Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18490/16.8T8LSB.L1.S1-A
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
AÇÃO DECLARATIVA
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
LIQUIDAÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PROCESSO PENDENTE
PEDIDO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA CERTA
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 04/30/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- A decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito, sem qualquer impugnação contenciosa, e consequente requerimento de liquidação, levado a cabo pelo Banco de Portugal produz os efeitos de insolvência.

II- Por força do disposto no artigo 90.º e no n.º 3 do artigo 128.º do CIRE (aplicáveis por força do disposto no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 8.º do DL n.º 199/2006, de 25-10), o crédito detido contra um Banco que haja entrado em liquidação deve ser reclamado no respetivo processo de liquidação judicial.

III- Estando pendente ação declarativa para reconhecimento judicial do crédito, deve esta ação extinguir-se por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8.05.2013.

IV- A aplicação da orientação jurisprudencial mencionada em III não pressupõe que se tenha declarado aberto incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 18490/16.8TBLSB-L1.S1


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça ( 6ª secção)


AA intentou a presente ação de processo comum de declaração contra:


1º Banco Espírito Santo, S.A;


2ººBanco de Portugal;


3ºNovo Banco, S.A;


4ºFundo de Resolução;


5ºCMVM - Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e;


6º BB;


Pede:


a) Sejam os Réus solidariamente condenados a pagar ao Autor a quantia de €244.949,836, acrescida de: i) € 47.518,70 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos Réus das quantias monetárias do Autor; ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;


Caso assim não se entenda: b) A nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma nos termos do disposto no artigo 321° do CVM, devendo em consequência serem os Réus solidariamente condenados a restituir ao Autor a quantia de € 244.949,836, acrescida de: i)€ 47.518,70 a título de juros vencidos à taxa legal em vigor, e calculados desde a data de utilização ilícita pelos Réus das quantias monetárias do Autor; ii) Juros vincendos calculados desde a data da citação até integral pagamento da sentença condenatória;


Mais pede que os Réus sejam condenados a ressarcir solidariamente ao Autor os danos não patrimoniais que lhe foram causados, em valor a ser calculado em sede de liquidação de sentença.


Alega, em síntese, ser cliente do Réu BES, sendo a 6.ª Ré sua gestora de conta. Era esta gestora, na qual depositava total confiança, que aplicava os fundos do Autor, sendo que as instruções deste sempre foram no sentido de que o fizesse em produtos sem risco associado.


A 6ª Ré, sempre assim garantiu ao Autor que todos aqueles produtos financeiros eram produtos garantidos pelo Banco – Iº Réu, e que sempre que necessitasse do seu dinheiro, era só telefonar-lhe que o mesmo estaria na sua conta à ordem em 2 (dois) ou 3 (três) dias.


O Autor nunca recebeu do Iº Réu ou da 6ª Ré qualquer prospeto em papel ou digital que lhe permitisse avaliar ou estudar os produtos nos quais, estava a ser investido o seu dinheiro.


O Autor não sabe nem nunca soube, ou lhe foi explicado, o que são "produtos estruturados" e sempre desconheceu que tinha um “perfil de investidor” atribuído pelo Iº Réu, pois que o mesmo lhe foi "atribuído" pela 6ª Ré, já após ter grande parte do seu dinheiro aplicado em produtos do Iº Réu.


No âmbito das suas funções e sob a subordinação do 1.° Réu, a 6.ª Ré aplicou o dinheiro do Autor, depositado no 1.º Réu., na compra dos produtos que constam atualmente da sua “Carteira de Títulos Custódia”, melhor identificados nos autos, num total de €244.949,836, sendo que o Autor, até ao presente, não foi reembolsado de tais valores.


Com a aplicação ao BES da Medida de Resolução, aprovada pelo 2.° Réu, este esvaziou patrimonialmente o BES, transferindo a maioria do seu património para o 3.° Réu.


O Autor foi enganado durante todos estes anos de relação (de confiança) com o Iº Réu., por este e pelos seus intervenientes diretos como é a 6ª Ré,


Sabe, agora, que o instrumentalizaram e usaram ilicitamente as suas poupanças monetárias para financiar a atividade não financeira do Grupo Espírito Santo.


O réu, BES - Em Liquidação, contestou, invocando a exceção dilatória de extinção da instância, quanto a si, por inutilidade superveniente da lide, por virtude da revogação da autorização para o exercício da atividade pelo Banco Central Europeu e consequente liquidação com efeitos de insolvência.


A ré, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, (CMVM) contestou, por exceção, arguiu a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, invocando a sua natureza de entidade pública e o disposto nos art.ºs 1° n° 1 e 4° n° 1, al. f) do ETAF.


O réu, Fundo de Resolução, contestou, arguindo a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, nos termos do art.º 4°, n° 2, do ETAF.


Os réus, Novo Banco e BB contestaram, arguindo a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, alegando, em resumo, que as responsabilidades decorrentes da atividade de intermediação financeira do BES não transitaram para o Novo Banco; e a 6.ª Ré, BB, sempre atuou enquanto funcionária do BES e por isso, a responsabilidade, a existir, era deste Réu.

Foi realizada audiência prévia na sequência da qual foi proferido saneador-sentença que:

“- Julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que toca ao Réu Banco Espírito Santo, SA., Em Liquidação;


- Julgou procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria quanto aos Réus Banco de Portugal, Fundo de Resolução e Comissão do Mercado de Valores Mobiliário e, consequentemente, absolveu-os da instância, nos termos dos artigos 99.°, n.º 1, e 278.°, n.º 1, do CPC;


- Julgou improcedente a ação relativamente aos Réus Novo Banco, SA e BB, absolvendo-os do pedido.”


O Autor/AA apelou, tendo a Relação proferido acórdão, em cujo dispositivo consignou:


“Pelo exposto, acordam os Juízes da ... Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação e, consequentemente:


a) Confirmam a decisão recorrida que declarou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu Banco Espírito Santo, S.A. -Em Liquidação;


b) Confirmam a decisão recorrida que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta dos tribunais comuns, em razão da matéria, e absolveu da instância dos Réus CMVM, Banco de Portugal e Fundo de Resolução;


c) Confirmam a decisão recorrida que julgou a ação improcedente, por não provada, relativamente aos Réus Novo Banco, S.A. e BB, com a consequente absolvição dos pedidos. Custas pelo Autor/Recorrente.”.


Novamente inconformado o Autor/AA interpôs recurso de revista excecional, que foi admitido por acórdão da Formação de 15.09.2021.


Nas suas conclusões o Recorrente delimita o recurso aos dois primeiros segmentos decisórios: a) A que declarou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu Banco Espírito Santo, S.A. -Em Liquidação ( conclusões A a P);


b) A que julgou procedente a exceção de incompetência absoluta dos tribunais comuns, em razão da matéria, e absolveu da instância dos Réus CMVM, Banco de Portugal e Fundo de Resolução ( conclusões Q a OO).


****


Após redistribuição do recurso, por despacho de 05.04.2024 foi convolada a revista quanto às conclusões Q) a OO), e determinada a remessa dos autos ao Tribunal dos Conflitos para apreciação do recurso na parte da incompetência material, ficando traslado para assegurar o prosseguimento da revista na parte sobrante.


O Recorrente, quanto à parte do recurso de revista, que vai ser conhecido, apresentou as seguintes conclusões:


“A) Entende a Recorrente subsistir, no Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, um erro de interpretação e de aplicação de lei processual, concretamente, do disposto na alínea e), do artigo 277º, do Código de Processo Civil, já que não se verifica a inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu, ora Recorrido BES, por duas ordens de razão:


B) Em primeiro lugar, porque o pedido da presente ação declarativa não tem índole exclusivamente patrimonial, uma vez que a Recorrente de entre outras questões trouxe à colação a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira, pedindo em consequência a indemnização que por essa causa lhe entende ser devida.


C) O Tribunal de Primeira Instância responsável pelo processo de insolvência do Réu, ora Recorrido BES, limitar-se-á a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe cabendo decidir sobre a constituição da obrigação de prestar.


D) Resulta do Acórdão Fundamento do Tribunal da Relação de Évora de 29.01.2015 que “Por causa da pendência de processo de insolvência não tem que ser julgada extinta uma acção que não visa a declaração de qualquer direito de crédito, mas em que se pede que sejam declarados nulos ou resolvidos os negócios jurídicos celebrados entre as partes, ou seja, em que só estão em causa efeitos reais inerentes à nulidade/resolução/ anulação peticionados.”.


E) Assim, discutindo-se a nulidade de negócios jurídicos celebrado entre as partes, a insolvência não determina a inutilidade superveniente da lide declarativa, ao contrário do decidido no Acórdão sub judice.


F) Em segundo lugar, no despacho de prosseguimento nos termos do artigo 9º do DL 199/2006 aquele Tribunal de Primeira Instância responsável pelo processo de liquidação judicial do Recorrido BES não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, e tal significa, então, que ainda não é possível determinar se o património do devedor insolvente será suficiente para responder aos créditos reclamados.


G) Resulta do Acórdão Fundamento do Tribunal da Relação do Porto de 15-04-2013 que: “A declaração de insolvência do empregador não conduz de imediato à inutilidade superveniente da lide da acção declarativa proposta pelo trabalhador quando na sentença de declaração de insolvência foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter limitado e não veio a ser requerida a complementação da sentença.”.


H) Assim, não se encontrando aberto o incidente de qualificação da insolvência não se poderá concluir pela imediata inutilidade superveniente da lide e, em consequência, não será de absolver o Recorrido da instância declarativa, ao contrário do perfilhado no Acórdão em recurso.


I) Não está, assim, em causa a aplicação do entendimento sufragado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência [AUJ] nº 1/2014 [publicado no DR 1ª Série, nº 39 de 25 de Fevereiro de 2014], que serviu de base à decisão em apreço, já que o mesmo teve na base da sua construção e substância os casos em que seja “Certificado o trânsito em julgado da sentença declaratória e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno e fixado o prazo para reclamação de créditos.”, e tal como consta da proposta da Exma. Procuradora Geral Adjunta, transcrita naquele documento.


J) Assim, ao declarar a inutilidade superveniente da lide e, em consequência, absolver o Recorrido BES da instância, quando se tratava de apreciar também, mas não só, a nulidade de negócio jurídico e não tendo sido, ainda, aberto incidente de qualificação da insolvência, violou o Acórdão em apreço, a lei processual vertida na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil.


K) Tal demonstra, também no caso em apreço, a utilidade do prosseguimento da presente demanda para a Autora, que poderá pela mesma obter título do seu direito de crédito invocado, e só assim se garantindo o acesso do mesmo à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (constitucionalmente protegidos – artigo 20º da CRP).


L) Encontram-se reunidos os pressupostos da revista, designadamente, a relevância jurídica da questão, necessária para uma melhor aplicação do direito, revelando-se essencial determinar o sentido e alcance com que deve ser interpretado e aplicado o disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil em situações de insolvência e idênticas - o Tribunal da Relação de Lisboa já decidiu em sentido diverso, ordenando o prosseguimento dos autos para julgamento em 1ª Instância relativamente aos RR BES, Novo Banco e BB, vejam-se os Acórdãos da 6ª Secção proferidos nos processos n.º 19125/16.4T8LSB.L1 de 11.01.2018, 18455/16.0T8LSB.L2 de 06.12.2017, 19541/16.1T8LSB e, ainda, Acórdão proferido pela 2ª Secção no processo n.º 18595/16.5T8LSB.L1 de 01.02.2018 -, bem como a interpretação dada ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014 de 25 de Fevereiro.


M) Os interesses em causa são de particular relevância social, estando em causa a confiança no sistema bancário com todo o alarme social que os recentes acontecimentos têm causado.


N) O Acórdão sindicado encontra-se em contradição com o Acórdão Fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 29/01/2015 porquanto decidiram diversamente a mesma questão de direito, a saber, num mesmo contexto de insolvência ou situação equiparada, perante o pedido de declaração de nulidade de negócio jurídico, o Acórdão em apreço absolveu o Recorrido BES da instância por inutilidade superveniente da lide enquanto o Acórdão fundamento supra mencionado determinou o prosseguimento dos autos.


O) No que respeita ao Acórdão Fundamento do Tribunal da Relação do Porto, de 15/04/2013, verifica-se um tratamento jurídico diferente dado à situação jurídica de abertura de incidente de qualificação da insolvência, defendendo este Acórdão Fundamento que a declaração de insolvência não conduz de imediato à inutilidade superveniente da lide da ação declarativa quando a abertura do incidente de qualificação da insolvência não tem caráter pleno, ao contrário do decidido no Acórdão recorrido.”


O BES SA em Liquidação contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e confirmação do acórdão recorrido.


Fundamentação


A questão a decidir é a de saber se o acórdão recorrido decidiu corretamente na parte que declarou extinta a instância, por inutilidade da lide, relativamente ao réu BES SA em Liquidação.


De Facto:


O tribunal de 1ª instância, decidiu a questão, como prévia, no saneador-sentença e considerou os seguintes factos:


Por deliberação de 13.07.2016, o BCE procedeu à revogação da autorização para o exercício da atividade do BES. Como previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIFSC), e atenta a medida de resolução do BES, era já previsível tal desfecho, bem como a consequente liquidação, (artigos 22º nº5, 145º E nº1; 145º L nº2, 145º AQ do RGIFSC, e art.º 8º do D.L. nº199/2006 de 25.10). Conforme disposto no n.º 2 do art.º 8º do D.L. nº199/2006 de 25.10,


A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.


Como consta do relatório as instâncias decidiram julgar extinta a instância relativamente ao réu BES, por inutilidade superveniente da lide.


A decisão da 1ª instância apresentou, no essencial, a seguinte fundamentação.


Por deliberação de 13.07.2016, o BCE procedeu à revogação da autorização para o exercício da atividade do BES. Como previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGIFSC), e atenta a medida de resolução do BES, era já previsível tal desfecho, bem como a consequente liquidação, (artigos 22º nº5, 145º E nº1; 145º L nº2, 145º AQ do RGIFSC, e art.º 8º do D.L. nº199/2006 de 25.10). Conforme disposto no n.º 2 do art.º 8º do D.L. nº199/2006 de 25.10, “A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.”


Estabelece por sua vez o art.º 90.º do CIRE que “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”. Trata-se, como assinalam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE Anotado, Quid Juris, Reimpressão, p. 364) “a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como uma execução universal, tal como o caracteriza o art.º 1º do Código”.


Necessária consequência da natureza de execução universal é a norma constante do art.º 128.º n.º 3 do CIRE, mediante a qual se consagra a necessidade de o credor reclamar o seu crédito – qualquer que seja a sua natureza ou fundamento - no âmbito do processo de insolvência, ainda que disponha de decisão definitiva que o tenha reconhecido. Conclui-se assim da falta de interesse e utilidade processual no prosseguimento de ação declarativa, ainda pendente, para efeitos de prova do crédito a verificar na insolvência.


Tal entendimento foi perfilhado pelo Acórdão do STJ n.º 1/2014, de 08.05.2013, que veio uniformizar a jurisprudência no sentido de que “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do CPC”.


Atento o já supra exposto, e as normas aplicáveis, não se pode concluir senão pela verificação de inutilidade superveniente.


Com efeito, e como já assinalado, qualquer credor tem de exercer o seu crédito contra o insolvente através do processo de reclamação de créditos, apenso à insolvência; e, mesmo aquele credor que já tenha o seu crédito reconhecido noutro processo, não está dispensado de o reclamar na insolvência caso queira obter o respetivo pagamento (art.º 128º nº 3 do CIRE).


Assim sendo, o eventual reconhecimento judicial do crédito do autor, no âmbito da presente ação declarativa, não tem força executiva no processo de insolvência, dado que a satisfação de tal crédito depende de necessária reclamação no processo de insolvência.


Desta forma, o prosseguimento da presente ação, também intentada contra o insolvente, revela-se inútil.


Por todo o exposto, e na senda de jurisprudência mais recente do Tribunal da Relação de Lisboa1, entende-se estarem verificados os necessários pressupostos e, em consequência, declara-se extinta a presente instância, por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto na al. e) do art.º 277.º do CPC, no que respeita ao réu Banco Espírito Santo, S.A.


O Tribunal recorrido confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância com apresentando a seguinte fundamentação ( extratos relevantes):


“Na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade do Banco Espírito Santo, S.A., a partir das 19h00 do dia 13/07/2016 [decisão que já se tornou definitiva e implica a dissolução e a liquidação do Banco, produzindo os efeitos da declaração de insolvência, nos termos do art.° 8, n.°2, do Dec.-Lei n.°199/2006, de 25 de Outubro], o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do BES junto da ... secção do Comércio da Instância Central da Comarca ... (Proc. n° 18588/16.2...), processo que se encontra em curso.


Ora resulta do disposto no artigo 4°, n° l, alínea a) do Regulamento (EU) n° 1024/2013 do Conselho, de 15/10/13, que o Banco Central Europeu tem competência para revogar autorização do exercício de atividade de instituição bancária.


A liquidação é a consequência da revogação da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito e de acordo com o disposto no art.° 8°, n.° 1, do Dec.-Lei n.°199/2006, de 25/10, esta faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e a decisão de revogação da autorização produz os efeitos da declaração de insolvência.


Não tendo existido nos termos do art.º 263° do TFUE, impugnação da decisão do BCE para o TJUE, a decisão que determina os efeitos da insolvência é definitiva.


Por isso, qualquer decisão dos tribunais portugueses tirada em sede de recurso do “despacho de prosseguimento da liquidação” é irrelevante para alterar a revogação da licença/insolvência do BES.


Sobre os efeitos gerais limitativos da declaração de insolvência em relação ao insolvente rege o artigo 81°, n° l, do Dec. Lei n° 53/2004, de 18 de março - CIRE -, que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.


O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência - n° 4 do artigo supra citado.


(…)


A finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal - art.° 1.° /l do CIRE - postula a observância do princípio “par conditio creditorum”, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes suscetíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes.


Logo, quanto aos efeitos processuais da insolvência sobre as ações pendentes há que atender ao disposto nos artigos 85° a 89° do CIRE. E dispõe o art.° 85°, n° 1 que "declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo".


Resulta deste preceito que todas as ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, são apensadas ao processo de insolvência, bem como as ações de natureza exclusivamente patrimonial, desde que a apensação seja requerida pelo administrador de insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo. E de acordo com o n° 2 do mesmo preceito são também apensados todos os processos nos quais tenha sido efetuado qualquer ato de apreensão ou detenção de bens do insolvente.


Afirma-se, assim, o regime da plenitude da instância falimentar em relação às ações em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa.


Qualquer acção declarativa, designadamente a que vise o reconhecimento de um direito de crédito e a condenação de quem foi declarado insolvente a pagar, tem indiretamente a ver com os bens apreendidos para a massa falida.


Neste sentido foi proferido o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 1/2014, publicado em Diário da República de 25.02.2014 -Acórdão STJ - com a seguinte síntese decisória:


«Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.° do C.P.C».


Declarada a insolvência, vencem-se imediatamente todas as obrigações do insolvente e abre-se a fase de convocação de credores, que devem reclamar os seus créditos dentro do prazo fixado na sentença (art.º 91° e 128° n° 1 do CIRE)


Essa reclamação de créditos tem carácter universal, abrangendo todos os créditos existentes sobre o insolvente à data da declaração da insolvência (art.°s 47° n° 1 e 128° do CIRE) independentemente do fundamento do crédito e da qualidade do credor. Aliás, nos termos do art.0 90° do CIRE, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o que dispõe o CIRE e durante o processo da insolvência.


De tudo o exposto conclui-se que, após o trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência do devedor, deixa de ter interesse o prosseguimento da acção para o reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.


De acordo com o art° 88° do CIRE, com a declaração de insolvência, a sentença que viesse a ser proferida não poderia sequer ser executada.


(…)


Na verdade o facto do crédito do Autor ser objeto de uma eventual sentença condenatória definitiva nestes autos, não impede de o mesmo vir a ser impugnado, como se alcança do disposto no art.° 130° do CIRE.


Então, mesmo com sentença condenatória nestes autos, caso o crédito seja impugnado, o aqui autor não está dispensado de produzir prova relativamente ao mesmo no âmbito do processo de insolvência, como se retira do disposto nos artigos 134°, 25° n°2, 137° e 139° do CIRE.


Se o crédito reclamado na insolvência aí não for impugnado então será considerado verificado e graduado conforme consta da lista de credores reconhecidos, nos termos do art.° 130°, n.° 3 do CIRE, de nada relevando o facto de, nestes autos declarativos, ter havido sentença condenatória e independentemente do montante da condenação.


Deste modo e considerando ainda o decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ supra referido, não restam dúvidas que se tornou inútil o prosseguimento da instância no que concerne ao Banco Espírito Santo, S.A. - Em Liquidação - cfr. neste sentido, entre outros, Acórdãos RL de 27/04/2017, relatora: Desembargadora Ondina Alves, de 07/03/2017, relatora: Desembargadora Carla Câmara, de 07/03/2017, relator: Desembargador Luís Filipe Sousa, os quais podem ser consultados in www.dgsi.pt/itrl.».


Assim e ressalvado o devido respeito, ao contrário do que defende o Recorrente, o entendimento fixado no AUJ n.°1/2014 do STJ tem plena aplicação ao presente caso.


Não se mostrando questionada a decisão do BCE, compete aos credores, categoria na qual se inclui o ora Autor e Recorrente, reclamar o seu crédito junto do referido processo de liquidação, nos termos dos artigos 90.° e 128.°, n.°3, do CIRE, passando a ser considerados credores da insolvência.


E a tal não obsta o facto de a discussão da causa, tal como configurada pelo Autor na petição inicial, pressupor a prévia apreciação da nulidade do contrato de intermediação financeira, ou seja, de o reconhecimento da constituição da obrigação de pagamento da quantia indemnizatória peticionada (201.636,421€, acrescida de juros) implicar a prévia discussão em torno do referido vício daquele negócio jurídico, invocado como fonte constitutiva da obrigação de indemnização.


O que verdadeiramente releva é o efeito útil que o Autor pretende alcançar com a pretensão deduzida em juízo e esse, convenhamos, é o de obter do Réu BES em Liquidação (solidariamente com os demais Réus) o pagamento de uma indemnização correspondente ao montante do capital investido, acrescidas de juros legais, sendo aqui irrelevante a via (nulidade de negócio jurídico) pela qual se pretende obter esse reconhecimento. Veja-se que a questão não mereceria tratamento diferente se em causa estivesse uma dívida (litigiosa) eventualmente decorrente de incumprimento de contrato de compra e venda, etc.


Nesta perspetiva, tem de entender-se, como se entendeu, com acerto, na decisão recorrida, que a pretensão do Autor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, se encontra impossibilitada de alcançar o seu efeito útil, cumprindo, por isso, decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide.


É no processo de insolvência que devem ser reclamados e impugnados (artigo 130.° do CIRE) os correspondentes créditos, não subsiste interesse processual no prosseguimento da presente lide, assim se tendo tornado esta inútil e inevitável a extinção da instância, nos termos do artº 277, alínea e), do CPC, de acordo com a doutrina do acórdão uniformizador citado.


(…)


Acresce que, contra o que defende também o Recorrente, nenhuma situação de exceção decorre da complexidade ou especialidade dos direitos litigiosos em debate que justifique a sua discussão fora do processo de insolvência, como sustenta o Recorrente no artigo 6° e artigo 7.° da resposta às exceções.


Destarte, impõe-se concluir, face à deliberação do BCE de 13/07/2016, e aos efeitos daí decorrentes quanto ao Réu BES em Liquidação, que a presente ação ficou impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal, cumprindo decretar a extinção da instância quanto ao mesmo Réu, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do art.° 277 do C.P.C., conforme se decidiu, com acerto.


Por conseguinte, confirma-se a decisão recorrida que declarou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Réu Banco Espírito Santo, S.A. - Em Liquidação.»


De Direito:


Nas suas conclusões o Recorrente defende que não se verifica inutilidade superveniente da lide, quanto ao Réu, ora Recorrido BES, com base em dois fundamentos:


A primeira não ter o pedido da presente ação declarativa índole exclusivamente patrimonial, uma vez que entre outras, suscitou a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira e o pedido de indemnização dela decorrente e que o tribunal de 1ª instância responsável pelo processo de insolvência do Réu, ora Recorrido BES, limitar-se-á a verificar e reconhecer créditos da insolvente, não lhe cabendo decidir sobre a constituição da obrigação de prestar.


Por outro lado, sustenta , que no despacho de prosseguimento nos termos do artigo 9º do DL 199/2006 do Tribunal de 1ª Instância responsável pelo processo de liquidação judicial do Recorrido BES não declarou aberto o incidente de qualificação de insolvência, e, por isso, não se pode concluir pela imediata inutilidade superveniente da lide, não sendo aplicável no caso o AUJ n.º 1/2014.


Tem sido entendimento uniforme dos mais recentes acórdãos do STJ que o crédito detido contra um Banco que haja entrado em liquidação deve ser reclamado no respetivo processo de insolvência, tornando-se inútil a ação declarativa pendente contra esse Banco para reconhecimento e condenação no pagamento desse crédito, implicando a extinção da instância quanto ao Banco em liquidação, nos termos da alínea e) do artigo 277º do CPC.


Assim, os seguintes acórdãos do STJ:


De 06.11.2018, processo n.º 8364/16.2T8LSB-A.L1.S2, relator Pedro Lima Gonçalves, com o sumário :


“I - Por força do disposto no art. 90.º e no n.º 3 do art. 128.º do CIRE (aplicáveis por força do disposto no n.º 1 e no n.º 2 do art. 8.º do DL n.º 199/2006, de 25-10), o crédito detido contra um Banco que haja entrado em liquidação deve ser reclamado no respectivo processo de liquidação judicial, pelo que, por força do princípio da universalidade do processo de insolvência, a ação autónoma deixa assim de ser o espaço adequado para apreciar a responsabilidade contratual assacada ao Banco B….


II - Pretendendo o recorrente obter, por via da invocação do incumprimento de deveres de informação inerentes ao contrato de intermediação financeira e, subsidiariamente, por via da invocação da respetiva nulidade, o pagamento de uma quantia pecuniária a título de indemnização, é de concluir que a sua apreciação terá consequências na verificação do passivo do Banco B…, justificando-se assim aplicar a orientação jurisprudencial fixada no AUJ n.º 1/2014 e declarar a inutilidade do prosseguimento da lide.


III - O Juízo do Comércio onde pende o processo mencionado em I, mercê do cariz universal do processo de reclamação de créditos, absorve a competência material dos tribunais onde pendem os litígios atinentes aos créditos que devem ser reclamados na insolvência.


IV - A aplicação da orientação jurisprudencial mencionada em II não pressupõe que se tenha declarado aberto incidente de qualificação de insolvência com carácter pleno, o qual, em todo o caso, sempre deveria ser considerado como incompatível com as normas privatísticas do processo de liquidação judicial de instituições de crédito, já que, por um lado, não é o juiz do processo que declara a insolvência – tal é determinado pela revogação da autorização para o exercício da atividade bancária por parte do BCE – e, por outro, por força da deliberação do BCE, o Banco B… ficou impedido de exercer a atividade bancária e de, como tal, recuperar o direito de dispor dos seus bens e de gerir os seus negócios, o que lhe seria assegurado pelo encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa.


V - Permitindo a lei que, no processo de liquidação judicial do Banco B…, sejam apreciadas as razões de facto e de direito que sustentam o direito creditício exercido, a conclusão exposta em III não cerceia o direito de acesso aos tribunais.”


De 22.11.2018, processo n.º 4144/17.1T8LSB.L1.S2, relator Oliveira Abreu, com o sumário:


“I. A instância extingue-se por inutilidade superveniente da lide, quando uma ocorrência processual torna a instância desnecessária.


(…)


IV. A decisão de revogação da autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito, sem qualquer impugnação contenciosa, e sequente requerimento de liquidação, levado a cabo pelo Banco CC, produz os efeitos de insolvência.


V. Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, durante o processo de insolvência, o que significa que, para obterem a satisfação dos seus direitos, terão que reclamar o seu crédito, nos termos do art.º 128º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas [CIRE], donde a ausência de qualquer interesse no prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência,


VI. A reconhecida ausência de interesse no prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, foi declarado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8 de Maio de 2013.”


De 26.09.2017, processo n.º 499/16.0T8VIS.S1, relatora Ana Paula Boularot, com o sumário: “I. A declaração de insolvência do devedor BES retira o interesse e utilidade no prosseguimento de acção declarativa instaurada contra aquele, com vista ao reconhecimento de eventuais direitos de crédito dos Autores impondo-se a estes a respectiva reclamação no processo de insolvência, por aplicação directa do AUJ 1/2014, de 8 de Maio de 2013.”


De 19.06.2018, processo n.º 8860/16.1T8LSB-A.L1.S2, relator Fonseca Ramos, com o sumário:


“I. A retirada de autorização para o exercício da actividade bancária decretada pelo Banco Central Europeu (BCE), implica para a autoridade bancária nacional de supervisão – o Banco de Portugal – o dever de requer a insolvência da entidade sancionada, o que foi feito, pelo que a actividade do FF relacionada com a sua actividade, passou para um banco de transição – o CC – deixando o FF, em função da insolvência, de poder exercer a sua actividade.


II. A revogação da autorização para o exercício da actividade bancária de que foi alvo o FF, equivale à declaração de insolvência do Banco, razão pela qual, por força do disposto no art. 90º do CIRE, apenas no processo de insolvência e de acordo com os meios processuais previstos na lei insolvencial, podem os credores da insolvência exercer os seus direitos na pendência deste processo, devendo aí reclamar os seus créditos – art. 128º, nº1, do CIRE: ao processo insolvencial têm de acorrer todos os credores do insolvente, mesmo os que disponham de sentença definitiva que reconheça os seus créditos, razão por que não se vislumbra que, estando em causa o incumprimento de um contrato de intermediação financeira em relação ao qual os Autores formulam pedido pecuniário a título de indemnização, a acção devesse prosseguir contra o FF em fase de liquidação.”


De 07.02.2019, processo n.º 18930/16.6T8LSB.L2-A.S1.S1-A, relator Tomé Gomes, com o sumário:


“I. A deliberação definitiva do Banco Central Europeu, tomada ao abrigo dos artigos 4.º, n.º 1, alínea a), e 14.º, n.º 5, do Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho, de 15/10/2013, no sentido de revogar a autorização para o exercício da atividade do Banco BB, S.A., como instituição de crédito, equivale a sentença transitada em julgado de declaração de insolvência da instituição visada, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 5.º e 8.º do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25-10, competindo em exclusivo ao Banco de Portugal requerer, no tribunal competente, a liquidação dessa instituição, no prazo máximo de 10 dias úteis após a revogação daquela autorização.


II. Instaurada tal liquidação, com no caso foi, pelo Banco de Portugal junto da 1.ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa – J1, incumbe ao juiz desse processo verificar liminarmente o preenchimento dos requisitos exigidos pelo citado artigo 8.º, sendo que quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão suscetíveis de ser invocadas em processo de impugnação contenciosa perante os tribunais administrativos, nos termos dos artigos 9.º e 15.º do Dec.-Lei n.º 199/2006.


III. Proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, no mesmo serão tomadas as decisões previstas nas alíneas b), c) e f) a n) do n.º 1 do art.º 36.º do CIRE, em que se inclui a designação do prazo até 30 dias para a reclamação de créditos (alínea j), sendo aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições deste Código, como se preceitua no artigo 9.º, n.º 2 e 3, do Dec.-Lei n.º 199/2006.


IV. Significa isto que os credores da instituição insolvente apenas poderão exercer os seus direitos sobre esta em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de liquidação, como se dispõe no artigo 90.º deste Código.


V. Assim, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 e 3, do CIRE, devem os credores do insolvente reclamar a verificação dos seus créditos, “qualquer que seja a sua natureza e fundamento”, no prazo para tal fixado, indicando, nomeadamente, “a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e juros”. A impugnação desses créditos, se for caso disso, será então apreciada e julgada no procedimento declarativo de verificação de créditos, que reveste natureza contraditória, regulado nos artigos 128.º a 140.º do referido Código.


VI. Considerando que os créditos peticionados pelo autor na presente ação são de natureza patrimonial, mais precisamente pecuniária, cuja satisfação coerciva implica a execução do património do devedor, nos termos dos artigos 601.º e 817.º do CC, tal execução coerciva contra o insolvente só pode ser efetivada através do processo de liquidação universal instaurado pelo Banco de Portugal, no âmbito do qual esses créditos devem ser reclamados pelo credor e aí apreciados, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, nos termos do artigo 128.º, n.º 1 e 3, do CIRE, aplicável por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25-10.


VII. Ante o petitório formulado nesta ação contra o 1.º réu, BB, e respetivo contexto alegatório, na esteira do entendimento fixado no AUJ do STJ n.º 1/2014, deve entender-se que a definitividade da declaração de insolvência do BB resultante da deliberação do Banco Central Europeu referida em 1, com a subsequente instauração da liquidação judicial do insolvente instaurada pelo Banco de Portugal, tornou inútil a presente lide, implicando a extinção da instância quanto àquele réu, nos termos da alínea e) do art.º 277.º do CPC.


VIII. Uma tal consequência não é de molde a diminuir a garantia de tutela jurisdicional efetiva, no Estado de direito, para o autor, nos termos consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição, uma vez que este tem ao seu dispor um meio processual idóneo, adequado às circunstâncias do caso, para obter o reconhecimento e, quanto possível, a satisfação dos seus créditos através do referido processo de liquidação universal contra o insolvente”;


De 11.11.2020, processo n.º 873/19.3T8VCT-A.G1.S1, relatora Catarina Serra, com o sumário: “I. Revogada a autorização de certa instituição de crédito para o exercício da sua actividade e determinada a liquidação judicial, nos termos do DL n.º 199/2006, de 25.10., tem o credor que se arrogue a titularidade de crédito sobre tal instituição o ónus de o reclamar na liquidação, em conformidade com o disposto nos artigos 90.º e 128.º do CIRE.


II. Estando pendente acção declarativa para reconhecimento judicial do crédito, deve esta acção extinguir-se por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8.05.2013.”


No mesmo sentido, ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.11.2017, Proc. n.º 11674.16.0T8LSB e de 29.01.2019, Proc. n.º 18366/16.9TBLSB,L2-A.S2 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).


No referido acórdão de 02.11.2017, relator Abrantes Geraldes, consta sobre a questão a seguinte fundamentação, que se subscreve:


“Nos termos do no art. 4º, nº 1, al. a), do Regulamento do Conselho nº 1024/2013, cabe ao BCE conceder e revogar a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito nos Estados Membros. E segundo o art. 8º, nº 2, do DL nº 199/06 de 25-10 (alterado pelo DL nº 31 -A/12), a decisão e revogação de autorização para o exercício da actividade, que não foi impugnada para TJUE (art. 263º do Tratado), nem foi anulada, equivale à declaração de insolvência definitiva da entidade bancária em apreço, cumprindo ao BdP requerer a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos nºs 3 e 4 do art. 8º.


Tendo sido requerida a liquidação do CC, S.A, e tendo sido proferido despacho judicial de prosseguimento dessa liquidação e despacho de nomeação de liquidatário, quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão susceptíveis de invocação em processo de impugnação contenciosa da competência exclusiva dos tribunais administrativos (nº 1 do art. 9º e art. 15º do DL nº 199/06).


Deste modo, sendo inequívoco que foi definitivamente retirada ao antigo CC, S.A, a licença para o exercício da actividade bancária e que, equivalendo esse acto à declaração de insolvência, foi entretanto accionada a sua liquidação no âmbito de um processo judicial que está pendente no Tribunal do Comércio, tal determina a extinção da presente instância quanto ao CC, em Liquidação.


Com efeito, com ressalva dos activos e passivos que transitaram para o Banco DD, S.A., é em tal processo de liquidação que se fará a execução do activo restante, cujo produto será utilizado para satisfação do passivo que nele vier a ser verificado e graduado.


Nesta medida, tal como decorre do CIRE aplicável ao caso, a liquidação de uma entidade determina a extinção da instância nas acções que se encontrem pendentes, de modo que quaisquer credores devem reclamar os seus créditos dentro dos prazos e no âmbito do processo de liquidação/insolvência.


Explicitando:


Circunscritos ao processo de liquidação/insolvência, esta implica a dissolução da insolvente e a perda da sua personalidade jurídica (art. 141º, nº 1, al. e), do CSC, e art. 11º do CPC).


Acresce que, nos termos do art. 90º do CIRE “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.” E estando pendente acção contra a insolvente, determina o art. 85°, n° 1, do CIRE, que “todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.


Face à aplicação supletiva do regime do CIRE, impõe-se a reclamação do crédito na insolvência, a qual se estrutura como uma verdadeira e própria acção declarativa, com potencialidades para apreciar a existência e o montante do direito de crédito em discussão na presente acção declarativa (arts. 130º e segs.).


Enfim, os credores da insolvência devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do art. 128º do CIRE, dentro do prazo assinalado na decisão que decretou o prosseguimento da liquidação judicial, tornando-se evidente que deixa de ter interesse o prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.


Tal solução ficou, aliás, estabilizada com a prolação do AUJ deste STJ nº 1/2014, segundo o qual “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do CPC”


Por conseguinte, com a revogação da autorização para o exercício da actividade do CC (equiparada à declaração de insolvência), a qual não foi impugnada nos termos previstos no art. 263º do TUE, sendo definitiva, mais não restava do que verificar a impossibilidade superveniente da lide, quanto a este R., devendo confirmar-se a decisão recorrida.


Não existe motivo algum para assacar a tal efeito a violação de alguma norma constitucional ou mesmo normas de direito internacional vinculativas para o Estado Português, pois que aos credores é assegurada a defesa dos seus interesses que, por razões de ordem prática, são concentrados no processo de liquidação.


Nem o facto de o direito de crédito invocado pelos AA. carecer de confirmação judicial constitui obstáculo, na medida em que, como se disse, o processo de liquidação tem vocação universal e permite que, no seu âmbito, sejam apreciados os factos e as razões de direito que, na perspectiva dos AA., sustentam o seu alegado direito de crédito de natureza indemnizatória assente em eventuais actos ilícitos ou no incumprimento de deveres contratuais.


Por conseguinte, confirma-se a decisão recorrida que declarou a extinção da instância relativamente ao CC em Liquidação.”


É, pois, entendimento pacífico na jurisprudência do STJ, por nós seguido, que revogada a autorização de certa instituição de crédito para o exercício da sua atividade e determinada a liquidação judicial, nos termos do DL n.º 199/2006, de 25.10, tem o credor que se arrogue a titularidade de crédito sobre tal instituição o ónus de o reclamar na liquidação, em conformidade com o disposto nos artigos 90.º e 128.º do CIRE e estando pendente ação declarativa para reconhecimento judicial do crédito, deve esta ação extinguir-se por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8.05.2013.


Os dois fundamentos específicos em que o Recorrente alicerça a sua discordância relativamente ao decidido pelo Tribunal da Relação: o facto de o pedido por si formulado na ação declarativa não ter índole exclusivamente patrimonial, dado que se discute igualmente nos autos a questão da nulidade do contrato de intermediação financeira e o pedido de indemnização dela decorrente; e a circunstância de não se saber se o património do devedor insolvente será suficiente para responder pelos créditos reclamados uma vez que no despacho de prosseguimento proferido nos termos do artigo 9.º do Decreto - Lei n.º199/2006 não foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, não sendo, como tal, aplicável ao caso o AUJ n.º1/2014, foram detalhadamente analisados pelo acórdão acima citado de 06.11.2018, relator Lima Gonçalves, que se passa a seguir de perto.


Ao contrário do alegado pelo Recorrente, tanto o pedido deduzido a título principal, como o pedido deduzido a título subsidiário (que apenas seria apreciado no caso de o primeiro não proceder – artigo 554.º, n.º1, do CPC) se reconduzem a uma questão patrimonial, posto que, em qualquer dos casos, o que autor, verdadeiramente, pretende obter é a condenação do Réu BES no pagamento de uma quantia pecuniária a título indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais.


Seja por via do instituto da violação dos deveres de informação, de diligência e de lealdade do intermediário financeiro (causa de pedir na qual assenta o pedido principal), seja por via do regime da nulidade do contrato de intermediação financeira por inobservância de forma (causa de pedir em que se alicerça o pedido subsidiário), o que o Autor, ora Recorrente, peticiona é a condenação solidária do BES juntamente com os restantes Réus, no pagamento da quantia € 244 949,836 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos ( € 47,518,70) e vincendos, bem como da quantia que se vier a liquidar a título de danos não patrimoniais.


Pelo que, revestindo o efeito jurídico pretendido pelo Recorrente natureza patrimonial, dúvidas não restam que a sua apreciação influi necessária e diretamente na verificação do passivo do BES, consequentemente, na sua liquidação, e daí que, pelos fundamentos atrás referidos, não há qualquer utilidade em prosseguir essa apreciação fora do processo de liquidação judicial em curso.


De seguida, no citado acórdão, rebatendo a argumentação do Recorrente que são repetidas na alegação e conclusões do presente processo, consta:


Por outro lado, e no que tange ao invocado facto de o Tribunal responsável pelo processo de insolvência do FF se limitar a verificar e a reconhecer créditos do insolvente, sem que lhe caiba conhecer e julgar acerca da constituição da obrigação de prestar, trata-se de afirmação que não se encontra fundamentada e cujo sentido não se alcança, sobretudo, tendo em consideração que, conforme decorre expressamente do artigo 128.º, n.º5, do CIRE, a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento .


Refira-se, aliás, que, no AUJ n.º1/2014, o Supremo Tribunal de Justiça apreciou idêntica questão, tendo concluído que a jurisdição conferida ao Tribunal/decisor da insolvência tem necessariamente implícita, nesse conspecto, uma verdadeira extensão da sua competência material, dado que, mercê do carácter universal e pleno da reclamação de créditos, aquele Tribunal absorve as competências materiais dos Tribunais onde os processos pendentes corriam termos, passando o juiz da insolvência a ter competência material superveniente para decidir os litígios emergentes desses processos e para, em caso de impugnação, verificar a natureza, a proveniência e o montantes dos créditos em causa, bem como dos respetivos juros (…).


E daí que, transpondo essas considerações para o caso dos autos, seja de concluir que o Tribunal do Comércio, encarregue da liquidação do BES, estenderá a sua competência, caso o crédito do recorrente seja impugnado, à apreciação do litígio emergente do presente processo no que àquele Banco concerne e, em concreto, à existência, natureza, proveniência e montante do crédito reclamado, sem que se vislumbre que exista qualquer impedimento nesse particular.


Invoca, por fim, o recorrente, na derradeira tentativa de afastar a aplicabilidade do AUJ n.º1/2014 ao caso, que, não tendo sido declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno no despacho de prosseguimento proferido nos termos do artigo 9.º do Decreto - Lei n.º199/2006, não é possível determinar se o património do devedor será suficiente para responder pelos créditos reclamados e se estão assegurados os direitos dos credores do insolvente, ao que acresce o facto de a proposta da Ex.ma Senhora Procuradora Geral Adjunta sobre a qual recaiu o referido AUJ pressupor que assim tivesse sucedido.


Crê-se, todavia, mais uma vez, que não lhe assiste razão.


Para melhor compreensão da questão e da concernente solução, cumpre referir, antes de mais, que, apesar de a qualificação da insolvência revestir, na versão inicial do CIRE (constante do Decreto - Lei n.º53/2004, de 18 de março), um inequívoco carácter obrigatório, implicando a forçosa instauração do incidente para esse efeito, tal obrigatoriedade foi eliminada pela reforma levada a cabo pela Lei n.º 16/2014, de 20 de abril.


Essa alteração ficou, desde logo, expressa na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º39/XII, da qual constava precisamente que outra das novidades consiste na transformação do actual incidente de qualificação de carácter obrigatório num incidente cuja tramitação só terá de ser iniciada nas situações em que haja indícios carreados para o processo de que a insolvência foi criada de forma culposa pelo devedor ou pelos seus administradores de direito ou de facto, quando se trate de pessoa colectiva (artigos 36.º, 39.º, 188.º, 232.º e 233.º).


Extrai-se, assim, do exposto que, tendo o incidente de qualificação da insolvência deixado de ter carácter obrigatório, não está o juiz obrigado a declará-lo aberto quando profere sentença e muito menos o terá de fazer quando não é ele que declara a insolvência e se limita a proferir, como sucede neste caso, um despacho de prosseguimento do processo de liquidação judicial de uma instituição de crédito, processo esse requerido pelo Banco de Portugal por força de imposição legal nesse sentido, na sequência da revogação da autorização para o exercício da atividade bancária deliberada pelo BCE (…).


Conforme decorre da exposição de motivos a que se fez referência e das normas que regulam esta matéria, o aludido incidente destina-se a qualificar a insolvência como culposa ou fortuita, podendo assumir carácter pleno ou limitado, sendo que este último apenas se aplica nos casos previstos nos artigos 39.º, n.º1, e 232.º, n.º 5, do CIRE, isto é, quando o juiz oficiosamente ou, por indicação do administrador da insolvência, conclua que o património do devedor não é sequer presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa, não se justificando, por isso, que o processo prossiga para as fases da verificação de créditos e de liquidação que, em circunstâncias normais, teriam lugar (artigos 185.º, 188.º, e 191.º, do mesmo Código).


Nessa medida, afigura-se que se tal declaração, com carácter limitado, tivesse sido incluída no despacho de prosseguimento seria até manifestamente contrária ao fim e à natureza do processo de liquidação judicial, bem como à decisão do BCE que, ao ter revogado a autorização a que acima se fez referência, provocou a dissolução do Banco Réu e a sua entrada em liquidação, sendo essa decisão que equivale à declaração de insolvência.


Neste particular, importa sublinhar que não se está perante um verdadeiro processo de insolvência, mas antes perante um processo de liquidação judicial que obedece a normas próprias (Decreto - Lei n.º199/2006) e que apenas será regulado pelas normas do CIRE onde aquele for omisso e desde que essas normas sejam compatíveis com a natureza do processo.


E compreende-se que assim seja dado que, exercendo as instituições de crédito funções essenciais no âmbito do sistema bancário e do desenvolvimento económico e financeiro e estando a sua atividade sujeita a supervisão, desde cedo se concluiu que se impunha a sua sujeição a um enquadramento legal diferenciado precisamente por o regime do CIRE não se mostrar suficientemente adequado às ditas peculiaridades (artigo 2.º, n.º 2, al. b), do CIRE).


É verdade que a aplicação do CIRE às instituições de crédito não está totalmente excluída, contudo, trata-se de uma aplicação que rege apenas para os casos omissos e que opera de forma condicionada, na medida em que serão aplicáveis ao processo de liquidação judicial das referidas instituições as disposições que não sejam incompatíveis com o regime específico pelo qual o mesmo se regula (…)


Do exposto resulta que a hipótese aventada pelo recorrente – de vir a ser declarada aberto o incidente de qualificação de insolvência com carácter limitado por insuficiência do património do devedor para satisfação das custas do processo – para além de carecer de sentido, sempre seria incompatível com a natureza e com o fim do processo de liquidação judicial, com a intervenção e com as competências que o Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, exerce nesse âmbito (artigos 10.º a 14.º do citado Decreto - Lei n.º199/2006) e bem assim com a deliberação do BCE de revogação da autorização para a atividade bancária do BES.


Repare-se que, por força dessa deliberação, o Banco Réu ficou impedido de exercer a sua atividade, com a sua consequente dissolução, e daí que não se afigure possível que este pudesse recuperar o direito de dispor dos seus bens e de gerir livremente os seus negócios, sendo que este é um dos efeitos decorrentes do encerramento do processo por insuficiência da massa (artigos 39.º, n.ºs 1 e 7, 232.º, e 233.º, n.º 1, do CIRE).


Sublinhe-se, aliás, que no despacho de prosseguimento do processo de liquidação judicial proferido nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do Decreto - Lei n.º 199/2006, foi, desde logo, fixado prazo para a reclamação de créditos, o que afastou, por si só, o carácter limitado do incidente em questão (artigo 39.º, n.º 7, als. a) e b), do CIRE).


Seja como for, o que importa reter, no que concerne à aplicabilidade do AUJ n.º1/2014 ao caso, é que o segmento uniformizador no qual ele culminou, contrariamente ao que o Recorrente pretende fazer crer, não restringe a aplicação do entendimento que aí foi adotado às hipóteses em que o incidente tenha sido, desde logo, declarado aberto, com carácter pleno e, dilucidando os fundamentos que conduziram à já apontada uniformização de jurisprudência, também não se encontra qualquer restrição nesse sentido.


Nessa medida, relevando apenas o aludido segmento uniformizador – que é o que foi tirado pelo Pleno das Secções Cíveis –, é evidente que não há que chamar à colação a “proposta” do Ministério Público, sobretudo quando esta, constituindo um mero parecer sobre a questão que originou a necessidade de uniformização, na parte especificamente atinente àquele segmento, nem sequer vingou, tendo antes vingado uma fórmula suficientemente abrangente que não faz depender a aplicabilidade do entendimento aí fixado da declaração ou não da abertura do incidente de qualificação da insolvência (artigo 687.º, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 695.º, n.º1, do mesmo diploma).


Esta conclusão não é, de modo algum, afastada pelo acórdão da Relação do Porto de 15-04-2013 que o Recorrente invoca em abono da sua tese, dado que a situação aí apreciada não tem qualquer paralelismo ou similitude com o caso retratado nos autos.


Na verdade, tal aresto debruçou-se sobre um caso muito particular em que à data em que foi declarada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide já há muito que tinha transitado a sentença de insolvência, aí proferida ao abrigo do disposto no artigo 39.º, n.º 1, do CIRE, sem que tivesse sido requerido o seu complemento, mostrando-se, por isso, o processo findo.


Ou seja, nesse caso, por não se terem produzido quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência e não ter tido sequer lugar a fase da reclamação de créditos e nem, decorrentemente, a da liquidação, o credor estava, naturalmente, impedido de fazer valer o seu alegado direito no âmbito do processo de insolvência (nessa altura, já findo) e daí que não se pudesse concluir pela inutilidade do prosseguimento da lide (artigos 39.º, n.ºs 1, 2 e 7, do CIRE).


Nada disso sucedendo, porém, no caso ajuizado, a solução que se impõe é naturalmente a inversa, isto é, a da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide no que concerne ao Réu BES, sendo irrelevante para o caso que o incidente de qualificação de insolvência não tenha sido expressamente declarado aberto com carácter pleno aquando do despacho de prosseguimento da liquidação judicial: quer porque tal declaração deixou de ser obrigatória, quer porque o entendimento fixado, para efeitos de uniformização de jurisprudência, no AUJ n.º1/2014 não está dependente de uma tal declaração (vejam-se, no sentido exposto, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2018, e de 19/06/2018, consultável in www.dgsi.pt).


É de referir, por último, que a solução da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, contrariamente ao aflorado pelo Recorrente nas conclusões da sua alegação recursória, não é violadora de quaisquer direitos e interesses constitucionalmente consagrados, designadamente do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º do CRP).


A verificação de créditos, que se estrutura como verdadeira ação declarativa, com as garantias a ela inerentes, assegura aos credores a defesa dos seus interesses, os quais, por razões de ordem prática, são concentrados no processo de insolvência.


Pelo que, permitindo a vocação universal do processo de insolvência (ou, mais rigorosamente, do processo de liquidação judicial) apreciar, no âmbito do aludido apenso de verificação de créditos, os factos e as razões de direito em que se ancora o alegado direito que o Recorrente pretende fazer valer, em nada fica cerceado o seu direito de acesso aos Tribunais, que se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP (assim se decidiu no AUJ n.º 1/2014, bem como no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2017, consultável em www.dgsi.pt).”


É, pois, de concluir que , por força da doutrina emergente do AUJ n.º1/2014 que tem plena aplicação na presente ação, que se destina a fazer valer um alegado direito de crédito, nenhuma utilidade tem o prosseguimento da lide após a revogação da autorização da atividade bancária do réu BES, equivalente à declaração da insolvência, bem como à prolação do despacho de prosseguimento da sua liquidação judicial, uma vez que o Recorrente não está dispensado de reclamar o seu crédito no dito processo de liquidação e, por outro lado, sempre estaria impedido de executar qualquer sentença que viesse a obter, ainda que o resultado da demanda lhe fosse favorável.


Estando assente que a pretensão do Recorrente, no que concerne ao réu BES, apenas pode encontrar satisfação no âmbito do processo de liquidação judicial em curso, na presente ação impõe-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (artigo 277.º, alínea e), do CPC), tal como foi decidido no acórdão recorrido.


IV. Decisão


Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, na parte objeto do presente recurso, que declarou extinta a instância, por inutilidade da lide, relativamente ao réu BES SA em Liquidação.


Custas pelo Recorrente


Lisboa, 30.04.2024


Os Juízes Conselheiros


Leonel Serôdio ( Relator)


Graça Amaral ( 1ª adjunta)


Maria Amélia Ribeiro ( 2ª adjunta)