Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
158/14.1JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
ILICITUDE
CULPA
Data do Acordão: 11/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
Doutrina:
- CESARE BECARIA, Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, 38.
- EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, 16.
- FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime, Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, 117, 118, 121; Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §55, § 56, § 278, 211; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, 84, 109 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 71.º, 50.º, N.º1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º, N.º2.
D.L. N.º 15/93, 22-01: - ARTIGO 21.º, N.º 1, DO POR REFERÊNCIA À RESPECTIVA TABELA I-B.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05-11-2003, PROCESSO N.º 03P2638, WWW.DGSI.PT .
-DE 15-11-2006, PROCESSO N.º 2555/06- 3ª SECÇÃO.
Sumário :

I - Carece de fundamento legal o pedido de nulidade fundado no facto de o acórdão recorrido não ter aplicado a pena de harmonia com a pretensão do recorrente, pois que uma coisa é o juízo de mérito sobre a causa, ao conhecer dela, e outra a existência de deficiências ou irregularidades processuais, que o inquinem, o que não é o caso.
II - Ponderando a elevada ilicitude dos factos (o arguido detinha cocaína com peso líquido de 3.563,267 g); o modo de execução (através de encomenda expedida de Manaus, no Brasil, para a morada sita em Alhandra, comparticipando o recorrente na importação do estupefaciente, fornecendo a identificação do destinatário e morada do mesmo, que era uma sua antiga morada e não a do indicado destinatário, a quem arrastou para o acto); a gravidade das consequências (o arguido iria receber pelo levantamento da máquina contendo cocaína, a quantia de dois mil euros); a forte intensidade do dolo; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (o arguido actuou com o único intuito de auferir proventos pecuniários); sendo fortes as exigências de prevenção geral e as exigências de socialização ínsitas à prevenção especial, embora não se tivesse dado como provado que era o dono do estupefaciente ou que o destinasse à venda, não é despicienda a relevância desta actividade, como elo essencial na actividade de tráfico (sobretudo internacional), bem como o facto da elevada quantidade denunciar a confiança de que o arguido gozava junto dos donos do negócio; não se relevando particularmente a confissão (típica nos casos de detenção em flagrante), nem tão pouco a situação económica precária (à data da sua prisão, residia só e subsistia com o Subsídio de Desemprego, no valor de cerca de 300€ /mês) e ausência de antecedentes criminais (recorrentes nestas situações), não se revela desproporcional, atento o limite definido pela culpa intensa do arguido, sendo por isso de manter, a pena fixada de 5 anos e 8 meses de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, 22-01, por referência à respectiva tabela I-B.
Decisão Texto Integral:
           
               

      Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

-

Nos autos de processo comum com o nº 158/14.1JELSB da comarca de Lisboa - Instância Central- 1ª Secção Criminal, Juiz 1, foram submetidos a julgamento por tribunal colectivo, os arguidos AA, também conhecido por "...", ..., atualmente Desempregado, nascido em ..., filho de ... e de ..., natural da ..., residente na ..., actualmente preso preventivamente à ordem destes autos e BB, ..., nascido em ..., filho de ... e de ..., natural da ..., residente na ..., actualmente preso preventivamente à ordem destes autos, acusados que vinham pelo Ministério Público, da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto no artigo 21.°, n° 1 do Decreto -Lei n° 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, tendo ainda sido pedida a sua expulsão do território nacional, nos termos das disposições conjugadas nos artigos 151.º n.º 2 da Lei n.º 29/2012, de 09 de Agosto, e do artigo 34.°, n.º 1 da Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferido, em 10 de Abril de 2015, acórdão que julgou “parcialmente procedente, por parcialmente provada a acusação e, por via disso

a) Absolve-se AA, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21°/1 D.L. n. 15/93,22/1, por referência à respetiva tabela l-B.

b) Condena-se BB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º/1 D.L. n.º 15/93,22/1, por referência à respetiva tabela l-B, na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.

c) Não se determina a expulsão deste arguido, do Estado Nacional.

d) Declaram-se perdidos a máquina modeladora de pão, seus cilindros que continham a cocaína, telemóveis apreendidos ao arguido Rosaltino e o estupefaciente apreendido.

e) Determina-se a notificação da ".... Auto Reparações, Lda.", para proceder ao levantamento do "Opel Corsa" matrícula "...-UQ" que se mantém apreendido, sob cominações previstas no art.º 186°/3 e n.o 4), C.P.P.

f) Custas pelo arguido BB, com 2 (duas) D.C. 's de taxa de justiça.

g) Este arguido manter-se-á em prisão preventiva, até eventual trânsito do Acórdão.

h) Passe mandados de libertação imediata, para AA.

i) Comunique ao "Gabinete de Combate à Droga".


-

        Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso o arguido BB, para este Supremo, apresentando as seguintes conclusões na a motivação de recurso:

1.     Entendeu o Tribunal "a quo” em decisão proferida em 17/04/2015 e, que ora se recorre, em condenar o recorrente pela prática de um crime de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo aryº 21º/1º do DL 15/93 de 22/1 na pena de 5 anos e 8 meses de prisão.

2. Para tanto, fundamentou o tribunal" a quo" o quantum da pena aplicada, a necessidade de prevenção geral, estar em causa uma droga dura, a quantidade que fora apreendida, e tratar-se de uma importação intercontinental de estupefacientes.

3.      Referindo ainda como atenuantes, o facto de o ora recorrente não ser o dono final do produto estupefaciente, nem proceder á sua venda, não possuir sinais exteriores de riqueza e, ter confessado os factos.

4.     No entanto entendeu o Tribunal" a quo", penalizar o ora recorrente mais do que o normal da praxis dos Tribunais, por entender que a participação deste nos factos em apreço, está um "pouco acima do vulgar correio de droga, dado que fora ele que combinou a importação da cocaína.

5.      Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal " a quo" com tal entendimento, uma vez que, a situação do recorrente se perfilha como um vulgar correio de droga, sem o domínio do facto, no sentido de ser ele, em concreto, o dono da droga que lhe foi apreendida.

6.     A alegada “combinação" referida, mais não foi do que os termos em que seria enviado o produto estupefaciente, o local de entrega e, a contrapartida de tal proposta.

7.      Em todos os casos de correios de droga, tal “combinação" é feita, e, nem por isso, são os mesmos mais penalizados, e, considerados “acima do vulgar correio de droga".

8.      O que interessa apurar é se efectivamente a pessoa em questão detêm ou não o domínio da actividade criminosa, para fazer a distinção entre o traficante propriamente dito e o correio de droga.

9.      Essa distinção foi claramente alcançada pelo Tribunal" aquo", quando deu como provado que o ora recorrente não detinha o domínio da actividade criminosa.

10.    Assim sendo, não restaria ao Tribunal " a quo" outra decisão que não fosse considerar apenas e somente o ora recorrente como correio de droga e, como tal aplicar-lhe uma pena adequada a tal qualificação.

11. Pena essa, que nunca deveria ter ultrapassado os cinco anos de prisão.

12. O ora recorrente, confessou integralmente os factos e sem reservas.

13.Teve o seu primeiro contacto com o sistema prisional.

14. É primário.

15. Encontra-se familiar e socialmente inserido.

16.    Desde que se encontra preso tem um comportamento adequado ás regras prisionais que lhe são impostas.

17.Sempre teve hábitos de trabalho.

18. Tem duas filhas menores.

19. Pugnando o recorrente para que a sua pena seja reduzida para um máximo até cinco anos.

20. Ao ser relevado o supra peticionado, o ora recorrente reúne as condições elencadas pela lei para que lhe seja suspensa a execução da sua pena.

21.Sendo certo que uma vertente da jurisprudência entende que em crimes de tráfico de estupefacientes não deva ser a execução da pena suspensa, certo é que a lei não faz qualquer ressalva relativamente a este tipo de crime.

22.Há, pois) que concluir que o legislador quis que às penas de prisão aplicadas por tráfico de droga se aplicassem os mesmos critérios que aos restantes crimes, para aferir da possibilidade de suspensão da sua execução, nos termos do disposto no art.º 90º do C C.

23.    Ora, da prova carreada para os autos, inclusive o relatório social, tudo indica que é possível fazer um juízo de prognose positivo quanto à sua reinserção social, pelo que é de concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, em consequência do que, nos termos do disposto no art.º 50º do CP.

24.   Ao não ter decidido dessa forma, o Tribunal violou o preceituado nos artigos 40°, 70°, 71° nº 1 e nº 2 aI. a), b), c), d), e), 3 artigo 72° e 73° e 50º todos do Código Penal e, ainda o art 9° do Código Civil devendo o mesmo ser declarado nulo e sem efeito

Deve ser dado provimento ao presente recurso nos termos acima alegados


-

           Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, afigurando-se-lhe em conclusão que “o recurso do arguido não merece provimento, devendo manter-se integralmente o douto acórdão recorrido.”

-

           Neste Supremo, o Ministério Público emitiu douto Parecer onde alega:

            “a) As únicas questões submetidas a reexame são:

- Medida da pena (5 anos e 8 meses de prisão) que o arguido pretende ver reduzida para um máximo de 5 anos, e

- Suspensão da sua execução.

 Em síntese, alega em seu favor «o facto de … não ser o dono final do produto estupefaciente, nem proceder à sua venda, não possuir sinais exteriores de riqueza e ter confessado os factos».

 Acrescenta que «a situação do recorrente se perfila como um vulgar correio de droga, sem domínio do facto» e que a «alegada “combinação” referida, mais não foi do que os termos em que seria enviado o produto estupefaciente, o local de entrega e a contrapartida de tal proposta».

 Finalmente, faz apelo à sua primariedade, inserção familiar e social, hábitos de trabalho, confissão integral e sem reservas para fundamentar o pedido de redução da pena e suspensão da sua execução.

b) Respondeu o Ministério Público (559-564), defendendo a manutenção do acórdão recorrido, considerando que a pena fixada «está longe de ultrapassar a medida da sua culpa», e que a simples ameaça de prisão não assegura, «de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, designadamente as exigentes finalidades de prevenção geral.».

c) Acompanhamos a fundamentação do acórdão recorrido que vai ao encontro da resposta do Ministério Público.

c.1 A ilicitude do facto é elevada:

-cerca de 3,6 Kg de cocaína (peso líquido);

-a acção não se confunde com a de “mero correio”. Foi o recorrente que comparticipou na importação do estupefaciente, fornecendo a identificação do destinatário e morada do mesmo, que era uma sua antiga morada e não a do indicado destinatário, a quem arrastou para o acto.

           E, embora não se tivesse dado como provado que era o dono do estupefaciente ou que o destinasse à venda, não é despicienda a relevância desta actividade, como elo essencial na actividade de tráfico (sobretudo internacional), bem como o facto da elevada quantidade denunciar a confiança de que o arguido gozava junto dos donos do negócio.

 Não se relevando particularmente a confissão (típica nos casos de detenção em flagrante), nem tão pouco a situação económica precária e ausência de antecedentes criminais (recorrentes nestas situações), a pena fixada é adequada à culpa do arguido, bem como às exigências de prevenção geral.

            E como é jurisprudência deste Supremo Tribunal, situando-se a quantificação da pena dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Por todos, Ac STJ de 29.04.04, proc. n.º 1394.04 5ª ), o que não sucede no caso.

c.2 E ainda que se reduzisse a pena de prisão para limites que permitissem a pena de substituição, sempre seria de afastar tal opção,.

 Como tem vindo a ser acentuado na jurisprudência desta Alta Instância, atento o flagelo social à escala mundial que constitui o consumo de estupefacientes e a frequência com que o tipo legal é violado, esta medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico, apresenta-se geralmente como medida sancionatória insuficiente para realizar de forma adequada e bastante a finalidade da punição no que concerne à reposição da crença da comunidade na validade da norma e à confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

 No caso concreto, não se verificam razões particulares que, ponderadas na sua globalidade, recomendem a pretendida suspensão.


***

Pelo exposto entendemos que o recurso deverá ser julgado improcedente.”

-

            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP.

-

            Não tendo sido requerida audiência seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.

           


-

Consta do acórdão recorrido:

            “


2 - Os Factos

1)


  No dia 28 de Março de 2014 foi expedida de Manaus, no Brasil, por CC, uma encomenda com o número ..., para a morada sita na ....

2)

Tinha ainda aposto no lugar de destinatário o nome do arguido AA.

3)

Essa encomenda continha no seu interior uma máquina de modelagem de pão da marca "..".

4)

Mas, no interior de três cilindros desta máquina, estavam dissimuladas três embalagens contendo cocaína, com o peso líquido de 3 563,267 (três mil, quinhentos e sessenta e três vírgula duzentos e sessenta e sete) gramas.

5)

A referida máquina levantou suspeitas junto dos Serviços da Alfândega Portuguesa, porquanto vinha acondicionada de forma bastante rudimentar e pouco cautelosa no interior de uma caixa de cartão.

6)

Razão pela qual, procederam os elementos dos serviços aduaneiros a verificação da máquina, por raio X, verificando-se que a mesma continha algo que podia ser cocaína.

7)

Por esse motivo, Inspetores da Polícia Judiciária montaram uma operação de vigilância junto da estação dos correios de Cabo Ruivo, em Lisboa.

8)

Tendo constatado que, no dia 6 de Maio de 2014, pelas 14.25 horas, os dois arguidos se dirigiam a essa estação dos correios, para irem levantar a referida encomenda.

9)

Após procederem ao levantamento da encomenda, foram os arguidos abordados por Inspetores da Polícia Judiciária.

10)

Foram então apreendidos a ambos os arguidos:

- I (uma) máquina modeladora de pães, marca MB Bracsl e com a indicação de modelo MBMJ - 22 (linha nobre);

- 5 (cinco) folhas respeitantes à expedição da máquina de moldar pão e um talão relativo ao pagamento efetuado no Brasil da expedição da máquina.

- 3 (três) cilindros metálicos (retirados da máquina modeladora e pães acima descrita),


11)

Ao arguido BB foram apreendidos:

- 1 (um) cartão de segurança da Moche relativo ao número ...;

_ 1 (um) porta cartões da Vodafone, sem cartão, com indicação do PIN 1479;

- 8 ( oito) papéis com indicações manuscritas;

- 2 (dois) avisos para desalfandegamento nos CTT, em nome de AA;

- 1 (um) documento da TAP Portugal relativo ao passageiro Mr. BB, de uma viagem Manchester / Lisboa, em 14 de Março 2014;

- 1 (um) telemóvel da marca Nokia, modelo 10 1, com o IMEI 1 : ... e IMEI 2: ..., contendo no seu interior um cartão SIM da Moche com o número ... e respetiva bateria;

- 1 (um) telemóvel da marca Nokia, modelo RM-944, com o IMEI 1: ... e IMEI 2: ..., contendo no seu interior um cartão SIM da Moche com o número ..., um cartão da Lycamobile com o número ... e respetiva bateria.


12)

Ao arguido AA foram apreendidos:

- 1 (um) telemóve1 da marca Nokia, modelo 6070, de cor cinzenta, com o IMEI n,º ... e respetiva bateria, contendo um cartão SIM da operadora Lyca mobile com o n.º ... sem código PIN;

- 1 (um) telemóvel da marca Samsung, modelo OT-I8000, de cor preta, com o IMEI n.º ... e respetiva bateria, contendo um cartão SIM da operadora MED, com o n.º ..., com o código PIN: 0000;

- diversa documentação manuscrita.


13)

Na viatura da marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula ..., que estava nessa ocasião na posse do arguido BB, foram encontrados no interior de um saco em material sintético, de cor preta:

- 1 (uma) cópia de recibo de compra com a referência NF nº 006984, emitido pela empresa ... EQUIPAMENTOS LTDA, a 01/11/2013, com

- o nome de comprador de CC, relativo à aquisição do produto BIVOLT Modeladora Júnior 220MM;

- Uma cópia de nota fiscal avulsa com o número AA-308196, emitido pelo Governo do Estado do Amazonas, a 28/0312014, em nome de CC, relativo ao produto BIVOL T Modeladora Júnior 220MM;

- 1 (uma) cópia de registo da encomenda, identificada na Nota Fiscal nº 6984, emitida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, com o código de registo n° EB055826008BR;

- 1 (uma) cópia de registo da encomenda, identificada na Nota Fiscal nO 6984, emitida pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, com o código de registo Nº EB055826011BR;

- 1 (um) recibo de compra de medicação da Farmácia ..., emitido a 02/0512014, em nome de BB.


14)

O arguido BB iria receber pelo levantamento da máquina contendo cocaína, a quantia de 2. OOO.OO€ (dois mil euros).

15)

Deveria entregar a cocaína a um individuo apenas referenciado por “José", com nacionalidade espanhola.

16)

O arguido BB conhecia as características e natureza estupefaciente da cocaína que detinha.

17)

Não o fazia num quadro de consumo para si.

18)

           Ambos os arguidos sabiam que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei.

19)

Os documentos, telemóveis e outros objetos acima indicados e que foram apreendidos ao arguido BB destinavam-se a ser utilizados por este, na atividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma.

20)

O arguido BB agiu de forma livre, voluntária e consciente.

21)

Bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.

22)

Atuaram com o único intuito de auferir proventos pecuniários.

23)

AA não tem antecedentes criminais registados.

24)

Não tem familiares em Portugal.

25)

É o terceiro de cinco irmãos e cresceu com os Pais, ele Engenheiro Agrónomo e ela Técnica de Análises.

             


26)

Em 2 005 e após falecimento do Pai, emigra para Portugal


. 27)

Trabalhava como Eletricista da Construção Civil, em Mafra.

28)

No período notumo frequentava a escola, tendo obtido equivalência ao 12° ano, através do programa "Novas Oportunidades".

29)

Aos fins de semana ia ter com a namorada, a Aveiro.

30)

Deste relacionamento, nasceu um filho comum.

31)

Atualmente estão separados.

32)

À data da sua prisão, residia com um Primo e a atual Companheira, que trabalha num lar de idosos e ganha cerca de 500/600€ (quinhentos/seiscentos euros)/mês.

33)

Estava Desempregado há cerca de dezoito meses.

34)

Mantém o apoio da Mãe, irmãos, namorada e primo.

35)

Tem mantido um comportamento prisional adaptado.

36)

BB também não tem antecedentes criminais registados.

37)

Natural da ..., embora com nacionalidade Portuguesa, é o mais velho de sete irmãos.

38)

O Pai era Funcionário do Ministério do Plano e a Madrasta, Professora de Matemática e Costureira.

39)

Quando tinha sete anos de idade os Pais separaram-se, tendo ele ficado aos cuidados do Pai e da Madrasta.

40)

O Pai faleceu em 1 998, na Guerra da ....

41)

Tem o 4° ano de escolaridade.

42)

Em 1 993 emigrou para Portugal e, desde então aqui se mantém.

43)

A Companheira, que já vinha da ..., aqui se lhe juntou depois.

44)

Desta, teve duas filhas, atualmente com 9 (nove) e 4 (quatro) anos de idade.

45)

Apesar de estar há dois anos Desempregado, aqui exerceu atividade como Pedreiro e Ladrilhador.

46)

Há cerca de 2 (dois) anos, a Companheira emigrou para Inglaterra, país para onde foi na companhia das filhas.

47)

À data da sua prisão, residia só.

48)

Subsistia com o Subsídio de Desemprego, no valor de cerca de 300€ (trezentos euros)/mês.

49)

Tem irmãos e primos, no nosso país.


Factos Não Provados

A)


Os arguidos, pelo menos desde o princípio de Maio de 2014, que atuando concertadamente com indivíduos não identificados, procedem à comercialização de cocaína.

B)

Produto esse que, na sequência de plano previamente acordado entre todos, lhes é remetido dissimulado no interior de encomendas que lhes são remetidas por via postal.

C)

A cocaína enviada nos autos foi-o, no âmbito do referido plano.

D)

Pelo recebimento da encomenda, o arguido AA iria receber a quantia de 1 ODD€ (mil euros).

E)

Também este arguido deveria entregar o estupefaciente a um indivíduo de nacionalidade Espanhola, de nome "José".

F)

O arguido BB destinava a cocaína que detinha à venda a terceiros, mediante contrapartidas económicas.

G)

AA sabia que detinha estupefacientes, destinando-os à venda a terceiros.

H)

Os arguidos AA e BB atuaram em conjugação de esforços e interesses.

I)

Os documentos, telemóveis e outros objectos acima indicados e que foram apreendidos ao arguido AA destinavam-se a ser utilizados por este, na atividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma.

J)

Este arguido agiu em tudo, de forma livre, deliberada e consciente.

K)

Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.


Irrespondíveis por Conclusivos

AI)


Os factos praticados pelos arguidos são graves, envolvem consequências sociais irreversíveis e foram cometidos com um dolo direto e intenso.

BI)

            Pelo que, atenta a moldura penal aplicável, os mesmos serão previsivelmente condenados em pena de prisão efectiva.

-

            Cumpre apreciar e decidir.

Inexistem vícios e nulidades de que cumpra conhecer nos termos dos nºs 2 e 3, respectivamente, do artº 410º do CPP.

O facto de o acórdão recorrido não ter aplicado a pena de harmonia com a pretensão do recorrente, não significa que o acórdão seja nulo, pois que uma coisa é o juízo de mérito sobre a causa, ao conhecer dela, e outra a existência de deficiências ou irregularidades processuais, que o inquinem, o que não é o caso,

Não tem pois suporte legal o pedido de nulidade que o recorrente faz na conclusão 24ª.

            O recorrente não discute a ilicitude mas apenas a medida da pena concreta aplicada que considera excessiva, pugnando por uma pena de 5 anos de prisão, e suspensa na sua execução (v. conclusões 19 e segs)

           


_

            Analisando

           

Como vimos explicitando em diversos acórdãos:


           A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Montesquieu – é tirânica.”  (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)
Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.
E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.
Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”

           As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (,v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001,p. 84)

Ensina o mesmo Ilustre Professor  –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 - que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Por outro lado, a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (Figueiredo Dias, Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996,, p. 118)

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, Temas Básicos…, p. 117,  121):

Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo contudo, o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
           O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevencão.

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa  (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – in ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- idem, ibidem p. 109 e ss.

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
           O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

            Refere a decisão recorrida:

            “3.2. - Da Escolha e Medida da Pena

“Ultrapassada que está uma visão retribucionista da pena, entende-se hoje que a pena a aplicar não pode exceder a medida da culpa.

Dentro da medida desta, as necessidades de prevenção geral marcarão o seu limite mínimo, sob pena de a mesma ser considerada "laxista" e não cumprir os seus objetivos desmotivadores, da prática de crimes.

Acima deste limite, são as necessidades de prevenção especial que marcarão o "quantum" da pena.

Surgem no caso, como agravantes:

- estar em causa uma "droga dura", isto é daquelas que maior degradação provocam (art.º 71°/2, a), C.P.);

- a quantidade relevante da mesma, suficiente para cerca de 35 000 (trinta e cinco mil) doses (art.o 71º/2, a), c.P.);

- tratar-se de uma importação intercontinental de estupefacientes (art.º 71 °/2, a), C.P.).

E como atenuantes:

- não se ter provado que o arguido a destinaria à venda ou seria o seu dono final (art.º 71°/2, a), C.P.);

- o facto de não ter sinais exteriores de riqueza e ter até uma difícil situação económica, sempre propiciadora deste tipo de atos (art.º 71°/2, d), C.P .);

- ter confessado os factos, especialmente na sua versão subjetiva (art.º 71°/2, e), C.P.).

- A ausência de antecedentes criminais, mais não é do que uma obrigação geral dos cidadãos.

O arguido terá tido uma participação nos factos um "pouco acima do vulgar correio de droga", pois foi ele próprio que combinou a importação de cocaína; contudo, não se provou que fosse o seu dono ou a viesse a vender.

A moldura penal do crime imputado varia entre os 4 (quatro) e os 12 (doze) anos de prisão.

Tudo ponderado, considera-se adequada uma pena fixada um pouco abaixo, da primeira quarta parte da pena..”

A moldura penal abstracta oscila entre 4 e 12 anos de prisão nos termos do aryº 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

Desde logo há que dizer que apenas o que consta da matéria fáctica provada determina, além da ilicitude, a sua consequência jurídico-penal, ou seja a medida da pena.

São os factos apurados que convocam a subsunção jurídica.

           Embora a motivação da convicção do tribunal refira que “BB confessa a prática dos factos que lhe são imputados”  ” tal confissão é de fraca relevância porque como vem provado, após procederem ao levantamento da encomenda, foram os arguidos abordados por Inspectores da Polícia Judiciária, que a apreenderam, e no interior de três cilindros desta máquina, estavam dissimuladas três embalagens contendo cocaína,”

Tendo em conta face à matéria fáctica provada:

A gravidade da ilicitude, face à natureza e quantidade do estupefaciente: - cocaína com peso líquido de 3 563,267 (três mil, quinhentos e sessenta e três vírgula duzentos e sessenta e sete) gramas.

O modo de execução: - Através de encomenda expedida de Manaus, no Brasil, por CC, uma encomenda com o número EX114224200PT, para a morada sita na .... Tinha ainda aposto no lugar de destinatário o nome do arguido AA.

A gravidade das consequências: -O arguido BB iria receber pelo levantamento da máquina contendo cocaína, a quantia de 2. OOO.OO€ (dois mil euros).

Deveria entregar a cocaína a um indivíduo apenas referenciado por “José", com nacionalidade espanhola.

Os documentos, telemóveis e outros objetos acima indicados e que foram apreendidos ao arguido BB destinavam-se a ser utilizados por este, na actividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma.

A forte intensidade do dolo:- O arguido BB conhecia as características e natureza estupefaciente da cocaína que detinha. Não o fazia num quadro de consumo para si. Sabia que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei. e agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.

         Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram: - O arguido actuou com o único intuito de auferir proventos pecuniários

            A condição pessoal do arguido e sua situação económica: - Natural da Guiné Bissau, embora com nacionalidade Portuguesa, é o mais velho de sete irmãos.

 O Pai era Funcionário do Ministério do Plano e a Madrasta, Professora de Matemática e Costureira.

 Quando tinha sete anos de idade os Pais separaram-se, tendo ele ficado aos cuidados do Pai e da Madrasta. O Pai faleceu em 1 998, na Guerra da Guiné.

Tem o 4° ano de escolaridade. 

Em 1 993 emigrou para Portugal e, desde então aqui se mantém.

A Companheira, que já vinha da ..., aqui se lhe juntou depois.

 Desta, teve duas filhas, atualmente com 9 (nove) e 4 (quatro) anos de idade.

Apesar de estar há dois anos desempregado, aqui exerceu atividade como Pedreiro e Ladrilhador.

Há cerca de 2 (dois) anos, a Companheira emigrou para Inglaterra, país para onde foi na companhia das filhas.

À data da sua prisão, residia só.

Subsistia com o Subsídio de Desemprego, no valor de cerca de 300€ (trezentos euros)/mês.

Tem irmãos e primos, no nosso país.

            A conduta anterior e posterior aos factos: – BB não tem antecedentes criminais registados.

Em síntese, e, como se salienta  no douto Parecer do Ministério Público:

“A ilicitude do facto é elevada:

-cerca de 3,6 Kg de cocaína (peso líquido);

-a acção não se confunde com a de “mero correio”. Foi o recorrente que comparticipou na importação do estupefaciente, fornecendo a identificação do destinatário e morada do mesmo, que era uma sua antiga morada e não a do indicado destinatário, a quem arrastou para o acto.

           E, embora não se tivesse dado como provado que era o dono do estupefaciente ou que o destinasse à venda, não é despicienda a relevância desta actividade, como elo essencial na actividade de tráfico (sobretudo internacional), bem como o facto da elevada quantidade denunciar a confiança de que o arguido gozava junto dos donos do negócio.

 Não se relevando particularmente a confissão (típica nos casos de detenção em flagrante), nem tão pouco a situação económica precária e ausência de antecedentes criminais (recorrentes nestas situações), a pena fixada é adequada à culpa do arguido, bem como às exigências de prevenção geral.”

Na verdade, tendo ainda  em conta que

São fortes as exigências de prevenção geral no combate ao crime de tráfico que, de forma contínua, continua a persistir na sociedade contemporânea.

Mesmo a nível de dós chamados correios de droga, não deve olvidar-se, que, como escrevemos no acórdão que julgou o recurso nº 2838/08 deste Supremo e desta Secção: - “Os chamados correios de droga, embora sejam meros agentes de transporte de estupefacientes, por conta de outrem, não são vítimas do sistema criminoso, outrossim, assumem uma função preponderante na violação do bem jurídico, permitindo e incrementando o negócio do tráfico, umas vez que de forma consciente e, intencional, transportam a droga, do fornecedor ao destinatário, permitindo assim o escoamento do produto.

 Sem consumo, sem escoamento, a produtividade emperra, e o produto tem de ficar em stock, a produção não dá lucro, e o negócio do tráfico fica sem viabilidade.”

Como se referiu no o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 05.11.2003, Processo 03P2638, “ “Correios de droga” são todos os que, atravessando fronteiras, transportam estupefacientes ou, dentro do próprio país, o fazem de um local para o outro, conquanto não pertençam à organização criminosa.

O “correio de droga” tem um papel muito importante na disseminação de estupefacientes, que muito poderia concorrer para a sua erradicação, por isso que não pode reclamar tratamento excessiva benevolência, sem embargo de a comunidade internacional estar atenta ao seu papel, começando a esboçar-se o propósito de se assinar uma Convenção precisando o seu estatuto.” (www.dgsi.pt)

Por outro lado, as exigências de socialização ínsitas à prevenção especial, face á motivação do arguido e circunstâncias de actuação são prementes, com vista a dissuadir a reincidência.

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)

Considerando também, a jurisprudência deste Supremo relativa a penas concretas aplicadas aos chamados “correios de droga” conclui-se, atenta o limite definido pela culpa intensa do arguido, pela conduta desvaliosa querida, e conhecedor da ilicitude da mesma, que a pena aplicada não se revela desproporcional, sendo por isso, de manter.

Prejudicada fica assim, a questão da suspensão da execução da pena – artº 50º nº 1 do CPP.

O recurso não merece provimento.


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Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3º Secção – em negar provimento ao recurso e mantêm o acórdão recorrido.

Tributam o recorrente em 6 Ucs de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário.

Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Novembro de 2015

                                  

Elaborado e revisto pelo relator

                                              

Pires da Graça

                                              

Raul Borges