Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | SECÇÃO DO CONTENCIOSO | ||
Relator: | SOUTO DE MOURA | ||
Descritores: | JURISTAS DE MÉRITO GRADUAÇÃO. CONCURSO CURRICULAR SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 11/24/2015 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO CONTENCIOSO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE | ||
Área Temática: | DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCESSO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - TRIBUNAIS / ESTATUTOS DOS JUÍZES. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS. | ||
Doutrina: | - ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, “Código do Procedimento Administrativo” Anotado e Comentado, Quid Juris, pp. 396 e 397. - FREITAS DO AMARAL, com a colaboração de Lino Torgal, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, p. 126. - FREITAS DO AMARAL, Curso…, pp. 144, 281, 351-352, 390; Direito Administrativo, Vol. III, p. 308. - GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA “Constituição da República Portuguesa” Anotada, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra, pp. 661, 675- 676, 979; vol. II, pp. 503, 801, 802, 826. - JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS “Constituição da República Portuguesa” Anotada, tomo I, Coimbra, pp. 170, 487, tomo III, p. 566. - MARCELO CAETANO, Direito Administrativo, p. 501. - MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, pp. 145, 148, 149, 155; O concurso público na formação do contrato administrativo, Lex, pp. 41 e 42. - MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS FERNANDES CADILHA, “Código de Processo nos Tribunais Administrativos” Anotado, Coimbra, p. 32. - MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA “Código de Processo nos Tribunais Administrativos” – “Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais” Anotados, vol. I, Almedina pp. 122 a 125. - MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, “Código do Procedimento Administrativo” Comentado, 2.ª Edição, Almedina, p. 100, 107, 600-602, 604, 656. - MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e outros procedimentos de adjudicação administrativa – Das fontes às garantias, Almedina, pp. 117, 135, 136. - MÁRIO RAPOSO, “A revisão constitucional e a independência dos juízes”, in ROA, ano 42, vol. II. - VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, Coimbra, pp. 233 a 235. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º3, 639.º, N.ºS 1 E 4. CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 13.º, 18.º, N.º2, 140.º,144.º, N.º2, 146.º, N.º4, 150.º, 151.º, 192.º, 220.º, N.º4. CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 5.º, N.º1, 6.º, 44.º E SS., 124.º, 125.º, N.º2, 135.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 1.º, 6.º, 13.º, N.º 2, 47.º, N.º2, 50.º, N.º1, 215.º, N.º4, 217.º, N.º1, 266.º, N.º2, 268.º, N.ºS 2 E 3. ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 50.º, 51.º, N.ºS 1, AL. B), 2, AL. B), E 3, AL. B), 52.º, 51.º, N.ºS 2 E 3, 53.º, N.º2, 136.º, 149.º, AL. A), 151.º, AL. A), 168.º, N.º1, 178.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: -DE 08/01/1965, IN AD N.º 39, P. 465, E DE 07/04/1987, IN AD N.º 315, P. 323. -DE 10/12/1987, PUBLICADO NO APÊNDICE DO DR DE 20 DE ABRIL DE 1994, P. 5636 E SS., DE 18/05/2000, PROCESSO N.º 044685, DE 09/05/2007, PROCESSO N.º 094/07 E DE 08/12/2012, ESTES ÚLTIMOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT . -DE 01/06/89, PROCESSO N.º 024673, DE 10/12/1998, PROCESSO N.º 37572, DE 20/11/2002, PROCESSO N.º 0433/02, E DE 18/06/2003, PROCESSO N.º 01283/02, TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT . -DE 24/03/1994, PROCESSO N.º 029211, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 12/12/2002, PROCESSO N.º 01654/02, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 27/03/2003, PROCESSO N.º 01862/02, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 12/11/2003, PROCESSO N.º 039386, DE 29/11/2012, PROCESSO N.º 01031/12, E DE 23/05/2013, PROCESSO N.º 0613/12, TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT . -DE 30/04/2003, PROCESSO N.º 032377, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 14/06/2005, PROCESSO N.º 0617/02, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT. -DE 14/06/2007, PROCESSO N.º 01057/06, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 02/11/2010, PROCESSO N.º 0416/10, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 26/06/2013, PROCESSO N.º 01290/12, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . * ACÓRDÃOS DO PLENO -DE 20/1/1998, PUBLICADO NO APÊNDICE DO DIÁRIO DA REPÚBLICA DE 5/4/ 2001, P. 151 E SS.. -DE 06/12/2005, PROCESSO N.º 01126/02, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 29/09/1992, PROCESSO N.º 022900, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 20/01/1998, PROCESSO N.º 034426, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 01/07/2003, C.J.S.T.J., TOMO II/2003, P. 9. -DE 25/09/2003, PROCESSO N.º 2375/03. -DE 29/06/2005, PROCESSO N.º 2382/04 E DE 19/12/2013, PROCESSO N.º 103/12.9YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 29/11/2005, PROCESSO N.º 2383/04. -DE 07/12/2005, PROCESSO N.º 2381/04. -DE 19/01/2006, PROCESSO N.º 2337/02. -DE 11/07/2007, PROCESSO N.º 4017/05. -DE 19/09/2007 E DE 27/10/2009, PROCESSO N.º 4108/06 E PROCESSO N.º 2472/08, RESPECTIVAMENTE. -DE 12/02/2009, PROCESSO N.º 1601/08. -DE 27/10/2009, PROCESSO N.º 2472/08, E DE 19/09/2012, PROCESSO N.º 10/12.5YFLSB. -DE 08/05/2012, PROCESSO N.º 135/11.4YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 05/07/2012, PROCESSO N.º 137/11.0YFLSB. -DE 05/07/2012, PROCESSO N.º 147/11.8YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 19/09/2012, PROCESSO N.º 145/11.1YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 18/10/2012, PROCESSO N.º 24/12.5YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 21/11/2012, PROCESSO N.º 2/12.4 YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT , DE 21/03/2013, PROCESSO N.º 99/12.7YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT , DE 08/05/2013, PROCESSO N.º 102/12.0YFLSB, E DE 26/06/2013, PROCESSO N.º 101/12.8YFLSB. -DE 21/12/2012 PROCESSO N.º 2/12.4YFLSB, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.ºS 217/91, 563/96, 487/99, 311/2005, 491/2008, TODOS ACESSÍVEIS EM HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Ao Concurso Curricular de Acesso ao STJ são aplicáveis os princípios gerais da igualdade, da justiça, da transparência e da imparcialidade (cf. n.º 2 do art. 266.º da CRP), sendo que a discricionariedade técnica de que o CSM goza na apreciação que lhe cabe efetuar, neste âmbito, tem de ser coadunada com os princípios estruturantes do Estado de Direito, o que conduz à controlabilidade dos seus atos, mormente no que toca à qualificação jurídica dos factos, ou na eventualidade de ocorrência de erro manifesto de apreciação ou da adoção de critérios ostensivamente desajustados; II - Devendo ter-se como indeterminado, e nessa medida abstrato e vago, o conceito de jurista de reconhecido mérito, constante da al. b), do n.º 3, do art. 51.º, do EMJ, há que reconhecer ao CSM uma ampla margem de conformação do seu conteúdo, o que não corresponde a negar a sindicabilidade contenciosa da sua densificação; III - A deliberação impugnada limitou-se a definir os parâmetros que permitirão determinar o alcance do conceito referido em II), pelo que não pode considerar-se que essa concretização constitua uma inovação superveniente, estabelecida para além daquele ou em aditamento ao mesmo. E por isso, não devem considerar-se violados os princípios da igualdade, da imparcialidade, da transparência, da justiça ou da divulgação antecipada de elementos; IV - Não se divisando que o júri tenha tido a possibilidade de afeiçoar a concretização referida em c) aos dados pessoais dos candidatos que se apresentaram, os princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da transparência ou da estabilidade das regras concursais não se podem considerar intoleravelmente atingidos; V - A densificação referida em III) não se identifica com o uso de poderes discricionários, pelo que jamais se poderia considerar que a deliberação recorrida incorreu no vício de desvio de poder, sendo certo, em todo o caso, que não se apurou que a ela presidiu uma intenção distinta daquela que deriva da lei; VI - A mera discordância relativamente à exposição fundamentadora usada pelo recorrido não é, reconduzível à falta de fundamentação ou a qualquer vício desta que a essa omissão seja legalmente equiparado. VII - Tendo a deliberação recorrida se debruçado sobre o mérito absoluto do recorrente, não lhe era exigível que, na sua fundamentação, aludisse à defesa pública do currículo, já que, nos termos do n.º 2 do art. 53.º do EMJ, tal prestação tem somente em vista a graduação segundo mérito relativo dos concorrentes; VIII - Posto que o n.º 4 do art. 215.º da CRP não consagra o acesso irrestrito ao STJ de juristas de mérito, é inviável considerar que a deliberação mediante a qual, em aplicação das diretrizes traçadas acerca do conceito referido em III), o recorrido decidiu excluir o recorrente, da graduação do XIV Concurso Curricular de Acesso a este Tribunal, afronta esse normativo. Não havendo igualmente motivos para considerar que foram erradamente interpretadas e aplicadas as disposições vertidas na al. b) do n.º 3, do art. 51.º, e no art. 52.º, ambos do EMJ, ou quaisquer previsões do regulamento desse concurso, contido no respetivo aviso de abertura; IX - A intenção de pluralização do acesso ao STJ, que subjaz ao disposto no n.º 4, do art. 215.º, da CRP, não é, direta ou indiretamente colocada em crise, se a consequência prática da densificação referida em III) – que abarca, ademais, a concreta dimensão e realidade das funções que os juristas de mérito desempenharão nesse Tribunal, bem como o papel orientador e uniformizador da jurisprudência que este desempenha para as instâncias – se traduzir no limitar desse acesso aos juristas de mérito que, em concreto e, pelo menos, potencialmente, revelem aptidões para exercer a judicatura nesse Tribunal. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
Em acórdão da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça dizem os juízes que a integram:
AA, Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de ..., interpôs recurso contencioso da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 4 de Novembro de 2014, mediante a qual não foi admitido à graduação no XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
Cumpre pois conhecer.
A - FACTOS
Tendo em conta o alegado pelo recorrente e pelo recorrido Conselho Superior da Magistratura (doravante CSM), os factos que se têm por demonstrados e que constituirão a fundamentação de facto da decisão a proferir, foram os seguintes:
I. Por intermédio do Aviso n.º 12649/2013 de 15/10/2013, o CSM divulgou que, por deliberação do seu Plenário de 8/10/2013, foi determinado: 1. Declarar -se aberto o 14.º concurso curricular de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 50.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, para o preenchimento das vagas que vierem a ocorrer no período de três anos, a partir de 12 de março de 2014. (…) 5. Podem ainda apresentar -se ao concurso, como concorrentes voluntários, Procuradores -Gerais Adjuntos que reúnam as condições previstas no artigo 51.º n.º 3, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais e juristas de mérito que reúnam as condições previstas no artigo 51.º n.º 3, alínea b), do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 6. O presente concurso reveste a natureza curricular, sendo a graduação feita segundo o mérito relativo dos concorrentes de cada classe, tomando-se globalmente em conta a avaliação curricular, nos termos do art. 52.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. 6.1. Os fatores são valorados da seguinte forma: a) Anteriores classificações de serviço, com uma ponderação entre 50 e 70 pontos; (…) c) Currículo universitário e pós-universitário, com ponderação entre 1 e 5 pontos; d) Trabalhos científicos realizados, com ponderação entre 0 e 5 pontos, não se englobando nesta categoria os trabalhos que correspondam ao exercício específico da função; e) Atividade exercida no âmbito forense, no ensino jurídico ou na formação de magistrados com ponderação entre 0 e 10 pontos; f) A idoneidade dos requerentes para o cargo a prover, com ponderação entre 50 e 105 pontos; São critérios de valoração de idoneidade: i) O prestígio profissional e cívico correspondente ao exercício específico da função; ii) A qualidade dos trabalhos, tendo em conta os conhecimentos revelados com reflexo na resolução dos casos concretos designadamente no domínio da técnica jurídica, nas opções quanto à forma e ainda quanto à substância; iii) O grau de empenho revelado pelo magistrado na sua própria formação contínua e atualizada e na adaptação às modernas tecnologias; (…) v) Produtividade e tempestividade do trabalho nos Tribunais da Relação; vi) Capacidade de relacionamento profissional. (…) 17. A defesa pública do currículo, será realizada perante o júri do concurso, terá como arguente o membro do júri que elaborou o respectivo parecer preliminar e uma duração não superior a 20 minutos. 18. Após a defesa pública dos currículos de todos os concorrentes, o júri reúne a fim de emitir parecer final sobre a prestação dos mesmos, podendo propor a exclusão da graduação os concorrentes voluntários que não reúnam as condições previstas no artigo 51.º, n.º 3, do Estatuto do Magistrados Judiciais; o parecer do júri é tomado em consideração pelo Conselho Superior da Magistratura ao aprovar o acórdão definitivo no qual procede à graduação dos candidatos, de acordo com o mérito relativo. 19. A graduação final é feita independentemente da antiguidade de cada um dos concorrentes, funcionando esta como critério de desempate em caso de igualdade de pontuação. (…)”.
II. O recorrente apresentou-se ao Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça referido em I como jurista de mérito.
III. No parecer do júri sobre a prestação de cada um dos oponentes ao Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça referido em I escreveu-se:
“(…) Foram realizadas várias reuniões do júri, tal como antes já se fez referência, durante as quais se procedeu a densificação e uma tanto quanto possível uniformização e harmonização dos critérios de apreciação dos factores a valorar para os efeitos do art.º 52.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, com respeito pelas ponderações fixadas nas alíneas a) a f) e subalíneas desta, a que alude o item 6.1 do Aviso, tendo sido concluído, aliás na esteira do preceituado na aludida disposição legal, que a avaliação deve ser realizada atendendo à globalidade do mérito de cada um dos concorrentes e evitando-se, na medida possível, a obtenção de avaliação correspondente apenas ao resultado aritmético da adição pontual de cada um desses factores. (…) Efectuaram os membros do júri a discussão e análise pormenorizadas dos currículos dos concorrentes, dos trabalhos apresentados e dos relatórios preliminares (…) FUNDAMENTAÇÃO, CONSIDERAÇÕES GERAIS E CONCRETIZAÇÃO DAS REGRAS OU CRITÉRIOS ADOPTADOS 4 - O concurso de acesso a Juiz do Supremo Tribunal de Justiça reveste natureza curricular, sendo a graduação efectuada segundo o mérito relativo dos concorrentes. Por seu turno, a graduação deve ter globalmente em conta a avaliação curricular, tomando em consideração nomeadamente as anteriores classificações de serviço; a graduação obtida em concursos de habilitação ou cursos de ingresso em cargos judiciais; o currículo universitário e pós-universitário; trabalhos científicos realizados; actividade desenvolvida no âmbito forense e no ensino jurídico; e outros factores que abonem a idoneidade dos requerentes para o cargo de Juiz do Supremo Tribunal de Justiça – alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 52º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. A graduação é feita dentro de cada uma das classes de concorrentes previstas no art.º 51º, n.ºs 2 e 3, alíneas a) e b, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Juízes da Relação, Procuradores-Gerais-Adjuntos e Juristas de reconhecido mérito e idoneidade cívica). A autonomia da graduação e as especificidades curriculares dentro de cada uma das classes de concorrentes impõem a adaptação dos critérios de apreciação e avaliação curricular atrás enunciados, em função das experiências profissionais, da natureza das funções e actividades que constituem a substância do currículo profissional de cada concorrente. (…) 6 - No regulamento do concurso constam elementos materiais para concretização e materialização dos critérios previstos na lei (critérios ou elementos de pontuação), com a finalidade de conferir uma garantia acrescida de realização da igualdade relativa dos concorrentes na avaliação e valoração, através da fixação objectiva de índices quantitativos de pontuação, tentando, deste modo, reduzir o espaço de liberdade administrativa na apreciação de elementos curriculares, actividade que contém sempre, por natureza, em maior ou menor medida, índices de liberdade de avaliação em função da realização do interesse público. Nas escolhas que envolvem apreciação de qualidades científicas, técnicas e de desempenho funcional de qualquer pessoa, pela própria natureza das coisas e da circunstância pessoal de avaliação por um júri, intervém sempre e não pode ser afastada, alguma margem de discricionariedade científica e técnica. Não obstante a redução da amplitude da margem de liberdade de apreciação, o júri vinculado ao princípio da igualdade dos concorrentes, teve de avaliar os diversos elementos curriculares dos concorrentes através da ponderação que permitiu atribuir pontuações diversificadas, dentro dos limites de quantificação dos critérios estabelecidos no regulamento do concurso, que constitui um modo de auto-vinculação da Administração. (…) Juristas de reconhecido mérito e idoneidade cívica Nos termos do item 5 do Aviso, «Podem ainda apresentar-se ao concurso (…) juristas de mérito que reúnam as condições previstas no artigo 51.º, n.º 3, alínea b), do Estatuto dos Magistrados Judiciais». Este preceito do Estatutário dispõe que: «São concorrentes voluntários (…) Os juristas que o requeiram, de reconhecido mérito e idoneidade cívica, com, pelo menos, vinte anos de actividade profissional exclusiva ou sucessivamente na carreira docente universitária ou na advocacia, contando-se também até ao máximo de cinco anos o tempo de serviço que esses juristas tenham prestado nas magistraturas judicial ou do Ministério Público». Na apreciação dos concorrentes – juristas de mérito – que requeiram o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça a ponderação do mérito tem de ser aferida em função da finalidade do concurso. Tratando-se de um concurso para acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, a avaliação do mérito absoluto dos concorrentes, susceptível de integrar a categoria de juristas de mérito, tem de ter em conta o desiderato do concurso e sobretudo ter como parâmetro a figura do juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Sem pôr em causa o mérito académico dos candidatos – indiscutível nas respectivas actividades docentes –, a ponderação a fazer num concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça obriga a que o júri aprecie o curriculum tendo por paradigma a função de juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. No paradigma do juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça há que atender, nomeadamente, à acentuada ponderação decisória que decorre de mais de 30/35 anos de judicatura, ao facto de corresponder à derradeira categoria de uma longa carreira de magistrado e, ainda, à experiência de administrar a justiça, como impõe o art. 3.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Com base nestes parâmetros importa atender aos currículos dos candidatos, Juristas de Mérito do 14.º Concurso Curricular de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, que se elencam: 1. BB; 2. CC; 3. AA; 4. DD; 5. EE. Ora, em relação aos quatro primeiros concorrentes, não questionando o elevado mérito das provas académicas e no desempenho das respectivas funções docentes, do curriculum apresentado não decorre uma prática e actividade por tempo que assegure a necessária acentuada ponderação decisória, que se exige a um juiz conselheiro, e não se vislumbra qualquer experiência na administração da justiça. Não se trata de excluir os concorrentes do presente concurso, pois foram admitidos por terem preenchido os necessários requisitos, mas de interpretar, teleologicamente, o sentido específico de “juristas de mérito” para efeito do concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Importa, assim, atender aos critérios enunciados nos parágrafos anteriores para aferir o sentido de “juristas de mérito” neste concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça com respeito a cada um dos candidatos. (…) 3. DD O concorrente juntou um currículo relevante, essencialmente relacionado com a actividade docente. Mestre e doutor em Direito (1997 e 2008, respectivamente), tem desempenhado funções docentes desde 1992. Para além das funções docentes e de actividade em órgãos de gestão da escola, o concorrente não indica qualquer experiência decisória, nem se vislumbra a relevância de experiência que sustente a mencionada acentuada ponderação e capacidade decisórias próprias de um juiz conselheiro. Por outro lado, além da objecção constante do período anterior, a sua experiência profissional circunscreve-se à área do direito internacional público, do direito penal internacional e do direito administrativo, fora da jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça. Acresce que o concorrente, pese embora exercer funções docentes há mais tempo, só após o doutoramento (2008) passou a integrar a primeira categoria na hierarquia da carreira docente universitária, professor auxiliar, que ainda mantém. Com efeito, como decorre do art. 2.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, a carreira universitária é composta por três categorias: professor auxiliar, professor associado e professor catedrático. Ora, o candidato ocupa a primeira posição na carreira docente universitária e concorre para a mais elevada categoria da magistratura judicial: juiz conselheiro. Sem pôr em causa o mérito do concorrente na actividade docente – evidenciado no curriculum –, pelos motivos indicados no parágrafo precedente, o júri considera que não deverá ser classificado/graduado no presente concurso, por não se enquadrar no sentido de jurista de mérito para efeito deste concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. (…)”.
IV. Na acta que documenta a reunião do Plenário do Conselho Superior da Magistratura havida a 4 de Novembro de 2014, exarou-se:
“(…) Pronunciando-se todos os Exmos. Srs. Conselheiros presentes, e na sequência da discussão e dos contributos dos intervenientes, foi considerada a seguinte formulação dos critérios e elementos de fundamentação. “O Conselho Superior da Magistratura (CSM) congratula-se com o rigor e a qualidade do trabalho desenvolvido pelo júri na laboriosa tarefa de avaliação curricular dos candidatos ao 14.º Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, num laudável esforço de uniformização e harmonização dos critérios legais de valoração do mérito dos candidatos. Conquanto o júri tenha desenvolvido a densificação do conceito «juristas de reconhecido mérito», o plenário do CSM discutiu o Parecer do júri na parte relativa aos concorrentes «juristas de mérito» – artigo 51.º, 3, b), do EMJ - considerando que a natureza do concurso impõe, antes da graduação relativa, a prévia decisão sobre a existência de mérito absoluto de cada candidato, que supõe a integração da categoria «jurista de mérito» na circunstância do objecto e finalidade do concurso de acesso a juiz do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). O acesso ao STJ faz-se mediante concurso curricular aberto a magistrados judiciais e do Ministério Público e outros juristas de reconhecido mérito e idoneidade cívica com, pelo menos, vinte anos de actividade profissional exclusiva ou sucessivamente na carreira docente universitária ou na advocacia (artigo 51º, 3, b), do EMJ). Vale por dizer que, para além da carreira na magistratura, o acesso ao STJ está reservado à docência universitária e à advocacia. Vem a propósito o pensamento do insigne Bastonário da Ordem dos Advogados Dr. Mário Raposo (que, além destas elevadas funções, desempenhou outras de idêntica importância, entre as quais a de Membro da Comissão de Reforma Judiciária, criada pelo Ministro Salgado Zenha, em Junho de 1974), o qual, a respeito do perfil e natureza do STJ, afirmou: «(…) Regressando (…) ao Supremo Tribunal de Justiça tenho como certo que ele é um supremo tribunal judicial e que, portanto, deve ser integrado predominantemente por juízes. E juízes são os de carreira. Isto não significa, claro está, que a e ele não devam ter acesso outros juristas, a começar pelos magistrados do Ministério Público, em termos idênticos aos agora estabelecidos na lei ordinária, em cuja sede o regime deve permanecer. Regime que não desponta de um mero favor concedido aos juízes. Se, usando de uma fórmula clássica, o juiz é o legislador dos casos concretos, a sua actividade não deixa de igual passo de ter uma função generalizante. (…) Pluralizado e, portanto, enriquecido pela presença de outros juristas, o Supremo Tribunal deve ser, predominantemente, um núcleo de julgadores com essa experiência específica. Será assim que melhor poderá cumprir o papel pedagógico, homólogo ao da doutrina, que a ele se pede e que dele se espera. (…) subsidiariamente, a garantia de acesso, em condições qualificadas, ao topo da carreira judiciária será um reforço da independência dos juízes.» («A revisão constitucional e a independência dos juízes», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 42, Vol. II, pp. 336 a 338). À luz deste pensamento, que se crê ter sido vertido na lei vigente, a aludida norma (que neste segmento - al. b) do n.º 3 do art. 51.º - mantém a redacção original, conformada pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) elege como concorrentes voluntários ao Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, os juristas que o requeiram, de reconhecido mérito e idoneidade cívica com, pelo menos, vinte anos de actividade profissional exclusiva ou sucessivamente na carreira docente universitária ou na advocacia (contando-se também até ao máximo de cinco anos o tempo de serviço que esses juristas tenham prestado nas magistraturas judicial ou do Ministério Público). A admissão a este concurso curricular de juristas (não magistrados) exige a asseveração inequívoca de que o candidato, no exercício efectivo e estável da correspondente actividade profissional (docência universitária e/ou advocacia) durante o período legalmente indicado, se destacou claramente dentro do universo em que se moveu, incluindo entre os seus pares, emergindo como jurista eminente, capaz de profunda, aturada e adequada reflexão intelectual nas diversas áreas do direito e com uma superior aptidão para conferir necessária dimensão prática à reflectida exegese teórica (revelada, designadamente, por concretas contribuições do candidato na produção de estudos ou projectos teóricos com repercussão material no plano legislativo e na organização e administração Justiça ou na estruturação de algum dos ramos de saber que a ela importam e também pela capacidade de relevantemente influenciar a doutrina e a jurisprudência). Como sublinhou o Ex.mo Sr. Conselheiro ..., então Vice-Presidente do CSM, na sessão do Plenário do CSM realizada em 30 de Janeiro de 2006, «(…) o conceito de “reconhecido mérito” carrega em si, a nosso ver, dois diferentes sentidos, posto que complementares: - o de intensidade – com o significado de mérito elevado, acentuado, de alto grau, que se evidencia no conjunto dos restantes profissionais académicos ou advogados; - o de notoriedade – significando o reconhecimento, a consideração, pela comunidade jurídica (magistrados, universitários, advogados e outros profissionais forenses, juristas em geral, etc.). É, pois, mister que, relativamente a qualquer candidato que se apresente ao concurso ao abrigo do art. 51º, n.º 3, al. b), do EMJ, se possa afirmar, sem margem para dúvidas, que, na qualidade em que se apresenta – seja, como docente universitário ou como advogado – o seu mérito é reconhecido, nos termos acabados de referir. (…)». Não se trata de criar uma exigência acrescida aos candidatos juristas (não magistrados) mas antes de nivelar, em termos materialmente idênticos, os candidatos das diversas proveniências, modelando o patamar a partir do qual se admite o exercício das funções de Juiz Conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça, a mais alta instância da orgânica judicial portuguesa. Na verdade, aos candidatos magistrados exige-se um longo percurso profissional, calcorreado em duas instâncias (sabendo-se que, para o acesso à segunda delas, necessário será que tenham comprovado um mérito diferenciado entre os seus pares – artigos 46.º a 49.º do EMJ), ao longo de mais de três décadas, sempre dedicados à tarefa de administrar a justiça em nome do Povo, num exercício de progressivo amadurecimento que decanta a capacidade de ponderação dos factos e de interpretação normativa e a sábia aptidão para a aplicação, correcta e justa, da Lei ao caso concreto. Mesmo depois de alcançarem a possibilidade (conferida pela antiguidade, categoria e elevado mérito) de se candidatarem às funções de Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, só os magistrados a quem seja reconhecido um percurso profissional de maior mérito têm a legítima expectativa de exercer aquelas distintas funções. Não se ignora que o exercício das funções de docência universitária (pressuposta durante vinte anos), normalmente aliada à investigação, aportará, em regra, um aprofundado estudo e conhecimento da Lei (frequentemente em ramos específicos do Direito) e da jurisprudência, bem como alguma experiência de resolução de casos concretos (mormente ao nível teórico), exigindo ainda uma postura de independência e imparcialidade. Mas bastará um impressivo currículo académico, onde se destaquem essencialmente dissertações de mestrado e doutoramento, para admitir o seu detentor ao concurso curricular do Supremo Tribunal de Justiça? Entende-se que não. Apesar das similitudes que possam apresentar umas e outras funções (essencialmente radicadas no conhecimento, na interpretação e no dizer do Direito), elas são bem diversas, o que é, desde logo, indiciado pela impossibilidade de um Juiz Conselheiro, sem acrescidos graus académicos, se candidatar às funções de Professor Catedrático (ou de Professor associado ou ainda de Professor auxiliar) a exercer em instituição universitária nacional (artigos 40.º, 41.º e 41.º-A do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de Agosto - Estatuto da Carreira Docente Universitária). De igual forma, não refere a lei e não foi essa a intenção do legislador, que aos titulares do grau de doutor ou de mestre em qualquer área do Direito, com vinte anos de actividade profissional exclusiva ou sucessivamente na carreira docente universitária ou na advocacia, deve ser, sem mais, reconhecido o “mérito absoluto” pressuposto para o acesso às funções de Juiz Conselheiro e, consequentemente, graduado o seu “mérito relativo” no acesso a tais funções. Se assim fosse, tendo apenas em linha de conta o número de titulares do grau de doutor (doutoramentos realizados e reconhecidos em Portugal) desde 1985 (ano em que foi publicado e entrou em vigor o EMJ), para não irmos mais longe, teríamos 488 potenciais candidatos ao concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (dados disponíveis para consulta no sítio electrónico da DGEEC – Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência). As alterações que a carreira de docência universitária tem sofrido ao longo destes últimos anos, as profundas modificações que se vêm registando no ensino do Direito e nas condições de obtenção dos graus académicos, que proliferam (note-se que entre 1970 a 1985, num período de 15 anos, foram realizados e reconhecidos em Portugal 24 doutoramentos em Direito, ao passo que, desde então, num período com o dobro da duração, foram realizados e reconhecidos em Portugal 488 doutoramentos em Direito), bem como o elevado grau de especialização em áreas muito particulares da ciência jurídica e específicas, que a obtenção destes graus exige (que não garantirá, de todo e só por si, a experiência mundividente e a sábia ponderação de interesses em conflito exigida a quem decide, em última instância, sobre a liberdade e a fazenda do seu semelhante) sempre impediriam que a titularidade de graus académicos, per se, fosse condição suficiente para o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Desta feita, para que se reconheça ao jurista (docente universitário) o mérito necessário para a aceitação da sua candidatura às funções de Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça será essencial a demonstração de outras concretas valências (de que, a título exemplificativo, acima se deu nota) que não, única e simplesmente, o reconhecimento que obteve na academia (reconhecimento esse em que pontificam os graus de mestre e de doutor, já obtido, aliás, por diversos magistrados Judiciais e do Ministério Público em exercício de funções na primeira e na segunda instâncias, sem que tal lhes conceda a faculdade de se candidatarem às mais altas funções de um magistrado judicial). Dito isto, compraz-se o CSM com a pluralidade cultural e a mundividência potenciadas pela diversidade da proveniência dos candidatos ao STJ, o que constitui, inelutavelmente, um factor de equilíbrio interno e de vitalidade, numa instituição de referência da Justiça, construída por gerações de juízes que conformaram o seu intocado prestígio. Nesse contexto, o mérito dos juristas que se candidatam ao STJ não pode deixar de ser aferido em função do modelo, arquétipo histórico dos juízes dos supremos tribunais, nos quais sobrelevam a segurança de um longo exercício, a capacidade de decisão em elevado grau, na ponderação adequada entre os factos concretos, as construções metodológicas, os conhecimentos jurídicos de nível superior e o saber de experiência feito que permite a construção equilibrada de decisões ou a ponderação decisória. Nessa medida, os candidatos provenientes da docência universitária, como no caso, têm de substanciar o conceito normativo de «reconhecido mérito» na aceitação deste pela academia e restante comunidade jurídica. A primeira definida através dos graus conferidos pela academia e a segunda pelo prestigiado reconhecimento da comunidade jurídica, no plano da expressividade e criatividade de posições jurídicas publicadas, valorizadas pela capacidade de cunhar a doutrina e a jurisprudência. Sobremaneira relevante é o contributo reflexivo académico nas áreas jurídicas de intervenção do STJ e a produção de trabalho jurídico que incida sobre a Justiça e as problemáticas que lhe estão agremiadas, influindo e marcando a jurisprudência ou intervindo na reflexão do judiciário. Tudo enformando um contributo de relevante merecimento ao mais alto Tribunal, a que está agregada uma qualidade de excelência. Senda que constitui uma exigência da sociedade e um dever do CSM. O exercício funcional no STJ convoca a técnica, mas também a capacidade de decisão em prazos adequados e razoáveis à especificidade do tribunal de última instância, a disciplina e o rigor construídos na dialética dos julgamentos, no humanismo dialógico, nos permanentes desafios de fazer a justiça concreta, a criar jurisprudência. Mais-valia que não se identifica necessariamente com uma carreira académica brilhante, mas distanciada da aplicação prática do direito, que aqui deve ser evidenciada, sempre enformada pela prudência na pesquisa das soluções justas e garantes da segurança jurídica. Reconhece-se que a aplicação prática do direito nem sempre estará distanciada e fora do alcance de um académico, como se assevera que a “criação de jurisprudência” é tributária das contribuições da doutrina, na passagem entre o caldeamento teórico e a síntese com a perspectiva prática: num supremo tribunal, tanto como a prática, importa o nível de reflexão teórica e doutrinal na investigação aplicada que permita a decisão de casos, mas também «fazer» jurisprudência que muitas vezes servirá de modelo para as instâncias e para a comunidade jurídica. Finalmente, crê-se que a determinação do «mérito absoluto», específico na finalidade do concurso, deverá ser enformada também pela natureza, duração e homogeneidade da actividade académica como critério de equiparação ao modelo do juiz do STJ que deve constituir um projecto total numa nova escolha de vida profissional, não compatível com a fragmentação na actividade ou índices de percurso funcional que permitam revelar dúvidas sobre a adesão a uma ideia de exclusividade. E, assim, uma actividade académica homogénea, contínua e tendencialmente exclusiva que deverá aproximar-se do tipo-padrão de juiz do STJ, não afectando o equilíbrio interno e permitindo alguma similitude e simetria na troca de experiências dos juízes do S.T.J. das diversas origens. O Exmo. Sr. Presidente colocou a formulação de critérios e índices de fundamentação à votação tendo-se obtido o seguinte resultado: a favor, 11 (onze) votos, dos Exmos. Srs. Presidente, Vice-Presidente, Dra. ..., Dr. ..., Dr. ..., Dr. ..., Prof. Doutor ...., Dr. ..., Dr. ...., Dr. ...., Dra. ....s e contra, 4 (quatro) votos, dos Exmos. Srs. Dr. ...., Dr. ...., Dr. .... e Prof. Doutor ... (…) Seguidamente, procedeu-se por voto secreto à tomada da deliberação tendo por objecto a admissão à graduação de cada um dos Exmos. Srs. Candidatos nos termos do art.º 51.º, n.º 3 alínea b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais que se apresentaram ao XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Procedeu-se à votação nos termos do artº 24º nº 2 do C.P.A., tendo-se obtido o seguinte resultado: SIM NÃO Branco (…) DD 2 (dois) 10 (dez) 2 (dois) (…) O Exmo. Sr. Presidente, proferiu a seguinte fundamentação: “A fundamentação de deliberação tomada por escrutínio secreto será feita pelo presidente do órgão colegial – artigo 24º, nº 3 do CPA. A deliberação tomada por escrutínio secreto não permite, pela sua própria natureza, a revelação externa dos motivos que determinaram o sentido de cada uma dos votos dos membros do órgão colegial, devendo, por isso, a fundamentação da deliberação ser feita «tendo presente a discussão que a tiver precedido» -artigo 24º, nº 3, fim, do CPA. A admissão á graduação dos candidatos a se refere o artigo 51º, nº 3, alínea b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, exige que lhes seja reconhecido o mérito (“juristas de reconhecido mérito”), tendo em consideração a finalidade e o objecto específico do concurso – acesso à categoria de juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Deste modo, a condição temporal que a norma do artigo 51º, nº 3, alínea b) exige, não constitui uma afirmação legal de um elemento objectivo de apreciação do mérito, mas apenas uma condição ou pressuposto de admissão ao concurso. O juízo sobre o mérito dos candidatos, específico em face da finalidade e do objecto do concurso (o “mérito absoluto”, antes da avaliação do “mérito relativo” que determina a ordem da graduação, só podendo haver graduação uma vez que seja reconhecido o “mérito absoluto”), impõe a determinação dos elementos de avaliação e de ponderação sobre a verificação das condições dos candidatos que sejam adequadas a satisfazer a complexidade dos atributos pressupostos no exercício de funções de juiz do Supremo Tribunal. O Conselho discutiu detalhadamente os elementos de ponderação adequados à verificação e decisão sobre o “mérito absoluto” dos concorrentes, expressos nas considerações sobre o resultado da discussão, que constam da Acta. O resultado da votação exprime objectivamente o resultado do conjunto das apreciações individuais por cada Membro do Conselho dos curricula dos concorrentes, com base nas considerações constantes da Acta relativas à apreciação do mérito dos concorrentes, para efeitos de acesso ao S.T.J. que resultaram da discussão que precedeu a deliberação. (…)”.
B - RECURSO
I. No instrumento de interposição de recurso, o recorrente alegou, em síntese:
a) Que, após serem conhecidos o elenco, perfil e identidade dos candidatos, o recorrido, volvido 1 ano após tais factos, estabeleceu critérios e fatores complementares tendentes a restringir o conceito de jurista de mérito (de molde a evitar o ingresso, no STJ, de candidatos não oriundos da magistratura), o que, a seu ver, constitui uma decisão surpresa que contende com os princípios gerais do direito processual e procedimental e com a teleologia das normas constitucionais e legais.
b) Que a mera atribuição de uma dada pontuação global não constitui fundamentação suficiente.
c) Que a fixação daquele critério revelava ostensivamente a existência de um desvio do poder discricionário concedido ao recorrido (que se cingia à valoração e graduação do mérito relativo e da idoneidade cívica dos concorrentes), o que é evidenciado pelo temor declarado de uma “inflação” de candidatos face ao progressivo incremento de Doutores em Direito, pela introdução de uma distinção artificial entre mérito absoluto e mérito relativo, pela introdução de um requisito relativo à ponderação e capacidade decisória dos candidatos que não sejam oriundos das magistraturas e pelo desenho do perfil do conceito de jurista de mérito por referência ao perfil de um juiz de carreira.
d) Que a decisão de excluir o recorrente da graduação com base na falta de acentuada experiência e capacidade decisória própria de um juiz conselheiro constitua uma petição de princípio e que tal requisito era indemonstrável, levando a que a experiência em tribunais arbitrais haja sido indevidamente arvorada num pressuposto de admissibilidade à graduação.
e) Que a integração do conceito de jurista de mérito não dependia, ao contrário do que também se escreveu na decisão sob censura, da posse do grau de professor catedrático ou de professor associado e que o facto de a experiência profissional do recorrente se restringir a áreas do Direito fora da jurisdição do STJ era, aos olhos da lei, irrelevante (pois, se assim não fosse, seria violado o princípio da igualdade), que o conteúdo da maioria das suas obras se prende com o Direito Penal e que este Supremo era um tribunal de competência genérica.
f) Que a insindicabilidade contenciosa da discricionariedade técnica da administração não abarca os aspetos vinculados do ato e o erro manifesto, grosseiro ou a adoção de critérios manifestamente desajustados. Termina, pretendendo que se declare a invalidade da deliberação por insuficiência e incongruência da fundamentação, violação de lei por erro nos pressupostos de direito, desvio de poder e ofensa aos princípios fundamentais da atuação administrativa, devendo o recorrido ser condenado na inclusão do recorrente na lista de graduação no que lugar que lhe competir.
II. O Conselho Superior da Magistratura apresentou desenvolvida resposta em que, no essencial, alegou:
a) Que não foram fixados quaisquer subcritérios, que todos os critérios que presidiram ao Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça foram dados a conhecer aos concorrentes e que apenas se procurou densificar o critério a que alude o n.º 1 do art. 52.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, não tendo daí resultado qualquer critério avaliativo inovador, materialmente constitutivo ou autónomo face àqueles que evolam da lei e do Aviso de Abertura (sendo que a distinção entre o mérito relativo e mérito absoluto deriva daqueles instrumentos).
b) Que o júri se limitou a concretizar os conceitos indeterminados de “reconhecido mérito” e de “reconhecida idoneidade cívica”, sendo compreensível o apelo que aí se efetuou ao paradigma do Juiz Conselheiro pois são essas as funções que o concorrente voluntário que venha a ser graduado e preencha uma vaga vai desempenhar.
c) Que a decisão de exclusão do recorrente da graduação estava prevista no Aviso de Abertura e foi tomada de forma criteriosa, objetivada e transparente.
d) Que a fundamentação empregue, quer pelo júri, quer pelo Plenário permite apreender o percurso empreendido para adotar aquela decisão (não sendo pois, incongruente ou insuficiente) e que a mera discordância não pode ser confundida com insuficiência de fundamentação.
e) Que não esteve subjacente à deliberação impugnada qualquer temor relativamente ao acesso ao STJ de candidatos que não sejam oriundos das magistraturas ou a intenção de reduzir as veleidades de habilitação dos juristas de mérito, não se verificando, pois, qualquer desvio de poder.
f) Que todos os critérios que presidiram ao Concurso Curricular foram antecipadamente dados a conhecer aos candidatos e que é admissível a definição superveniente de parâmetros de valoração pelo júri sem que tal comporte qualquer ofensa ao princípio da estabilidade do concurso, não se mostrando, igualmente, tangido o princípio da imparcialidade por o júri conhecer alguns dos candidatos, já que aquele tinha uma composição mista.
g) Que tanto o júri como o Plenário, ao adoptarem condições densificadoras (o que é legítimo perante a ausência de concretização legal), trataram de forma igual e uniforme os candidatos que se apresentaram ao concurso como juristas de mérito, não possuindo aquelas qualquer cariz arbitrário;
h) Que a interpretação das normas jurídicas convocadas na deliberação e a densificação do conceito de jurista de mérito se compraz perfeitamente com a teleologia do concurso e, em concreto, com o comando constitucional contido no n.º 4 do artigo 215.º da Constituição da República Portuguesa, não padecendo de qualquer inconstitucionalidade a exigência de uma idade mínima para habilitação ao concurso na referida categoria.
Concluiu pela improcedência do recurso.
II. Notificado da resposta, o recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: "A) Não se descortina, nas atas insertas no processo burocrático (cfr. doc. n.º 4), qualquer razão legal para a (sua) "exclusão da graduação" pelo júri, por putativa não reunião "das condições previstas no art. º 51.º, n. º 3, aI. b), do EMJ", para usar da expressão adotada no n. º 18 do aviso n. º 1249/2013; B) O parecer maioritário do júri, de caráter excludente, foi emitido muitos meses depois da "defesa pública dos currículos de todos os concorrentes" (provas públicas) a que se reportam os n.os 15 a 17 do "Aviso" e depois de conhecida a identidade e o perfil dos candidatos;
C) Tal como o processo burocrático/instrutor inequivocamente demonstra, a deliberação ora impugnada (em impugnação unitária final) baseou-se em métodos, critérios e fatores complementares estabelecidos pela entidade recorrida já depois de conhecido o elenco, o perfil e a identidade dos candidatos opositores, mais propriamente depois de decorrido cerca de um ano sobre a data da apresentação das candidaturas! .. ;
D) Estando em causa um concurso curricular, que, por imposição constitucional, se deve fazer com prevalência do critério do mérito (cfr. o art. º 215, n. º 4, da CRP), com base nas vinculações que resultam dos art.os 51.º e 52.º do EMJ, tornava-se imperativo que, antes de conhecidos os currículos concretos dos candidatos, se houvessem indicado todos os factores e subfactores suscetíveis de influenciar a apreciação daquele mérito;
E) Ao assim não haver procedido, e ao fazer acrescer (ex-novo) critérios, fatores e subfatores para a avaliação dos candidatos voluntários a que se reporta a aI. b) do n.º 3 do art.º 51.º do EM] não previstos nas regras pré-enunciadas do concurso e ao divulgá-los apenas em sede de parecer final do júri e de deliberação final, já depois de conhecidos todos os currículos dos candidatos, agiu o Conselho Superior da Magistratura em manifesta violação da lei geral e do direito concursal em especial, violando assim a deliberação impugnada o principio de igualdade de condições e de oportunidades que se materializa na divulgação atempada de todos os métodos e critérios de seleção a utilizar, garantia prática da isenção, da igualdade, da justiça, da transparência e imparcialidade da atuação administrativa, perfilando-se a mesma como frontalmente colidente com o disposto no n. º 2 do art. º 47.º da CRP e do art. º 6.º da CRP, o que tudo integra vício de violação de lei;
F) A deliberação impugnada não contém qualquer juízo apreciativo ou valorativo, maxime qualquer notação qualitativa ou quantitativa (em mérito absoluto ou relativo) da prestação dos diversos concorrentes, mas pelo próprio Conselho qualificadas como "provas públicas" de defesa curricular. E sem dúvida de que a emissão de um tal juízo valorativo autónomo se tornaria da maior relevância para a apreciação da idoneidade dos candidatos, proporcionada pelo contato pessoal e direto, em termos das chamadas impressões subjetivas relacionadas v. g., com a genuinidade vocacional, a sinceridade e verosimilhança do propósito do exercício excIusivista da judicatura, a capacidade inteletiva, lógico-discursiva e expositiva, a serenidade, o bom senso e a circunspeção reflexivas necessárias para o exercício da arte de julgar, a que, sob este prisma, inquina o ato de não graduação do vício de forma por falta de fundamentação (art. º 125.º, n. º 2, do CPA 91);
G) Os motivos determinantes subjacentes à deliberação impugnada centram-se no receio de uma inflação de candidatos de profissões extra-judiciárias (maxime de doutores em direito, mormente de grau etário comparativamente mais baixo relativamente aos juízes de carreira. Como os potenciais candidatos podem atingir (in abstracto) o número de 488, entendeu a deliberação impugnada proceder a uma drástica restrição do alcance do conceito abstrato ou indeterminado de "jurista de mérito" ou de "jurista de reconhecido mérito"), .. ao arrepio da teleologia das normas constitucionais e legais.
H) Vício de desvio do poder esse que se consubstancia - tal como se demonstrou à saciedade, nos artigos 42.º a 45.º supra - na manifesta discrepância entre o "fim legal" e o "fim real" (ou o fim efetivamente prosseguido pelo órgão administrativo) recorrido, sendo que se torna patente que o poder discricionário conferido ao Conselho para apreciar, valorar e graduar o mérito relativo e a idoneidade cívica dos concorrentes emergentes dos curricula individuais e das ''provas públicas" (defesa do curriculum) efetuada pelos concorrentes foi desviado para fins não coincidentes com os fins legais próprios da avaliação concursal; por seu turno, I) A introdução do requisito da acentuada ponderação e capacidade decisórias próprias de um juiz conselheiro, ou da experiência e capacidade e ponderação decisória suficientes para o exercício da função, cuja prova da respetiva existência se tornaria impossível para os candidatos doutores em Direito, em manifesta exorbitância da letra e do espírito das normas constitucionais e legais convocáveis, e ao desenhar o perfil do que deve entender-se por ''jurista de mérito", por referência exclusiva ao perfil de um juiz de carreira (e cerca de uma ano após a abertura do concurso) incorreu a deliberação impugnada em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (errada interpretação e aplicação das normas legais pertinentes); com efeito,
J) Uma tal atuação essa do júri e do Conselho plasmada na deliberação ora impugnada afronta, abertamente os comandos legais (constitucionais e infraconstitucionais) aplicáveis e plasmados nos art.os 215.º, n. º 4, da CRP e 51.º, n. º 3, al. b) e 52.º do EMJ, bem como do próprio "Aviso" de abertura do concurso; violação da lei constitucional e infra-constitucional e do regulamento concursal;
K) o júri reconhece "o mérito" e o "currículo relevante" do ora recorrente, mas, por ausência de "mérito absoluto", afasta-o da "graduação/classificação; porém as sobre ditas disposições legais não consentem tal diferenciação sendo, por tal, manifestamente ilegal e desajustado o critério diferenciador entre "mérito absoluto" e "mérito relativo" que foi adotado pela deliberação recorrida, tal como bem entenderam os sobreditos votos de vencido plasmados na deliberação contenciosamente impugnada;
L) A exigência formulada pelo órgão decisor para a habilitação como juristas de mérito dos doutores em Direito de uma acentuada experiência e capacidade decisórias próprias de um juiz-conselheiro traduz uma verdadeira petitio principii, pois que se esses juristas se candidatam ao cargo de juiz-conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça para iniciar as funções de julgador, não podem ainda possuir "qualquer acentuada experiência e capacidade decisórias próprias de um juiz-conselheiro". … A incongruência fundamentadora e a ilegalidade por violação de lei do fundamento invocado são por demais evidentes!;
M) Não exige também a lei, para a catalogação /qualificação como ''jurista de mérito", a exigência do requisito da posse do grau/categoria de professor catedrático ou de professor associado, sendo pois inconstitucional (art. º 13.º da CRP) e ilegal a exigência de uma idade mínima para habilitação ao concurso como jurista de mérito, sendo que nos próprios termos do n.º 19 do"Aviso", a antiguidade é o último dos fatores relevantes, só servindo como fator de desempate; a consideração de tal requisito/fator como decisiva enferma também de evidente violação da lei;
N) A lei não discrimina nem distingue entre juristas oriundos das áreas do direito público das áreas do direito privado para efeitos de graduação em concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de competência genérica no âmbito da jurisdição ordinária (comum) e não um tribunal especial ou de competência especializada; daí que a capitis deminutio adrede invocada a esse título contra o ora impugnante viola frontalmente o princípio da igualdade contemplado no art. º 13. º da CRP, o que torna o ato anulável por vício de violação de lei:
O) A consideração pela deliberação impugnada do conceito indeterminado, ainda que não densificado, da "capacidade ou ponderação decisória suficiente para o exercício da função", para além de exorbitante dos comandos normativos e regulamentares supracitados, é totalmente desajustada às candidaturas como "jurista de mérito", não podendo servir como fator de exclusão da graduação, representando a sua consideração um outro vício de violação de lei:
P) O perfil de "jurista de mérito" traçado pelo Conselho ora recorrido é totalmente inadequado à pretendida (desde logo pela Lei Fundamental e também pelo EMJ) abertura» do Supremo Tribunal de Justiça a um recrutamento e uma composição «plurais»
Q) A insindicabilidade em princípio aplicável aos atos de avaliação curricular dos candidatos a um concurso porque inseridos na margem de livre apreciação ou prerrogativa de avaliação dos júris (também apelidada de discricionariedade técnica) não se estende à chamada legalidade externa do ato, ou seja, aos "aspetos vinculados ou a erro, manifesto, grosseiro ou com adoção de critérios ostensivamente desajustados";
R) O ora impugnante/recorrente tinha (e tem), pois, o direito a ser graduado no lugar que lhe competia, sempre com respeito pelo alvedrio do Conselho quanto à posição a ocupar na respetiva lista de graduação segundo o critério do mérito relativo;
S) E, na sequência de tal graduação, o direito a ocupar (necessariamente) uma das cinco vagas das eventualmente subsequentes quotas de preenchimento a que se reporta al. c) do n. º 6 do art. º 52.º do EMJ.
Vícios imputados ao ato administrativo impugnado: - vício de forma por insuficiência e incongruência de fundamentação; - vício de desvio do poder; - vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (errada interpretação e/ou aplicação) das normas constitucionais, legais e regulamentares convocáveis.
Termos em que, ao abrigo do disposto nos art.s 46.º, n. º 2, aI. a) e 47.º, n. º 2 aI. a) do CPTA, aplicáveis ex vi do art.º 178.º do EMJ, se conclui como na petição inicial, a saber: - deve a deliberação impugnada ser anulada com base nos vícios de forma por insuficiência e incongruência de fundamentação, de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, de desvio do poder e de ofensa aos princípios fundamentais da atuação administrativa nos termos sobreditos; - deve o órgão recorrido (Conselho Superior da Magistratura) ser condenado na prática do ato legalmente devido, ou seja, do ato de inclusão do ora autor impugnante na lista de graduação, no lugar que lhe competir segundo o juízo de mérito a emitir por esse órgão. (…)”.
III. Também o Conselho Superior da Magistratura apresentou alegações em que concluiu: “Por tudo o exposto e sem prejuízo da Superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, em sede das presentes alegações conclui-se como na resposta oportunamente apresentada devendo, a final, ser julgado improcedente o presente recurso contencioso”.
O Ministério Público lavrou douto parecer em que também concluiu pela improcedência do recurso.
Não se vislumbram questões que inviabilizem o conhecimento do mérito do recurso, pelo que cumpre, agora, apreciar e decidir.
C - APRECIAÇÃO
I - QUESTÕES SUSCITADAS
De acordo com o disposto no art. 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e no art. 192.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o recurso das deliberações do CSM (que se devem ter como atos formalmente administrativos), para o STJ, é, em particular, regulado pelas normas dos art.s 150.º e 151.º do CPTA, que disciplinam o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) e, supletivamente, pelo disposto no Código de Processo Civil (CPC) à luz do art. 140.º do CPTA. É por isso que, na esteira da jurisprudência firme e pacífica da Secção de Contencioso deste Tribunal[1], são as alegações do recorrente que delimitam o objeto do recurso (n.º 2 do art. 144.º e n.º 4 do art. 146.º, ambos do CPTA e n.º 3 do art. 635.º e n.ºs 1 e 4 do art. 639.º, ambos do CPC). Assim e reapreciando as alegações produzidas pelo recorrente nos presentes autos, a questão a decidir é, em última instância, a de determinar se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura parcialmente transcrita no ponto IV do elenco factual deve ser invalidada por padecer dos vícios que o recorrente lhe imputa. Importa, por isso, decidir se a mesma deliberação:
II – ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Uma primeira aproximação ao caso em apreço remete-nos para o disposto no n.º 1 do art. 50.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), no qual se prevê que “Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos.”. Tal disposição, aplicável ao ingresso em cargos correspondentes à titularidade de órgãos de soberania do Estado (entre os quais se conta o cargo de juiz[2]), constitui uma decorrência do princípio da igualdade (n.º 2 do art. 13.º da CRP) que postula a proibição de qualquer privilégio ou discriminação nesse acesso, o que não implica, obviamente, que o mesmo tenha lugar sem restrições aos cargos que estiverem em causa[3]. Assim, não pode deixar de ser constitucionalmente admissível o estabelecimento de requisitos estatutários de acesso, desde que se revelem ajustados e indispensáveis ao preenchimento de determinado cargo[4].
Tendo presente este enquadramento constitucional, vejamos, em termos muitos breves, o modo como, em concreto, se processa o preenchimento do cargo de Juiz Conselheiro. Como deriva do n.º 4 do artigo 215.º da CRP e se encontra expresso na epígrafe e no texto do art. 50.º do EMJ, o acesso ao STJ efetiva-se mediante concurso público de natureza curricular, ao qual podem ser oponentes juízes desembargadores que se encontrem no quarto superior da lista de antiguidade e não hajam renunciado ao acesso a este Alto Tribunal (que a lei designa como concorrentes necessários - cfr. n.º 2 do art. 51.º do EMJ-), procuradores-gerais adjuntos e juristas de reconhecido mérito e idoneidade cívica (sendo estes últimos concorrentes identificados como concorrentes voluntários - n.º 3 do mesmo preceito-). A graduação dos oponentes a esse concurso é efetuada mediante o mérito relativo dos concorrentes de cada classe (n.º 1 do art. 52.º do mesmo diploma). Nessa avaliação curricular serão necessariamente tidos em conta as anteriores classificações de serviço, a graduação obtida em concursos de habilitação ou cursos de ingresso em cargos judiciais, o currículo universitário e pós-universitário, trabalhos científicos realizados, a atividade desenvolvida no âmbito forense e no ensino jurídico, bem como outros fatores que abonem a idoneidade dos requerentes para o desempenho do cargo de Juiz Conselheiro do STJ (alíneas a) a f) do n.º 1 do art. 52º do EMJ). Os concorrentes defendem publicamente os seus currículos perante um júri que, a final, emitirá parecer sobre a prestação de cada um dos candidatos, sendo a mesma tomada em consideração pelo CSM na elaboração do acórdão definitivo sobre a lista de candidatos (n.os 2 e 3 do art. 52.º do EMJ). Como resulta deste último preceito e da conjugação do disposto na alínea a) do art. 149.º com a previsão da al. a) do art. 151.º - ambos do EMJ -, cabe ao Plenário do recorrido apreciar o mérito relativo dos concorrentes necessários e voluntários e proceder, em conformidade, à sua graduação. Como o recrutamento de juízes conselheiros é efetuado mediante concurso público, não se têm suscitado, nesta Secção do STJ, quaisquer dúvidas quanto à aplicabilidade dos princípios gerais da igualdade, da justiça, da transparência e da imparcialidade, i.e. dos princípios gerais que devem nortear a atividade administrativa (cf. n.º 2 do art. 266.º da CRP)[5], tanto mais que o CSM - por definição, o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial (art. 136.º do EMJ) - está integrado na administração judiciária (n.º 1 do art. 217.º da CRP). Por sua vez, é de notar que a instituição do concurso como único modo de ingresso no STJ inculca a ideia de que os concorrentes têm “(…) direito a um procedimento justo de recrutamento, vinculado a princípios constitucionais e legais (…)”[6]. Acrescente-se ainda que a discricionariedade técnica (a formulação, baseada numa apreciação livre, de juízos exclusivamente baseados na experiência e nos conhecimentos científicos e/ou técnicos do júri), de que o recorrido goza neste âmbito tem de ser coadunada com os princípios estruturantes do Estado de Direito, o que conduz à controlabilidade dos seus atos, mormente no que toca à qualificação jurídica dos factos ou na eventualidade de ocorrência de erro manifesto de apreciação ou da adoção de critérios ostensivamente desajustados[7].
Vejamos, então, como se densificam os apontados princípios. O princípio da igualdade (n.º 2 do art. 13.º da CRP) é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito democrático e do sistema constitucional global, o qual vincula diretamente os poderes públicos por se constituir como direito fundamental dos cidadãos e por ser diretamente aplicável (n.º 2 do art. 18.º da Lei Fundamental). Tal princípio impõe que se dê um tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e que se tratem desigualmente as situações de facto que sejam desiguais, proibindo, evidentemente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Reclama então que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam/devam estabelecer diferenciações de tratamento, razoável, racional e objetivamente fundadas. Quando tal não suceda, esse legislador incorrerá em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objetivamente justificadas por demais valores constitucionalmente relevantes. Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador, sem que se lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas perfiladas face a um determinado referencial. A diferença pode, na verdade, justificar bem o tratamento desigual, não se podendo falar de arbítrio. O princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei, implicando, no mesmo passo, a aplicação igual de direito igual, o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da “diferença” de modo a que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação. O n.º 2 do art. 13.º da CRP enumera uma série de fatores que atuam como uma presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do princípio da igualdade, mas que são enunciados a título meramente exemplificativo. A intenção discriminatória não opera, porém, automaticamente, tornando-se necessário integrar a aferição jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade[8]. No contexto que nos ocupa - a vinculação da Administração (cf. a segunda parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP e n.º 1 do art. 5.º do Código do Procedimento Administrativo[9] - CPA), o princípio da igualdade mantém a fisionomia que vimos de traçar, impondo à Administração a adoção de igual tratamento perante as pessoas que consigo lidam e que se encontrem nas mesmas condições e vedando tratamentos preferenciais[10]. Mais obriga a que, na concretização de poderes discricionários, adote consistentemente, relativamente a todos os particulares que se encontrem em situação paralela, os mesmos critérios, medidas e condições[11]. No domínio concursal, a garantia da igualdade de oportunidades entre os concorrentes passa, além do mais, pela exigência de que tudo interessar à seleção, classificação e graduação dos concorrentes esteja definido e publicitado em momento anterior ao conhecimento da identidade dos concorrentes, ou, pelo menos, em momento anterior àquele em que o júri tenha possibilidade de acesso aos currículos, ou, quando muito, em momento anterior ao da classificação e graduação[12]. Para apurarmos se a Administração se socorreu de uma medida que deva ser considerada discriminatória, há que averiguar a sua finalidade, determinar se existem categorias que, para a concretizar, sejam objeto de tratamento similar ou diferenciado e questionar se, à luz dos valores prevalentes da ordem jurídica, é ajuizado proceder naqueles termos[13].
O princípio da imparcialidade (segunda parte do n.º 2 do art. 266.º da CRP e art. 6.º do CPA) tem uma índole procedimental, dele decorrendo, para a Administração, a imposição de um tratamento isento e equidistante relativamente a todos os particulares que consigo interagem no âmbito do procedimento, impedindo-a de os favorecer ou de os desfavorecer por razões estranhas à sua função. O princípio em apreço é, para efeitos analíticos, usualmente desdobrado no plano das garantias do procedimento (incompatibilidades, impedimentos e suspeições – art.s 44.º e ss. do CPA) e no plano das garantias da própria decisão. Neste último plano, preconiza-se que a Administração pondere exaustivamente todos os interesses juridicamente tutelados que se acham em presença no caso (sendo que a ausência dessa ponderação evidencia um processo decisório aleatório e, por isso, desconforme ao princípio da imparcialidade) e que empregue critérios com valia objetiva[14].
O princípio da transparência é uma decorrência do princípio da imparcialidade e tem, como manifestação mais visível, a exigência de fundamentação dos atos administrativos (n.º 3 do art. 268.º da CRP)[15]. No domínio dos concursos públicos, esse princípio traduz-se no direito à informação, no direito de audiência prévia[16] e na exigência da publicidade de determinados atos[17]. A transparência administrativa garante, por um lado, que não exista um segredo administrativo que isole a Administração e a impeça de comunicar, assegurando, por outro lado, a confiança dos cidadãos na prossecução imparcial do interesse público[18].
Por sua vez, o princípio da justiça postula que a Administração prossiga a sua atividade com respeito por valores constitucionalmente consagrados (vg. a dignidade da pessoa humana – art. 1.º da CRP –, os direitos fundamentais em geral ou o princípio da igualdade) Decorrentemente, o respeito desses critérios materiais permitirá que a Administração alcance uma solução justa (tendo-se, por isso, como residual face a outros princípios que lhe subjazem – como o princípio da proporcionalidade - ou que são entendidos como sendo o seu corolário – como o princípio da proibição do arbítrio -) e, por outro, conduz à conclusão de que, neste conspecto, não releva a conceção subjetiva de justiça que a Administração possua[19].
Adquiridos os contornos basilares destes princípios importa ainda, para enfrentar os restantes aspetos em que se desdobra a questão solvenda, traçar, brevemente, os contornos dos vícios de falta de fundamentação, de desvio de poder e de erro sobre os pressupostos de direito.
Comecemos pelo vício de falta de fundamentação. O dever de fundamentação dos atos administrativos tem consagração na segunda parte do n.º 2 do art. 268.º da Lei Fundamental e no art. 124.º do CPA. A fundamentação consiste essencialmente na expressão dos motivos que encaminharam a decisão para um determinado sentido e na exposição dos pressupostos de facto e de direito que conduziram ao pronunciamento. Como emerge do n.º 2 do art. 125.º do CPA, a fundamentação deve primordialmente ser expressa, sucinta, suficiente, clara e coerente[20]. Em síntese, os “(…) actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas/lógicas de premissas correctamente desenvolvidas, de molde a permitir aos respectivos destinatários, tomando por referência o destinatário concreto, pressuposto (pela ordem jurídica) ser cidadão diligente e cumpridor da lei – e, através da respectiva fundamentação expressa – a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade emitente ao decidir como decidiu (…)”[21]. É consabido que a fundamentação visa a submissão dos órgãos da Administração e seus agentes “(…) em toda a sua actuação, a regras de direito e ao respeito dos direitos fundamentais do cidadão, motivando as respectivas decisões, de forma a que, por um lado, o destinatário delas perceba as razões que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objectivos e racionais, proscrevendo a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, se possibilite o controle da decisão pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso para eles interposto (…)”[22], sendo um dos vetores pelos quais melhor se revela a transparência e a correção da atividade administrativa[23]. Desse modo, são tidos como vícios do ato a falta de fundamentação e, por outro lado, a insuficiência, a obscuridade ou a incongruência da fundamentação empregue que sejam manifestas (cf. n.º 2 do art. 125.º do CPA). Por insuficiente, deve-se entender a fundamentação não permite alcançar a justificação da decisão na sua globalidade[24]. A incongruência ou contradição detetar-se-á na fundamentação em que sejam empregues razões de facto e de direito que se desdigam entre si ou que contrariem a conclusão adotada[25].
Por sua vez, o vício de desvio de poder é definível como o exercício de um poder discricionário[26] com um fim (dito real, seja ele de índole privada ou de índole pública) que é distinto daquele (o fim legal) para o qual a lei o concedeu à Administração[27]. Para que proceda a sua arguição, importa apurar o fim legal, averiguar o motivo fundamental da prática do ato pretensamente viciado e determinar se este não é coincidente com aqueloutro.
O erro nos pressupostos de direito reconduz-se à errónea interpretação ou aplicação de regras de direito (mormente, por falta de coincidência dos pressupostos de facto apurados com aqueles de que de depende a aplicação de determinado preceito).[28]
Resta, por fim, ver a consequência da comprovação das pretensões da recorrente. O art. 135.º do CPA prevê que são “(….) anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”. Por isso, com propriedade, pode-se afirmar que a violação de lei se deteta “na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis”[29], constituindo, por outras palavras, “(…) o vício de que enferma o acto administrativo, cujo objecto, incluindo os respectivos pressupostos, contrarie as normas jurídicas com as quais se devia conformar (…)”[30]. A anulabilidade é tida como sendo a melhor solução num sistema de Administração Executiva, pois permite a eficácia provisória do ato e impõe ao interessado o ónus de acionar as garantias de que dispõe para se prevalecer da invalidade[31].
III – AVALIAÇÃO DAS PRETENSÕES DO RECORRENTE Antes de ingressar na apreciação das alegações em epígrafe, impõe-se constatar o seguinte. O parecer do júri do XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça - que precedeu a deliberação recorrida e que se acha parcialmente transcrito ponto n.º III do elenco supra – considerou que o recorrente não poderia ser excluído daquele (pois já havia sido admitido) mas não deveria ser classificado no âmbito do mesmo por não se enquadrar no conceito de jurista de mérito. Contudo, conforme transparece da deliberação recorrida (parcialmente transcrita ponto n.º IV supra), a decisão de excluir o recorrente da graduação fundou-se na apreciação individual efetuada por cada um dos votantes acerca do mérito absoluto de cada um dos concorrentes voluntários com base nas considerações que precederam a votação e constitui o somatório dessas valorações. Verifica-se, assim, que o teor do parecer do júri e a fundamentação empregue na deliberação recorrida não são integralmente sobreponíveis entre si e são até, em certa medida, dissonantes. Temos, pois, que o recorrido enveredou por uma fundamentação própria (o que é facultado pelo n.º 3 do art. 52.º do EMJ) para excluir o recorrente da graduação, a qual assentou na aferição que efetuou acerca do seu mérito absoluto. Esta importante constatação – que, aparentemente, não foi tida na devida conta pelo recorrente – tem uma implicação relevante. Vejamos. Cotejando o teor daquele parecer com o que se inscreveu nas conclusões recursivas M) e N), nota-se que a censura aí contida se dirige, unicamente, às razões pelas quais o júri entendeu que, valorado o percurso profissional e o currículo do impetrante, não se poderia considerar que este deveria ser considerado como enquadrado no aludido conceito. Sucede que essas razões não encontraram eco na fundamentação da deliberação recorrida nem nas considerações que a antecederam. Dessa sorte, é forçoso considerar que tais conclusões não versam sobre o objeto imediato do presente recurso, que, como é sabido e à semelhança do que sucede em qualquer outra impugnação contenciosa de atos do CSM, se cinge às deliberações do Plenário daquele órgão (cfr. n.º 1 do art. 168.º do EMJ). Daí que, estando aquelas conclusões à margem do objeto do recurso, nos abstenhamos de tomar posição sobre o seu conteúdo.
No que se refere às restantes conclusões acima epigrafadas, delas se extrai, em resumo, a invocação de que o recorrido, após ter conhecimento da identidade e perfil de todos os concorrentes ao XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, estabeleceu inovadoramente (face ao conteúdo da sua regulamentação) critérios e fatores complementares sem os comunicar atempadamente aos interessados. Apreciemos. A CRP, na sua versão originária, não continha qualquer disposição que versasse sobre o modo de recrutamento de juízes para o STJ[32], tendo sido através do anterior EMJ (Lei n.º 85/77, de 3 de Dezembro) que o legislador ordinário previu que, além de juízes das Relações e magistrados do MP, também podiam ser nomeados como juízes do STJ “(…) professores universitários de Direito ou advogados (…)” (n.º 1 do art. 49.º daquele diploma). Por isso se estabeleceu que o provimento neste cargo público se faria, quanto a estes candidatos, “(…) por escolha de entre professores universitários de Direito ou advogados de mérito eminente, com, pelo menos, vinte e cinco anos de actividade profissional e idade não superior a 60 anos, que se hajam candidatado (…)” (cfr. al. c) do n.º 2 do mesmo artigo). Ulteriormente, o acesso de juristas de mérito ao STJ veio a ser consagrado no n.º 4 do artigo 220.º da CRP, o qual corresponde ao atual n.º 4 do seu art. 215.º. A elaboração da Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro estribou-se, quanto a este aspeto, na fusão entre os projetos de lei constitucional n.º 4/II (da autoria de deputados do PS, da ASDI e da UEDS) e n.º 5/II (da autoria de deputados do MDP/CDE)[33] [34], tendo-se alargado, ligeiramente, a abertura propiciada por aquele EMJ[35]. Tal preceito preconiza, ademais, que o acesso ao STJ não se restrinja aos juízes de carreira (não se define, ao contrário das Relações, como um “tribunal de carreira”[36]) e que, concomitantemente, se franqueiem as portas ao ingresso de “juristas de mérito” para desempenharem as funções de Juiz Conselheiro. É, pois, possível discernir neste preceito um “(…) princípio de pluralização de fontes de recrutamento (…)” de juízes para o STJ[37], por pressentir (ou, se quisermos, se presumir) que esse modo de recrutamento se revelará enriquecedor para a actividade judicativa da mais alta instância judicial portuguesa[38]. Nesse seguimento e em obediência ao comando contido na parte final do mencionado preceito constitucional, o legislador do atual EMJ estabeleceu os moldes em que se processaria o ingresso de procuradores- gerais adjuntos e de juristas de mérito (art. 50.º), indicando, no mesmo passo, alguns vetores que ajudam a precisar os contornos deste conceito. Como já acima se deu breve nota, exige-se que o mérito dos candidatos ao ingresso, por essa via, no mais alto patamar da orgânica judicial portuguesa, haja sido reconhecido, que os mesmos possuam idoneidade cívica e que tenham, pelo menos, vinte anos de atividade profissional, exclusiva ou sucessivamente, na carreira docente universitária ou na advocacia (cf. al. b) do n.º 2 do art. 51.º daquele diploma). Pese embora a valia das achegas vindas de citar, dir-se-á que é insofismável que os conceitos legais de “juristas de mérito”, de “jurista de reconhecido mérito” ou de “idoneidade cívica” devem ser considerados algo vagos e indeterminados[39]. Por isso, é inevitável a conclusão de que a Administração dispõe de uma margem de conformação e modelação para lograr o preenchimento dos conceitos supra enunciados, o que, aliás, o recorrente não disputa nem contesta, pois cinge a censura ao conteúdo dessa conformação (v. o que se inscreveu na conclusão G)). Antes de avançar na resolução, façamos um pequeno parêntesis para deixar consignado que a jurisprudência e doutrina administrativistas têm confluído no entendimento de que a concretização prática de conceitos indeterminados não é equiparável ao uso de poderes discricionários nem se queda arredada da sindicância jurisdicional, não se cingindo esta, por sua vez, aos aspetos vinculados do ato e abarcando também vícios como o desvio de poder ou o erro sobre os pressupostos de facto[40]. Regressando ao caso vertente, verificamos, se bem atentarmos na deliberação impugnada – que, recorde-se, não se alicerçou no parecer do júri e dele divergiu –, que o recorrido formulou, primeiramente, “critérios e índices de fundamentação” [41], sendo fundamentalmente a estes vetores que se dirige a censura do recorrente no segmento que temos vindo a apreciar. Estes “critérios e índices de fundamentação” resumem-se, em substância, à parametrização do conceito de mérito reconhecido[42] e à recondução do mérito pressuposto pela lei ao arquétipo de um Juiz Conselheiro[43], o que adquire consistência prática com a afirmação de que o jurista de mérito que seja oponente a um Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça deve revelar outras valências e qualidades (mormente, a capacidade decisória em tempo útil e razoável, amiúde referida pelo recorrente, mas também a ideia de dedicação a uma carreira académica homogénea, contínua e exclusiva). Seguidamente e fundando-se nessas considerações, a deliberação recorrida tomou posição sobre a admissão à graduação do recorrente (e dos demais concorrentes voluntários que se apresentaram ao XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça como juristas de mérito), tendo ponderado e decidido que o mesmo não detinha o mérito absoluto requerido para o efeito. Por outras palavras, o recorrido limitou-se, em suma, a densificar o conceito de “jurista de reconhecido mérito” e, subsequentemente, a decidir que o recorrente não reunia as condições que teve como integrantes dessa qualidade. Perante esta leitura, alcança-se, inelutavelmente, a conclusão de que a deliberação recorrida não estipulou, inopinada e intempestivamente, quaisquer critérios adicionais ou complementares. Na verdade, face ao que consta das normas constitucionais ou estatutárias vindas de citar - ou, ainda, do Aviso de Abertura parcialmente reproduzido em I. -, carece de substrato fáctico atendível a invocação de que, no ato administrativo impugnado, se instituíram inovadoramente critérios[44] materialmente constitutivos do direito à admissão à graduação no Concurso a que vimos aludindo. Com efeito, os únicos elementos “constitutivos” atendíveis são, quanto a esta categoria de concorrentes voluntários, aqueles que resultam diretamente da lei, i.e. o mérito reconhecido e a idoneidade cívica, sendo que as indicações vertidas na deliberação recorrida se reconduzem à mera concretização do primeiro. São, em suma, aproximações materializantes desse conceito e não uma inovação posteriormente estabelecida para além daquele ou em aditamento ao mesmo [45]. Daí que se nos afigure ser de meridiana clareza a consideração de que a tarefa densificadora, levada a cabo pelo recorrido, se situa nos limites definidos pela lei [46], encontrando-se numa relação jurídico-funcional com o enunciado desta. Assim sendo, não se divisa em que medida a concretização efetuada pela deliberação recorrida comporte uma intolerável discriminação entre os oponentes ao concurso, resulte de um tratamento comprometido com um ou alguns deles (resulta, aliás da deliberação recorrida que o recorrente não foi o único candidato excluído da graduação por idênticos motivos), seja obscura ou contenda com valores imanentes tutelados pela CRP, ou, por outras palavras, implique que se tenham por violados os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da transparência ou da justiça. Por sua vez, não sendo concebível que essa concretização possa ser reconduzida à fixação inovadora de um método ou de um critério de seleção, não se antevê como se possa ter como tangido o princípio da divulgação antecipada de elementos desses conceitos. Sendo, por seu turno, consabida a distinção entre ingresso na função pública[47] e o acesso a cargos públicos, mal se percebe que se considere que se mostra violada a norma contida no n.º 2 do art. 47.º da CRP, já que a mesma não tem, manifestamente, aplicabilidade ao concurso de acesso a um cargo como o de Juiz Conselheiro. Em todo o caso e reportando a arguição em causa àquela que seria a sua sede própria – a previsão do n.º 1 do art. 50.º da Lei Fundamental –, dir-se-á que, pelos motivos já expostos, não se mostra tangido o princípio do acesso em igualdade aí previsto, não se vislumbrando, outrossim, que se tenha condicionado o acesso a esse cargo em moldes que contendam com o princípio da proporcionalidade. Neste conspecto, dir-se-á ainda que não se enxerga em que medida o entendimento e decisão vertidos na deliberação recorrida contendem os princípios ínsitos no art. 6.º da Constituição (a que, despropositadamente, o recorrente faz apelo na sua minuta recursiva) nem, de resto, o recorrente se afadiga em sustentar ex adverso. Em jeito de conclusão, dir-se-á que é admissível que o recorrente discorde da concretização efetuada e da subsequente decisão. É também entendível que aquele, em função do seu percurso académico (revelado no parecer do júri), preferisse que essa materialização privilegiasse o mérito que terá evidenciado na atividade docente. Porém, jamais tal discordância poderia ser arvorada como fundamento da anulação da deliberação recorrida, já que, como resulta do que acima se expôs, extrapola o âmbito da respetiva sindicabilidade por esta instância.
Debrucemo-nos, enfim, sobre a alegação de que a concretização a que se procedeu na deliberação recorrida foi estabelecida após o recorrido conhecer a identidade e perfil dos candidatos que se apresentaram ao Concurso. Desde logo, importa considerar que a deliberação recorrida não se fundou no parecer do júri, o que torna irrelevante o que a este respeito se inscreveu na conclusão B), que se reporta ao parecer do juri. Porém, observa-se o seguinte. É certo que os princípios da igualdade, da imparcialidade e da justiça se poderiam considerar intoleravelmente tangidos “(…) se, porventura, fosse oferecida aos júris dos concursos a possibilidade de modelar os referidos critérios de avaliação e selecção (…) pelos dados pessoais dos concorrentes em ordem a favorecer ou a prejudicar algum ou alguns deles.”[48]. Dir-se-á, no entanto, que, por força da remissão antes aludida (art. 178.º do EMJ), esta Secção do STJ está sujeita às mesmas regras processuais que norteiam a apreciação de recursos por parte do STA. Por isso, em virtude dos n.os 3 e 4 do art. 150.º do CPTA, cabe-lhe apenas e à semelhança do que sucede no domínio do processo civil, aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos fixados na instância recorrida. Ora, perante as limitações vindas de enunciar, impunha-se que o facto que sustenta a invocação em análise resultasse da factualidade considerada na deliberação. Não é, porém, isso que sucede. Poder-se-ia, por isso e desde já, concluir pela improcedência dessa alegação. Atento, contudo, o relevo que esta invocação assume na economia das alegações do recorrente, sempre se acrescentará o seguinte. É certo que mediou cerca de um ano entre a publicação do Aviso de Abertura e a data em que foi adotada a deliberação impugnada. Todavia, ao contrário do que perpassa das alegações em apreço, não se descortina, na deliberação impugnada, qualquer indício de que a densificação do conceito legal de jurista de reconhecido mérito a que aí se procedeu haja sido impregnada ou ditada pelo maior ou menor conhecimento dos currículos dos concorrentes voluntários não oriundos da magistratura do MP ou pelo teor daqueles, tanto mais que, como dela resulta, a apreciação daqueles elementos ocorreu em momento posterior à parametrização aí efetuada. A tudo isto acresce que, como vimos, não estamos perante a instituição ex novo de critérios avaliativos, mas apenas em face da mera concretização de um conceito legal, o que arreda a hipótese de aqueles mesmos princípios (e, bem assim, do princípio da transparência ou do princípio da estabilidade das regras concursais) se poderem ter por violados em face de uma factualidade como aquela que é possível concitar[49]. Não podem, assim, ser acolhidas as conclusões B) a E) vindas de analisar.
Conclusões G) e H) Nas conclusões em epígrafe, o recorrente sustenta que a deliberação que se quer ver anulada se encontra viciada por desvio de poder na medida em que os motivos que a determinaram não coincidem com os fins legais que presidiram à concessão do poder discricionário. Esses motivos, segundo o recorrente, seriam o receio de uma “invasão” de concorrentes voluntários oriundos do ensino universitário, o que teria motivado a interpretação restritiva do conceito de jurista de mérito[50]. Vejamos. Como já se salientou, a concretização prática de conceitos legais vagos e indeterminados não se confunde com a outorga à Administração de poderes discricionários. Na verdade, esse preenchimento assenta primeiramente numa vinculação que é mitigada pela possibilidade de preenchimento[51]. Ora, cingindo-se, como vimos, o desvio de poder aos atos administrativos praticados ao abrigo de um poder discricionário, desde logo se poderia concluir pela inexistência desse vício. Mas ainda que assim não se entenda, pondere-se o seguinte. À míngua de outros elementos factuais que se possam ter por relevantes para a apreciação desta questão, impõe-se que atentemos na deliberação recorrida a fim de nela detetar os sintomas do vício que, neste passo, lhe é imputado. E, desde logo, procedendo à determinação do sentido e alcance daquela deliberação. Na interpretação de qualquer ato administrativo, deve ter-se em conta, além do mais, o texto da decisão e os respetivos fundamentos, o tipo legal de ato, as leis aplicáveis e o interesse público a prosseguir, bem como os direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares que hajam de ser respeitados e de quaisquer circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores à sua elaboração [52]. Significa isto que a determinação da vontade real do órgão administrativo não se pode reconstruir a partir, apenas, de um trecho do respetivo texto. Convém ter presentes outros elementos e contributos que são tão ou mais importantes do que esse. Regressando ao caso vertente, temos que o texto da deliberação recorrida é composto por dois segmentos, sendo, como vimos, o primeiro dedicado à densificação do conceito de jurista de mérito. Essa é, em síntese, a linha matricial do discurso fundamentador daquele ato administrativo. Há, de resto, a notar que o enunciado textual destacado pelo recorrente figura num segmento e num contexto em que se pretende expressar a noção de que o mérito revelado na obtenção de graus académicos não constitui, por si só, condição bastante para o desempenho das funções de Juiz Conselheiro neste Tribunal. Procedendo a uma valoração ponderada da globalidade do texto da deliberação recorrida, alcança-se a conclusão de que aquele trecho mais não é do que um argumento concitado pelo recorrido e não a expressão do desiderato que o recorrente entende que por ele foi preconizado e efetivamente querido. Dito de outra forma, a interpretação do ato impugnado inviabiliza que se considere que esse arrazoado é elucidativo quanto ao fim real visado pelo recorrido. Seria, aliás, pouco plausível que, num contexto como aquele que o recorrente delineia, o recorrido expressasse, de forma aparentemente tão inequívoca, o fito real que visava. E, em todo o caso, a circunstância de terem sido admitidos à graduação e graduados dois candidatos que se apresentaram ao XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça como juristas de mérito – facto que o recorrente não desconhecerá mas que convenientemente olvida nas suas alegações recursivas – revela que o CSM, ao proceder à sobredita densificação, não quis vedar o ingresso a este Tribunal aos juristas de mérito. Daí que devamos considerar que a interpretação correta da deliberação recorrida não favorece a posição do recorrente. Por seu turno, já tivemos ocasião de expor a teleologia que presidiu à imposição constitucional constante da parte final do n.º 4 do art. 215.º da CRP. Podemos agora acrescentar que, nesse preceito, não se preconiza o acesso irrestrito de juristas de mérito ao STJ, circunscrevendo-se esse ingresso aos termos que a lei determinar. Vimos também já que a tarefa concretizadora encetada pelo recorrido era demandada pela própria natureza vaga desse conceito. Conjugando estes subsídios normativos com aquele que foi o propósito claramente expresso no primeiro segmento da deliberação recorrida – a densificação do conceito de jurista de reconhecido mérito com vista a selecionar os concorrentes voluntários que, sendo portadores de méritos reconhecidos e de idoneidade cívica, reúnem também aquelas que são as valias, aptidões e qualidades que o ente recorrido considerou ínsitas e inerentes ao arquétipo de Juiz Conselheiro do STJ –, não se divisa em que medida a densificação preconizada pelo CSM na deliberação recorrida se afastou, seja em que medida for, dos pertinentes comandos constitucionais e legais. Assim, relembrando a noção de desvio de poder de que supra demos nota, também por este motivo se poderia considerar fica indemonstrada a existência de um fim real que se desvie do fim legal subjacente. Ainda assim e a este propósito, diremos que, neste domínio, o poder discricionário do CSM não se circunscreve a apreciar, valorar e graduar o mérito relativo dos concorrentes necessários e dos concorrentes voluntários. Na verdade, o n.º 1 do art. 52.º do EMJ apenas assinala que o mérito relativo é o fator que deve orientar essa tarefa gradativa[53]. Mas, como parece claro, a determinação do mérito relativo dos concorrentes necessários e dos concorrentes voluntários deve ser precedida pela avaliação do mérito absoluto, o que, no que respeita aos candidatos não oriundos das magistraturas, passa pela indagação – tarefa que, naturalmente e por inerência, se deve também considerar cometida ao CSM – acerca da titularidade dos predicados legalmente exigidos pelo EMJ para a sua admissão ao concurso. Nesse seguimento, dir-se-á que a introdução de uma distinção entre mérito absoluto e mérito absoluto não é artificiosa e o seu uso na deliberação recorrida não indicia qualquer desrespeito pelo fim visado pela lei, sendo, aliás, aquela destrinça sobejamente empregue em procedimentos concursais relacionados com o exercício de funções públicas[54] [55]. É, aliás, essa distinção que sustenta a possibilidade de exclusão da graduação a que alude o ponto n.º 19 do Aviso de Abertura parcialmente reproduzido em I (que, como se sabe, constitui a autorregulamentação[56] estabelecida pelo recorrido para o XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e que não se divisa que tenha sido impugnada pelo recorrente), a qual tem em vista a eventualidade de existirem candidatos que se apresentem como concorrentes voluntários mas “(…) que não reúnam as condições previstas no n.º 3 do art. 51.º do EMJ (…)”. Trata-se, afinal, da solução regulamentarmente prevista para a hipótese de existirem candidatos que não possuam o mérito absoluto que é pressuposto para a admissão à graduação. Daí que a sobredita distinção não deva ser tida como um indício da desconformidade suposta pelo vício que vimos abordando. A este respeito, acrescenta-se ainda que, como acima se julgou, não se introduziu inovadoramente qualquer requisito, pelo que jamais poderia a invocada impossibilidade de demonstração possuir a virtualidade indiciadora invocada pelo recorrente. E, em todo o caso, é patente que qualidades, aptidões e valências como “(…) a capacidade de decisão em elevado grau, na ponderação adequada entre os factos concretos, as construções metodológicas, os conhecimentos jurídicos de nível superior e o saber de experiência feito que permite a construção equilibrada de decisões ou a ponderação decisória (…)” são, pela sua natureza, indemonstráveis, sendo certo que, tratando-se de um concurso curricular, dificilmente se poderiam considerar admissíveis “provas” que demonstrassem que cada concorrente as possuía. Mais se observa que, como já se teve ocasião de expor, a densificação do conceito de jurista de mérito efetuada na deliberação recorrida não se esgota na referência daquele ao arquétipo de Juiz Conselheiro do STJ. Mas mesmo que assim fosse, a circunstância de, efetivamente, terem sido admitidos à graduação concorrentes que sendo voluntários, não eram provenientes da magistratura do MP, sempre obstaria a que se pudesse prefigurar a hipótese de a deliberação recorrida ter sido determinada pelo propósito de os excluir da graduação do XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, o que arreda qualquer valoração que, neste conspecto, se pudesse estribar no tempo que mediou entre a apresentação das candidaturas e a deliberação recorrida. Por todos estes motivos, há que concluir que a deliberação recorrida não padece do vício do desvio de poder, não sendo, por isso, de acolher as conclusões G) e H).
Conclusões A) F) e L) Na primeira conclusão acima epigrafada, o recorrente proclama que não descortina, nas atas insertas no processo burocrático qualquer razão para a sua exclusão. Na segunda das conclusões em epígrafe, o recorrente insurge-se contra a falta de fundamentação decorrente da falta de valoração da prestação de “provas públicas”, por as considerar da maior relevância para a apreciação da idoneidade dos concorrentes. E, na parte final da terceira conclusão epigrafada, coloca em destaque a incongruência da fundamentação empregue, originando uma petição de princípio.
Vejamos. No que tange à conclusão com que o impetrante inicia a minuta recursiva, dir-se-á que a razão pela qual foi excluído da graduação se acha expressa no segmento final da deliberação recorrida. O modo como foi estruturada a fundamentação faculta ao recorrente e a este Tribunal a apreensão a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo empregue pelo recorrido para adotar aquela decisão A mera discordância relativamente à exposição fundamentadora usada pelo recorrido – manifestada pela adjetivação daquela razão como “legal” – não pode ser reconduzida à falta de fundamentação ou a qualquer vício desta que a essa omissão seja legalmente equiparado[57]. Passando a apreciar a conclusão F), lembremos que a deliberação recorrida não acolheu, neste conspecto, o parecer do júri optando antes por uma fundamentação própria para excluir o recorrente da graduação com base na aferição que efetuou do seu mérito absoluto. Decorre, por sua vez, da economia do procedimento avaliativo estabelecido nos nos 1 e 2 do art. 52.º do EMJ que a defesa pública do currículo de cada um dos concorrentes (que o recorrente apelida como “provas públicas”) é funcionalmente afeta à graduação do mérito relativo dos mesmos. Ora, tendo a exclusão do recorrente sido deliberada com assento na ponderação do mérito absoluto evidenciado pelo seu currículo profissional, não se afigura razoável ou sequer concebível que se exigisse à decisão impugnada uma menção valorativa à sua prestação (ou à de qualquer outro concorrente) na dita defesa pública, pois esta era irrelevante nesse contexto. É que, como supra se mencionou, a avaliação do mérito absoluto precede, logicamente, a graduação. Daí que não se possa concordar com a afirmação de que a omissão de referência valorativa à prestação que o recorrente terá protagonizado nas “provas públicas” redunde na falta de fundamentação ou sequer na sua insuficiência. Não se vê, em todo o caso, como é que a dita omissão haja comprometido a compreensão do alcance da deliberação no seu todo, pelo que ainda assim não se poderia reconhecer razão à arguição em apreço. No que tange à invocada incongruência do discurso fundamentador, há apenas a notar que o recorrente, ao longo das suas conclusões, não cuida de localizar, na deliberação recorrida, qualquer contradição lógica que seja suscetível de ser subsumida a esse vício, preocupando-se apenas em assinalar os motivos pelos quais sustenta que se incorreu em violação de lei. Ora, não se constatando que, na deliberação impugnada, se haja adotado fundamentação antinómica ou incongruente (detetando-se, ao invés, uma coerência discursiva), resta, sem necessidade de outras considerações, concluir pela improcedência desta arguição. Improcedem, pois, as conclusões que acima epigrafámos.
Conclusões I), J), K), L), O) e P) Nas conclusões agora em tela, o recorrente, em suma, verbera a decisão recorrida por a mesma, ao arrepio das normas constitucionais e legais, ter introduzido um requisito – genericamente, as capacidades decisória e de ponderação próprias de um Juiz Conselheiro – cuja demonstração é manifestamente impossível, que se traduz numa petição de princípio e que é desajustado face à finalidade constante do n.º 4 do art. 215.º da CRP, além de se ter socorrido de uma distinção entre mérito absoluto e mérito relativo que é manifestamente ilegal. Vejamos. No decurso da exposição que antecede, fomos já aflorando uma linha fundamentadora que permite rebater a quase totalidade dos argumentos agora enunciados. Por esse motivo, aprofundaremos apenas essa linha no sentido de descer a aspetos agora focados mais pormenorizadamente pelo recorrente. Dir-se-á, em primeira lugar e na esteira do que já se expendeu a respeito das conclusões M) e N) que são irrelevantes as considerações tecidas nas conclusões J) e K) que versam sobre a atuação do júri. Com essa ressalva, abordemos então as invocações contidas nas conclusões I), J) e L). Como acima se expôs e aqui se repete, a deliberação não introduziu qualquer novo requisito no XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e, muito menos, uma inovatória exigência concursal que se reconduzisse à “(…) acentuada ponderação e capacidade decisórias próprias de um juiz conselheiro, ou da experiência e capacidade e ponderação decisória suficientes para o exercício da função (…)”[58]. Na verdade, as únicas expressões vertidas na deliberação recorrida que apresentam algum grau de semelhança com essas menções são aquelas que supra se transcreveram na nota n.º 43 e que aqui, por comodidade de leitura, se têm por reproduzidas. Essas expressões mais não são do que considerações e argumentos de que a deliberação recorrida se socorreu – a par de outras que o recorrente teima em olvidar –, para empreender a tarefa densificadora do conceito de jurista de reconhecido mérito. Ora, já acima se reconheceu a vaguidade desse conceito e, consequentemente, considerou-se que o CSM dispunha da indispensável margem de liberdade para o seu preenchimento e para a sua reversão para o caso concreto (o que, repete-se, não é posto em causa pelo recorrente), pelo que cabe apenas determinar se a subsunção efetuada afronta as normas invocadas. Como se veio de expor, o comando constitucional contido no n.º 4 do art. 215.º do CRP não impõe a admissão irrestrita de juristas de mérito no STJ, remetendo para a lei ordinária a tarefa de precisar os moldes em que se processaria esse ingresso. Destarte, não se surpreende, na citada norma constitucional (ou em qualquer outra que se pudesse concitar a este respeito), qualquer imposição ou comando que haja sido violado pela deliberação recorrida, inexistindo, outrossim, motivos para considerar que a mesma foi erradamente aplicada e interpretada pelo CSM. Idêntica asserção pode ser produzida relativamente às normas contidas na al. b) do n.º 1 do art. 51.º e no art. 52.º, ambos do EMJ, pois nelas não se estabelece qualquer vinculação dirigida ao CSM quanto aos parâmetros a que deve obedecer a catalogação de um concorrente voluntário como jurista de reconhecido mérito. Acresce que, tendo a primeira norma a que antes aludimos lançado mão de um conceito abstrato, vago e indeterminado, mal se perceberia que, com base no mesmo enunciado legal, se viesse, a final, a denegar à Administração a possibilidade de o preencher. Não se descortina, pois, qualquer exorbitância do espírito e/ou da letra que urja censurar. Por seu turno, tendo presente o conteúdo da segunda daquelas normas, não se vê como é que a aludida densificação contraria o seu enunciado. E, de resto, o recorrente nem sequer explicita as razões pelas quais tem por incorretamente interpretado e/ou aplicado o preceito em causa. É de referir ainda que o recorrente não se preocupou em indicar os precisos pontos da regulamentação concursal que terão sido inobservados ou erroneamente interpretados pela deliberação recorrida. Ainda assim, é de registar que, no aviso transcrito em I, nada se previu acerca do conceito de jurista de reconhecido mérito, o que, sem necessidade de outras considerações, inviabiliza a possibilidade de concluirmos pela sua violação. E a hipótese de exclusão por falta de reunião das condições previstas no n.º 3 do art. 51.º do EMJ estava aí prevista, pelo que, com propriedade, não se pode alegar a desconformidade regulamentar da deliberação sob censura. Por fim, há a salientar que o entendimento de que a decisão recorrida parte de uma petição de princípio não é, como parece ser patente, suficiente para que se possa considerar que se incorreu no vício de violação de lei. Acrescente-se que, em todo o caso, que em trecho algum da deliberação impugnada se formula uma exigência segundo a qual os juristas de reconhecido mérito deveriam possuir as valências e capacidades que são próprias de quem desempenha as funções de Juiz Conselheiro. O que se explana na mesma, como à saciedade se tem procurado evidenciar, é que a definição desse conceito legal deve, para além do mais, ser construída por reporte a esse arquétipo. Assim, se se pode ter como certo que os juristas de reconhecido mérito que se candidataram no âmbito do XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça jamais desempenharam essas funções, a verdade é que a deliberação recorrida, entendida e encarada nos seus exatos termos e limites, não tem como consequência a estipulação de uma “exigência” de que aqueles possuam as inerentes valias profissionais. Da definição do conceito em causa por referência a esse modelo decorrerá, quando muito, a seleção dos candidatos que evidenciem, pela análise do seu currículo, a potencialidade de virem a ter essas valias (o que poderá ser evidenciado, por exemplo pela participação como árbitro em tribunais arbitrais ou pelo exercício de cargos superiores na Administração pública ou em universidades), o que, de igual modo, não se divisa que contrarie os referidos preceitos constitucionais e legais ou o teor do regulamento do concurso a que vimos fazendo referência. Não se descortina, em suma, qualquer erro nos pressupostos de direito ou violação de lei, motivo pelo qual soçobram as conclusões I), J) e L).
Na conclusão K) o recorrente volta a insurgir-se contra a distinção estabelecida na deliberação recorrida entre mérito absoluto e mérito relativo. Já antes expusemos as razões pelas quais entendemos que essa distinção é legalmente admissível e tem perfeito cabimento num concurso curricular como aquele a que se reportam os autos. Nessa conclusão, o recorrente limita-se a tecer considerações de índole genérica sobre a legalidade/ajustamento dessa distinção e a invocar a consonância desse entendimento com os votos de vencidos (sem sequer, invocar os argumentos que aí terão sido empregues). Desse modo, não se divisando qualquer utilidade em voltar a elencar essas razões, devem ter-se as mesmas por aqui reproduzidas e, consequentemente, reafirmadas, o que é suficiente para refutar essa conclusão.
Nas conclusões O) e P) o recorrente insiste na tese de que a deliberação recorrida adotou um conceito indeterminado – a capacidade ou ponderação decisória suficiente para o exercício da função – que é totalmente desajustado às candidaturas apresentadas por “juristas de mérito” e à “abertura” do STJ preconizada pela Lei Fundamental. É despiciendo repetir que a deliberação em causa não se socorreu desses conceitos, o que, desde logo, impede que se possa reconhecer razão à arguição em análise. Avancemos, em todo o caso, na apreciação dessas conclusões, tendo presente o conteúdo efetivamente vertido na deliberação em causa. E então se dirá que sindicância contenciosa, da reversão de conceitos indeterminados para o caso concreto, não pode equivaler à apreciação da bondade intrínseca dessa subsunção, sob pena de o tribunal estar, em substância, a impor à Administração a sua visão sobre o modo como deve proceder a esse preenchimento, o que, naturalmente, não é consentido pela parte final do n.º 1 do art. 3.º do CPTA[59]. Daí que, num primeiro relance, se afigure não caber nos poderes de cognição deste tribunal a fiscalização da justeza ou da razoabilidade das considerações, argumentos e proposições (entre as quais se contam aquelas que constam da nota de rodapé n.º 43) em que a deliberação se baseou para densificar o conceito de jurista de reconhecido mérito. Assim, cabe apenas avaliar se a concretização desse conceito se revela consonante com a diretriz vertida na parte final do n.º 4 do art. 215.º da CRP e/ou com a lei. Para além de tudo o que já se teve ocasião de expor sobre esta matéria, há a salientar o seguinte. Na exposição de motivos que antecede a proposta de lei n.º 75/I[60] – que veio dar origem à Lei n.º 85/77, de 13/12 – verifica-se que a intenção legislativa que veio proporcionar uma abertura do STJ, primeiramente, a magistrados do MP, se fundou numa consideração pragmática – a exiguidade de quadros superiores na magistratura judicial – o que levou à adoção de um modelo vigente noutros países, tendo em conta que o “(…) Supremo é um tribunal de revista aberto a juristas que, sendo os melhores de cada país, possuam um currículo que os credite como homens com formação prática e sensibilidade judiciária (…)”. Não é claro o caminho percorrido pela Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias encarregue da apreciação dessa proposta, que levou a franquear do acesso ao STJ a professores universitários de Direito e a advogados [61], ulteriormente plasmado na Lei n.º 85/77. Mas também nada aponta para que o legislador tenha tido a intenção de permitir que ingressassem, no STJ, concorrentes não oriundos da magistratura do MP que fossem falhos de “formação prática e sensibilidade judiciária”. Da discussão que a este respeito foi travada na Comissão Eventual de Revisão Constitucional que elaborou o projeto de revisão constitucional de 1982, sobreleva, no que mais nos interessa, a manifestação de uma preocupação com a diferença entre a aplicação prática do Direito e o seu estudo teórico[62]. É certo que essa preocupação não teve eco na redação final do preceito em causa. Todavia, seria irrazoável pensar que o legislador constitucional desejou que ascendessem à mais alta instância judicial portuguesa juristas de mérito em cujos currículos e trajetos profissionais não se pudesse discernir, ao menos em potência, as valias, qualidades e aptidões que comummente são reconhecidas aos Juízes Conselheiros que nela exercem funções. Não é, decerto, por acaso, que, como se afirma na deliberação recorrida, não se fez equivaler à titularidade de graus académicos o conceito de jurista de mérito. Subjacente a esta ideia está – como não podia deixar de estar – a consideração das funções que os juristas de mérito desempenharão no STJ. Os juristas de mérito que ingressarem no STJ não integrarão qualquer sorte de conselho consultivo ao qual se recorra quando não seja suficiente, para dirimir o litígio, o saber e a experiência de Juízes Conselheiros provenientes das magistraturas, nem serão chamados a emitir pareceres doutrinários sobre os casos reais que estão ou foram submetidos à apreciação deste Tribunal. Os juristas de mérito que ingressarem no STJ assumirão, de corpo inteiro, as funções de Juiz Conselheiro. Para tal, e além da estrita observância das normas estatuárias inerentes ao exercício da judicatura, não lhes bastará o domínio, ao nível dos conhecimentos, do direito substantivo e do direito adjetivo. Exige-se-lhes também que possuam a capacidade de aplicar a lei de uma forma correta e justa. Tenhamos em mente que esta é a última instância judicial e que, nessa medida, assume amiúde um caráter uniformizador da jurisprudência, desempenhando sempre, de forma paralela e igualmente relevante, um papel orientador da interpretação e aplicação da lei pelas instâncias. Essa competência supõe que se tenha capacidade de decisão em tempo útil e adequado à instância em causa e capacidade de ponderação e de valoração dos factos por regra apurados nas outras instâncias requerendo ainda a adoção de um método de trabalho capaz de enfrentar o volume de serviço existente. Daí que a densificação a que se procedeu não se revele ostensivamente desajustada (e insuscetível de censura), perante as candidaturas apresentadas por juristas de mérito. Ao invés do que se propugna na conclusão O). Mas mesmo que não se reconheça a razoabilidade desta posição, sempre se dirá que a parametrização do conceito de jurista de reconhecido mérito, por referência, ademais, a essas valências, não afronta a CRP pela simples razão (já aflorada), de que o n.º 4 do seu art. 215.º não estabelece um acesso irrestrito e incondicionado dos candidatos que sejam suscetíveis de ser enquadrar nessa categoria, remetendo, ao invés, para a lei ordinária, os termos e moldes em que ele se efetivará. Dito de outra forma e como sobreleva da discussão antes aludida, a relevância desse normativo esgota-se na constitucionalização da exigência de que o campo de recrutamento de juízes para o STJ não se cinja à magistratura judicial (por, como é repetidamente dito, não ser este um tribunal de carreira) e se alargue à magistratura do MP e aos juristas de mérito, atribuindo-se ao legislador ordinário a tarefa de o concretizar. Ora, se assim é, não se percebe como é que se possa ter como desconforme à letra ou ao espírito do n.º 4, do art. 215.º, da CRP, uma densificação do conceito de jurista de mérito na qual se abarque, entre o mais, a concreta dimensão e realidade das funções que eles desempenharão no STJ. Sublinha-se, enfim, que, no segmento aproveitável da conclusão O), o recorrente não identifica quaisquer preceitos da lei ordinária que hajam sido violados pela decisão que determinou a sua exclusão da graduação do XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça com base na valoração que efetuou a respeito do seu mérito absoluto. Desse modo, poder-se-ia, simplesmente, concluir por aqui a sua apreciação. Em aditamento, porém, é de referir que, ao longo do presente aresto, fomos expondo as razões pelas quais consideramos que era legalmente admissível a densificação do conceito de jurista de mérito operada na deliberação recorrida e a subsequente ponderação do mérito absoluto de cada concorrente que se apresente por essa via ao XIV Concurso Curricular de Acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em que se traduz, na prática, a reversão desse conceito para o caso vertente. Sendo ocioso repeti-las na íntegra, crê-se ser suficiente, perante a exiguidade da invocação e para a refutar, tê-las aqui por reproduzidas e reafirmadas. Dir-se-á, em acrescento, que a exclusão do recorrente com base na avaliação efectuada estava contemplada na regulamentação (ponto n.º 19 do Aviso de Abertura, transcrito em I) e é a consequência normal da falta de reunião das condições necessárias para se apresentar a um qualquer concurso de ingresso em funções públicas, não se descortinando, por isso, qualquer vício de violação de lei. Assim, improcedem as conclusões em análise.
Por tudo quanto se veio de expor, é de concluir que o recorrente não deve ver satisfeita a pretensão a que se referem as conclusões R) e S). Repita-se, de resto, que, como tem sido sempre sublinhado pela jurisprudência desta secção do STJ, o recurso contencioso das deliberações do CSM é de mera anulação [63], e por isso, caso fossem acolhidas uma ou mais das conclusões vindas de apreciar, a decisão a proferir sempre se limitaria à anulação da deliberação recorrida, e não pressuporia uma determinação àquele órgão, para proceder à graduação do recorrente nos termos por ele preconizados.
Refira-se, enfim, que o recorrente, na conclusão Q) se limita a reafirmar o seu entendimento (posição que acima se corroborou) quanto à extensão da sindicabilidade judicial da decisão recorrida, o que equivale por dizer que aí não se enuncia qualquer questão que deva ser conhecida neste aresto.
Isto dito, face à extensão das nossas precedentes considerações, diremos em síntese e a terminar: D - DECISÃO Pelo exposto e na improcedência do recurso interposto pela recorrente, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso deste STJ em manter a deliberação recorrida. Custas a cargo do recorrente (n.ºs 1 e 2 do art. 527.º do CPC ex vi art. 1.º do CPTA). Sendo o valor da presente acção o de € 30.000,01 (n.º 2 do art. 34.º do CPTA), a taxa de justiça é de 6 unidades de conta (Tabela I - A, anexa ao RCP - n.º 1 do art. 7.º deste diploma).
Lisboa, 24 de Novembro de 2015 - Souto de Moura (Relator) - Ana Paula Boularot (com voto vencido) - Silva Gonçalves - Mário Belo Morgado - João Trindade - Santos Cabral (Vencido de acordo com a declaração que junto ) - Martins de Sousa - Sebastião Póvoas (Vencido nos termos da declaração de voto junta) ------------------------ Como se refere na decisão proferida é insofismável que o conceito legal de “juristas de reconhecido mérito” é vago e indeterminado. Todavia, a nosso ver, tal omissão do legislador não pode ser suprida com apelo a critérios que ultrapassam a mera complementaridade e se prefiguram como algo de inovador, nomeadamente quando a sua densificação se processa num momento muito posterior ao da abertura do concurso. Assim, considerando que a deliberação impugnada implica uma afectação demasiadamente onerosa, e inesperada, de expectativas legitimamente fundadas entendo que foi violado o princípio da confiança e nessa medida daria provimento ao recurso interposto. Santos Cabral
Declaração de voto Fui vencido pelos motivos que, nuclearmente, passo a expor. 1- O recorrente Prof. AA candidatou-se ao concurso para Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça publicitado pelo Aviso n.º 12649/2013 de 15 de Outubro de 2013 que veiculou a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 8 do mesmo mês e ano. Tratou-se do 14.º concurso curricular aberto nos termos dos artigos 50.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85 de 30 de Julho, com as alterações, e v.g., do Decreto-Lei n.º 342/88, de 28 de Setembro e das Leis n.ºs 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94; 5 de Maio; 44/96, de 3 de Setembro; 81/98, de 3 de Dezembro; 143/99, de 31 de Agosto; 3-B/2000, de 4 de Abril; 42/2005, de 29 de Agosto; 26/2008, de 27 de Junho; 52/2008, de 28 de Agosto; 63/2008, de 18 de Novembro; 37/2009, de 20 de Julho; 55-A/2010, de 31 de Dezembro e 9/2011, de 2 de Abril). A candidatura do recorrente foi-o, no elenco dos concorrentes voluntários, a que se refere o n.º 3, alínea b) do artigo 51.º daquele diploma (“Os juristas que o requeiram, de reconhecido mérito e idoneidade cívica, com, pelo menos, vinte anos de actividade profissional exclusiva ou sucessivamente na carreira docente universitária ou na advocacia, contando-se também até ao máximo de cinco anos o tempo de serviço que esses juristas tenham prestado nas magistraturas judicial ou do Ministério Público”). O júri, com a composição a que se refere o n.º 2 do artigo 52.º do E.M.J., deliberou proceder a uma “densificação e uma tanto quanto possível uniformização e harmonização dos critérios de apreciação dos factores a valorar para os efeitos do artigo 52.º n.º 1” (…) “com respeito pelas ponderações das alíneas a) a f)”. Mais adiante diz-se na deliberação em apreço que “nas escolhas que envolvem apreciação de qualidades científicas, técnicas e de desempenho funcional de qualquer pessoa, pela própria natureza das coisas e da circunstância pessoal de avaliação por um júri, intervém sempre e não pode ser afastada alguma margem de discricionariedade científica e técnica”. Refere ainda, e agora reportando-se, tão somente aos concorrentes voluntários da alínea b) do n.º 3 do citado artigo 51.º, que “na apreciação dos concorrentes – juristas de mérito – que requeiram o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça a ponderação tem de ser aferida em função da finalidade do concurso. Tratando-se de um concurso para acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, a avaliação do mérito absoluto dos concorrentes, susceptível de integrar a categoria de juristas de mérito tem de ter em conta o desiderato do concurso e sobretudo ter como parâmetro a figura de Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça”. No respectivo paradigma “há que atender, nomeadamente, à acentuada ponderação decisória que decorre de mais de 30/35 anos de judicatura e ao facto de corresponder à derradeira categoria de uma longa carreira de magistrado e, ainda, à experiência de administrar a justiça, como impõe o artigo 3.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais”. De seguida, elenca os cinco candidatos inseridos naquela categoria. Depois pondera, em relação aos quatro primeiros (nos quais consta o recorrente) que: “não questionando o elevado mérito das provas académicas e no desempenho das respectivas funções docentes, do curriculum apresentado não decorre uma prática de actividade por tempo que assegure a necessária acentuada ponderação decisória que exige a um juiz conselheiro e não se vislumbra qualquer experiência na administração da justiça. Não se trata de excluir os concorrentes do presente concurso pois que foram admitidos por terem preenchido os necessários requisitos, mas de interpretar teleologicamente o sentido específico de «jurista de mérito» para efeitos do concurso de acesso ao STJ…” E quanto ao recorrente explanou, além do mais ter “um currículo relevante, essencialmente relacionado com a actividade docente” que, sendo Mestre e Doutor em Direito, vem desempenhando desde 1992. Que, para além dessas funções e de “actividades em órgãos de gestão da escala, o concorrente não indica qualquer experiência decisória” (…) nem “relevância de experiência que sustente a mencionada acentuada ponderação e capacidade decisória próprias de um juiz conselheiro”. Refere, ainda, para além do exposto que “a sua experiência profissional circunscreve-se à área do direito internacional público, do direito penal internacional e do direito administrativo, fora da jurisdição do S.T.J.” e que, só após o doutoramento passou a integrar a primeira categoria na hierarquia da carreira docente universitária que culmina em professor catedrático, apresentando-se a concurso para “a mais elevada categoria da magistratura judicial: juiz conselheiro.” Na sequência deste parecer, o Plenário do CSM, em 4 de Novembro de 2014 produziu douta e longa deliberação onde após fazer o paralelismo entre a Magistratura Judicial e a carreira docente universitária acentua que “para que se reconheça ao jurista (docente universitário) o mérito necessário para aceitação da sua candidatura às funções de Juiz Conselheiro do S.T.J. será essencial a demonstração de outras concretas valências, que não, única e simplesmente o reconhecimento que obteve na academia (reconhecimento esse em que pontificam os graus de mestre e de doutor, já obtido por diversos magistrados judiciais e do ministério público em exercício de funções n primeira e na segunda instâncias sem que tal lhes conceda a faculdade de se candidatarem às mais altas funções de um magistrado judicial). Passou-se de seguida à votação – por escrutínio – e que, segundo o deliberado, teve “por objecto a admissão à graduação de cada um dos Exmos Srs Candidatos, os termos do artigo 51.º, n.º 3, alínea b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais” – não admitindo o recorrente à graduação (mérito relativo) por não lhe ter sido reconhecido mérito absoluto. 2- Aqui chegado, importa que se alinhem algumas considerações hermenêuticas sobre o acesso ao S.T.J. dos concorrentes voluntários a que se refere a alínea b) do n.º 3 do artigo 51.º do EMJ. Nesse percurso existem duas fases: admissão ao concurso e graduação dos concorrentes admitidos, fases, aliás comuns a todos os outros. Na primeira são verificados os requisitos objectivos: pertença a determinado grupo profissional e tempo de serviço na respectiva categoria, [como, e para os Magistrados do M.º P.º, a antiguidade reportada à dos concorrentes necessários (Juízes da Relação) e as classificações de serviço] e, para os juristas, o tempo exercido na actividade profissional – advocacia ou docência universitária, acrescido, eventualmente, de cinco anos nas magistraturas]; já na segunda fase é apreciado o mérito de cada concorrente para, no respectivo grupo, proceder à graduação (mérito relativo). A assim não ser entendido, os concorrentes necessários (Juízes) e voluntários (oriundos do M.º P.º) veriam o seu mérito julgado apenas na fase de apreciação curricular, onde se insere a dialéctica da respectiva discussão (n.º 2 do artigo 52.º do diploma que se citou) não sendo por esse motivo arredados dessa segunda fase, enquanto para os juristas de mérito este segundo momento desapareceria para se diluir no primeiro. 3- Há, em consequência, requisitos de admissão e requisitos de graduação, em dois momentos que se sucedem no tempo e atendendo a critérios perfeitamente distintos. Ora, na deliberação sob escrutínio creio que existe uma contradição pois, por um lado, afirma-se que “não se trata de excluir os concorrentes do presente concurso por terem preenchido os necessários requisitos, mas de interpretar teleologicamente o sentido específico de «juristas de mérito» para efeitos de concurso de acesso ao S.T.J.” “Quid inde”? É que, tendo havido admissão ao concurso, e no silêncio da lei que não admite exclusões na avaliação curricular, o recorrente não podia deixar de ser graduado. Só assim não seria se o CSM pretendesse revogar a deliberação em que afirmou não “excluir os concorrentes do presente concurso”. Isto perante a lei vigente, sendo que, “lege ferenda”, deveria ser possível – para todos os candidatos – a exclusão na segunda fase. Mas não tendo sido graduado, a lei foi flagrantemente violada. 4- O acto surge, outrossim, anulável por falta de fundamentação já que o júri não afirma clara, inequívoca, coerente e consequentemente os fundamentos de facto e de direito da exclusão do recorrente. O dever de fundamentar os actos administrativos decorre não só do disposto no artigo 152.º n.º 1 a), do Código de Procedimento Administrativo e 268.º n.º 3 da Constituição da República. A deliberação impugnada afecta direitos e interesses legalmente protegidos e decidiu ao contrário da pretensão formulada pelo impetrante. Impendia, pois, sobre a autoridade recorrida aquele dever que não é uma formalidade não essencial. Ora, sendo esse dever decorrente de uma garantia constitucional, é devido mesmo no âmbito dos actos praticados no exercício de poderes vinculados, por maioria de razão, a sua exigência é mais premente em relação aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, que, como se verá, não é aqui o caso. Também se diga que a fundamentação é um conceito relativo, perante as circunstâncias concretas e com apelo ao tipo legal do acto, destinando-se a apurar da sua clareza, congruência e suficiência mediante a indagação sobre se um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do acto, perante a fundamentação aduzida, ou seja perante o respectivo “iter” cognoscitivo e valorativo poderia aperceber-se das razões do decidido por forma a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos ou seja, a acatar a decisão se a considera justa e legal ou a impugná-la no caso contrário (cf. v. g. o Acórdão do STA, de 11 de Maio de 1989, AD 335.º, p. 1253; e de 10 de Janeiro de 1989, AD 339.º p 303). 5- Como se disse, a deliberação impugnada procedeu antes à densificação do conceito de “jurista de mérito” como aquele que no “durante o período legalmente exigido se destacou claramente dentro do universo em que se moveu, incluindo entre os seus pares, emergindo como jurista eminente, capaz de profunda, aturada e adequada reflexão intelectual nas diversas áreas do direito e com uma superior aptidão para conferir necessária dimensão prática à reflectida exegese teórica (revelando, designadamente, por concretas contribuições do candidato na produção de estudos ou projectos teóricos, com repercussão material no plano legislativo e na organização e administração da justiça e na estruturação de algum dos ramos de saber que a ela importam e também pela capacidade de relevantemente influenciar a doutrina e a jurisprudência).” Para além da exaustão, e elegância literária, da exposição do conceito, sou pela sua sindicabilidade em sede contenciosa, “máxime” aquando da subsunção. Seguindo a linha estrita do conceito encontrado poderia questionar-se o “mérito” de todos os concorrentes e mesmo, no limite, dos Juízes do Tribunal Constitucional, impondo-se nesses grupos de tal qualificação. 5-1- Adiro, pois, à doutrina do Acórdão do STA de 17 de Janeiro de 2007 – P.º 1068/06 – assim sumariado na parte que releva: “Os conceitos indetermináveis são sindicáveis, pelo menos em algumas situações típicas, designadamente, (i) na maioria dos conceitos descritivos cujo critério de avaliação não exige conhecimentos técnicos especiais (por exemplo “grande quantidade”), (ii) classes de conceitos determinados de valor, cujo critério de concretização resulta, por forma directa, … da exegese de textos legais (“local apropriado”) (iii) todos os conceitos de valor cuja concretização envolvia juízos mais especificamente jurídicos, não permitem a afirmação de que o Tribunal não possui os necessários conhecimentos técnicos (“jurista de reconhecida idoneidade”).” Em anotação a este aresto, o Prof. Sérvulo Correia afirma que a sindicabilidade dos conceitos jurídicos indeterminados “terá sempre de a haver”, “no âmbito de decisões concretas”. E mais adiante refere que “não faz sentido pretender caracterizar os conceitos jurídicos indeterminados como aqueles que consentem interpretações distintas. Se o exame hermenêutico de uma norma que contém um conceito de acepção difícil, permite ainda assim concluir que, não obstante as incertezas da linguagem, ela se destina a formular uma estatuição directamente regulativa (e não meramente a conferir um espaço de autonomia por acções administrativas deônticas), então as dificuldades resolvem-se através de uma argumentação moldada pela metodologia jurídica. Tratar-se-á de uma tarefa interpretativa e cabe naturalmente aos tribunais apurar sobre a correcção da aplicação da norma pela Administração. Estaremos – segundo a terminologia consagrada – perante a sindicância jurisdicional do vício de violação de lei ou de desvio de poder” (…) Mas ao Tribunal apenas lhe cabe “um controlo pela negativa (designadamente de inadequação do critério de avaliação ou prognose, ou seja, erro grosseiro ou manifesto de apreciação, que constitui a violação da primeira das três vertentes do princípio da proporcionalidade).”[in Cadernos de Justiça Administrativa”, 70, Julho-Agosto 2008, p. 40; cf. ainda Prof. Freitas do Amaral – “Direito Administrativo”, 1988, II, 165 – ao ensinar que “na grande maioria dos casos, a interpretação pela Administração pública dos conceitos vagos ou indeterminados usados pela lei não é objecto de um poder discricionário, antes se situa no domínio da vinculação. A interpretação da lei é uma actividade vinculada, não é uma actividade administrativa”). 5-2- Deve, em consequência, afirmar-se que a interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados situam-se num momento vinculado e não discricionário e, por isso, sujeito a fiscalização e revisão contenciosa do Tribunal. Só o não será a margem de livre apreciação da Administração, não porque esta coincida com o poder de livre escolha de uma das soluções possíveis próprias do poder discricionário “mas porque a Administração está vinculada ao dever de interpretar e aplicar o conceito de modo a resolver o caso em litígio de acordo com a única solução correcta ainda que esta não seja revisível. E como nota a Dr.ª Maria Luísa Duarte (in “A Discricionariedade Administrativa e os Conceitos Jurídicos Indeterminados”, 32) “é uma zona de transição cuja tendência evolutiva aponta para a sua progressiva eliminação e consequente submissão ao controlo judicial”. 6- Alcançado este ponto afigura-se-me cristalino concluir que a densificação/interpretação e subsunção ao recorrente do conceito de jurista de mérito é vaga e propicia necessidade de outra apreciação e na sua aplicação foram tidos em conta factores que o legislador (sempre avisado e lúcido, na busca das soluções mais adequadas – n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil) não pretendeu nem quis. Assim, se um concorrente pretende aceder ao STJ não se lhe pode exigir, para aferir do seu mérito, que já tenha experiência de julgador nesse Tribunal! De outro modo, ao exigirem-se, pelo menos, 20 anos de experiência na actividade docente universitária não se impôs que a docência fosse exercida na qualidade de professor catedrático pois o legislador não procedeu a essa limitação sendo certo que não deixa de ser docente universitário quem é/foi tão somente, professor auxiliar ou professor associado. Finalmente, o legislador não limitou as áreas do direito nem impôs especializações. 6-1- E nem se diga – dizendo-o labora-se em erro manifesto – irrelevarem no STJ o direito internacional público e o direito administrativo. A existência da presente Secção do Contencioso e do Tribunal de Conflitos, onde todos os Juízes Conselheiros têm de intervir como julgadores, logo contraria o afirmado. De outra banda, não irreleva, antes pelo contrário, a experiência no direito internacional público. São múltiplos os instrumentos de direito internacional com que o STJ lida, designadamente (e, porque não, sobretudo) relacionados com o Direito da União Europeia cujos tratados são também instrumentos de direito internacional. (cfr. e não citando excertos para evitar ser mais exaustivo, os recentíssimos estudos do Professor Nuno Piçarra, “Diálogo doutrinal: A Relação entre o Direito Internacional Público e o Direito da União Europeia. Qual Prevalece” apud “Anuário de Direito Internacional 2013”, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 2015, e do Prof. Wladimir Brito, ob. cit. 35 ss, comentado pelo Prof. Nuno Piçarra). Não se olvide, finalmente, a importância do Direito Penal Internacional, sobretudo desde a ratificação por Portugal do Tratado de Roma que instituiu o Tribunal Penal Internacional com eventuais pedidos de extradição/ou entrega (assim como outros Tribunais com a mesma vocação: v.g. ex Jugoslávia e Ruanda). A deliberação recorrida ao fazer apelo ao número elevado de doutoramentos e mestrados, insinuando que grande parte dos assim qualificados poderia vir a integrar o elenco dos recorrentes voluntários ao STJ terá enviesado o poder que o legislador lhe conferiu, com aceno de um argumento “ad terrorem” (com o tempo o STJ ficaria preenchido com grande número de Magistrados não oriundos das Magistraturas). 7- Em suma, a deliberação em julgamento errou nos pressupostos de direito, para além de carecer de fundamentação clara, congruente e suficiente em termos de não explicar as razões porque não graduou o impetrante. Daí que não subscreva o Acórdão votado pois que anularia a deliberação sob escrutínio. Sebastião Póvoas, Presidente da Secção ---------------- |