Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1699
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO A PENSÃO
ASCENDENTE
ILAÇÕES
Nº do Documento: SJ200711220016994
Data do Acordão: 11/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I – O direito à pensão a favor dos ascendentes depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: a percepção pelos ascendentes, com carácter regular, de uma contribuição pecuniária por parte do sinistrado; a necessidade, ou carência, da assinalada contribuição para o sustento dos beneficiários.
II - A exigência da necessidade da contribuição funda-se na constatação de que o direito consagrado no art. 20.º, n.º 1, al. d) da LAT aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro é uma emanação do instituto da obrigação alimentar , e esta apenas existe a favor das pessoas que não possam prover integralmente ao seu sustento (arts. 2003.º e 2004.º do CC).
III - Cabe aos ascendentes/autores o ónus de alegar e provar os factos integradores desse requisitos por serem constitutivos do direito à reparação (art. 342.º, n.º 1 do CC).
IV - A carência dos autores, em termos de viabilizar o seu direito à reparação pelo acidente, pressupõe a prova necessária da sua situação económica, onde avultam o nível das suas remunerações e das correspondentes despesas, pois só esse confronto permite ajuizar sobre a efectiva necessidade da contribuição que lhes era prestada pelo sinistrado.
V - Dos factos, provados, de o pai do sinistrado/autor ser agricultor e estar a receber uma pensão social de cerca de € 42 em virtude de acidente de trabalho que o incapacitou, não se retira, em termos lógicos ou de experiência comum, que autor se limita a fazer um amanho de terras a nível doméstico, com diminuto valor económico e que os rendimentos do agregado familiar dos autores geram uma capitação diminuta, inferior ao valor do salário mínimo, pelo que não está demonstrada a carência, por parte dos autores, da contribuição do sinistrado para o respectivo sustento.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – A ré Companhia de Seguros Empresa-A, S.A. interpôs a presente revista do acórdão da Relação do Porto que, em apelação por ela interposta e a que aderiu a co-ré Empresa-B, Lda, confirmou a sentença que havia condenado:
a) A Ré Empresa-A no pagamento, para cada um dos Autores AA e mulher BB (residentes na Rua Fernando Ferrari, nº. ..., Vila Industrial, Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil), do capital de remição correspondente à pensão, anual e vitalícia de 1.028,82 €, com início em 31.10.2003;
b) A Ré Empresa-B, Lda no pagamento, para cada um dos referidos AA., do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de 689,85 €, com início em 31.10.2003.
Apresentou, na revista, as seguintes conclusões:
A. - Estabelece o art. 20° n.º 1, al. d) e n.º 2 da Lei n.º 100/97 que, se do acidente resultar a morte da vítima, não havendo cônjuge ou filhos com direito a pensão, os seus ascendentes têm direito a reparação dos danos emergentes desse acidente, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade para o seu sustento.
B. - Para além deste pressuposto, é também necessário que os ascendentes tenham necessidade dessa contribuição, ou seja, que sejam realmente portadores de um grau de dependência económica em relação ao sinistrado falecido, sendo certo que a invocação e demonstração dos factos que integram estas condições constitui ónus dos AA., nos termos do preceituado no art. 342°, n.º1 do Cód. Civil, por revestirem natureza constitutiva do direito que pretendem fazer valer.
C. Esta exigência advém do destino da contribuição (alimentos) por força do disposto no n. ° 1 do art. 2004°, do Cód. Civil, que estabelece como critério definidor da medida dos alimentos a “necessidade daquele que houver de recebê-los", bem como da al. b) do n.º 1 do art.º 2013° do mesmo diploma, que estipula a cessação da obrigação de alimentos quando “aquele que os recebe deixe de precisar deles".
D. - Tal significa que o direito dos familiares da vítima à pensão consagrada na al. d) do n.º 1 do art. 20° da Lei 100/97, é uma emanação do instituto da obrigação alimentar, e esta existe apenas a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento, como decorre do disposto nos arts. 2003° e 2004°, ambos do Cód. Civil.
E. - No caso dos autos, a propósito da verificação deste duplo condicionalismo, ficou apenas provado que parte do salário que o falecido remetia para os AA. se destinava à melhoria das suas condições de vida e outra, para comprar casa própria - ponto 7 dos factos assentes -, pelo que não é possível discernir e afirmar, com o rigor indispensável ao fundamento de uma decisão, que a contribuição do sinistrado se destinava a possibilitar um melhor nível de vida, mas que, ao invés, não era absolutamente indispensável à satisfação das mais elementares necessidades dos AA., sendo certo que, só nesta vertente, esta contribuição releva para efeitos de atribuição de pensão.
F. - Dos factos assentes, resulta que o A. é agricultor, aufere uma pensão por acidente de trabalho, no valor de Eur.42,00/mês, o que é correspondente a 50% do salário mínimo nacional brasileiro e que a A. é doméstica, fazendo alguns arranjos de costura.
G. - Acresce que, os AA. não demonstraram, desde logo, que não fossem proprietários fundiários e bem assim que não tivessem outros rendimentos, por exemplo, de trabalhos agrícolas em propriedades próprias ou alheias - dado que ficou assente que o A. é agricultor -, de serviços prestados para além do horário de trabalho ou de actividades comerciais, e por outro lado, não invocaram, nem demonstraram que, antes do sinistrado começar a trabalhar, tivessem necessidades incomportáveis para os rendimentos que, então, auferiam, ou seja, como até então viviam.
H. - Também, os Recorridos não demonstraram: qual a parte do numerário enviado que se destinava a eles (AA.) mesmos, qual a respeitante à aquisição de habitação e, fundamentalmente, se ambas eram enviadas todos os meses ou interpoladamente e ainda, na hipótese da quantia remetida ser menor, qual dos destinos tinha prioridade.
I. - Aliás, é público e notório, não carecendo por isso de alegação e demonstração, que, sendo o A. agricultor, seguramente retirará rendimentos desta situação – seja em espécie, seja em dinheiro -, susceptíveis de contribuir para o seu sustento, bem como da sua esposa, conforme até se reconhece na decisão sob censura.
J. - Ademais, não foi alegado e, por isso, também não foi demonstrado - como era ónus dos Recorrentes - que, após o falecimento do sinistrado, estes tivessem que recorrer a outros expedientes (um segundo emprego, por exemplo) para compensar a eventual falta de contribuição do sinistrado.
K. - Do circunstancialismo apurado sobre este particular aspecto, não pode concluir-se pela verificação do apontado pressuposto da necessidade da contribuição do sinistrado, no sentido de que a mesma era absolutamente indispensável à satisfação das mais elementares necessidades dos AA., pois, só nesta medida, releva para efeitos de atribuição de pensão, pelo que não se encontram apuradas nos autos as aludidas condições objectivas para que possa reconhecer-se aos AA. o direito que invocam na presente acção, em razão do que a acção tem fatalmente de improceder no que respeita às pensões peticionadas.
L. - Julgando de modo diferente, o acórdão sub judice fez errada interpretação dos factos e incorrecta aplicação da lei, designadamente da al. d), do n.º 1 do art.º 20° da Lei 100/97 de 13 de Setembro, dos artºs 2000 e segs CCiv., que violou, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outra que, aplicando o referido preceito, absolva a Recorrente do pagamento aos M. de qualquer pensão por morte do filho.
M. - No que concerne à dinâmica do acidente, da matéria provada nos autos, resulta que o sinistro se ficou a dever, em exclusivo, a negligência grosseira do sinistrado.
N. - A verificação desta qualificação deverá traduzir-se num comportamento imprudente, inútil, um incumprimento da elementar diligência usada pela generalidade das pessoas, segundo um padrão objectivo, fornecido pelo procedimento habitual de um homem de sensatez média - neste sentido Ac. do S.T.J., de 12.05.89, in B.M.J., n.387, pág.400.
O. - O factualismo dado como apurado na sentença, designadamente sob os n.ºs 10, 12, 13, 14, 15 e 16 é, por tal forma, exuberante quanto à culpa grave e exclusiva do sinistrado que outra conclusão não admite que não seja a descaracterização do acidente.
P. - Da matéria de facto assente resulta insofismavelmente que o sinistrado cometeu uma gravíssima violação às regras estradais, ao circular, com um veículo pesado, a uma velocidade de 90 Km/hora, num local - curva pronunciada -, onde a velocidade permitida se encontrava limitada a 60 Km/hora.
Q. - Por outro, a mais elementar prudência impunha que o sinistrado conduzisse com o cinto de segurança colocado – tanto mais que efectuava uma condução manifestamente perigosa, do que é sintomático a velocidade a que circulava no momento do acidente pelo que, caso tal acontecesse, jamais o sinistrado teria sido cuspido da cabine e caído na via inferior de uma altura de cerca de 15 metros, cuja CAUSALIDADE para os directos efeitos do sinistro não pode ser escamoteada uma vez que a vítima foi violentamente projectada, a grande distância.
R. Assim, do cotejo da factualidade dada como assente e, bem assim, dos restantes elementos de prova constantes dos autos e das regras da experiência comum - de que o Tribunal jamais pode deixar de se socorrer para a boa decisão da causa -, o Tribunal a quo deveria ter extraído a conclusão de que o motivo determinante do despiste do veículo conduzido pelo sinistrado residiu num comportamento altamente reprovável pelo mais elementar bom senso e sentido de prudência.
S. - Pois, qualquer homem comum, medianamente prudente, diligente e atento, colocado naquelas mesmas circunstâncias, seguramente, teria agido ou conduzido de outro modo, designadamente reduzindo a velocidade para o limite legal, atentas às circunstâncias do local - curva pronunciada -, e concentrando a sua atenção na condução automóvel que levava a cabo, a qual é uma actividade perigosa, tanto mais se considerarmos que se tratava de um veículo pesado – tractor e reboque –, cuja direcção e condução implica riscos acrescidos, por força da sua dimensão e peso.
T. - Sendo certo ainda que não ficou demonstrada qualquer causa de exclusão da ilicitude de tal conduta ou da culpa do sinistrado no acidente e, bem assim, a existência de qualquer conduta ilícita e culposa de outrem para a ocorrência do mesmo; ao invés, ficou também demonstrado que o tempo estava seco e a visibilidade era boa.
U. - Por outro lado, um facto ou conjunto de factos não podem merecer qualificação distinta, consoante o ramo de direito, a óptica sob que é (são) apreciado(s), atento o princípio fundamental da UNIDADE DO SISTEMA JURÍDICO, que o mesmo é dizer que uma determinada situação não é mais ou menos censurável, se encarada numa perspectiva PENAL, CIVILÍSTICA ou LABORAL.
V. - É irrecusável que o acidente dos autos, em termos penais ou civis, seria total e exclusivamente imputado ao sinistrado com culpa grave deste, face a grosseira violação de inúmeras regras estradais; com efeito, a situação que os presentes autos consubstanciam é rigorosamente enquadrável no dispositivo do art.7°, n.º 1, al. a) da Lei n.º 100/97: " Que ... provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança ... previstas na lei."
X. - Razão alguma pode aduzir-se com razoabilidade para alterar tal critério quando se encara a questão sob o ponto de vista laboral, uma vez que a mera qualificação de trabalhador/sinistrado, não exime o falecido de censura quanto a prática das sucessivas infracções estradais.
Z. - Isto porque, o facto gerador da responsabilidade – em qualquer das ajuizadas vertentes – não pode deixar de ser analisado de forma idêntica e perante o mesmo prisma, sob pena de violação do citado princípio da unidade do ordenamento jurídico.
AA. - Por isso é que se o acidente de viação dos autos fosse apreciado em sede de processo-crime ou como mero sinistro viário para exercício da responsabilidade inerente à circulação do veiculo QU, outra decisão não poderia, com justiça, proferir-se que não fosse a de julgar único e exclusivo culpado o sinistrado.
AB. - Provou-se que o acidente se verificou em condições tais que só um erro grosseiro do sinistrado o pode explicar, o que é integrador do conceito de "negligência grosseira".
AC. - Considerar, como se faz na decisão recorrida, que, não obstante a matéria de facto assente, a Recorrente não logrou provar a negligência grosseira, em ordem a descaracterizar o acidente, representa, no mínimo, sofismar a questão ou inverter o ónus da prova, em termos tais que, na prática, seria sempre impossível à Recorrente-Seguradora isentar-se de responsabilidade.
AD. - E desprezar por completo a regra essencial do julgamento – que é, indubitavelmente, o aspecto mais importante da questão – qual seja a de o JUIZ ESTAR OBRIGADO A JULGAR SEGUNDO AS REGRAS COMUNS DA VIDA, A EXTRAIR DA EXPERIÊNCIA DO QUOTIDIANO AS CONSEQUÊNCIAS DOS FACTOS QUE TEM DE APRECIAR.
AE. - Por outro lado, o infelizmente tão frequente e até abusivamente utilizado argumento de que "... não se apuraram as causas concretas em que o acidente ocorreu ..." viola, de modo frontal, objectivo e aberrante, as regras do raciocínio humano, as já mencionadas leis da vida!
AF. - Isto é, se ocorre um acidente em que o condutor excede em 50% a velocidade autorizada, se embate nos rails, se não usa cinto de segurança e é projectado, A RESPOSTA QUE A INTELIGÊNCIA DE UM SER HUMANO NORMAL, DO BONUS PATER FAMILIA, FORNECE PARA ESTES ACONTECIMENTOS, na falta de outros elementos justificativos, é fatalmente a de que o despiste foi causado pelo excesso de velocidade e que a projecção do condutor resultou da falta de cinto de segurança.
AG. - São as mais elementares regras da vida, na vertente específica da condução estradal que impõem, de modo irrecusável, aquelas respostas a tão singelas, quanto objectivas questões e por isso é que não tendo emergido nos autos – imprescindivelmente invocadas e provadas pelos AA. – quaisquer razões susceptíveis de facultar outra explicação, distinta da que a experiência da vida fornece, tem de entender-se que aquelas questões não foram, pelos AA. - como era seu encargo e dever - suficientemente esclarecidas em ordem à formação de uma convicção adequada e juridicamente fundamentada.
AH. - Esta questão prende-se incidivelmente com um dos princípios fundamentais do Estado de Direito qual seja o da unidade do ordenamento jurídico, entendida esta expressão como a igualdade de tratamento duma mesma questão jurídica, qualquer que seja a perspectiva da sua apreciação.
AI. - A interpretação da matéria de facto apurada, realizada pelo tribunal a quo, representa a mais clara violação do princípio da igualdade de armas, emanação do princípio constitucional da igualdade e não discriminação, consignado no art.13° da Constituição e bem assim, como se salientou, do apontado princípio da unidade do sistema jurídico.
AJ. – Indúbio é pois que, neste particular aspecto, a decisão em apreço padece de manifesto e notório erro na apreciação da prova produzida e violação dos normativos mencionados, o que é conducente à sua revogação.
AK. - Noutra perspectiva, era sobre os Recorridos que impendia o ónus de invocar e provar que o acidente se verificou por qualquer razão estranha ao sinistrado e que o tivesse obrigado a agir daquela forma, o que não fizeram.
AL. - Eventuais situações determinantes ou justificativas do despiste do veículo conduzido pelo sinistrado, em termos de lhe justificarem ou diminuírem a gravidade, funcionariam como factos impeditivos da descaracterização, na medida em que adicionassem ao comportamento objectivamente temerário e indesculpável, um elemento ou circunstância redutor ou atenuador da gravidade e da indesculpabilidade, pelo que a regra do n.° 2 do art. 342° do Cód. Civil tem ainda virtualidade para impor o ónus da prova a quem dele, num exame mais desatento, pareceria estar desobrigado, ou seja, os Recorridos.
AM. - Provou-se que o acidente se desenvolveu em condições absolutamente normais, pelo que, não tendo sido alegada nem demonstrada alguma situação de natureza excepcional a que pudesse atribuir-se o desvio da trajectória do veículo e o consequente despiste, tem esta de, necessariamente, radicar na condução imperita, inconsiderada, gravemente perigosa e violadora das mais elementares regras estradais por parte do sinistrado e, por consequência, objectivamente integradora de negligência grosseira deste.
AN. - Este condicionalismo, bem como a projecção por falta de utilização do cinto, são, inegavelmente, conducentes à descaracterização do acidente, face ao disposto no art. 7°, n. º 1, als. a) e b) da Lei n.º 100/97, e, por isso, à inexistência de qualquer responsabilidade da Recorrente pelas consequências do mesmo.
AO. - Assim, a douta decisão recorrida para além de não ter respeitado os princípios da unidade do sistema jurídico, da distribuição do ónus da prova e o da não discriminação vertido no art. 13° da C.R.P., violou o disposto nos art. 663° do Cód. de Proc. Civil, art. 342 do Cód. Civil, na medida em que fez uma interpretação menos correcta da prova produzida e, consequentemente, uma desadequada aplicação do direito impendente à questão sub judice, nomeadamente do art. 7°, n.º 1, als. a) e b), da Lei n.º 100/97, de 13.09, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente dos pedidos.
Pede que seja revogado o acórdão recorrido, com a absolvição da recorrente.

A R. Empresa-B, Lda veio, a fls. 702, e ao abrigo da al. a) do n.º 2 do art.º 683º do CPC, aderir ao recurso da R. Empresa-A.

Os AA. contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

II – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, que não há fundamento legal para alterar:
1 - Os AA. são pais de CC, nascido a 1/4/1981. - A) da matéria assente.
2 - O CC faleceu no dia 30/10/2003, no estado de solteiro e sem deixar descendentes. - B) da matéria assente.
3 - O CC, enquanto vivia na sua terra natal (Brasil), residia em casa dos pais. - resposta ao quesito 1°.
4 - Emigrou para Portugal, juntamente com o seu irmão DD, para melhorar a sua condição económica e a de seus pais. - resposta ao quesito 2°.
5 - O A. é agricultor, estando a receber uma pensão social de cerca de €42,00 por mês, em virtude de acidente de trabalho que o incapacitou - resposta ao quesito 3°.
6 - A A. é doméstica, fazendo alguns arranjos de costura. - resposta ao quesito 4°.
7 - O CC remetia todos os meses grande parte do salário que auferia para os AA., sendo uma parte destinada à melhoria das condições de vida dos M. e outra parte para comprar uma casa própria - resposta aos quesitos 5° e 6°.
8 - O CC, em 5/2/2003, foi admitido ao serviço da R. "Empresa-B" para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de motorista de veículos pesados. - C) da matéria assente.
9 - No exercício da sua actividade, o sinistrado efectuava viagens de longo curso, nomeadamente para Espanha. - D) da matéria assente.
10 - No dia 30/10/2003, pelas 12,40 horas, no exercício daquela actividade por conta da R. "Empresa-B", o CC conduzia o conjunto articulado composto de cabeça tractora de matrícula QU, e semi reboque de matricula R-BBF, pela estrada elevada de acesso à via N-I (Madrid/Irun), quando perdeu o controlo do veículo e, depois de ter embatido nas guardas laterais da via, que derrubou, despenhou-se na via inferior, tendo sido cuspido da cabine. - E) da matéria assente
11 - Em consequência do que sofreu, directa e necessariamente, lesões corporais, que foram causa determinante da sua morte, que se verificou poucas horas depois. - F) da matéria assente.
12 - No local do acidente e atento o sentido de marcha do sinistrado, a estrada descreve uma curva para a esquerda, precedida de uma extensa recta. - resposta aos quesitos 7° e 8°.
13 - A parte destinada à circulação, com um único sentido de trânsito, mede cerca de 7,20 metros. - resposta ao quesito 9°.
14 - Em virtude da aproximação à curva descrita em 12), existe um sinal de proibição de velocidade superior a 60 km/hora. - resposta ao quesito 10°.
15 - O tempo estava seco e a visibilidade era boa. - resposta ao quesito 11º.
16 - Antes do acidente, o sinistrado circulava a 90 km/hora e conduzia sem ter colocado o cinto de segurança. - resposta aos quesitos 12° e 13°.
17 - O CC auferia, à data do acidente, a remuneração ilíquida anual de € 11.456.48. - G) da matéria assente .
18 - A R. "Empresa-B" havia transferido para a R. seguradora a sua responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho verificado com o CC, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº. 000371788, e pelo salário anual de €6.857,48. - H) da matéria assente.

III – As instâncias entenderam, no que aqui interessa, que não há lugar à descaracterização do acidente e que os AA., pais do sinistrado, têm direito à respectiva reparação.
E daí que tenham condenado as RR. nessa reparação, na proporção das respectivas responsabilidades, face ao montante da responsabilidade transferida para a seguradora.

Na sua revista, a que a co-ré empregadora aderiu, a R. Empresa-A volta a defender a sua não responsabilização pelo acidente, por, segundo defende, os AA. não haverem provado que tivessem necessidade da contribuição do sinistrado, o que os afasta da categoria dos familiares com direito à reparação infortunística, e porque, em qualquer caso, o acidente se ficou a dever a negligência grosseira e exclusiva do sinistrado e a violação de normas referente à circulação rodoviária, mais concretamente ao excesso de velocidade e ao não uso do cinto de segurança, o que o descaracteriza, ou seja, afasta a responsabilidade das RR..
Invoca ainda que o acórdão recorrido incorreu na violação dos princípios da unidade do sistema jurídico, da distribuição do ónus da prova e da não discriminação, vertido no art.º 13º da Constituição.
São, pois, essas as questões que, levadas às conclusões, constituem objecto da revista (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.08, a aplicável, nos termos dos art.ºs 11º, n.º 1 e 12º deste diploma).

Começando pela 1ª questão – a de saber se os AA. reúnem os requisitos que lhe permitam habilitar-se à reparação infortunística:
É de referir que – como foi defendido nas instâncias, com a concordância das partes –, atenta a data do acidente, é aplicável ao caso o regime jurídico dos acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13.09, doravante designada por LAT, e pelo respectivo regulamento, constante do DL n.º 143/99, de 30.04 (doravante designado por RLAT), conforme art.ºs 41º, n.º 1, a) da LAT e art.º 71º, n.º 1 do RLAT.

Ora, dispõe o art.º 20º, n.º 1, d) da LAT que “se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes: aos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis à data do acidente até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que o sinistrado contribuísse com regularidade, para o seu sustento (...)”.
E a jurisprudência uniforme desta Secção Social do STJ tem sido a de que o direito dos ascendentes à pensão por morte de vítima de acidente de trabalho depende do preenchimento cumulativo de 2 requisitos: a contribuição do sinistrado, com carácter de regularidade, para o sustento dos ascendentes; e a necessidade dessa contribuição para o sustento dos beneficiários, ou seja, que estes careciam da mesma.
Fundando a exigência dessa necessidade de contribuição na constatação de que o direito dos familiares da vítima à pensão, consagrado na mencionada alínea d), é uma emanação do instituto da obrigação alimentar, e esta apenas existe a favor das pessoas que não podem prover integralmente ao seu sustento, como resulta do disposto nos art.ºs 2003º e 2004º do Código Civil
E tem sido também uniforme o entendimento de que cabe aos autores/ascendentes o ónus de alegar e provar os factos integradores desses requisitos, por serem constitutivos do direito à reparação (art.º 342º, n.º 1 do CC) (1) (2) .

O acórdão recorrido entendeu que se verificava a contribuição regular a favor dos AA. por parte do sinistrado, seu filho, aspecto que não está em discussão na revista.
E considerou que se preenchia também o outro requisito – o de que os AA. necessitavam ou careciam dessa contribuição, motivo por que, em seu entender, não havia, a esse nível, obstáculo legal a que os mesmos tivessem direito à reparação pelo acidente de trabalho.
Relativamente a esta 2ª conclusão, alicerçou-a na seguinte fundamentação:
« In casu, vem provado que:
3 - o CC, enquanto vivia na sua terra natal (Brasil), residia em casa dos pais. - resposta ao quesito 1°,
4 - Emigrou para Portugal, juntamente com o seu irmão DD, para melhorar a sua condição económica e a de seus pais. - resposta ao quesito 2 º.
5 - O A. é agricultor, estando a receber uma pensão social de cerca de € 42,00 por mês, em virtude de acidente de trabalho que o incapacitou. - resposta ao quesito 3º.
6 - A Autora é doméstica, fazendo alguns arranjos de costura - resposta ao quesito 4°,
7 - O CC remetia todos os meses grande parte do salário que auferia para os AA., sendo uma parte destinada à melhoria das condições de vida dos AA. e outra parte para comprar uma casa própria - resposta aos quesitos 5° e 6°.
Ora, como se vê dos factos provados, o sinistrado destes autos, contribuía para o sustento do seu agregado familiar. Embora com quantia não apurada, certo é que os AA dela careciam, bastando atentar no montante da pensão auferida pelo A pai e na capitação que ela proporcionava, pois não se provaram quaisquer rendimentos do trabalho por conta própria ou alheia. É que não se pode entrar em linha de conta com os rendimentos agrícolas, pois nenhuma quantia de rendimento concreto adrede se provou, sendo do conhecimento geral que o amanho de terras ao nível doméstico, por via de regra, se destina ao consumo do agregado familiar e, se sobras houver, o seu valor económico é sempre diminuto na comparação com os rendimentos do trabalho. Ora, se isto é assim em Portugal, admite-se que não seja melhor no Brasil, dado que este é um país de emigração, funcionando Portugal actualmente como de imigração. Nem se diga que o salário mínimo no Brasil é de pequeno montante, a significar que o custo de vida é baixo. Na verdade, por mais pequeno que seja o custo de vida no Brasil, certo é que um rendimento de € 42,00 por mês a dividir por duas pessoas, dá sempre uma capitação diminuta em qualquer país.
Assim, considerando os rendimentos do agregado familiar dos AA, cuja capitação é, para além de diminuta, muito inferior ao valor do salário mínimo nacional de Portugal, concluímos no sentido de que se encontra demonstrado, ín casu, o requisito da necessidade » (Fim de transcrição).

Ressalvado o devido respeito pela posição assim expressa no acórdão recorrido, não podemos concordar com a mesma, como passamos a referir.
Já vimos que a necessidade ou carência que os ascendentes têm da contribuição do sinistrado para o seu sustento é um dos requisitos do direito à reparação infortunística, pelo que os factos integradores dessa necessidade são constitutivos desse direito e, como tal, têm de ser alegados e provados pelos ascendentes/autores.
Tal necessidade traduz, assim, como bem se sublinhou nos já referidos acórdãos deste Supremo de 15.11.2006 e de 24.01.2007, um juízo de direito, a extrair dos pertinentes factos, não valendo, por isso, como ilação de facto extraída do desenvolvimento lógico dos factos provados a simples afirmação/conclusão feita no acórdão recorrido de que os AA. careciam dessa ajuda.
E como se consignou nesse acórdão de 15.11.2006, a carência dos ascendentes/autores, em termos de viabilizar o seu direito à reparação pelo acidente, pressupõe a prova necessária, que lhes cabe, da sua situação económica, onde avultam o nível dos seus rendimentos e das correspondentes despesas, em termos de o respectivo confronto permitir ajuizar sobre a efectiva necessidade da contribuição que lhes era prestada pelo sinistrado.
Ora, no caso dos autos, entendemos que os factos assentes não consentem a conclusão de que os AA. necessitavam, para o seu sustento, da contribuição do filho, sendo manifestamente insuficientes para o efeito.
Vem apurado que o A. – residente tal como a A. no Brasil, País de que serão nacionais, segundo tudo leva a crer – é agricultor, estando a receber da respectiva entidade brasileira uma pensão social equivalente a cerca de 42,00 € por mês, em virtude de acidente de trabalho que o incapacitou.
Mas dessa factualidade, ao contrário do que concluiu o acórdão recorrido, não se retira que o casal, v.g. o A., não aufira outros rendimentos, de actividade por conta própria ou alheia ou de outra proveniência, além dos da referida pensão, nem que, a auferir outros rendimentos, eles sejam de diminuta expressão.
Aliás, vem mesmo apurado que o A. é agricultor, o que significa que se dedica à agricultura, actividade que, em abstracto, lhe pode trazer proveitos económicos, sendo que os demais factos provados não excluem que, em concreto, assim aconteça.
A factualidade assente é omissa a tal respeito e não consente, minimamente, em termos lógicos ou de experiência comum, as conclusões tiradas no acórdão recorrido de que o A. se limita a fazer um amanho de terras a nível doméstico, com diminuto valor económico, e de que os rendimentos do agregado familiar dos AA. geram uma capitação diminuta, inferior ou muito inferior mesmo ao valor do salário mínimo em Portugal, o que demonstraria que o casal carecia para o seu sustento da contribuição do sinistrado.
Por outro lado, mostram-se também insuficientes, por si sós ou conjugados com os demais, os factos assentes de que o sinistrado emigrou para Portugal para melhorar a sua condição económica e a de seus pais (facto 5) e de que remetia todos os meses grande parte do salário que auferia para os AA, sendo uma parte destinada à melhoria das condições de vida destes (facto 7).
É lícito, no caso, interpretar tal “melhoria” como “aumento” ou “alteração para melhor” (3) e, no quadro factual apurado, essa finalidade de aumento das condições económicas ou de vida dos pais não significa, sem outros factos adjuvantes – que faltam –, que os AA. estivessem em situação de carência económica, necessitando que o filho lhes prestasse alimentos.
Mesmo sem essa necessidade, a contribuição melhorava-lhes, aumentava-lhes as condições de vida.

Do que deixamos dito resulta que os AA. não lograram provar, como lhes cabia, que, atento o seu nível de rendimentos, tinham necessidade dessa contribuição.
E, por isso, a decisão será, neste ponto, em seu desfavor (art.º 516º do CPC), o que significa que, por força do previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 20º da LAT, não têm direito à peticionada reparação infortunística, com a consequente improcedência da acção, sem necessidade de abordar as demais questões suscitadas na revista.

IV – Assim, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, e julga-se improcedente a acção, absolvendo-se as RR. do pedido.
Sem custas (nas instâncias e na revista) por delas estarem isentos os AA..

Lisboa, 22 de Novembro de 2007

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1) - Integram-se nessa corrente jurisprudencial, entre os mais recentes, os acórdãos de 10.03.2005, no Rec. n.º 4451/04, de 02.11.2005, no Rec. n.º 2259/05, de 15.11.2006, no Rec. n.º 3216/06, de 22.11.2006, no Recurso n.º 1536/06, e de 24.01.2007, no Rec. n.º 2711/06.
(2) - Idêntica era já, nos aspectos referidos, a orientação desta Secção, no domínio da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 2127, de 3/8/1965), perante norma semelhante, a da al. d) do n.º 1 da Base XIX (vejam-se, nesse sentido, entre outros, os acs. de 7.6.2000, Rec. n.º 31/00, de 17.10.2000, Rec. n.º 1810/00, de 17.04.2002, Rec. n.º 1693/01, de 13.05.2004, Rec. n.º 783/04, de 13.07.2004, Rec. n.º 3875/03, e de 13.10.2004, Rec. n.º 2839/04).
(3) - Ver, a propósito, o “Dicionário de Sinónimos” da Porto Editora, e o “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, da Academia das Ciências de Lisboa.