Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | MOREIRA ALVES | ||
Descritores: | EMPREITEIRO OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO DEFEITOS VÍCIO DE CONSTRUÇÃO DIREITOS DO DONO DA OBRA REDUÇÃO DO PREÇO RESOLUÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/13/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Decorre do disposto nos arts. 1027.º e 1208.º do CC, que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, visto que se encontra adstrito a uma obrigação de resultado. II - Detectado o defeito pelo dono da obra e denunciado dentro dos prazos legais, o empreiteiro é responsável por todos aqueles, relativos à qualidade dos materiais aplicados (se não forem fornecidos pelo dono da obra), podendo o dono exigir a sua eliminação, ou, no caso de não puderem ser eliminados, nova construção, salvo se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito – art. 1221.º do CC. III - Não sendo eliminados os defeitos ou construída nova obra, o dono da obra pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina – art. 1222.º do CC –, tudo sem prejuízo de exigir cumulativamente uma indemnização nos termos gerais – art. 1223.º do CC. IV - Os direitos conferidos ao dono da obra pelos arts. 1221.º e 1222.º do CC não podem ser exercidos arbitrariamente, nem existe entre eles uma relação de alternatividade; existe, sim, uma sequência de prioridades que o dono da obra terá de respeitar. V - In casu, perante a notícia dos defeitos de natureza estrutural e outros ligados à segurança sísmica de uma moradia, vícios ocultos de que o autor (dono da obra) só teve conhecimento após ter analisado o relatório do estudo que mandou efectuar, impunha-lhe a lei que interpelasse a ré (empreiteira), não para proceder a nova construção, mas para reparar os vícios fundamentais detectados, tudo em conformidade com o disposto no art. 1221.º, n.º 1, do CC. VI - Pertenceria, então, à ré a opção por eliminar esses defeitos ou construir nova moradia, já que, por qualquer destas vias ficaria satisfeito o interesse do autor (credor). O direito do autor de exigir nova construção só surgiria se a ré, ela própria, a não construísse, ou não reparasse os defeitos. VII - Não estando provado, no caso concreto, serem incorrigíveis os defeitos comprovadamente existentes (qualquer deles), teria o autor de interpelar a ré para os corrigir em conformidade com o regime legal da empreitada acima explicitado. VIII - O direito à resolução só nasce estando o empreiteiro em mora relativamente a qualquer das referidas obrigações e desde que transformada a mora em incumprimento definitivo, nos termos do art. 808.º do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatório Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, AA, Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB Resort Turístico de Luxo, S.A., alegando em resumo: - O A. celebrou com a Ré um contrato de empreitada por via do qual a Ré se obrigou a construir uma moradia para o A. mediante o preço de 115.000.000$00 + IVA. - A Ré construiu tal moradia, mas a mesma apresentava defeitos de construção, que o A. denunciou à Ré. - Apesar das reparações efectuados pela Ré, a moradia continuou a apresentar defeitos. - veio, entretanto, o A. a apurar que a causa desses defeitos é a deficiente concepção e execução do projecto da moradia. - Tais defeitos não podem ser eliminadas. - Impõe-se, por isso, a demolição da moradia e a construção de outra. - A Ré, porém não deu o seu acordo à demolição, pelo que o A. deu o contrato de empreitada como resolvido, - o que tudo provocou incómodos e despesas para o A. que devem ser ressarcidos. Pede, então, que seja julgada justificada a resolução do contrato de empreitada celebrado entre o A. e a Ré em 12/11/94 e, consequentemente, que a Ré seja condenada: - a pagar ao A. a quantia de 573.618,00 € correspondente ao preço do edifício construído pela Ré, mas que tem de ser demolido, acrescida do valor que o mesmo edifício custaria em 2002, que estima em 246.655,00 € (o acréscimo); - a indemnizar o A. dos custos da demolição, que calcula em 150.000€; - a indemnizar o A. pelos incómodos inerentes, designadamente pela perda de repouso sofridos, em quantia que computa em 60.000 €; - a indemnizar o A. pela deterioração dos objectos decorativos que se encontram no edifício a demolir, bem como pelas despesas de armazenamento dos que não se deteriorarem, em quantia que computa em 30.000 €, e, - a indemnizar o A. pelo tempo que ficará privado da moradia, em 12.500 € mensais, num total de 150.000 €. Citada a Ré contestou, pugnando pela improcedência da acção. Para o caso de procedência, deduziu pedido reconvencional (que aqui não interessa considerar)Houve réplica e tréplica.Foi proferido despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.Procedeu-se a julgamento e, fixada a matéria de facto, foi proferida sentença final que julgando a acção parcialmente procedente (e improcedente a reconvenção) decidiu: “ Condeno a Ré a pagar ao A. e esposa (que entretanto veio intervir nos autos), em conjunto, as quantias que vierem a ser apuradas, em incidente de liquidação, correspondentes: - aos danos não patrimoniais (incómodos) sofridos pelo A. e mulher; - (às) necessárias à reparação das anomalias detectadas e descritas ou necessária à demolição e reconstrução de moradia igual à construída pela Ré, se este montante não for superior àquele; - aos danos correspondentes à privação da moradia durante o período de tempo necessário à reparação ou demolição e reconstrução; - ao custo de armazenamento dos objectos da casa. No mais julgo a acção improcedente, absolvendo a Ré do respectivo pedido. Julgo improcedente a excepção de caducidade e as pretensões invocados pela Ré, do que absolvo o A.”.Inconformada recorreu a Ré e também o A., este subordinadamente.Apreciando as apelações, a Relação julgou-os parcialmente procedentes e consequentemente: - revogou a sentença recorrida; - julgou justificada a resolução do contrato relativo à construção da moradia celebrado entre o A. e a Ré, e - condenou a Ré a pagar ao A. e mulher, em conjunto, as quantias seguintes: a) 573.618,00 €, correspondente ao preço pago pelo A. b) a correspondente aos custos com a demolição da moradia e transporte a vazadouro dos materiais decorrentes daquela, que se vier a apurar em incidente de liquidação até ao valor de 150.000,00 €. c) 15.000 €, correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais.Novamente inconformados voltam a recorrer a Ré e o A., este subordinadamente, agora de revista e para este S.T.J.. ConclusõesApresentadas tempestivas alegações formularam os recorrentes as seguintes conclusões: Conclusões da Revista subordinada do Autor - CONCLUSÕES. 1. Recorrida/Ré e Recorrente/Autor ajustaram o preço da empreitada para construção da moradia do Autor por Esc: 115.000.000$00 em 1994. 2. O Recorrente/Autor pagou aquele preço em 1994. 3. Desde a celebração do contrato até à data presente, vão decorridos 14 anos. 4. Os preços no consumidor, desde 1994 até Agosto de 2008, sofreram um aumento de 44,4 %. 5. Objectivamente, e para o cidadão normal, era imprevisível que passados 14 anos após a adjudicação da construção de uma vivenda, a mesma não estivesse concluída sem defeitos, ou não estivesse reembolsado das quantias pagas. 6. Um cidadão normal não incluiria nos riscos do negócio uma delonga de 14 anos na resolução de questões relativas à construção de uma moradia. 7. A construção da moradia devia ser concluída no prazo de um ano, ou seja 11.12.95. 8. A restituição do preço pago há 14 anos, sem qualquer actualização, ofende as regras da equidade e não se inclui nos riscos próprios do negócio. 9. A actualização das obrigações pecuniárias é possível ao abrigo do art.° 551° do C. Civil, com recurso à alteração das circunstâncias em que as partes celebraram o contrato, nos termos do art.° 437° do C. Civil. 10. O Recorrente/Autor, peticionou na Petição Inicial e na Apelação o pagamento de indemnização correspondente ao preço actual da construção da vivenda que é de €: 828.304,39. 11. O recurso objecto da presente revista, ao não actualizar o valor da empreitada violou os artigos 551° e 437° ambos do C. Civil. Assim, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, alterar-se o acórdão recorrido no sentido da Recorrida/Ré ser condenada a pagar ao Recorrente/Autor a quantia de Esc: 115.000.000$00 (Cento e quinze milhões de escudos) a que corresponde a quantia de €: 573.618,00 (Quinhentos e setenta e três mil seiscentos e dezoito euros), actualizada de acordo com o aumento dos preços no consumidor, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, desde 1994 até 2008, o que corresponde a 44,4%, ou seja €: 828.304,39 (Oitocentos e vinte e oito mil trezentos e quatro Euros e trinta e nove cêntimos). Contra-alegou a Ré, defendendo a improcedência da revista subordinada do A. Conclusões da Revista da Ré VI. CONCLUSÕES: A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Recorrido nos termos do qual foram julgadas parcialmente procedentes as apelações, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, julgada justificada a resolução do contrato relativo à construção de moradia celebrado entre autor e ré e condena-se a ré a pagar ao autor e mulher, em conjunto, as quantias seguintes: a) € 573.618,00 correspondente ao preço pago pelo autor, b) Correspondente aos custos com a demolição da moradia e transporte a vazadouro dos materiais decorrentes daquela, que se vier a apurarem incidente de liquidação até ao valor de € 150.000,00; c) € 15.000,00, correspondente à indemnização por danos não patrimoniais." B. Considera a ora Recorrente que, ressalvando sempre o devido respeito, tal decisão aplica mal o Direito aos factos e configura uma clara violação daquela que é a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça e que é também a melhor doutrina; C. E o iter legal previsto no artigo 1221° do Código Civil é claro: quando uma obra apresenta defeitos, cabe ao dono da obra exigir a sua reparação, ou não sendo esta possível, a construção de uma obra nova. D. Nada disso foi feito pelo Recorrido, que, partindo do pressuposto (indemonstrado) de que tais defeitos seriam irreparáveis, avançou directa e ilicitamente para a resolução do contrato e demolição da obra sem ter dado à ora Recorrente a possibilidade de proceder à eliminação dos defeitos ou de realização de nova construção. E. Dispõe o n° 1 do artigo 1222° do Código Civil que "não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina F.A existência de defeitos importa, para o empreiteiro, uma modificação objectiva do conteúdo das respectivas obrigações traduzidas no dever de reparar os mesmos, ou, tal não sendo possível, de realizar nova construção, pelo que a resolução do contrato, pressupõe que o empreiteiro tenha sido previamente compelido a cumprir tais deveres. G. Assim, só quando o empreiteiro não tenha procedido às reparações ou à realização de nova construção, ou estas não sejam possíveis, poderá o dono da obra proceder à resolução do contrato. H. Mas tal não basta para que o dono da obra possa resolver o contrato. É ainda necessário que este tenha perdido o seu interesse no cumprimento, tal como objectivamente apreciado. E neste contexto, o legislador é particularmente exigente ao delimitar como critério objectivo da perda do interesse que os defeitos tornem a obra inadequada ao fim a que se destina. I. E a verdade é que nos presentes autos, nenhum desses requisitos se mostra verificado. J. Por um lado, não só não ficou provado que tais defeitos não eram irreparáveis, como, ao invés, ficou provado que "o Autor tinha e tem conhecimento que as deficiências da moradia poderão ser objecto de reparação" (Cfr. alínea aaaaaaaaaaaa) que corresponde à resposta ao quesito 268°). K. Ficou ainda provado em termos genéricos que, apesar de tal reparabilidade, o cumprimento das normas relativas ao cálculo anti-sísmico teria impacto na estética ou arquitectura da moradia. No entanto, inexiste qualquer matéria nos autos que permita ao Tribunal aferir qual o âmbito e extensão de tal impacto, de modo a que ficasse excluída a sua reparabilidade e, muito menos, a possibilidade de satisfação do interesse do Autor, ora Recorrido, pela realização de nova construção; L. Por outro lado, ainda que assim não fosse, o que não se concede e que por mera exigência de exaustão de patrocínio se cogita, não podia o Tribunal considerar justificada a resolução de contrato operada pelo Recorrido; M. E assim é porque o mesmo nem sequer deu à ora Recorrente a possibilidade de proceder à realização de nova construção, nem, muito menos, concedeu à mesma qualquer prazo (razoável ou não) para o efeito. N. Na verdade, aquele limitou-se a notificar a ora Recorrente dando conhecimento da irreparabilidade dos defeitos, fazendo, para tal, referência a um estudo pelo mesmo encomendado que sustentava a irreparabilidade dos defeitos por si apontados e para no prazo de 10 dias assumir a obrigação de proceder à realização de nova construção, sob pena de, findo esse prazo, se considerar automaticamente resolvido o contrato de empreitada; O. Não só tal prazo não se pode considerar razoável para que a ora Recorrente se pudesse ter pronunciado, como, do mesmo modo, o Recorrido nem sequer se dignou a dar conhecimento do referido relatório à ora Recorrente de modo a que esta se pudesse pronunciar quanto aos fundamentos por aquele invocados, como aliás, resulta da alínea zz) da matéria provada; P. E a lei é clara ao estabelecer que a resolução do dissenso quanto à reparabilidade dos defeitos e à existência de um dever de realizar nova construção não se encontra na esfera de disponibilidade do dono da obra, mas sim, em primeira linha, ao empreiteiro e, caso o dissenso persista, ao Tribunal, estando proibido ao dono da obra qualquer forma de autotutela dos seus direitos, ressalvados os casos de estado necessidade ou de acção directa, previstos na lei. Q. Em nenhum momento, porém, o Autor alegou - e muito menos provou – estarem verificados os requisitos de que depende qualquer intervenção urgente e directa na obra. R. Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que, em qualquer caso, tal situação jamais fundamentaria qualquer direito de resolução do contrato por parte do Autor. Na verdade, o exercício de qualquer direito de acção directa, representaria uma substituição do mesmo nos deveres contratuais (de conteúdo positivo) da ora Recorrente e, como tal, pressuporia sempre a manutenção em vigor do contrato de empreitada. S. Deste modo, pela imediata demolição e realização de nova obra directamente pelo Autor, o mesmo não só visou alcançar ilicitamente uma forma de autotutela não consentida por lei, como, outrossim, impossibilitou o cumprimento de qualquer dever de realização de nova construção por parte da ora Recorrente; T. Por último, o Autor nunca alegou ou demonstrou ter perdido o seu interesse na realização da prestação a cargo da ora Recorrente. Pelo contrário, tal interesse mostra-se evidente em todo o seu comportamento patenteado nos presentes autos, desde o momento em que notifica a ora Recorrente para aceitar a obrigação de realização de nova construção até ao seu comportamento posterior à resolução ilícita do contrato por si extrajudicialmente operada; U. E em prova disso mesmo, resulta claro que ainda que tal interesse não pudesse ter sido assegurado pela eliminação dos defeitos - o que, de todo o modo, não se acha provado nos presentes autos - dúvidas não existem de que o mesmo seria sempre assegurado pela realização de uma nova construção, a expensas da ora Recorrente; V. Termos em que deveria o Acórdão ora recorrido ter julgado injustificada a resolução extrajudicial do contrato operada pelo Autor, ora Recorrido; W. Mas ainda que assim se não entenda, o que por mera exigência de exaustão de patrocínio se cogita, ainda assim, o juízo sobre a justificação da resolução do contrato por parte do Autor, poderia ter como consequência a condenação da ora Recorrente à devolução do preço pago por força do contrato de empreitada. X. Dispõe o artigo 434°, n° 1 do Código Civil que "a resolução do contrato tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução". Y. A retroactividade tem por efeito e finalidade obrigar as partes a restituírem o que houverem recebido por força da execução do contrato. Z. Ora, na situação dos presentes autos, a verdade é que o Autor, ora Recorrido, não está em condições de restituir à ora Recorrente o que recebeu por força da execução da empreitada. AA. Resulta, por isso, claro que a resolução do contrato contraria essa mesma finalidade, não podendo ao mesmo ser atribuída eficácia retroactiva. BB. A tutela da posição do dono da obra visando a reconstituição da situação em que estaria não fora a celebração do contrato teria que ter lugar, exclusivamente, pela via do mecanismo da indemnização. CC. E para tal, seria necessário que tais danos tivessem sido especificados, provados e quantificados, o que, em qualquer caso, não se verificou nos presentes autos. Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, se requer seja a douta decisão recorrida revogada, por ilegalmente fundada, e, em consequência, substituída por outra que declare a ilicitude da resolução do contrato pelo Autor, ora Recorrido, com a consequente absolvição da ora Recorrente de todo o por aquele peticionado.Contra-alegou o A., pugnando pela improcedência da revista da Ré. Fundamentação Como é sabido, as conclusões delimitam o objecto dos recursos pelo que o Tribunal ad quem apenas das questões nelas suscitadas se pode ocupar. Ora, como se vê das conclusões da revista, do A., a única questão colocada é a de ver actualizada a quantia de 573.618,00 € que a Ré foi condenada a pagar-lhe, tendo em conta o aumento dos preços no consumidor segundo os cálculos do Instituto Nacional de Estatística, desde 1994 até 2008. Na revista da Ré suscitam-se duas questões (essencialmente): A primeira consiste em saber se foi correcta ou não a decisão recorrida ao julgar justificada a resolução do contrato de empreitada, efectuada unilateralmente pelo A. É que, entende a recorrente, perante o circunstancialismo provado, o A. não tinha esse direito. A segunda questão traduz-se em saber se, a julgar-se válida tal resolução, haveria que condenar a Ré a restituir o preço pago pelo A., defendendo a recorrente que, nessa hipótese, a tutela da posição do dono da obra (ou seja do A.) visando a reconstituição da situação em que estaria não fora a celebração do contrato, teria de ter lugar, exclusivamente pela via do mecanismo da indemnização. Por uma questão de ordem lógica iremos começar por apreciar a revista da Ré. 1ª Questão Vejamos então se ao A. assistia o direito de resolver o contrato que o acórdão recorrido lhe reconheceu. Não oferece dúvida que o A. e a Ré celebraram, em 12/11/94, um contrato de empreitada por via do qual a Ré se obrigou a construir para o A. uma moradia, mediante o preço de 115.000.000$00, que o A. efectivamente, pagou. Sabemos também que a Ré construiu efectivamente a moradia e que a entregou ao A. Fê-lo, porém, com defeitos que o A. foi denunciando à Ré e que esta sempre assumiu e, por diversas vezes reparou, embora sem os eliminar definitivamente, visto que as fissuras, infiltração e manchas voltavam a surgir. Assim, dado o ressurgimento das referidas anomalias o A. resolveu solicitar um estudo aprofundado, versando sobre o próprio projecto, construção e materiais à Universidade do Algarve, que, na sequência, elaborou o relatório junto aos autos (fls. 72 a 162). De posse do referido relatório o A. remeteu à Ré a carta de 13/5/2002 (fls. 164) onde concluía que a eliminação dos defeitos é impossível. Daí que, na sua perspectiva, só existisse uma solução que era a demolição da moradia e a construção de outra, tudo a custos da Ré. Refere, finalmente, que se essa proposta (de demolição e construção de obra nova) não for aceite pela Ré no prazo de 10 dias, deverá a Ré considerar resolvido o contrato de empreitada a partir do termo do prazo (10 dias). Em resposta à carta do A. remeteu-lhe a Ré a carta de 21/5/2002 (fls. 165) na qual, além do mais, solicita que lhe seja enviada cópia do relatório do estudo em que se fundamentou o A. afim de poder tomar posição sobre a matéria; O A., porém, não disponibilizou à Ré a cópia do referido relatório (do qual a Ré só tomou conhecimento com a citação para esta acção), tendo por unilateralmente resolvido o contrato de empreitada celebrado com a Ré. Portanto, estamos, sem dúvida, perante um contrato de empreitada celebrado entre o A. e a Ré. Assim, como se vê do disposto nos Arts. 1207 e 1208 do C.C., o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, visto que se encontra adstrito a uma obrigação de resultado. Como observa Menezes Cordeiro (Direito das Obrigações – 3º vol. – 527 – estudo da autoria de Pedro Romano Martinez), “na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra foi realizada com deformidades ou com vícios. As deformidades são as discordâncias com o plano convencionado... Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato, designadamente, por violação de regras especiais de segurança”. Por conseguinte, detectado o defeito pelo dono da obra e denunciado dentro dos prazos legais, o empreiteiro é responsável por todos aqueles, relativos à execução da empreitada ou relativos à qualidade dos materiais aplicados (se não forem fornecidos pelo dono da obra), podendo o dono exigir a sua eliminação, ou, no caso de não poderem ser eliminadas, nova construção, salvo se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito (Art. 1921 do C.C.). Não sendo eliminados os defeitos ou construída nova obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina (Art. 1222 do C.C.), tudo sem prejuízo de exigir cumulativamente uma indemnização nos termos gerais (Art. 1223 do C.C.).Notar-se-á que, como é doutrina e jurisprudência assente, o exercício dos direitos conferidos ao dono da obra pelos Arts. 1221 e 1222, não podem ser exercidos arbitrariamente, nem existe entre eles uma relação de alternatividade. Existe, sim, uma sequência de prioridades que o dono da obra terá de respeitar. Portanto, em 1º lugar, detectado o defeito, terá de exigir ao empreiteiro a sua eliminação se tal for possível. Não o sendo, exigirá a construção de nova obra, e só no caso de o empreiteiro se constituir em mora relativamente a qualquer das referidas exigências é que o dono da obra, e então, já consoante melhor lhe convenha, pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato (neste caso, só se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina). Como a respeito ensinam A. Varela e P. Lima (C.C. Anotado) “Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não são atribuídos, em alternativa, com os de eliminação dos defeitos ou reconstrução da obra, conferidos no artigo anterior. ... O artigo 1222, na verdade, torna o exercício daqueles dois direitos dependente do facto de não terem sido eliminados os defeitos ou construída de novo a obra. Dá-se, portanto, ao empreiteiro a possibilidade de, querendo, manter o contrato pelo preço estipulado, eliminando os defeitos da obra ou construindo outra de novo; só na hipótese de ele não fazer nem uma coisa nem outra se abre a possibilidade de redução do preço ou de resolução do contrato.”Por outro lado, deverá igualmente ter-se presente que o Art. 1221 não atribui ao dono da obra o direito de se substituir ao empreiteiro (por si ou por intermédio de 3º) na eliminação dos defeitos ou na reconstrução da obra à custa do empreiteiro. Como referem os citados professores (C.C. anotado) “O regime aplicável é ... o do Art. 828, que aliás é o mais razoável, na medida em que salvaguarda legítimos interesses do empreiteiro sem prejudicar o direito fundamental do dono da obra. Só em execução se pode pedir que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor. A lei supõe uma condenação prévia do empreiteiro, na sequência da qual o dono pode exigir a eliminação do defeito ou a nova construção por terceiro, à custa do devedor, ou a indemnização pelos danos sofridos.” Só assim não será quando se trata de corrigir defeitos (ou proceder à reconstrução da obra) que, pela sua urgência justifique a acção directa (auto-tutela) do dono da obra como tem sido aceite pelo jurisprudência (por todos cof. Ac. da R. P. de 22/2/96 – Col./J. 1996 – 1º - 203/208). Na doutrina cof. Pedro R. Martinez – o cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada). Regressando ao caso concreto, não há nenhuma dúvida que a Ré executou a empreitada de forma defeituosa. De facto, para além de diversas anomalias menores (fissuras fendas, infiltração de água e manchas), provenientes de deficiências/omissões de projecto ou deficiências na execução da obra, que o A. não se cansou de denunciar, mas que a Ré, apesar de os ter sucessivamente reparado, não logrou eliminar completamente, o edifício apresentava anomalias estruturais importantes com implicações preocupantes na segurança da moradia. Por ex., alguns pilares nem tinham a segurança regulamentar, nomeadamente no que se refere à tensão instalada no solo, tanto para as combinações gravíticas como para as sísmicas. Designadamente, a acção sísmica não foi sequer considerada, o que comprometia a segurança do prédio, particularmente perante movimentos sísmicos moderados ou fortes de modo que não era aconselhável a ocupação da moradia (cof. entre outras, as respostas aos quesitos 13, 14, 18, 19, 37, 61, 65, 67, 121, 123, 206, 207 ...). A questão que então se coloca é a de saber se perante o quadro factual em causa podia o A. resolver o contrato de empreitada, como resolveu, e demolir, ele próprio, a moradia construída pela Ré e vir depois, exigir desta a restituição do preço da empreitada, acrescido do custo da demolição. A Relação considerou justificada a resolução do contrato levada a cabo unilateralmente pelo A., mas, salvo sempre o devido respeito, cremos ter sido incorrecta tal decisão, face aos factos provados e ao regime legal aplicável. Como claramente resulta dos autos não foram os pequenos defeitos aparentes ou visíveis, logo detectados à medida que iam surgindo (fissuras, infiltrações, manchas ...) que determinaram o A. à resolução do contrato e à demolição da moradia. O que motivou decisivamente a conduta do A. foi o posterior conhecimento das deficiências estruturais que viciavam a moradia, com implicações na sua segurança, sobretudo perante a ocorrência de sismos, conhecimento esse que resultou do relatório do estudo que o A. encomendou à Universidade do Algarve (cof. relatório de fls. 72-162). Ora, perante essa nova realidade, partiu o A. do princípio de que os defeitos da obra não podiam ser eliminadas, não restando outra solução que não fosse a demolição da moradia e a construção de outra nova, isenta dos alegados vícios. Consequentemente, em vez de exigir da Ré/empreiteira a eliminação dos defeitos em causa nos termos do Art. 1221 n.º 1 do C.C., o A. remeteu à Ré a carta de 13/5/2002, dando-lhe conhecimento da sua convicção da irreparabilidade dos defeitos da moradia (embora sem fundamentar essa sua convicção a não ser que resultou da análise do relatório técnico relativo à patologia construtiva e avaliação da segurança estrutural da moradia, relatório que não disponibilizou à Ré, apesar de esta o ter solicitado a fim de tomar posição definitiva sobre o assunto), propondo-lhe a demolição da moradia e a construção de outra que não enferme dos mesmos vícios, tudo a custos da Ré, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para aceitar a proposta, sob pena de (não a aceitando) ter por resolvido o contrato findo o dito prazo. Quer dizer, partindo da referida conclusão (impossibilidade da eliminação dos defeitos) o A. passou logo a exigir da Ré nova construção nos termos do disposto no Art. 1222 n.º 1 do C.C.. Ora, era errada, desde logo, a premissa em que se baseou o A., porquanto, como aliás ele bem sabia (cof. resposta ao quesito 268), todos os defeitos detectados, incluindo os mais importantes, relativos à segurança das estruturas, podiam ser objecto de reparação, como se provou (cof. respostas aos quesitos 18, 19, 214, 219). Sendo assim, perante a notícia dos defeitos de natureza estrutural e outros ligados à segurança sísmica, vícios ocultos de que o A. só teve conhecimento após ter analisado o relatório do estudo que mandou efectuar, impunha-lhe a lei que interpelasse a Ré, não para proceder a nova construção, mas para reparar os vícios fundamentais detectados, tudo em conformidade com o disposto no Art. 1221 n.º 1 do C.C.. Pertenceria, então, à Ré, a opção por eliminar esses defeitos, ou construir nova moradia, já que, por qualquer destas vias ficaria satisfeito o interesse do A. (credor). O direito do A. de exigir nova construção só surgiria se a Ré, ela própria, a não construísse, ou não reparasse os defeitos, como inicialmente se referiu.Dir-se-á, como parece ter sido o raciocínio do acórdão recorrido que, estando também provado que a correcção dos defeitos ou das anomalias estruturais ligados à segurança da moradia implicavam alteração estéticas e na arquitectura, teria de considerar-se não elimináveis os referidos defeitos, ou nas palavras do acórdão, ficava excluída a eliminação dos defeitos. Mas, para ser assim, teria sido essencial que ficassem determinadas e provadas quais as concretas alterações estéticas e arquitectónicas que a correcção das anomalias necessariamente implicariam. Dizer-se que as soluções construtivas propostas para a correcção dos defeitos tinham impacto negativo na arquitectura ou implicavam alterações estéticas, não passa de meras conclusões não assentes na concreta factualidade que as legitimaria. Por isso, só perante o conhecimento concreto das alterações referidas poderia aquilatar-se da relevância ou irrelevância delas para o efeito de, segundo os princípios da boa-fé e do bom senso, se ter por elimináveis ou não elimináveis os defeitos em causa. É que, embora deva atender-se ao interesse do dono da obra, quando se trata de ter por corrigíveis ou não os defeitos da obra, tal interesse não pode ser considerado de forma absolutamente subjectiva ou de forma arbitrária. Há que ponderar a medida em que, objectivamente, a correcção dos defeitos interfere com o plano contratual ou com a adequação da obra ao fim a que se destina. Assim, sem tal precisão fáctica, não nos parece possível concluir, com a necessária segurança, pela relevância das alterações em causa, por manifesta falta de base factual que deveria ter sido carreada para o processo pelo A., a quem competia provar que, por causa dessas alterações estéticas e ou arquitectónicos, seria de se ter por não elimináveis os defeitos estruturais da obra, sendo certo que o A. nada alegou nesse sentido, partindo antes da afirmação peremptória, que não provou, que os defeitos não podiam ser reparados, afirmação que, aliás, sabia não corresponder à realidade, como se provou. Portanto, não estando provado, no caso concreto, serem incorrigíveis os defeitos comprovadamente existentes (qualquer deles), teria o A. de interpelar a Ré para os corrigir, em conformidade com o regime legal da empreitada acima explicitado. Não foi, porém, esse o caminho adoptado pelo A. que, apesar de saber que os defeitos em causa podiam ser corrigidos (como se provou), remeteu à Ré a carta de 13/5/2002 (doc. de fls. 164) propondo-lhe a demolição da moradia e a construção de uma nova com a justificação de que não eram elimináveis os defeitos estruturais detectados, e descritos no relatório técnico que encomendou à Universidade do Algarve. Trata-se, de resto, de uma proposta que não admite negociação ou contraditório, uma vez que o A. concedeu apenas 10 dias à Ré para a aceitar sob pena de se ter o contrato por resolvido. Ora, para além de, contra o alegado pelo A., se ter provado que os defeitos detectados podiam ser reparados e eliminadas (como o A. bem sabia...), o que só por si tornava injustificada a exigência da construção de nova moradia, acontece que a Ré respondeu à carta do A. com a sua carta de 21/5/2002, na qual, embora declarando não concordar com as conclusões do A. sobre a irreparabilidade dos defeitos, lhe solicita o envio do relatório em que o A. se fundamentou a fim de tomar posição sobre o assunto, sendo certo que, como se provou, o A. não disponibilizou à Ré tal relatório (do qual esta apenas teve conhecimento após a citação para esta acção), antes considerou resolvido o contrato, pura e simplesmente, com o alegado fundamento de que a Ré não deu o seu acordo, à eliminação dos defeitos do único modo possível, isto é, demolindo a construção e reconstruindo a mesma, tendo mesmo demolido a moradia durante o decurso desta acção, pretendendo, por via dela, ser ressarcida, além do mais, do preço pago pela empreitada (devidamente actualizado) acrescido das despesas da demolição. Porém, não só o prazo de 10 dias com que o A. confrontou a Ré nada tinha de razoável para permitir uma decisão conscienciosa e informada por parte da Ré no sentido de aceitar ou não demolir a obra e construir outra sem vícios, como se nos afigura absolutamente razoável a pretensão da Ré em ter acesso ao relatório da peritagem ou estudo encomendado pelo A. e no qual este fundamentou a sua afirmação de que os vícios estruturais detectados não podiam ser eliminadas, para, perante a sua análise, poder ponderar e tomar a decisão de construir ou não nova moradia, isto, independentemente de a Ré ter tido conhecimento prévio de que esse estudo estava a ser realizado pela Universidade do Algarve. De facto o estudo das conclusões dessa peritagem, que o A. não explicitou minimamente na sua carta de 13/5/2002, era, na nossa opinião, absolutamente essencial para permitir à Ré tomar posição definitiva sobre a questão, com conhecimento de causa sobre a possibilidade ou não de eliminação dos defeitos que na perspectiva do A. impunham nova construção. Quer isto dizer que se nos afigura muito claro que a carta da Ré de 21/5/2002 nem sequer representa qualquer recusa ou não aceitação da Ré relativamente à proposta do A. contida na carta de 13/5/2002, como pretende o A. para justificar a resolução do contrato de empreitada.Por outro lado, acresce ao que já foi dito, que a proposta do A. (ou a interpelação da Ré para aceitar proceder à reconstrução da moradia, no prazo de 10 dias, sob pena de resolução do contrato) não pode ser vista como qualquer interpelação admonitória a que se refere o Art. 809 n.º 1 (última parte) do C.C., quer para a eliminação dos defeitos detectados, quer para a construção da nova obra, pelo que não só a Ré não se constituiu em incumprimento definitivo, como nem sequer se constituiu em mora, quer quanto à eliminação dos defeitos, quer quanto à construção de nova moradia sem eles.Como é sabido e foi já inicialmente referido, o dono da obra só pode resolver o contrato, se, para além dos demais requisitos legais, o empreiteiro não eliminar os defeitos detectados e denunciados ou se recusar a efectuar nova construção quando ao primeiro assista tal direito. Isto é, o direito à resolução só nasce estando o empreiteiro em mora relativamente a qualquer das referidas obrigações, e desde que transformada a mora em incumprimento definitivo nos termos do Art. 808 do C.C., o que, como se viu, não ocorreu no caso e nem sequer foi alegado pelo A..Consequentemente a resolução do contrato por parte do A. foi ilegal, razão pela qual não lhe assiste qualquer dos direitos a que se arroga nesta acção.Procede, por isso a revista da Ré ficando prejudicada a 2ª questão nela suscitada, como prejudicado fica o conhecimento da revista do A. Decisão Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista à Ré e consequentemente - revogam o acórdão recorrido - julgam a acção improcedente absolvendo a Ré dos pedidos. - não conhecem da revista do A. por prejudicada pela procedência da revista da Ré.Custas pelo A. (também nas instâncias). Lisboa. 13 de Outubro de 2009 Moreira Alves (Relator) Alves Velho Moreira Camilo |