Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLINDO GERALDES | ||
Descritores: | LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS OBRIGAÇÃO GENÉRICA CONDENAÇÃO EM QUANTIA CERTA PRIVAÇÃO DO USO COMBOIO EQUIDADE INCIDENTES DA INSTÂNCIA | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 06/29/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º 1, 562.º, 566.º, N.º 3. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 358.º, 359.º, 360.º. | ||
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Sumário : | I. A fixação do valor da obrigação genérica (quantum) constitui a finalidade essencial do incidente da liquidação. II. Havendo decisão judicial condenatória numa obrigação genérica, a decisão no incidente da liquidação há de corresponder, necessariamente, à fixação de uma quantia certa, tanto por efeito da prova produzida, como por efeito do critério da equidade. III. Não se dispondo de elementos seguros que permitam concluir pelo defeito da fixação pecuniária da indemnização do dano da privação do uso da carruagem de comboio, é de manter o montante determinado, por equidade, no acórdão recorrido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.E., no âmbito da ação declarativa com o n.º 407/98, instaurada no então 3.º Juízo Cível da Comarca de Loures (Comarca de Lisboa Norte), veio requerer, em 20 de dezembro de 2012, contra Companhia de Seguros AA, S.A., (entretanto, passou a denominar-se Seguradoras BB, S.A.) o incidente de liquidação dos danos derivados da suspensão da circulação ferroviária e da redução da velocidade dos comboios, bem como da privação do uso do comboio no período de reparação, compreendido entre 25 de março de 1996 e 8 de novembro de 1999, acrescido de trinta dias relativo ao período razoável para a tomada da decisão de dar a ordem de reparação, limitada pela responsabilidade de 40 % e pelos pedidos formulados, com o acréscimo dos juros de mora legais, desde a citação (22 de junho de 1998) até efetivo pagamento, constante da sentença condenatória de 24 de setembro de 2009, indicando o valor de € 51 253,80, no qual a privação do uso da carruagem do comboio foi liquidada na quantia de € 29 284,68. A Requerida deduziu oposição, concluindo pela liquidação da quantia de € 5 000,00, acrescida dos juros. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 8 de junho de 2015, a sentença, liquidando-se a quantia de € 25 000,00, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 18 754,80, e nos juros vincendos. Inconformada com a sentença, a Requerida apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, em 15 de dezembro de 2016, por acórdão, liquidou o dano da privação do uso da carruagem de comboio no valor de € 10 000,00, acrescido dos juros legais. Inconformada agora a Requerente, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões: a) O acórdão recorrido viola o disposto nos arts. 562.º e 566.º do CC, quanto à indemnização justa da perda do direito do uso do veículo ferroviário durante 259 dias. b) A decisão segundo a equidade não pode afastar-se das regras de direito, visando antes corrigir a injustiça que pode resultar da sua aplicação abstrata. c) Tendo a Requerida aceitado os valores da fórmula da Requerente, não compete ao Tribunal criticar tal procedimento, que tem sido comumente aceite pelo Supremo Tribunal de Justiça. d) A equidade jamais pode conduzir a uma decisão flagrantemente injusta e a uma denegação de justiça, como a que decorre do acórdão recorrido. e) No recurso à equidade deve assegurar-se o direito à indemnização e na fixação desta deve ter-se em conta, nomeadamente, a natureza do veículo, o seu valor de aquisição de centenas de milhares de euros, a sua utilidade, o fim público a que se destina, os milhares de passageiros que transporta diariamente e a especificidade do transporte ferroviário. Com a revista, a Requerente pretende a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da sentença. Contra-alegou a Requerida, no sentido de ser mantida a decisão recorrida. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Neste recurso, está em discussão, essencialmente, a liquidação da indemnização pela privação do uso da carruagem de comboio.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados seguintes factos: 1. No dia 10 de junho de 1995, o veículo pesado, marca DAF, matrícula AS-…-…, pertencente a Transportes CC & Filhos, conduzido por DD, na passagem de nível localizada ao km 10,760 da Linha do Norte, foi colhido pelo comboio n.º 4 413. 2. Em consequência do embate do reboque piloto 2104, unidade que fazia a tração do comboio, a Requerente teve de mandar proceder à sua reparação. 3. O comboio ficou imobilizado durante 516 dias, sendo que, em 25 de março de 1996, a Requerente ainda não tinha dado a ordem de reparação, a qual ficou concluída em 8 de novembro de 1996. 4. Por sentença proferida nos autos, a Requerida foi condenada a pagar à Requerente “a quantia que se vier a liquidar em incidente de liquidação, acrescida de juros de mora, calculados às sucessivas taxas legais, desde a data da citação (22 de junho de 1998), até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos derivados da suspensão da circulação ferroviária e da redução de velocidade dos comboios, bem como da privação do uso comboio no período de reparação, compreendido entre 25 de março de 1996 e 8 de novembro de 1996, acrescido de 30 dias relativos ao período razoável para a tomada da decisão de dar a ordem da reparação, limitada pela responsabilidade de 40 % e pelos pedidos formulados”. 5. Para proceder ao cálculo do custo decorrente da imobilização do bem referido em 2., a Requerente recorreu a uma fórmula matemática em que utiliza os seguintes parâmetros: custo do investimento para a aquisição da carruagem sinistrada em 1970; custo total estimado em função da vida útil (30 anos), coeficiente de correção monetária; taxa de juro para a aquisição do material. *** 2.2. Delimitada a matéria de facto, de acordo com o decidido pelas instâncias, com retificação (4.) importa conhecer do objeto do recurso, nomeadamente do valor da liquidação do dano da privação do uso de uma carruagem de comboio. A liquidação constitui um incidente da instância, cujos termos, atualmente, estão regulados nos artigos 358.º a 361.º do Código de Processo Civil (CPC). Através deste incidente procede-se à fixação do valor da obrigação genérica, nomeadamente de uma obrigação pecuniária, podendo ser prévio ou posterior à ação (art. 358.º do CPC). O requerimento de dedução da liquidação deve processar-se nos termos do disposto no art. 359.º do CPC, especificando, designadamente, os factos dos quais emerge a obrigação genérica e concluindo pela formulação de um pedido em quantia certa. Nos termos posteriores do incidente, sobressai a oposição à liquidação, a inoperância da revelia, o poder inquisitório do juiz e a prova pericial (art. 360.º do CPC). A fixação do valor da obrigação genérica (quantum) constitui a finalidade essencial do incidente da liquidação, no qual não existe qualquer ónus da prova a onerar o requerente e no qual o juiz tem, necessariamente, de fixar um valor certo, resultante quer da prova produzida quer da equidade, no caso de insuficiência ou falta de prova. Por isso, havendo decisão judicial condenatória numa obrigação genérica, a decisão no incidente da liquidação há de corresponder, necessariamente, à fixação de uma quantia certa, tanto por efeito da prova produzida, como do critério da equidade. De contrário, ser-se-ia confrontado com a ofensa ao caso julgado e com uma situação equivalente a um “non liquet”, o que seria inadmissível, designadamente nos termos do disposto no art. 8.º, n.º 1, do Código Civil (CC). No caso vertente, face à sentença condenatória e à alegação específica do requerimento da liquidação, está apenas em causa a liquidação do dano da privação do uso de uma carruagem de comboio, correspondente a 259 dias. A Recorrente, levando em conta a percentagem do dano de 40 %, liquidou o dano da privação do uso em € 29 284,68, servindo-se de uma fórmula matemática. A sentença, usando o critério da equidade, fixou o dano na quantia de € 25 000,00. Por sua vez, o acórdão recorrido, servindo-se também do critério da equidade, liquidou o dano na quantia de € 10 000,00. Agora, a Recorrente pretende que se fixe o valor do dano na quantia estabelecida na sentença, ao contrário da Recorrida que defende a quantia liquidada no acórdão recorrido. Ressalta, desde logo, da discussão dos autos que o valor do dano da privação do uso da carruagem de comboio não resultou do efeito da prova produzida. Na verdade, ambas as instâncias, na ausência de prova, recorreram ao critério da equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, sendo certo que, não obstante a falta de prova do valor exato, não podiam deixar de fixar uma quantia certa. Relativamente à matéria alegada no requerimento inicial, com repercussão na liquidação, apenas se provou a materialidade referente ao uso pela Recorrente da fórmula matemática, descrita no n.º 5. Daí, porém, não emergem factos concretos que possibilitem a liquidação do valor do dano da privação do uso da carruagem de comboio. Para além da alegação ser escassa, quanto aos factos integradores dos parâmetros usados na referida fórmula matemática, muito pouco se provou nesse âmbito. Na impossibilidade da liquidação do dano por efeito da prova, era então inevitável a utilização do critério da equidade, nos termos do disposto no art. 566.º, n.º 3, do CC, seguido por ambas instâncias, embora com resultados bem diferentes, como já especificou. A Recorrente, impugnando o acórdão recorrido, que fixou a indemnização na quantia de € 10 000,00 (40 %), volta a servir-se da fórmula matemática para esgrimir o argumento de que a própria Recorrida a teria aceitado, ainda que tivesse chegado a valor bem diverso da indemnização. Para além da Recorrida ter negado, expressamente, tal aceitação, resulta o mesmo, também, da contestação, onde alegara que “a aplicar-se tal fórmula haveria um claro enriquecimento do lesado à custa do lesante”, e concluíra tal articulado apontando a quantia de € 5 000,00, como valor da indemnização. Por isso, inexistindo a alegada aceitação da fórmula matemática, não podia sequer levar-se em consideração o seu resultado, no juízo de equidade formulado. Por outro lado, a Recorrente, embora alegando que a decisão do acórdão recorrido é “flagrantemente injusta” e corresponde a uma “denegação de justiça”, não apresenta razões suficientemente válidas e objetivas que confirmem semelhante qualificação. No caso, a indemnização fixada equitativamente, por falta de prova do valor exato do dano da privação do uso, embora corresponda a um juízo delicado, designadamente pela ausência de elementos objetivos, com exceção da idade da aquisição da carruagem (1970) e do período da paralisação (259 dias), que a pudessem balizar melhor, pode ser classificada como sendo razoável e considerada com estando em harmonia com o princípio geral da diferença, consagrado no art. 562.º do CC, não se justificando, por isso, a sua alteração. Evidentemente, que num caso como este, que não é frequente na jurisprudência, não deixa de existir algum grau de discricionariedade na fixação da indemnização, mas isso é, sobretudo, uma consequência direta da falta de alegação e prova de factos pertinentes suscetíveis de objetivar o valor pecuniário do dano. Assim, não se dispondo de elementos seguros que permitam concluir pelo defeito da fixação pecuniária da indemnização do dano da privação do uso da carruagem de comboio, é de manter o montante determinado no acórdão recorrido, em conformidade com o disposto no art. 566.º, n.º 3, do Código Civil. Antes de finalizar, importa ainda realçar que, ao valor de € 10 000,00 fixado como indemnização pelo dano da privação do uso da carruagem de comboio, acresce ainda o valor dos juros de mora legais, vencidos a partir de 22 de junho de 1998, que no recurso não estavam em discussão. Nestas condições, não relevando as conclusões do recurso, é de negar a revista. 2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante: I. A fixação do valor da obrigação genérica (quantum) constitui a finalidade essencial do incidente da liquidação. II. Havendo decisão judicial condenatória numa obrigação genérica, a decisão no incidente da liquidação há de corresponder, necessariamente, à fixação de uma quantia certa, tanto por efeito da prova produzida, como por efeito do critério da equidade. III. Não se dispondo de elementos seguros que permitam concluir pelo defeito da fixação pecuniária da indemnização do dano da privação do uso da carruagem de comboio, é de manter o montante determinado, por equidade, no acórdão recorrido. 2.4. A Requerente, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC. III – DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Negar a revista, confirmando a decisão recorrida. 2) Condenar a Requerente no pagamento das custas. Lisboa, 29 de junho de 2017 Olindo Geraldes (Relator) Nunes Ribeiro Maria dos Prazeres Beleza |