicação da suspensão da execução de pena. Pois, a prisão efetiva deve ser a ultima ratio da política criminal, devido ao efeito estigmatizante e criminógeno da mesma.


Pelo que, in casu, deve a mesma ser suspensa na sua execução, por não se verificarem os requisitos de prevenção especial para a sua não suspensão ou, caso assim não se entenda e noutra linha ser devidamente ponderada da aplicação de uma pena de substituição, o que o douto tribunal, no nosso entender não o fez expressamente

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO

PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADO O ACORDÃO RECORRIDO,

TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA”

A3. A propósito deste recurso foi apresentada resposta pelo Ministério Público, no Tribunal a quo, a qual, embora não contendo conclusões, se pode sintetizar, para o que ora interessa, através da transcrição do seguinte trecho:


“Aos crimes em causa só é aplicável pena de prisão – art. 70º do Código Penal.


O grau de ilicitude é elevado, atento o desprezo dos bens jurídicos protegidos com que o arguido actuou, a manipulação da vítima e violência empregue, as consequências quer físicas quer psíquicas dos factos praticados supra referidas e a violação dos mais elementares deveres de protecção e garante que existem em pessoas com relação parafamiliar, encarregues de tomar conta de menores, ainda que momentânea e informalmente.


O arguido agiu com dolo directo – art. 14º nº 1 do CP.


Em declarações de arguido, com os seus inerentes direitos, apenas admitiu, em suma, que encostou o pénis na menor.


O arguido, quando falou acerca dos factos, demonstrou assim apenas algum arrependimento face ao único factos parcial que admitiu, sem apresentar para tal qualquer explicação, como seria de adivinhar (pois que nada pode explicar o sucedido), sendo que apenas disse que não teve tempo de pensar no que fazia.


O arguido tem 70 anos de idade e não tem antecedentes criminais.


Está social, profissional e familiarmente integrado.


Esta inserção não o impediu de praticar os factos, sendo mesmo ao abrigo deste contexto, que os praticou.


Foi dentro de casa da vítima, no seu lar, no seio da sua família, que o arguido, indiferente ao seu papel de “familiar” (como o próprio disse ser família) e garante do bem estar da mesma, se aproveitou da criança, ingénua e imatura atenta a sua tenra idade e lhe criou um cenário de suposta normalidade, ilusão que facilitou a prática dos crimes contra a vítima indefesa, desconhecedora, chegando mesmo a actuar contra a vontade expressa desta (sendo certo que nenhum consentimento vale nesta matéria como acima dissemos).


Existem assim, elevadas exigências de prevenção, quer geral, quer especial.


O crime de violação agravado tem a moldura penal abstracta de 4 anos e 6 meses a 15 anos de prisão (ou seja, a pena de 3 a 10 anos é agravada em metade nos seus limites mínimos e máximos uma vez que a vítima é menor de 14 anos, sendo a agravante prevista no artigo 177º valorada na medida da pena (artigos 164º, nº 2, alínea a) e 177º, nºs 1, alínea a), 7 e 8 do Código Penal)).


O douto acórdão aplicou 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de violação agravado, ou seja, uma pena junto ao seu limite mínimo (4 anos e 6 meses), menos de metade do seu limite máximo (metade do limite máximo são 7 anos e 6 meses).


Não foram dadas como provadas quaisquer circunstâncias subsumíveis à possibilidade de atenuação especial da pena, prevista no art. 72º do CP.


Por ser superior a 5 anos, tal pena, com a qual se concorda e que não poderia aproximar-se ainda mais do mínimo abstractamente previsto pois que não surtiríamos desejados efeitos gerais e individuais, não é susceptível de suspensão, nos termos do art. 50º ss, nem de ser cumprida na habitação, nos termos do art. 43º do CP.


Mesmo tendo em conta as fortes razões de prevenção geral e especial, a circunstância de os factos terem todos ocorrido sobre uma única vítima “familiar” do arguido, o douto tribunal, ainda assim, fixou ao arguido uma pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, muito próximo do limite mínimo da pena abstracta aplicável, muito abaixo do meio da pena máxima aplicável.


O Tribunal a quo não violou qualquer das normas ou princípios indicados pelo recorrente arguido, pelo que sustento na íntegra o douto Acórdão recorrido.”


A.4. O parecer do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça


Neste Alto Tribunal o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto apresentou bem elaborado parecer. no qual conclui da seguinte forma (transcrição):


“Em síntese:


Não padece de omissão de pronúncia a decisão que não conhece de questões não previstas na lei ou cuja apreciação é manifestamente afastada por inverificação de pressupostos formais.


Não é, no caso, excessiva a pena de 06 anos e 06 meses de prisão, em punição da prática de um crime de violação”, agravado, p. e p. nas disposições dos arts. 164º/2-a) e 177º/7 do Código Penal, sendo ofendida menor de 11 anos de idade;


Tal pena não é susceptível de ser suspensa na sua execução.”


A.5. Devidamente notificado nos termos do disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou qualquer resposta


* * *


Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


B - Fundamentação


B.1. âmbito do recurso


O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).


Assim e em suma, as questões a apreciar no presente recurso são as seguintes:

Omissão de Pronúncia;

Medida concreta da pena;

Suspensão da execução da pena de prisão ou aplicação de outra pena de substituição.


B.2. Matéria de facto dada como provada


Para proceder a essa apreciação importa, antes de mais consignar a matéria de facto dada como provada e que serviu de fundamento à aplicação das penas – parcelares e única – e à fixação da indemnização.


Assim, foi dada como provada e fixada a seguinte matéria de facto:

1. “BB nasceu no dia ........2009.

2. O arguido costumava conviver com BB, frequentando a casa da mesma, sendo companheiro de uma “irmã de criação” da mãe de BB.

3. Em dia não concretamente apurado, mas em Maio de 2021, BB dirigiu-se para sua casa, sita na Rua ..., ..., em ..., acompanhada pelo Arguido, após o que iriam ambos visitar um familiar de BB.

4. No interior da referida residência, aproveitando o facto de estar sozinho com a menor, o Arguido agarrou BB pelo braço e levou-a até ao quarto da mesma.

5. No quarto, BB sentou-se em cima da cama e o Arguido despiu-se, tirando as respectivas calças e cuecas.

6. Em simultâneo, o Arguido pediu a BB que se despisse, tendo a mesma despido as calças e cuecas que tinha vestidas.

7. Entretanto, o Arguido apalpou as mamas de BB, por cima da roupa que aquela tinha vestida.

8. Em seguida, o Arguido deitou-se na cama, por cima de BB, agarrou as pernas de BB e abriu-lhas, tendo introduzido o seu pénis na vagina da mesma, sendo que a BB gritou para que parasse.

9. O Arguido apenas parou aquele acto após alguns minutos, tendo saído de cima de BB.

10. Em seguida, BB saiu do quarto e dirigiu-se à casa de banho para se limpar.

11. Após o sucedido, ambos se vestiram e saíram de casa para irem visitar um familiar daquela, tendo o Arguido dito a BB para não contar o sucedido a ninguém.

12. O Arguido, ao actuar nos moldes supra referidos, agiu com o intuito de satisfazer os seus instintos libidinosos e de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que BB, com quem costumava conviver, tinha menos de 14 anos de idade, que praticava tais actos abusivos e que tais actos eram adequados a prejudicar o livre e harmonioso desenvolvimento da personalidade daquela, com reflexos na sua esfera sexual, o que logrou fazer ao actuar da forma acima descrita.

13. O Arguido AA conhecia os factos descritos e agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.


Mais se provou:

14. O arguido não tem antecedentes criminais.

15. À data dos factos o arguido residia com o cônjuge, contexto familiar que se mantém, em casa própria.

16. O arguido é natural de ..., e vive em Portugal desde 1999.

17. AA contraiu matrimónio há cerca de 50 anos com o cônjuge, vivência conjugal da qual nasceram os seus cinco filhos, todos autónomos, com idades compreendidas entres os 35 e os 49 anos.

18. O arguido iniciou a sua vida sexual com o cônjuge, e devido a problemas de saúde, desde o ano de 2020, nem sempre alcança satisfação sexual.

19. O arguido conhece a ofendida desde que a mesma nasceu, e durante anos as famílias estabeleceram uma relação de grande proximidade, o que, presentemente, já não se verifica.

20. O arguido quando chegou a Portugal tinha como habilitações o quarto ano, tendo, posteriormente, através de uma via técnico profissional do Instituto de Emprego e Formação Profissional, concluído o equivalente ao nono ano de escolaridade.

21. O arguido tem experiência profissional nas áreas da construção civil e jardinagem, nas quais trabalhou por conta de outrém, até ao ano de 2020, altura em que se reformou.

22. O arguido subsiste da sua reforma a que acresce um complemento solidário e o subsídio do cônjuge, o que perfaz um valor final de 759,97€. Tem entre outras despesas, 273,41€ (renda habitacional), 40,28€ (meo), 9,15€ (água) e 29,53€ (eletricidade).

23. Em virtude dos factos deste processo emergiu um afastamento, quer intimo quer emocional por parte do cônjuge, condição de que o arguido se responsabiliza e à qual não é indiferente.

24. O arguido valoriza as repercussões do seu comportamento no outro, demonstrando capacidade de descentração, de reconhecimento de dano associado à existência de vítimas e dos bens jurídicos subjacentes à tipologia criminal em referência.


*


Dos relevantes para a decisão da causa, não qualquer facto como não provado.”


B.3. Motivação da matéria de facto dada como provada


Relativamente aos factos anteriormente transcritos, o Tribunal a quo motivou a sua decisão nos seguintes termos:


“Concatenando a prova:


O arguido admite parte dos factos, apenas não confirmando que tenha usado de violência e que tenha mantido uma relação de cópula completa com a menor, pois apercebendo-se que a menor era virgem “não lhe queria estragar a vida”, e que logrou manter o relacionamento íntimo com a mesma após terem conversado.


Já a menor descreve a situação de forma diversa, referindo que o arguido lhe agarrou no braço para a levar para o quarto e que aí lhe ordenou que se despisse e lhe abriu as pernas introduzindo o seu pénis na sua vagina, momento em que a menina gritou para que este parasse.


(…)


A menor prestou declarações para memória futura com grande dificuldade em verbalizar o que se passou no interior do quarto demonstrando uma grande timidez e vergonha de falar de algo tão íntimo. Postura que tem mantido sempre ao longo do processo. Não merece qualquer credibilidade a versão do arguido de que a terá convencido, após uma mera conversa, a manter consigo relações sexuais.


Do depoimento da menor se percebe que foi o arguido que a levou para o quarto e que aí foi o mesmo que conseguiu que esta se despisse, e que abre as pernas da menor por forma a introduzir o seu pénis na vagina da mesma. O arguido admite que se apercebeu que a menor era virgem, o que levou a que não tivesse continuado, pelo que terá necessariamente introduzido o seu pénis na vagina da menina.


A menor referiu que gritou para que este parasse, declaração que se mostra credível.


A menor não retirou qualquer ganho com a declaração que prestou, não teve qualquer alteração da versão que apresenta desde o início, e as suas declarações têm uma emoção no relato dos factos. Acresce que a mãe da menor confirma uma mudança de comportamento após os factos, algo que ocorre muitas vezes perante estes actos.


Também o relatório da perícia conclui que não há sinais de que a menor esteja a confabular.


Assim, mostram-se credíveis as declarações da ofendida.”


B.4. O Direito


B.4.1. Questões prévias – A alegada omissão de pronúncia


Dado estarmos face a um recurso interposto nos termos do disposto no art. 432º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal importa, antes de mais e também face ao disposto no artigo 434º do mesmo diploma legal, verificar se existem vícios ou nulidades a que se reportam os nº 2 e 3 do artigo 410º desse Código.


Assim e quanto aos primeiros, consigna-se que a matéria de facto atrás referida e dada como provada nos termos também atrás mencionados não padece de quaisquer vícios que este Supremo Tribunal deva conhecer (tal como prevê o art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), nem estes foram arguidos.


Já no que concerne a nulidades entende o recorrente que o acórdão recorrido, ao não ter justificado a não aplicação das denominadas penas de substituição, violou o disposto nos arts. 374º, nº 2 e 375º, nº 1 do Código de Processo Penal e, como tal, tendo incorrido em omissão de pronúncia sobre questões sobre as quais se devia ter pronunciado, deve ser declarado nulo, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 al. c) do mesmo diploma legal.


E fundamenta essa posição com a seguinte argumentação:


"17) O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar as penas de substituição, pois não detém, nesta sede, uma faculdade discricionária; o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição que satisfaça as exigências legais.

18) E, não resulta deste acórdão, que o tribunal a quo, tenha devidamente e exaustivamente ponderado, no processo aplicativo, as penas de substituição detentivas como o regime de permanência na habitação (artigo 44.º,n.o 1, alínea a),do Código Penal); a prisão por dias livres (artigo45.º, do Código Penal);e, o regime de semidetenção (artigo 46.º,do Código Penal), adequando-as ao caso e arguido em concreto e pronunciado acerca motivos concretos para o seu afastamento.

19) Sendo que no caso concreto, e no que toca especialmente ao regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, seria importante, pronunciar-se concretamente e exaustivamente, sobre os motivos da sua não aplicabilidade.

20) Afigurando-se-nos assim que o tribunal a quo incorreu no vicio de omissão de pronuncia, determinante da nulidade da sentença prevista na alínea c) do no1 do art. 379º do Código de Processo Penal.”

Concorda-se com o recorrente quando refere que a aplicação das penas de substituição não constitui um poder discricionário do tribunal, bem como quando afirma que “o que está consagrado na lei é um poder/dever ou um poder vinculado, pelo que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, o tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição que satisfaça as exigências legais” (sublinhado e negrito nossos)


Porém e como bem observa o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, no que tange à prisão por dias livres e ao regime de semidetenção, tais penas foram eliminadas, pela Lei 94/2017, de 23 de agosto,3 do catálogo de penas estabelecido no Código Penal.


Assim e como os factos em apreço ocorreram em 2021, não faz qualquer sentido a referência a tais penas.


Quanto ao regime de permanência na residência, a também evidente falta de fundamento dessa argumentação reside, justamente, na circunstância de, no caso dos autos, não se verificarem os pressupostos de que depende a sua aplicação.


Na verdade, nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 43º do Código Penal, um dos pressupostos indispensáveis para que se possa ter consideração a eventual aplicação dessa pena consiste no facto de a pena de prisão efetiva aplicada não ser superior a 2 (dois) anos.


Ora, no caso em apreço, a pena de prisão aplicada foi de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo que não faz qualquer sentido a argumentação expendida pelo recorrente.


Assim e sem mais considerações, por totalmente despiciendas, nesta parte o recurso improcede.


B.4.2. A medida concreta da pena


B.4.2.1. Introdução – A razão de ser do recurso


Antes de mais não podemos deixar de consignar a nossa estranheza, decorrente do facto de, logo na sua primeira conclusão, ao indicar o crime pelo qual foi condenado e depois de ter aludido ao crime de violação, se reportar a “dois crimes de coação sexual agravada previstos


E por, na sua 4ª conclusão, referir que o Tribunal lhe teria aplicado “em cúmulo jurídico a pena única de 4 anos de prisão efetiva”.


Trata-se, obviamente de evidentes lapsus calami que se irão ignorar, mas que não podíamos deixar de referenciar…


Passando às razões que justificam a o presente recurso, em rigor a discordância do recorrente quanto à medida da pena funda-se, exclusivamente, na circunstância de “as exigências de prevenção especial não são elevadas, até porque estes factos terão ocorrido em 2021 e o arguido desde ai não teve mais nenhuma situação em que tal tenha acontecido.”


Com efeito, a partir da conclusão 7º passa a reportar-se à suspensão da execução da pena que, como adiante se mencionará, entende devia ter sido aplicada.


B.4.2.2. A fundamentação da medida concreta da pena


O acórdão recorrido justifica a pena aplicada ao arguido nos seguintes termos:


“Cumpre decidir:


O crime de violação em questão é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos, sendo que com a agravação de metade a moldura penal passa a ser de 4 anos e 6 meses a 15 anos.


No que toca ao grau de ilicitude, há que ter em consideração que esta ligeiramente acima da média, pois que se terá de levar em consideração que a menor integrava a “família alargada” do arguido, sendo filha de uma “irmã de criação” da sua esposa. Ainda que não os liguem laços de parentesco directo não deixavam de integrar um núcleo comunitário muito próximo. Essa relação próxima implica que cada membro da mesma seja o garante da segurança dos mais velhos e mais novos, pelo que o arguido tinha de facto para com a mesma um especial dever de respeito, havendo assim uma especial censura pelo seu comportamento. A intensidade da ilicitude é mediana.


O grau de culpa é mediana. O arguido actuou com dolo directo, sabendo da ilicitude da sua conduta e pretendendo actuar de tal forma para poder satisfazer os seus impulsos sexuais.


As necessidades de prevenção geral para estes crimes são ligeiramente acima da média atenta a quantidade de factos similares que têm sido julgados num curto espaço de tempo, mas as necessidades de prevenção especial mostram-se medianas, por não haver conhecimento de qualquer outro facto praticado pelo arguido. Não podemos deixar de referir que o arguido não demonstrou ter feito qualquer avaliação do seu comportamento e de como a mesma marcou a vida da ofendida, o que permite concluir que se mantém um real perigo de repetição do mesmo comportamento com terceiros.


Como atenuante apenas consta o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, de estar familiarmente integrado, estando já reformado, embora estas sejam características muito comuns em agentes deste crime, e a idade avançada do arguido.


Pelo supra exposto, tendo em atenção a gravidade do comportamento do arguido, que tem quase 70 anos, e a forma com a mesma marcou de forma inolvidável a vida e o desenvolvimento da vítima, mas igualmente que o mesmo não tinha antecedentes criminais, entende-se ser de aplicar ao arguido a pena de 6 anos e 6 meses de prisão.”


B.4.2.3. Apreciação


B.4.2.3.1. Introdução


Nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal e como refere Figueiredo Dias4, “(a)s finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, sendo que, “a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” pois isso, “mesmo que em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assi, logo por razões jurídico constitucionais, inadmissível.”


Por outro lado, continuando a acompanhar esse Mestre e citando o acórdão recorrido, a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida.


Como decorre do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a medida concreta da pena tem como limite máximo a culpa do agente, como limite mínimo razões de prevenção geral (consubstanciadas no quantum da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expetativas da comunidade), sendo subsequentemente afinada por razões de prevenção especial espelhadas nas funções que a mesma desempenha (seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou segurança ou inocuização5).


Escrito de outra forma e usando as palavras de Anabela Miranda Rodrigues sobre o exposto modelo de determinação concreta da medida da pena:


«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas6


Para terminar este excurso falta referir que, nos termos do nº 2 daquele mesmo artigo 71º, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as elencadas exemplificativamente nessa mesma norma.


Sobre as circunstâncias, que relevam para a determinação da medida da pena, quer pela via da culpa, quer pela da prevenção, refere Figueiredo Dias7, que as mesmas se podem agrupar em:


“1. Fatores relativos à execução do facto”, esclarecendo que: Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram (...);


“2) Fatores relativos à personalidade do agente”, em que inclui: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; e c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto; e


“3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, esclarecendo que no que respeita à vida anterior ao facto há que averiguar se este surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá atenuar a pena ou se existem condenações anteriores, que poderão servir para agravar a medida da pena.


Também Maria João Antunes refere que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 8


Duas últimas notas para terminar estas breves notas introdutórias:


A primeira, para nos referimos à atividade judicial de determinação concreta da pena, citando, para o efeito, o seguinte trecho de Figueiredo Dias9:


“Daqui se concluirá então que aquela atividade é, pura e simplesmente, aplicação do direito, confluindo nela as notas da discricionariedade e da vinculação, nos mesmos termos e na mesma medida em que tal sucede com qualquer operação comum de aplicação do direito; operação na qual relevam regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, atos cognitivos e puras as valorações. Justamente no desenvolvimento e solidificação desta concepção - que representa o adeus definitivo ao dogma da “arte do juiz” e da sua discricionariedade desvinculada na matéria - se considera residir naquilo que com Rudolphi, pode com razão chamar-se a fase de jurídica que são da determinação da pena.”


A segunda, para começar por citar Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de novembro de 202310, no qual se consignou, designadamente, o seguinte:


“IV. Sendo os recursos remédios jurídicos, mantendo o arquétipo de recurso-remédio também em matéria de pena, a sindicabilidade da medida da pena abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.


B.4.2.3.2. O caso concreto


Passando agora ao caso concreto, desde já se adianta que, à luz das considerações atrás transcritas, não se vislumbra motivo para censurar o acórdão recorrido.


Com efeito, com vista a fundamentar o pedido de diminuição da pena de prisão aplicada, argumenta o recorrente que já passaram 2 anos sobre a prática do crime e que, desde então, não voltou a praticar outros ilícitos criminais.


Ora, sem colocar em causa o afirmado pelo recorrente – embora o que, obviamente, se pode afirmar é, apenas, que não há conhecimento da prática de qualquer novo crime… -, não praticar ilícitos criminais, é a atitude que, em temos de normalidade, se espera – e se exige - de qualquer cidadão…


Por outro lado, o decurso do tempo só tem interesse para o cálculo da medida concreta da pena quando tenham decorrido muitos anos sobre o cometimento do ilícito e, sobretudo, quando exista prova de que o arguido manteve boa conduta durante todo esse período.


É isso que resulta, designadamente, do disposto na al. d) do nº 1 do artigo 72º do Código Penal.


E é tem sido também esse o entendimento deste Alto Tribunal, do qual se pode citar, a mero título de exemplo, o seguinte aresto11:


“I - O art. 72.°, n.° 2, al. d), do CP, admite a atenuação especial da pena quando tiver decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta, quando estas circunstâncias diminuírem por forma acentuada a necessidade da pena. A “boa conduta” exige naturalmente a ausência de qualquer condenação por factos posteriores, mas esse facto poderá não bastar, sendo de valorizar, para a avaliação positiva da conduta, qualquer atitude de reparação, ainda que meramente moral, da vítima.
II - De qualquer forma, a expressão “muito tempo” significa um lapso de tempo muito amplo, excecionalmente longo, tendo em consideração a normal tramitação do processo.
III - No caso dos autos, é de rejeitar liminarmente a verificação do condicionalismo exigido para aplicação da atenuação especial. Com efeito, o prazo decorrido desde o último facto ilícito até à presente decisão não excede cerca de 3 anos e meio. Tendo em conta a normal tramitação de um processo comum em tribunal coletivo, e considerando ainda que a primeira decisão proferida em 1.ª instância foi anulada no STJ, obrigando a um segundo julgamento e nova decisão, não se pode entender, de forma alguma que o período de tempo entretanto decorrido é excecionalmente longo, que é “muito tempo”.
IV - Aliás, também ficaria por provar a “boa conduta” do recorrente, que se limitará à mera ausência de condenação criminal posterior. Não estamos, pois, seguramente, em presença de uma situação em que a necessidade da pena esteja fortemente atenuada.”


Portanto e em conclusão, não se vislumbra motivo para censurar o acórdão recorrido.


Com efeito, o tempo decorrido não é suficiente para que possa pesar na medida concreta da pena e, quanto ao aludido não cometimento de crimes, o acórdão teve tal circunstância em conta ao consignar que “as necessidades de prevenção especial mostram-se medianas, por não haver conhecimento de qualquer outro facto praticado pelo arguido”


Aliás, a pena aplicada não nos parece excessiva (bem pelo contrário…), tendo em conta os factos cometidos pelo arguido e sua personalidade, afigurando-se-nos também estar adequadamente fundamentada.


Com efeito:


O arguido foi condenado pela prática de um crime de violação (artigo 164º, nº 1 al. a) do Código Penal) agravado pela circunstância de a vítima ser menor de 14 anos de idade (artigo 177º, nº 7 do Código Penal)


O acórdão recorrido entendeu que o grau da ilicitude foi mediano, devido à relação quase familiar que o arguido tinha com a vítima.


Na verdade, os factos dados como provados demonstram, à saciedade, a existência desse relacionamento “quase familiar” que o arguido mantinha com a vítima, bem como a “confiança”, a “autoridade” e a “influência” gerados por esse relacionamento, sendo evidente que tudo isso foi altamente facilitador e decisivo para o cometimento do crime.


Acontece que o legislador considera essas circunstâncias, em termos gerais, de tal forma relevantes - no sentido de uma censura agravada - que as classifica como circunstâncias modificativas da pena abstrata (cfr. al. b) do art 177º e a al. b) do artigo 172º, ambos do Código Penal).


Por outro lado, e ainda em sede de ilicitude, importa sublinhar que a vítima tinha somente 11 anos de idade.


Ou seja, era, sem dúvida, uma “pessoa particularmente vulnerável”, o que, uma vez mais, é considerado pelo legislador como circunstância modificativa da moldura abstrata da pena (cfr. art. 177º, nº 1 al. c) do Código Penal).


Portanto e sem querer ir mais além neste ponto, qualificar esta ilicitude como mediana é, sem dúvida, uma avaliação benevolente do comportamento do arguido.


A forma de execução do crime é muito censurável, desde logo porque, depois de o arguido apalpar as mamas à menor por cima da roupa e de lhe afastar violentamente as pernas e antes de introduzir o seu pénis na vagina desta, a menor “gritou que parasse” e o arguido não foi sensível a esse pedido desesperado da criança e apenas parou alguns minutos depois. Acresce que, como resulta dos factos apurados, parou, não devido a esse pedido, mas por ter descoberto que a menor era virgem e para “não lhe estragar a vida”…


Por outro lado, e como refere o acórdão recorrido, “o arguido actuou com dolo directo, sabendo da ilicitude da sua conduta e pretendendo actuar de tal forma para poder satisfazer os seus impulsos sexuais”, concluindo, de forma seguramente não excessiva, que a culpa foi mediana.


As necessidades de prevenção geral para estes crimes são muito elevadas, sendo a comunidade particularmente sensível quanto a violação de crianças.


Por outro lado, refere o acórdão recorrido que “as necessidades de prevenção especial mostram-se medianas, por não haver conhecimento de qualquer outro facto praticado pelo arguido.” Contudo, a seguir acrescenta que “(n)ão podemos deixar de referir que o arguido não demonstrou ter feito qualquer avaliação do seu comportamento e de como a mesma marcou a vida da ofendida, o que permite concluir que se mantém um real perigo de repetição do mesmo comportamento com terceiros.” Ora, concordando com estas premissas, não podemos considerar excessiva (antes pelo contrário) a qualificação das necessidades de prevenção especial como medianas….


Finalmente, também acompanhamos o acórdão recorrido quando refere que “(c)omo atenuante apenas consta o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, de estar familiarmente integrado, estando já reformado, embora estas sejam características muito comuns em agentes deste crime, e a idade avançada do arguido.”


Contudo, a este propósito e como bem refere o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto “(o) grau de integração social do arguido não há-de decorrer apenas da sua (inevitável) pertença a uma comunidade humana organizada, mera expressão de um instinto gregário que está ainda mais presente noutros exemplos da biologia animal – a integração pressupõe um comportamento de acordo e no respeito pelas regras mínimas da sociabilidade, numa complexa e entrecruzada relação dialéctica entre o eu e o outro, donde se afirma o todo social”, acrescendo que a idade do arguido, se releva no que concerne à falta de antecedentes criminais, já não terá esse efeito relativamente à (acrescida) obrigação que sobre ele impendia de não adotar o comportamento que adotou…


Face a todo o exposto, tendo em consideração que a moldura abstrata do crime praticado se situa entre os 4 anos e 6 meses e os 15 anos, não consideramos excessiva (bem pelo contrário) a aplicada pena de 6 anos e 6 meses de prisão, por a mesma se situar próxima daquele limite inferior.


Termos em que, também neste domínio, o recurso improcede.


B.4.3. Suspensão da execução da pena de prisão ou aplicação de outra pena de substituição.


Finalmente, pretende o arguido e ora recorrente que a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada seja suspensa.


Naturalmente que tal pedido só faria sentido se a pena não excedesse os 5 anos de prisão (cfr. artigo 50º do Código Penal).


E a mesma consideração vale no que concerne às demais penas de substituição previstas nos artigos 43º (regime de prisão na habitação), 45º (substituição da prisão por multa); 46º (proibição do exercício de profissão, função ou atividade) e 58º (prestação de trabalho a favor da comunidade).


Assim e sem necessidade de outras considerações, por absolutamente desnecessárias, também nesta parte o recurso é improcedente.


C. Das custas processuais:


Ao abrigo do disposto no artigo 513º do Código de Processo Penal e dos artigos 1,º 2º e 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro), o Recorrente tem de pagar custas judiciais, cuja taxa de justiça varia, in casu e face à Tabela Anexa III ao aludido Regulamento, entre 5 e 10 unidades de conta.


Face ao exposto e tendo em conta a não complexidade da decisão, vai condenado em 5 (cinco) unidades de conta


Por outro lado, a improcedência do recurso é devida a uma manifesta falta de diligência e de cuidado.


Com efeito, no que se reporta à alegada “omissão de pronúncia, é evidente que a mesma está, para usar as palavras do Ministério Público, “manifestamente afastada por inverificação de pressupostos formais”; relativamente à medida da pena o recorrente limita-se a citar doutrina e jurisprudência, sendo também manifestamente improcedente o único argumento que, com benevolência, considerámos alegado e, relativamente ao pedido de aplicação de penas de substituição, a lei exige que o mesmo seja, obviamente, improcedente, face à medida concreta da pena aplicada ao arguido. A tudo isto acresce a invocação absurda de crimes (coação) e de pena única (de 4 anos) pelos quais o arguido não foi condenado e que apenas se compreende numa atividade de “corta e cola” que não nos parece consentânea com a interposição de um recurso para a mais Alta Instância Judicial do País…


Em suma, o recurso é manifestamente improcedente e revela uma censurável falta de diligência e de prudência que justificam a condenação do recorrente nos termos do artigo 420º, nº 3 do Código de Processo Penal no pagamento de sanção processual, a fixar entre 3 e 10 unidades de conta.


Com efeito, são cumulativas a condenação em custas do incidente e em multa no caso de pedido manifestamente infundado, pois elas visam propósitos diferentes: uma tributa o decaimento num ato processual a que deu causa e a outra censura a apresentação de requerimento sem a prudência ou diligência exigíveis (Salvador da Costa, As custas Processuais, Coimbra: Almedina, 6.ª ed., 2017, p. 86).


Atendendo, por um lado, à não complexidade do objeto da decisão e, por outro, à manifesta improcedência do recurso, considera-se ajustado fixar essa importância em 5 (cinco) unidades de conta.

D – Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar o recurso totalmente improcedente e confirmar o douto acórdão recorrido.


Vai o recorrente condenado no pagamento de 3 (três) U.C., relativas às custas devidas, a que acrescem 5 (cinco) U.C., nos termos do artº 420º, nº. 3, do Código de Processo Penal.


Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada


(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)


Os Juízes Conselheiros


Celso Manata (Relator)


Vasques Osório (1º Adjunto)


Leonor Furtado (2º Adjunto)


_________________________________________________

1. In CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196.↩︎

2. In DR I Série - A, de 28 de dezembro de 1995.↩︎

3. A qual, nos termos do seu artigo 14º, entrou em vigor 90 dias após a sua publicação.↩︎

4. “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” 4ª reimpressão, pág. 227 e sgs.↩︎

5. Figueiredo Dias, ob. citada 223 e sgs.↩︎

6. Cf. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, abril-junho de 2002, págs. 181 e 182.↩︎

7. Cfr. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, pág. 245 a 255.↩︎

8. Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011.↩︎

9. “Direito Penal Português As consequências Jurídicas do Crime, 4ª reimpressão, pág. 195.↩︎

10. Proc. 808/21.3PCOER.L1.S1 relatado pela Juiz Conselheira Ana Brito↩︎

11. Ac do STJ de 15 de março de 2012 – Proc. 1417/08.8TAVIS.C1.S1 in www.dgsi.pt↩︎