Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ERNESTO VAZ PEREIRA | ||
Descritores: | RECURSO PENAL COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CASO JULGADO FORMAL APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL CONEXÃO DE PROCESSOS SEPARAÇÃO DE PROCESSOS JULGAMENTO | ||
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Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário : | I - Nos termos do art. 620.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe de “caso julgado formal”, aplicável ao processo penal por força do art. 4.º do CPP, “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.” II - E nos termos do subsequente art. 621.º, sob a epígrafe, “Alcance do caso julgado”, também pela mesma via aplicável no processo penal, “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.” III - Da conjugação das normas se extrai que o caso julgado formal, concernente a decisões de questões ou matérias que não são de mérito têm força obrigatória dentro do processo, na latitude exata do âmbito objetivo e extensão do conteúdo da decisão transitada. IV - O caso julgado tem por escopo assegurar a estabilidade da decisão judicial, a segurança e a confiança jurídicas e a proteção das expectativas criadas por decisão judicial anterior, que não tendo sido objeto de recurso se estabilizou. V - “A autoridade do caso julgado formal, que torna as decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insusceptíveis de serem modificadas na mesma instância, tem como fundamento a disciplina da tramitação processual. Seria caótico e dificilmente atingiria os seus objectivos o processo cujas decisões interlocutórias não se fixassem com o seu trânsito, permitindo sempre uma reapreciação pelo mesmo tribunal, nomeadamente quando, pelos mais variados motivos, se verificasse uma alteração do juiz titular do processo.” (in ac. n.º 520/2011 do TC). VI - O despacho recorrido invoca a distinção entre conexão e separação de processos, a que se referem os arts. 24.º a 31.º do CPP, e irregular junção ou acumulação de processos desconexos, uma vez que, diz, nesta segunda situação nem se configura conexão nem se pode separar o que conexo não é. O despacho recorrido tem razão na distinção e traz em seu abono vasta doutrina. VII - Todavia, o transitado acórdão de 24-02-2022 não deixa margem para aplicação da distinção ao caso sub judicio. Considera consolidada a conexão em sede de inquérito e mantém-na para os ulteriores termos processuais. Abraçou o caso como de verificada conexão a partir do inquérito, tratou-o como de verificada conexão e decidiu como de verificada conexão, remetendo para os normativos respeitantes à determinação da conexão, nomeadamente para os arts. 24.º e 27.º e, a final, impediu a separação de processos ao abrigo do art. 31.º, que prorroga a “competência determinada por conexão.” E fê-lo com exaustividade de fundamentação. VIII - E impõe tal juízo de verificada conexão logo a seguir à dedução da acusação já que aquando da prolação do acórdão ainda nem sequer tinha sido aberta a fase da instrução. Ordenando, sem hesitações que o processo seja conhecido, a matéria apreciada e o acórdão ditado pelo STJ. Quebrar a unidade e indivisibilidade ordenadas e fixadas pelo acórdão seria afrontar a sua autoridade de caso julgado formal. IX - Os pressupostos processuais podem ser conhecidos oficiosamente ou a requerimento e devem ser conhecidos a todo o tempo, “ressalvado o caso julgado formal.” “A decisão do juiz de instrução, do juiz de julgamento ou do tribunal sobre os pressupostos processuais faz caso julgado formal, isto é, vincula definitivamente dentro do processo.” E o que fica dito para a decisão sobre pressupostos processuais incluída na decisão instrutória ou no despacho de saneamento e recebimento do processo vale para qualquer outra decisão judicial tomada autonomamente sobre os pressupostos processuais: tal decisão faz caso julgado formal na estrita medida em que o juiz apreciar ex professu os pressupostos processuais e ela não for impugnada ou for impugnada sem sucesso. (cfr. Pinto de Albuquerque in “Comentário do CPP”, II, 5ª edição UCE, 2023, em nota ao art. 277.º). X - Ora, no caso a questão foi apreciada ex professu, tanto na enunciação, como na fundamentação, como na expressa decisão. A questão da conexão e da competência do STJ foi suficientemente apreciada, tanto assim que o acórdão, além de considerar a conexão vinda do inquérito acaba a ir mais além e a ditar, ao abrigo do art. 31.º, a prorrogação da “competência determinada por conexão”. Julgou o acórdão, mesmo antes da abertura da instrução, e julgou igualmente o juiz de instrução ao pronunciar todos os arguidos e remeter o seu julgamento para o STJ, que o processo na alargada abrangência da acusação tem de ser conhecido e decidido neste Supremo. XI - O caso julgado formal impedia, pois, reapreciação da questão já decidida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, I - RELATÓRIO I.1. Por despacho de 10/03/2023, agora recorrido, foi decidido que “IV 91. Por todo o exposto, conclui-se, em face da acusação e pronúncia proferidas, e nos termos do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. d), 27.º, 29.º e 32.º, n.º 2, 119.º, al. e) e 311.º, n.º 1, que o STJ apenas é competente para o julgamento da conexão de processos que legalmente se verifica entre os seguintes crimes e respetivos agentes: - Um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos artigos 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. c), todos do C. Penal, que é imputado em coautoria aos arguidos AA, BB, CC e DD; - Um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, pelo artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do C. Penal, imputado ao arguido EE; - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado em coautoria aos arguidos AA e BB; - Um crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, apenas imputado ao arguido AA. 92. Consequentemente, declara-se o STJ incompetente para o julgamento dos demais crimes objeto da acusação e pronúncia e, após trânsito em julgado do presente despacho, determinar-se-á, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do CPP, a remessa do original do presente processo ao Juízo Central Criminal de …, por ser o tribunal judicial de comarca funcional e territorialmente competente para o julgamento por aqueles outros crimes, pois atendendo aos crimes pelos quais os diversos arguidos foram acusados e pronunciados, o seu julgamento cabe a um tribunal coletivo, nos termos do artigo 14.º, sendo territorialmente competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, atendendo ao local da prática dos crimes. Notifique 93. Após trânsito em julgado do presente despacho, extrair-se-á certidão integral do processo e apensos e, tendo sobretudo em conta o princípio da acusação, dar-se-á oportunidade ao MP de promover o que tiver por conveniente quanto à reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ, bem como aos arguidos para exercerem o contraditório, prosseguindo-se, após, com os demais termos do processo até ao início da audiência de julgamento.” I.2. Veio interpor recurso o M;º Pº cujas alegações finalizou com os seguintes remates conclusivos: 1.º - Nestes autos, finda a fase de instrução, atendendo a toda a prova produzida, declarações dos arguidos, dos assistentes, testemunhas inquiridas e face à concatenação de toda a prova pericial, exames forenses e prova documental com respetivos Apensos, o Tribunal considerou suficientemente indiciados todos os factos constantes da acusação e pronunciou 17 arguidos, dos quais um, AA, com o estatuto de Juiz ... (jubilado); 2.º - Este arguido AA foi pronunciado pela prática, em co-autoria material com BB, CC e DD, de um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p.p. no art.º 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n..º 2 e 3, por referência aos art. 26º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. d), todos do C. Penal (corruptor activo, EE) e da prática de dois crimes de abuso de poder, p.p. no art.º 382.º do C. Penal, por referência ao art.º 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, um deles cometido em co-autoria com BB - sendo o comportamento a este imputado o elemento aglutinador de todo o processo; 3º - Tal despacho de Pronúncia, proferido a 16.12.2022, ordenou a remessa dos autos à distribuição para as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 11.º, n.º 4, alínea a), do CPP); 4º - Distribuídos os autos à 5.ª Secção do STJ, o Senhor Juiz Conselheiro Relator Conselheiro a quem os mesmos foram distribuídos, por despacho proferido a 10.03.2023 (ao abrigo do artigo 311º do Código de Processo Penal), de que ora se recorre, declarou o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer de vários dos crimes pelos quais os arguidos vinham pronunciados, o que fez nos seguintes termos: “Por todo o exposto, conclui-se, em face da acusação e pronúncia proferidas, e nos termos do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. d), 27.º, 29.º e 32.º, n.º 2, 119.º, al. e) e 311.º, n.º 1, que o STJ apenas é competente para o julgamento da conexão de processos que legalmente se verifica entre os seguintes crimes e respetivos agentes: - Um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos artigos 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. c), todos do C. Penal, que é imputado em coautoria aos arguidos AA, BB, CC e DD; - Um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, pelo artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do C. Penal, imputado ao arguido EE; - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado em coautoria aos arguidos AA e BB; - Um crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, apenas imputado ao arguido AA Consequentemente, declara-se o STJ incompetente para o julgamento dos demais crimes objeto da acusação e pronúncia e, após trânsito em julgado do presente despacho, determinarse-á, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do CPP, a remessa do original do presente processo ao Juízo Central Criminal de ..., por ser o tribunaljudicial de comarca funcional e territorialmente competente para o julgamento por aqueles outros crimes, pois atendendo aos crimes pelos quais os diversos arguidos foram acusados e pronunciados, o seu julgamento cabe a um tribunal coletivo, nos termos do artigo 14.º, sendo territorialmente competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, atendendo ao local da prática dos crimes.” 5.º - Decidindo, ainda, que “após trânsito em julgado do presente despacho, extrairse-á certidão integral do processo e apensos e, tendo sobretudo em conta o princípio da acusação, dar-se-á oportunidade ao MP de promover o que tiver por conveniente quanto à reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ, bem como aos arguidos para exercerem o contraditório, prosseguindo-se, após, com os demais termos do processo até ao início da audiência de julgamento.” 6.º - Na fundamentação dessa posição, invoca-se na decisão recorrida “que o critério previsto no artigo 27.º (tal como no artigo 28.º para a determinação da competência territorial determinada pela conexão), não se limita a definir diretamente qual o tribunal competente para a conexão entre os tribunais de diferente hierarquia ou espécie que seriam competentes para os processos singulares conexos, como indica qual é o crime determinante da conexão de processos legalmente cabida (artigo 24.º) e, consequentemente, da apensação ou da organização de um só processo, a que se reportam os n.ºs 2 e 1 do artigo 29.º.”; 7.º - E explicita-se, ainda, que, no que releva no caso presente, “o artigo 27.º fixa o critério relevante para as operações em que se desdobra a determinação da competência por conexão, de que trata a referida secção III do cap. II (CPP), de onde resulta, em síntese, que é o processo (no sentido, para cada crime um processo) que seria da competência do tribunal de hierarquia mais elevada a determinar: - Qual o tribunal competente para conhecer da conexão de processos; - Qual o processo a que serão apensados os processos que já tiverem sido instaurados (artigo 29.º, n.º 2) ou o tribunal em que será organizado o processo único a que se reporta o artigo 29.º, n.º 1; - Qual (ou quais) os crimes determinantes dos termos e limites da conexão de processos, em face dos fatores previstos no artigo 24.º e no artigo 25.º, sempre que aquela depende definição de um crime ou crimes determinantes da conexão, como sucede no caso presente”; 8.º - Ora, ao contrário daquilo que afirma realizar, o Senhor Juiz Conselheiro, no despacho recorrido, não aprecia verdadeiramente da conexão entre os crimes que integram o objeto do processo, limitando-se a indicar qual a interpretação jurídica que, no seu entendimento, deve recair sobre as normas contidas nos artigos 24º e 27º do CPP; 9.º - E fá-lo com um claro vício de raciocínio: parte da regra do art.º 27.º do CPP (no caso, a competência do STJ) para definir a conexão de processos do art.º 24.º do mesmo diploma, quando devia partir da verificação da conexão de processos do art.º 24.º para, de seguida, definida/delimitada a conexão existente, determinar o tribunal competente para o julgamento (e, que assim devia ser, resulta claramente da regra do art.º 27.º do CPP, ao dispor que «Se os processos conexos [que são, obviamente, os como tal definidos no art.º 24.º do CPP] devessem ser da competência de tribunais de diferente hierarquia ou espécie, é competente para todos o tribunal de hierarquia ou espécie mais elevada» [que, no caso em apreço é, obviamente, o STJ]); 10.º - De facto, seguindo o raciocínio (lógico) que se impunha, o que o despacho recorrido tinha que concluir era que, no "centro do processo", como aglutinador da conexão, para efeitos do art.º 24.º do CPP, estava o arguido BB e não o arguido AA; 11.º - É que a BB vêm imputados na pronúncia diversos crimes, com coautores diversos, entre os quais o arguido AA, mas abarcando nessas coautorias praticamente todos os arguidos, o que justificou e justifica a organização de um só processo, nos termos do art.º 29.º do CPP; 12.º - Ou seja: legitimada a organização de um só processo pelas regras da conexão do art.º 24.º do CPP (que tem por elemento aglutinador o arguido BB e os factos que lhe são imputados) é que passamos para a apreciação da competência material e funcional determinada pela conexão (art.ºs 27.º e 28.º do CPP); 13.º - E, aí, de imediato nos deparamos com o art.º 27.º do CPP, que atribui ao STJ, como o tribunal de hierarquia mais elevada, a competência para o julgamento conjunto de todos os arguidos, por força do foro próprio atribuído a um dos arguidos pela norma do art.º 11.º, n. 4, al. a), do CPP (o arguido AA); 13.º - Não o entendendo assim, a decisão recorrida violou claramente, por erro de interpretação, as normas dos art.ºs 24.º e 27.º do CPP; 14.º - Por outro lado, existindo conexão entre todos os factos que integram o objeto da Pronúncia, a observância das regras ou dos requisitos taxativos previstos no artigo 30.º do Código de Processo Penal é obrigatória, pelo que a separação de processos apenas poderia ter sido ordenada com algum ou alguns dos fundamentos constantes da previsão do artigo 30.º do CPP, o que o tribunal recorrido não fez; 15.º - E, se a separação de processos apenas poderia ser ordenada com fundamento na previsão do artigo 30.º do CPP, tal significa que, a ser observado/invocado tal normativo legal, a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento dos processos separados seria necessariamente prorrogada nos termos do artigo 31.º, alínea b), do Código de Processo Penal; 16.º - Pelo que o despacho recorrido não só violou tais disposições legais como, por via disso, incorre na nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal, por violação das regras de competência por conexão fixadas nos artigos 24º e 27º a 31º do Código de Processo Penal; 17.º - Mostrando-se de igual modo ferido de inconstitucionalidade, por violar o princípio do juiz natural, na dimensão de garantia de tribunal estabelecida por lei, consagrado no artigo 32.º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa: “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”; 18.º - Ainda no despacho recorrido, o Senhor Juiz Conselheiro teoriza sobre o valor das decisões proferidas nestes autos na fase de instrução relativamente à separação de processos (artigo 30º) e sobre a existência ou não de caso julgado formal, argumentando que em sede de saneamento dos autos se limitou a apreciar dos pressupostos ou requisitos de que a lei faz depender a conexão de processos (artigo 24.º) e da delimitação do âmbito da conexão de processos concretamente verificada, de que resulta a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o julgamento dos crimes imputados ao arguido AA e aos que se encontram em conexão com aqueles, com a consequente incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para o julgamento dos demais, e sustentando que estes aspectos “não foram sequer abordados nas decisões proferidas na fase de instrução", onde se apreciou antes da separação de processos conexos, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, al. d), relativamente ao arguido AA, e da (eventual) incompetência do STJ para proceder à instrução (relativamente a todos os demais arguidos) - que não foi confirmada em recurso –, pelo que conclui que entre as duas decisões judiciais não existe identidade quanto às questões nelas concretamente apreciadas e decididas; 19.º - Ora, no rigor das coisas, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual, sendo que, no dizer de Damião da Cunha (Caso Julgado Parcial, p. 143), os conceitos de «efeito de vinculação intraprocessual» e de «preclusão» - referidos ao âmbito intrínseco da actividade jurisdicional – querem significar que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento); 20.º - Este conceito é bem distinto daquele a que é reconduzido no despacho recorrido, com recurso aos artigos 580.º, n.º 1 e 581.º, n.º 1, do CPC (onde é feito corresponder a uma triplicidade de identidade das decisões: quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir); 21.º - Ora, no despacho proferido a 12.05.2021 pelo Senhor Juiz Conselheiro de Instrução, foram apreciadas as seguintes questões prévias: - Competência do Supremo Tribunal de Justiça e necessidade de separação de processos, em cujo âmbito se decidiu, “ao abrigo do art.° 30°, n.° 1, al. c), do CPP, determinar a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA” e declarar o STJ “incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos”; 22.º - Interpostos recursos desta Decisão, foi apreciada a seguinte questão controvertida pelo plenário da 5ª Secção deste Tribunal: “a de saber se se justifica ou não, no caso, designadamente em vista do disposto no art. 30°, n° 1, alínea c), do CPP, a separação de processos determinada pela decisão recorrida e, questão diretamente relacionada com esta, se mesmo a manter-se a separação, ainda seria este Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do processo relativamente aos demais arguidos por força da regra de prorrogação de competência, nos termos do artigo 31°, alínea b), do CPP.” 23.º - Aí se decidindo, então, “revogar a Decisão Judicial proferida a 12 de julho de 2021, que determinou a cessação da conexão processual ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA, e declarou a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em Relação aos demais arguidos, devendo ser substituída por outra que declare aberta a fase de instrução, prosseguindo os autos em instrução no Senhor Juiz Conselheiro de Instrução da Secção Criminal do STJ.”; 24.º - Já o despacho recorrido, entendendo “(…) que o critério previsto no artigo 27.º (tal como no artigo 28.º para a determinação da competência territorial determinada pela conexão), não se limita a definir diretamente qual o tribunal competente para a conexão entre os tribunais de diferente hierarquia ou espécie que seriam competentes para os processos singulares conexos, como indica qual é o crime qual o crime determinante da conexão de processos legalmente cabida (artigo 24.º) e, consequentemente, da apensação ou da organização de um só processo, a que se reportam os n.ºs 2 e 1 do artigo 29.º”, decidiu, como já apontado na conclusão 4.ª, “que o STJ apenas é competente para o julgamento da conexão de processos que legalmente se verifica entre os seguintes crimes e respetivos agentes: - Um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos artigos 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. c), todos do C. Penal, que é imputado em coautoria aos arguidos AA, BB, CC e DD; - Um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, pelo artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do C. Penal, imputado ao arguido EE; - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado em coautoria aos arguidos AA e BB; - Um crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, apenas imputado ao arguido AA 25.º - E, consequentemente, declarou o STJ “incompetente para o julgamento dos demais crimes objeto da acusação e pronúncia”; 26.º - Ora, a enunciação das questões controvertidas que foram apreciadas nas duas decisões e a mera enunciação das normas jurídicas em que se apoiam permite perceber que as questões controvertidas são idênticas, pese embora o mecanismo corretivo utilizado na decisão recorrida quanto à sua abordagem; 27.º - As duas decisões em referência espelham, nada mais, nada menos, do que o distinto entendimento e posição perfilhados pelo Senhor Juiz Conselheiro recorrido sobre uma matéria que já foi objeto de apreciação e de decisão por esta mesma Secção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito deste mesmo processo; 28.º - Assim, ao decidir como decidiu, o Senhor Juiz Conselheiro recorrido alterou profundamente os efeitos fixados pelo Acórdão de 24.02.2022 relativos à conformação processual do objeto do processo, tendo provocado uma retração processual desmesurada por ser absolutamente antagónica àquela que se mostrava assente, violando claramente a autoridade decorrente do caso julgado formado por decisão proferida neste processo por um Tribunal Superior, colocando em causa o efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão e a segurança jurídica decorrente da mesma decisão; 29.º - Pelo que, por violar o princípio do caso julgado, o despacho assim proferido deve ser declarado juridicamente inexistente; 30.º - Por último, a Decisão recorrida ordenou (após trânsito) a extração de certidão integral do processo e apensos, dando oportunidade ao MP de promover o que tiver por conveniente quanto à reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ, bem como aos arguidos para exercerem o contraditório, com vista a prosseguir, após, com os demais termos do processo até ao início da audiência de julgamento; 31.º - Ou seja, a decisão recorrida não identifica a factualidade a julgar no Supremo Tribunal de Justiça nem efetua qualquer referência aos factos que integram os concretos crimes a imputar aos arguidos cujo julgamento se propõe realizar, em razão da competência por conexão que identificou; 32.º - E tal factualidade encontra-se devidamente articulada no despacho de Pronúncia proferido após a realização da fase de Instrução, despacho que fixou o objeto do processo; 33.º - No entanto, o Senhor Juiz Conselheiro recorrido convida o Ministério Público à sua reconfiguração, factual e probatória, e convida os arguidos, a sobre ela exercerem o contraditório (ponto 93), colocando-se, ao mesmo tempo, numa função de juiz de instrução e de juiz de julgamento e assim atentando, claramente, contra a proibição constitucional de acumulação orgânica do acusador e do julgador - uma vez que passaria a fixar os exactos contornos da questão jurídica que a seguir vai julgar; 34.º - Ora, a composição do objeto do processo pelo Juiz, no saneamento, collide frontalmente com a estrutura acusatória do processo penal, e não é um eventual concerto ou composição de interesses entre os sujeitos processuais sobre a matéria a julgar no processo separado que é suscetível de sanar a questão; 35.º - Uma interferência do Juiz de Julgamento, aquando do saneamento do processo ao abrigo do artigo 311º do CPP, no objeto do processo fixado no despacho de Pronúncia, constitui uma clara violação do artigo 310.º do Código de Processo Penal, que, determinando a irrecorribilidade da Pronúncia mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, é garante da estabilização do objeto do processo e forma caso julgado formal; 36.º - Acrescendo que o convite dirigido ao Ministério Público - e aos arguidos para depois exercerem o contraditório - para que promova o que tiver por conveniente quanto “à reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ” não tem qualquer sustentação legal, fere o princípio do acusatório, os princípios da estabilidade, identidade, indivisibilidade e consunção do objecto do processo e fere o caso julgado formado pela Pronúncia, pelo que deve considerar-se inexistente, não podendo produzir quaisquer efeitos. Em face do exposto, a Decisão Judicial recorrida, proferida a 10 de março de 2023, que concluiu, em face da Pronúncia proferida, e nos termos do disposto nos artigos 24º, nº1, alínea d), 27º, 29º e 32º, nº2, 119º, alínea e) e 311º, nº1, que o Supremo Tribunal de justiça apenas é competente para o julgamento da conexão de processos que legalmente se verifica entre os seguintes crimes e respetivos agentes: - Um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p. e p. pelo artigo 373.º, n.ºs 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos artigos 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. c), todos do C. Penal que é imputado em coautoria aos arguidos AA, BB, CC e DD; - Um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, pelo artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do C. Penal, imputado ao arguido EE. - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado em coautoria (comparticipação) aos arguidos AA e BB. - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado ao arguido AA; e declarou o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para o julgamento dos demais crimes objeto da acusação e pronúncia e, determinou, após trânsito em julgado do despacho, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do CPP, a remessa do original do presente processo ao Juízo Central Criminal de ..., por ser o tribunal judicial de comarca funcional e territorialmente competente para o julgamento por aqueles outros crimes e a extração certidão integral do processo e apensos dando oportunidade ao MP de promover o que tiver por conveniente quanto à reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ, bem como aos arguidos para exercerem o contraditório, com vista a prosseguir, após, com os demais termos do processo até ao início da audiencia de julgamento, deve ser revogada/declarada nula e substituída por outra que, aceitando a competência do STJ para o julgamento de todos os factos e arguidos constantes da pronúncia, contenha o despacho a que alude o artigo 311.º-A do Código de Processo Penal.” I.3. Interpôs recurso também a arguida FF. Apresentou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso tem por objecto o despacho de saneamento do processo, ao abrigo do art.º 311.º do CPP, proferido a 10 de Março de 2023 pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, na parte em que ali se decidiu: i) da incompetência do STJ para proceder ao julgamento de todos os crimes constantes da pronúncia que não os especificados no n.º 91 daquele despacho e; ii) em consequência (e implicitamente) se determinou a separação dos processos no que respeita aos demais crimes imputados aos diversos Arguidos (incluindo todos os crimes imputados à aqui Recorrente) e a remessa dos autos “(…) ao Juízo Central Criminal de ..., por ser o tribunal de comarca funcional e territorialmente competente para o julgamento por aqueles [outros] crimes (…)”. 2. As supra referidas questões haviam já sido apreciadas e decididas, em termos substancialmente idênticos, no início da fase de instrução, pelo Senhor Juiz Conselheiro que exerceu as funções de Juiz de Instrução, em despacho prolatado a 12 de Julho de 2021, no qual: i) se determinou a cessação da conexão de processos, ordenando-se a separação do processo no que respeita aos crimes imputados na acusação ao Arguido AA e; ii) se declarou o STJ incompetente para conhecer do processo em relação aos demais Arguidos, determinando-se o envio dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal de .... 3. Interpostos recursos desta último despacho, foram os mesmos julgados procedentes, por Acórdão da 5.ª Secção Criminal do STJ, de 24 de Fevereiro de 2022, no qual se revogou aquele despacho determinando-se a sua substituição por decisão que declarasse aberta a fase de instrução, prosseguindo os autos no STJ, por ser este o Tribunal competente para a instrução quanto a toda a matéria constante do despacho de pronúncia. 4. Materialmente, as questões suscitadas no início da instrução foram as da competência do STJ para a fase de instrução e a de separação de processos, precisamente aquelas que agora, em sede de despacho de saneamento na fase de julgamento, se suscitam e decidem no despacho recorrido. 5. O tema central da decisão sob recurso é o mesmo que se havia decidido no despacho de 12 de Julho de 2021, qual seja, o da competência do STJ, agora para o julgamento (anteriormente para a instrução), porquanto apenas relativamente ao Arguido AA (Juiz ... jubilado) se mantem o foro próprio que lhe é conferido pelos arts. 11.º, n.º 4 al. a) do CPP e 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, determinante da atribuição de competência, em caso de conexão, ao tribunal de hierarquia mais elevada, ex vi do disposto no art.º 27.º do CPP. 6. Ou seja, retoma o despacho sob recurso, em sede de julgamento, a decisão já prolatada em fase de instrução, a qual foi objecto de recurso e revogada pelo Acórdão de 24 de Fevereiro de 2022, proferido nos presentes autos e já transitado em julgado. 7. Em suma: transpondo para o caso em apreço e para a sede penal aqui em causa, conclui-se que, além da identidade dos sujeitos – que não se discute – haverá, igualmente, identidade do «pedido» e da «causa de pedir». 8. Sendo patente a identidade das questões em apreço: i) competência do STJ para o julgamento (anteriormente instrução) dos presentes autos; ii) cessação da conexão de processos e separação dos mesmos para julgamento (anteriormente instrução) perante tribunais de diferente hierarquia, afigura-se inequívoco que a decisão recorrida viola caso julgado formal. 9. O facto de a primeira decisão transitada em julgado ter sido proferida em fase processual diferente da actual (instrução), não prejudica o efeito de caso julgado formal formado nos autos, impedindo a reapreciação das questões da competência do STJ e da consequente separação de processos, definitivamente decididas pelo Aresto de 24 de Fevereiro de 2022. 10. Porquanto, a presente instância deverá manter-se estável, em homenagem ao princípio do juiz natural e ao respeito pelo caso julgado (constitucionalmente consagrados, respectivamente, nos arts. 32.º, n.º 9 e 282,.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa). 11. Por violar caso julgado formal, o despacho recorrido encontra-se ferido de nulidade, devendo ser revogado e substituído por outro, que reafirme a competência do STJ para o julgamento de todos os Arguidos pelos crimes por que se encontram pronunciados. 12. Acresce ainda que – como seguidamente se demonstrará – a prevalecer o entendimento sustentado na decisão recorrida, desde logo se concluiria que a própria decisão instrutória se encontraria ferida de nulidade insanável, ex vi do art.º 119.º, al. e) do CPP, em virtude de, à luz de tal entendimento, ter sido proferida por tribunal incompetente. 13. Propugna-se, na decisão recorrida, que o inquérito foi estruturado em função da realidade processual que se verificava no seu início, quando a aqui Recorrente era Juíza Desembargadora, no Tribunal da Relação de Lisboa, situação que se veio a alterar a 14 de Dezembro de 2019 (antes da dedução da acusação), por efeito da aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva. 14. Admitindo-se que, a partir daquela data, a Recorrente perdeu o direito a foro próprio, e se, como se lê na decisão recorrida, a partir de então, deixou o STJ “(…) de ter competência originária para a instrução e julgamento dos crimes imputados (…)”, só poderá concluir-se que a incompetência do tribunal se verificava, desde logo, na própria fase de instrução. 15. Na verdade, fazendo-se tábua rasa do caso julgado formal constituído pelo Acórdão de 24 de Fevereiro de 2022, que afirmou a competência do STJ para a fase de instrução relativamente a todos os arguidos, outra conclusão não restará se não a da nulidade insanável da instrução e da decisão instrutória, por incompetência do STJ, o que poderá ser declarado em qualquer fase do processo, nos termos do art.º 119.º, proémio e al. d) do CPP. 16. Acresce ainda que, ao determinar a remessa dos autos para distribuição junto do Juízo Central Criminal de ..., a decisão recorrida incorre em violação do disposto no art.º 31.º al. b) do CPP (disposição não expressamente invocada naquele despacho, mas que não pode deixar de lhe estar subjacente), devendo, ainda que separados os processos, manter-se no STJ a competência para julgamento, em homenagem aos princípios da proibição de desaforamento e do juiz natural, da estabilidade da instância e da prorrogação de competência. 17. Consequência já anteriormente apontada pelo Acórdão de 24 de Fevereiro de 2022, a propósito do despacho proferido em instrução, ao consignar: “(…) o douto despacho recorrido ao determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal de ... – constituindo um verdadeiro desaforamento (artigo 39º da LOSJ), em colisão com a regra de prorrogação de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação do caso (artigo 31º, alínea b), do CPP) ainda que fosse determinada a separação processual – encontra-se ferido de nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea e), do Código de Processo Penal, por violação das regras de competência por conexão fixadas nos artigos 24.º, 27.º e 29.º a 31.º do Código de Processo Penal […] mostrando-se de igual modo ferido de inconstitucionalidade, por violar o princípio do juiz natural, na dimensão de garantia de tribunal estabelecida por lei, expressamente acolhido no artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa. 18. O que é, mutatis mutandis, plenamente aplicável ao despacho sob recurso. 19. Pelo que desde já se argui, a inconstitucionalidade normativa do sentido interpretativo que presidiu à aplicação das normas legais supra citadas na conclusão 17, por violação do princípio do juiz natural, consagrado no art.º 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, caso venha a prevalecer a decisão recorrida, que de tais normas (em parte implicitamente) fez aplicação ao caso vertente. Termos em que, deverá ser julgado totalmente procedente o presente recurso e, concedendo-se provimento ao mesmo, ser revogado o despacho sob recurso, determinando-se a sua substituição por outro que, declarando o STJ competente para o julgamento de todos os crimes imputados aos Arguidos no despacho de pronúncia, ordene o prosseguimento dos autos para julgamento, com observância dos ulteriores termos legais, como é de JUSTIÇA” I.4. Interpuseram recurso conjuntos os arguidos CC e GG. Finalizaram com as seguintes conclusões: A. “(A) O despacho impugnado interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 311.º e 32.º, n.º 1, do CPP já que, a cognoscibilidade da competência do Tribunal até ao transito em julgado da decisão final, deve entender-se sem prejuízo dessa questão não estar decidida com força de caso julgado formal nos autos, o que sucede no caso vertente; (B) A competência do STJ foi decidida por acórdão pela 5.ª Secção Criminal do STJ, de 24-02-2022, o qual transitou em julgado, formando caso julgado formal – 620.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP; (C) Pelo que o despacho em apreço, violou os preceitos indicados na alínea anterior e, ainda, 32.º, n.º 9 da CRP “princípio do juiz natural”, 6.º da CEDH, 282.º, n.º 3, da CRP, 311.º, n.º 1, 24.º, 27.º e 30.º do CPP; (D) O despacho impugnado interpretou o artigo 24.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPP como se de tais preceitos resultasse que a conexão opera apenas num único grau quando, atenta a sua redacção, o legislador não a restringiu a um único grau; (E) E tanto assim é que as únicas restrições legais à conexão não são ditadas pelo grau mas pela fase processual (artigo 24.º, n.º 2) e pela previsibilidade de retardamento excessivo da audiência de julgamento (artigo 24.º, n.º 3); (F) De onde decorre que o legislador não quis manifestamente atender ao grau em que se verifique a conexão como critério determinante para o seu afastamento; (G) E tal é tanto mais evidente quando se considera que a introdução do nº 3 ao artigo 24.º decorre da Lei nº 90/21, de 21/12, determinada expressamente pelo intuito de precisar os termos em que a conexão opera; Atento o exposto, o despacho impugnado violou também os artigos 24.º, n.ºs 1, alíneas d e f), e 27.º, ambos do CPP; Termos em que, deve o presente recurso ser recebido, sendo julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido e substituindo-se por acórdão que ordene a prossecução dos autos no STJ.” I.5. BB interpôs recurso também. E rematou com as seguintes conclusões: “1. Pelo despacho datado de 13.03.2023 veio o tribunal a quo declarar-se incompetente para o julgamento dos crimes objecto da pronúncia (à excepção daqueles em que é Arguido AA e os arguidos BB DD, nos crimes em co-autoria). 2. Por despacho judicial datado de 12.07.2021, proferido na fase de instrução, o Juiz Conselheiro, Dr. HH, já se havia pronunciado quanto à cessação da conexão processual e ordenado a separação do processo quanto ao arguido AA, para além de ter declarado a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos. Nessa sequência, apresentaram recurso os arguidos CC e GG, bem como o Ministério Público, tendo sido proferido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24.02.2022, que procedeu à revogação do despacho de cessação da conexão processual, mantendo a competência no Supremo Tribunal de Justiça. 4. O aqui Recorrente discorda da decisão ora em apreço, desde logo porque entende que a questão que agora vê ser discutida no despacho de saneamento do processo, foi já alvo de decisão transitada em julgado (caso julgado formal), que manteve a conexão processual e declarou o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos. 5. Embora a decisão recorrida tenha precisamente suscitado esta problemática, quedou-se por concluir que não estamos perante a figura do caso julgado formal por, no entender deste tribunal, não se verificarem os seus pressupostos, na medida em que, tanto o acórdão de 24.02.2022 quanto o despacho recorrido se debruçaram sobre questões bem diversas. 6. A verdade é que este despacho do STJ vem trazer uma nova e habilidosa interpretação para, na prática, ordenar a separação de processos, o que, no entendimento do Recorrente é, para além de ilegal, violador do princípio do juiz natural. 7. Entende o Recorrente que o tribunal recorrido pretende que o resultado que lhe foi negado pelo acórdão transitado em julgado “entre” pela janela, quando o mesmo lhe foi negado pela “porta” através do referido acórdão. 8. De forma laboriosa, o tribunal recorrido começa por enunciar exaustivamente os pressupostos de conexão e o seu preenchimento para, no final, considerar que apenas se mantém a conexão quanto aos crimes praticados pelo ArguidoAA, sendo que os demais deverão ser julgados pelo tribunal de 1.ª instância. 9. Sucede que, antes de mais, para se poder analisar a conexão processual é condição sine qua non que exista uma pluralidade de processos (pelo menos dois). 10. Pelo que, o tribunal a quo recorre a uma situação ficcionada para estruturar toda a sua argumentação e, assim, desviar-se da análise da separação de processos. Sucede que não existe nenhuma conexão processual, nem nunca existiu qualquer pluralidade de processos, nem tão pouco se pode falar da remoção da conexão enquanto reposição de legalidade, mas sim, quanto muito, em separação de processos, por alteração dos seus pressupostos. Aliás, é o próprio tribunal recorrido quem diz, «caso não houvesse lugar a conexão de processos», pelo que bem evidente é que a conexão já existe e sempre existiu, até foi apreciada e mantida por decisão em recurso. O que é diverso de saber se existiu qualquer alteração de pressupostos da conexão processual. 12. Não obstante, operada a conexão e ainda que se venha entender que exista alteração dos seus pressupostos, a solução passa pela separação de processos, tal como fez o Mmo. Juiz Conselheiro HH em funções de JIC, cuja decisão viu ser revogada. 13. Por outras palavras, o Tribunal recorrido tenta fugir “como diabo da Cruz” ao artº. 30º do C.P.P. concernente à separação de processos, pois bem sabedor de que não pode alcançar tal finalidade, refugia-se nesta laboriosa construção jurídica para alcançar um mesmo e só efeito: a separação do processo e o envio da esmagadora maioria dos crimes e Arguidos para julgamento no tribunal criminal de primeira instância. 14. Diferentemente do que sucedia com o Código Penal de 1929, no domínio do Código Processual Penal vigente, não obstante se continuar a permitir a separação de processos sempre que houver um interesse ponderoso atendível de qualquer arguido, tipifica-se agora nas alíneas b) a d), do n.º1, e no n.º2, outras situações susceptíveis de fundamentar a cessação de conexão, e consequente separação de processos. 15. O juiz julgador é agora confrontado com o artigo 31.º do Código de Processo Penal vigente, disposição esta que se inspirou no artigo 61.º do Código de Processo Penal de 1929 - trata-se, pois, de um caso de prorrogação de competência, tanto material como territorial, seja conexão subjectiva ou objectiva. 16. Assim, bem sabendo de antemão esta dificuldade inultrapassável, escudou-se o tribunal recorrido num subterfúgio processual para a final, obter o resultado pretendido. E fê-lo, ficcionando uma reposição da legalidade. 17. A análise dos pressupostos da separação de processos, já ocorreu e foi definitivamente apreciada e decidida pelo acórdão prolatado em 24.02.2022. 18. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa5, “É de bom senso evitar a repetição inútil das mesmas provas, em processos diferentes. Para além deste motivo, afigura-se indispensável evitar julgados contraditórios", pois que a separação de processos implica, pois, repetições de actos jurisdicionais, produção de prova, audição de testemunhas, decisões e recursos autónomos, pelo que deve ser encarada como uma opção claramente excepcional6. 19. Tal como defendeu o Ministério Público a propósito da anterior decisão em sede de instrução, a presente decisão constitui igualmente uma clara violação das regras da fixação e prorrogação da competência por conexão, nomeadamente das normas previstas nos artigos 30.º, n.º 1 alínea c) e 31.º alínea b) do Código de Processo Penal, violação que integra nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea e) do Código de Processo Penal e o desaforamento do processo, em desobediência ao princípio contido no artigo 39.º da LOSJ e à garantia constitucional consagrada no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, por clara violação do princípio do juiz natural, a qual desde já se argui para todos os efeitos legais. 20. A verdade é que, tal como aponta a decisão recorrida, quer aquando da decisão de separação determinada pelo Mmo. Juiz Conselheiro HH em funções de JIC, a qual foi revogada, quer agora, os pressupostos mantêm-se inalterados, apreciados no acórdão deste STJ transitado em julgado. 21. A conexão de processos não é arbitrariamente determinada, mas definida por regras gerais e abstractas, contidas nos artigos 24.º e seguintes do CPP, as quais permitem determinar, ex ante, o tribunal competente para o julgamento conjunto de todos os crimes e todos os arguidos. A sua consequência é a apensação de processos. 22. Os casos de conexão estão taxativamente referidos no art. 24.º, n.º 1, als. a) a e), do Código de Processo Penal, sendo que se subdividem em duas naturezas: pessoais (em relação ao arguido), materiais (relativos à infracção) e pacificamente tratados pela doutrina e jurisprudência, respectivamente, como conexão subjectiva e objectiva. 23. Por sua vez, indica-nos o artigo 27.º do CPP que, no caso de processos conexos da competência de tribunais de diferente hierarquia, é competente para o julgamento o tribunal de hierarquia mais elevado. 24. A decisão recorrida estriba-se no facto de a acusação ter por base, na sua construção, a qualidade de Juiz do Recorrente, situação que veio a alterar-se em 06-12-2019 – data na qual aquele perdeu a qualidade de juiz desembargador e com ela o foro próprio a que se reportava o artigo 265.º do CPP. 25. Sucede que tal circunstância já havia sido ponderada no acórdão de 24.02.2023, pelo que tal facto não constitui, sequer, uma alteração à ponderação dos critérios de conexão processual anteriormente analisados e aí decididos. 26. Tendo sido mantida a situação de conexão, a qual foi confirmada por acórdão transitado em julgado, este tem força obrigatória dentro do processo e faz caso julgado formal, não podendo o tribunal alterar o decidido/dar o dito por não dito, com base na mesma situação de facto, ainda que com uma argumentação diferente. 27. Face ao que, ao declarar o STJ incompetente para o julgamento dos demais crimes objecto da pronúncia (à excepção daqueles pelos quais foi pronunciado o Arguido AA), por aplicação dos artigos 24.º, n.º 1 al. d) do CPP, viola as regras da competência por conexão fixadas nos artigos 24.º, 27.º e 29.º a 31.º do Código de Processo Penal, sendo inconstitucional tal interpretação, por violar o princípio do juiz natural, na dimensão da garantia de tribunal estabelecida por lei, acolhida pelo artigo 32.º n.º 9 da Constituição, inconstitucionalidade que desde já se argui para todos os efeitos legais. 28. No mais, a presente decisão é violadora do caso julgado formal – noção que nos remete para um carácter de imutabilidade, irrevogabilidade, constituindo, assim, um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, prevendo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual. 29. O caso julgado verifica-se, pois, quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). 30. Neste sentido, independentemente da decisão do tribunal, o despacho recorrido sempre teria de ser revogado, na medida em que este tribunal excedeu o seu poder jurisdicional ao procurar alterar uma decisão já consolidada no ordenamento jurídico, nomeadamente, através do aresto anterior - datado de 24.02.2022 e que analisou e confirmou os pressupostos da conexão de processos, determinando a competência do Supremo Tribunal de Justiça. 31. Se assim não fosse, ficariam os Arguidos à mercê de diversas interpretações/decisões sobre uma mesma situação, que nunca se consolidaria. 32. Ao contrário do que procurar demonstrar agora o tribunal, uma e outra decisão radicam na análise da mesma questão (análise dos pressupostos de separação do processo e declaração de incompetência do STJ para prosseguimento do processo relativamente à maioria dos crimes e consequente remessa para o tribunal judicial de 1.ª instância), pelo que não pode esta decidir em sentido inverso àquela que já se consolidou na ordem jurídica. 33. No que concerne aos pressupostos do caso julgado (artigo 581.º do CPC), não podemos deixar de concluir que estamos perante os sujeitos que assumem a mesma qualidade jurídica; pretendendo obter o mesmo efeito jurídico em ambos os processos, sob a mesma e única factualidade. 34. Discute-se ainda o alcance do caso julgado formal assumem não só a conclusão extraída da decisão que se tornou insusceptível de modificação, como os fundamentos que a ela conduziram e que constituiriam as premissas necessárias e indispensáveis à prolação da decisão.7. 35. In casu, parece-nos claro e evidente que, para além da identidade de sujeitos, estamos perante também um mesmo «pedido» e «causa de pedir» - a questão concretamente apreciada e decidida em ambas as decisões judiciais é a mesma e só uma: a conexão e/ou separação de processos. 36. Concluindo-se pela inevitável revogação da presente decisão, devendo manter-se a competência para a realização do julgamento nos presentes autos, no Supremo Tribunal de Justiça, por força da norma contida no artigo 27.º, bem como do disposto nos artigos 30.º, n.º 1 e 31.º al. b), ambos do CPP. 37. No final da decisão, no ponto 93. o tribunal convida ainda o MP e os Arguidos a pronunciarem-se acerca da reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ. 38. Também neste particular se crê que o tribunal excede largamente o seu poder jurisdicional, pois que a decisão de pronúncia formou caso julgado formal, razão pela qual este parágrafo decisório é, também ele, atentatório dos princípios conformadores do processo penal, designadamente os princípios da identidade, da estabilidade, da indivisibilidade. 39. Ora, se o despacho de pronúncia é irrecorrível (artigo 310.º, n.º 1 do CPP), ao juiz de julgamento cabe conformar-se com a delimitação do objecto fixado, mas também quanto à factualidade ali elencada e encadeada. 40. Pelo que não se pode admitir o desmembramento da factualidade, trinchando aqueles factos que devem constar num e noutro processo, quando ao mesmo arguido dizem respeito, e tendo em conta que a prova a analisar é apenas uma num e noutro processo. 41. Se assim for, poderemos estar perante uma grave violação do ne bis in idem, princípio de Direito Constitucional Penal enunciado no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição. 42. Inaudita seria tal decisão, que colocaria o mesmo Arguido a ser julgado ao mesmo tempo, em relação à mesma factualidade, estando em causa a análise da mesma prova, em dois tribunais distintos. 43. Por outro lado, impõe-se que o tribunal que julga não seja o mesmo que define a factualidade que há-de ser levada a julgamento, assumindo assim uma dupla função de juiz de instrução e juiz de julgamento. 44. A manter-se a decisão recorrida, nestes exactos termos, mostra-se, igualmente violadora da limitação constante do artigo 310.º, n.º 1 do CPP, que determina a irrecorribilidade do despacho de pronúncia, que é garante da estabilidade do objecto do processo, assumindo assim caso julgado formal. 45. Para além do mais, está em causa a violação do princípio do juiz natural, ínsito no artigo 32.º, n.º 9 da CRP, que impõe a fixação do juiz competente que resulte da lei, sendo que só esta pode instituir o juiz e fixar a sua competência. 46. Assim, no Acórdão n.º 212/91 do Tribunal Constitucional afirma-se que “o nível processual representa este princípio uma emanação do princípio da legalidade em matéria penal, tendo a ver com a independência dos tribunais perante o poder político e proibindo ‘a criação (ou a determinação) de uma competência ad hoc (de exceção) de um certo tribunal para uma certa causa — em suma, os tribunais ad hoc)’”. Bold e sublinhado nosso 47. Neste processo, a determinação da competência do STJ, nos termos dos artigos 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, conjugado com os artigos 11.º, n.º 4 al. a) e artigo 27.º do CPP, fez-se atendendo à qualidade funcional do Recorrente e dos Arguidos FF e AA, Juízes ... à data do início e durante todo o decurso do inquérito – sendo que, quanto ao Arguido AA, tal qualidade funcional ainda se mantém. 48. Situação que, aliás, se veio a alterar ainda antes da prolação do despacho de acusação, tendo sido, por tal motivo, tida em conta na primeira decisão deste Alto Tribunal (24.02.2022), confirmando, assim, a referida conexão ao abrigo das regras contidas nos artigos 24.º e seguintes do Código de Processo Penal. 49. É que, com o devido respeito, para quem está de fora, isto é, para o cidadão comum (sendo certo que a Justiça é administrada em nome do povo e para o povo) vê nas consignadas justificações para separar o processo e desmembrar a pronúncia, uma discricionariedade e um livre arbítrio no mínimo atípicos e singulares, na medida em que o que parece (e a Justiça, para além de SER, também tem de PARECER) é que se pode julgar a mesma pessoa, tendo em conta a mesma factualidade ilícita, pelos mesmos crimes, em dois tribunais distintos, ao mesmo tempo, incumprindo, assim, as normas legais impostas, para se postergar apenas e só um princípio Constitucional (Juiz Natural), aparentemente, sem qualquer dignidade. 50. As regras respeitantes à competência do tribunal integram o elenco taxativo das nulidades insanáveis, nos termos do artigo 119.º do Código de Processo Penal. 51. Face ao exposto, estando em causa a violação das regras de competência do tribunal e do princípio do juiz natural - princípio constitucional consagrado no artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, a decisão recorrida padece de nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P., a qual uma vez mais se invoca para os devidos efeitos legais. 52. Do mesmo passo, a interpretação das normas de conexão contidas nos artigos 24.º, 27.º e 29.º a 31.º do Código de Processo Penal, no sentido de ordenar a separação do processo e o reenvio do processo separado ao Tribunal Central Criminal de ..., é em si inconstitucional, por violação do princípio do ... natural, na dimensão da garantia de tribunal estabelecida por lei, acolhida pelo artigo 32.º n.º 9 da Constituição – que mais uma vez se arguiu. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, devendo V.Exas. ordenar a substituição do despacho de saneamento por outro, que declare o Supremo Tribunal de Justiça competente para o julgamento de todos os crimes e em relação a todos os Arguidos, prosseguindo os autos para a fase de Julgamento.” I.6. II veio igualmente interpor recurso. A final tirou as seguintes conclusões: A. “A.Debruça-se o presente recurso sobre a existência de caso julgado formal quanto à matéria agora colocada em crise e, dessa forma, sobre a consequente violação do mesmo pelo douto Despacho recorrido, bem como sobre a violação do princípio do juiz natural. B. Consabido é que, as decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, têm assim valor intraprocessual, vinculativo no próprio processo em que a decisão é proferida, adquirindo, em regra, valor de caso julgado formal, as decisões de forma (art. 620º do CPC), que incidem sobre aspetos processuais (que, em qualquer momento do processo, apreciam e decidem questões que não sejam de mérito), tornando-se vinculativas no processo, e produzindo efeitos processuais: enquanto efeito negativo, resulta da decisão transitada a insusceptibilidade de qualquer Tribunal, incluindo o que a proferiu, se voltar a pronunciar sobre ela; como efeito positivo, resulta da decisão transitada a vinculação do Tribunal que a proferiu (e de outros) ao que nela foi definido ou estabelecido. C. Nessa medida, importa realçar que, a questão suscitada – a cessação da conexão processual – foi discutida e apreciada quando, por Despacho de 12 de Julho de 2021, foi determinada a cessação da conexão processual e ordenada a separação do processo na parte que respeitava ao arguido AA, e declarando o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos. D. O douto Despacho de 12 de Julho de 2021 veio a ser revogado por douto Acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022, determinando-se a sua substituição por outro que declarasse aberta a fase de instrução, prosseguindo os autos no Supremo Tribunal de Justiça atenta a competência atribuída. E. O Despacho ora recorrido, ao decidir como decidiu, violou manifestamente o caso julgado formal que se formou nos apresentes autos com o douto Acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022, transitado em julgado. F. Dúvidas não devem resistir de que, a questão processual suscitada, apreciada e decidida pelo douto Despacho recorrido é a mesma que a apreciada e decidida no douto Acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022, transitado em julgado, não se dizendo em contrário que, a argumentação expendida no Despacho ora recorrido difere da expendida no douto Acórdão de 24.02.2022 pois que, os efeitos processuais do trânsito em julgado, que aportaram o valor de imutabilidade ao objeto apreciado e decidido, verificam-se no caso sub judice. G. Neste sentido leia-se o entendimento expendido no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.05.2022, processo 1320/14.2TMPRT.P1, (disponível em www.dgsi.pt), que perfilhamos: “À delimitação do objecto processual apreciado é alheia a argumentação aduzida pelas partes e/ou considerada pelo tribunal – a argumentação jurídica aduzida em sustento da decisão sobre determinado aspecto processual da causa não integra a definição da questão processual objecto de apreciação (da questão concretamente conhecida e apreciada).” – realce e sublinhado nosso. H. Assim, a análise dos pressupostos respeitantes à separação ou conexão dos processos já havia sido alvo de análise, discussão e decisão no douto Acórdão de 24.02.2022, encontrando-se preenchidos os critérios de verificação de caso julgado formal. I. Por outro lado, salvo o devido respeito por opinião contrária, verifica-se que, as questões agora suscitadas no Despacho recorrido já existiam à data da prolação do Despacho que motivou o douto Acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022, motivo pelo qual deviam ou podiam ter sido conhecidas àquela data. J. De facto, a terem sido tidas em conta – como cremos que foram pese embora sem realce ou necessidade de as enumerar – terão sido descartadas por inaplicáveis pois que, a admitir o inverso, e se assim não se entendesse estaríamos perante decisão instrutória proferida por Tribunal incompetente comportando, portanto, a nulidade de toda a fase instrutória. K. Esta violação, traduz-se em nulidade insanável nos termos e para os efeitos do artigo 119.º do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso, mas que desde já se vem arguir para os devidos e legais efeitos. L. Motivo pelo qual, atenta a violação das regras de competência do Tribunal e do princípio do juiz natural, o Despacho recorrido encontra-se ferido de inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 9 da Constituição da República Portuguesa, bem como padece de nulidade insanável nos termos e para os efeitos do artigo 119.º, n.º 1 do Código de Processo Penal o que, desde já se vem arguir para os devidos e legais efeitos. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, devendo V.ª Exas. ordenar a revogação do Despacho de Saneamento ora recorrido, e a sua substituição por outro que declare o Supremo Tribunal de Justiça competente para o julgamento de todos os crimes e em relação a todos os arguidos, prosseguindo os autos para a fase de julgamento.” I.6. O Ministério Público, em permitido pelo artigo 413º, nº 1, do CPP1, veio trazer resposta às motivações dos recursos apresentados pelos arguidos FF, BB, II e CC e GG (os dois últimos em articulado conjunto). E assinalando que “a pretensão visada nos recursos dos arguidos coincide com a pretensão visada no recurso oportunamente interposto pelo Ministério Publico”, entende que os recursos dos arguidos devem proceder, porque fundados em razões coincidentes com as já invocadas no recurso do Ministério Publico. I.7. O Sr PGA, pela mesma pena, ao abrigo do artigo 416º do CPP, emitiu parecer, sustentando o apresentado no seu recurso. Começa por sinalizar que o elemento aglutinador de todo o processo é o comportamento imputado ao arguido BB. E depois de efectuar a súmula dos sustentos de todas as pretensões recursivas, subscreve “na íntegra, a argumentação vertida na motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público – com o que se acolhe também a coincidente argumentação exposta pelos arguidos nas respectivas motivações de recurso -, entendendo, assim, que os recursos merecem provimento e que a decisão recorrida deve, por isso, ser revogada/declarada nula e ser substituída por outra que, aceitando a competência do STJ para o julgamento de todos os factos e arguidos constantes da pronúncia, contenha o despacho a que alude o artigo 311.º-A do Código de Processo Penal.” I.8. Cumprido o contraditório, ut artigo 417º, nº 2, do CPP, veio resposta de JJ, sustentando que o STJ “não é o Tribunal competente para o julgamento dos crimes imputados a todos os arguidos, nomeadamente a JJ.” Os crimes para os quais o Supremo Tribunal de Justiça é competente para julgar são necessariamente e só os crimes imputados ao arguido AA – dado ser o único, atualmente, a deter a qualidade de Juiz ... e a estar abrangido pelo foro próprio que o artigo 11º n.º 4 alínea a) e o artigo 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais estabelecem –, e ainda os crimes eventualmente conexos com aqueles. Os crimes imputados a JJ não têm, nunca tiveram, qualquer conexão com os crimes imputados a AA. Mas mesmo que houvesse, defende o arguido, sempre haveria interesse ponderoso e atendível do arguido (30º, nº 1, al. a), do CPP) para fazer cessar a conexão os seus direitos de defesa que sempre imporiam um duplo grau de jurisdição (arts 27º e 32º da CRP, 8º da DUDH e 13º da CEDH). E mesmo que se queira defender uma maior estabilidade da instância, uma interpretação literal do artigo 31º n.º 1 alínea b) do CPP é, porém, inconstitucional, por violação dos artigos 32º n.º 1 e 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que é manifestamente desproporcionado que arguidos sem foro especial sejam julgados em 1ª instância no Supremo Tribunal de Justiça, assim perdendo o seu direito fundamental a um recurso em processo penal, apenas a bem duma maior estabilidade da instância. Além de violar a regra de discriminação objetiva estipulada no artigo 11º nº 4 alínea a) do CPP (acs do STJ de 12/10/2000 e AUJ 2/2002). Acaba a pugnar pela manutenção do despacho recorrido. I.9. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência. I.10. Admissibilidade e objeto dos recursos Os recursos foram admitidos por despacho de 05/05/2023. Sem embargo do disposto no artigo 414º, nº 3, certo é que nada obsta à sua admissibilidade já que foram interpostos em tempo e quer o MºPº quer os arguidos têm legitimidade e interesse em agir e estão em tempo. Os Recorrentes para sustento das suas pretensões, que são comuns2, invocam, no somatório dos fundamentos, a violação do caso julgado formal que se formou nos presentes autos com o acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022, transitado em julgado; violação do princípio do juiz natural por violação das regras de conexão; e, não havendo caso julgado formal, nulidade insanável da instrução e da decisão instrutória, nos termos e para os efeitos do artigo 119.º, proémio e al. d), do Código de Processo Penal, por incompetência do STJ para tal; violação dos artigo 30º, nº 1, al. c), e 31º, nº 1, al. b), do CPP, constitutiva de nulidade insanável, nos termos do artigo 119, nº 1, al. e); violação do artigo 310, nº 1, do CPP, afrontando o caso julgado formal; inconstitucionalidade das normas sobre competência por conexão na interpretação que lhes foi dada pelo despacho recorrido; violação do ne bis in idem por via da reconfiguração factual a final ordenada. A questão a decidir é a de saber se este Supremo Tribunal de Justiça, em face da acusação, do acórdão de 24/02/2022 e do subsequente despacho de pronúncia proferidos, “apenas é competente para o julgamento da conexão de processos que legalmente se verifica entre os seguintes crimes e respetivos agentes: - Um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos artigos 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. c), todos do C. Penal, que é imputado em coautoria aos arguidos AA, BB, CC e DD; - Um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, pelo artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do C. Penal, imputado ao arguido EE; - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado em coautoria aos arguidos AA e BB; - Um crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, apenas imputado ao arguido AA;” como o decidiu o despacho recorrido; Ou se, como pugnam os recorrentes, é o STJ competente para o julgamento de todos os crimes objeto da acusação e da pronúncia. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. Iter processual Recuperemos, citando-a, a factualidade processual já descrita no despacho recorrido: “1. Os presentes autos, cuja fase de julgamento se inicia agora, tiveram início com a extração de uma certidão provinda do inquérito identificado pelo NUIPC 398/14.3..., tendo sido autuado em 02-09-2016 nos serviços do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no artigo 265.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP - ao qual se referem todos os artigos sem outra indicação), uma vez que era então suspeito o ora arguido BB, então Juiz ... no Tribunal da Relação de ..., sendo a factualidade a investigar no Inquérito suscetível de integrar, em abstrato, a prática dos crimes de fraude fiscal, p e p no artigo 103.º do RGIT, de recebimento indevido de vantagem ou de corrupção ou ainda de tráfico de influência, p e p, pelos arts. 372.º, 373.º e 335.º, n.º 1, al. a), todos do CP. 2. Posteriormente, ainda na fase de inquérito, BB e FF, à data Juíza ..., foram constituídos arguidos em ...-02-2018. 3. Por sua vez, em ...-01-2020, foi constituído arguido AA, igualmente Juiz .... 4. O arguido BB foi desligado do serviço, por despacho do Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de …-03-2020, por via de aplicação de pena disciplinar de demissão, com efeitos reportados a … de Dezembro de 2019 – DR, 2.ª série, n.º …, de …-…-2020, pelo que deixou de lhe ser reconhecido desde então o foro especial a que se reportam o artigo 11.º, n.º 4, al. a) e o artigo 19.º, do EMJ, já que as referidas sanções produzem efeitos imediatos (vd infra 5. A arguida FF foi desligada do serviço, por despacho do Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de …-05-2020, para efeitos de aposentação compulsiva, com efeitos a … de Dezembro de 2019. 6. Encerrado o Inquérito em 08-09-2020 (cfr. ref.ª citius ......79), o Ministério Público deduziu então acusação contra os 17 arguidos que ali figuram. 7. Por despacho proferido em 11-12-2020 foi declarado extinto o procedimento criminal quanto ao arguido KK, por óbito (em ...-...-2020), nos termos dos arts. 127.º e 128.º, ambos do CP, e consequente arquivamento dos autos quanto a este arguido. 8. Requereram a abertura de instrução os arguidos CC e GG, JJ, LL, MM. Os arguidos NN e OO requereram a abertura de instrução, requerendo apenas a suspensão provisória do processo 9. Distribuídos e autuados os autos para a fase de instrução em 17-05-2021 e 18-05-2021, respetivamente (cfr. ref.ª ......06), por despacho judicial de 12-07-2021 foi declarada cessada a conexão processual e ordenada a separação do processo no que se reporta ao arguido AA e declarada a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, determinando-se o envio do (original) do processo para o Tribunal de Instrução Criminal de ... por se considerar ser esse o Tribunal competente para a instrução. Determinou-se ainda a extração de traslado de todo o processo para remessa do mesmo para a fase de julgamento pelo Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao arguido AA. O Ministério Público e os arguidos CC e GG, não se conformando com tal decisão, dela interpuseram recurso. 10. Por acórdão de 24-02-2022, foram julgados procedentes os recursos interpostos e em consequência, foi revogado o despacho judicial de 12-07-2021, determinando-se a sua substituição por outro a declarar aberta a fase de instrução, prosseguindo os autos em instrução no Supremo Tribunal de Justiça. 11. Foi proferido despacho a declarar aberta a instrução relativamente aos arguidos CC e GG, LL, MM e JJ. 12. Foi rejeitado liminarmente o requerimento de abertura de instrução apresentado por NN e OO, por inadmissibilidade legal, nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do CPP. 13. Foi proferida decisão instrutória, em 16-12-2022, tendo sido pronunciados os arguidos pelos seguintes crimes: BB (TIR a fls. 3439), casado, nascido a ... de ... de 1955, filho de PP e de QQ, natural de ..., residente na Rua de ..., n.º ..., ... ...; Profissão: Juiz ... (à data dos factos) em concurso real e na forma consumada: - Em coautoria material com AA, CC e DD, na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, agravado, p e p nos arts. 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.os 2 e 3, por referência aos arts. 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP (corruptor ativo, EE). - Na prática de dois crimes de abuso de poder, p e p no artigo 382.º do CP, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, sendo um, cometido em coautoria com AA (artigo 26.º do CP). - Em coautoria material com FF, na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, agravado, previsto e punido nos arts. 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.º 2, do CP por referência aos arts. 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP (corruptor activo KK e DD). - Em coautoria material com JJ, MM e LL, na prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. nos arts. 26.º e 372.º, n.º 1 do CP; - Em coautoria material com FF e II, na prática de um crime de abuso de poder, com plúrimas execuções, p. e p. pelo disposto nos arts. 26.º, 28.º n.º 1 e 382.º, todos do CP; - Na prática de um crime de usurpação de funções, p e p no artigo 358.º, n.º 1, al. b), do CP (Elaboração de Pareceres e Projetos legislativos); - Em coautoria material com DD um crime de abuso de poder, p e p no artigo 382.º, por referência ao artigo 26.º, ambos do CP (Elaboração de Pareceres e Projetos legislativos); - Em coautoria material com DD e RR, na prática de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto nos arts. 26.º, 255.º, al. a), 256.º, n.º 1, als. d), e) e n.º 3, do CP; - Na prática de três crimes de falsificação de documento, p e p nos arts. 255.º, al. c) e 256.º, n.º1, al. f) e n.º 3, do CP (passaportes); - Em coautoria material (artigo 26.º do CP) com FF e DD, na prática de seis crimes de fraude fiscal (anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e de 2017), sendo qualificados nos anos de 2013 e de 2014, p e p nos arts. 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT); - Em coautoria material com FF, DD e SS, na prática de um crime de branqueamento, p e p no artigo 368.º-A, n.os 1 e 2, do CP, com referência ao artigo 26.º do mesmo diploma legal. Mais se requer a condenação na Pena Acessória prevista no artigo 66.º do CP. FF (TIR a fls. 3589), casada, nascida a ... de ... de 1957, filha de TT e de UU, natural da freguesia ..., concelho de ..., residente na Rua ..., lote ...., ..., em ...; Profissão: Juíza ... (à data dos factos), - em coautoria material com BB e na forma consumada, na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. no estabelecido nos arts. 26.º e 373.º, nº 1, do CP agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do CP (KK e DD); - Em coautoria material com os arguidos BB e II, na prática de um crime de abuso de poder, com plúrimas execuções, p. e p. pelo disposto nos arts. 26.º, 28.º, n.º 1 e 382.º, todos do CP; - Em coautoria material (artigo 26.º do CP) com BB e DD, na prática de seis crimes de fraude fiscal (anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e de 2017) sendo qualificados nos anos de 2013 e de 2014, p e p nos arts. 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias; - Em coautoria material com BB, DD e SS, na prática de um crime de branqueamento, p e p no artigo 368º-A, n.os 1 e 2, do C. Penal, com referência ao artigo 26.º do mesmo diploma legal. Mais requer a condenação na Pena Acessória prevista no art, 66.º do CP. AA (TIR a fls. 9997), divorciado, nascido a ... de ... de 1948, filho de VV e de WW, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente na Avenida ...., ..., Profissão: Juiz ... (à data dos factos e atualmente, jubilado): - Em coautoria material com BB, CC e DD, na prática de um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p e p no arts. 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.os 2 e 3, por referência aos arts. 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP (corruptor activo, EE). - Na prática de dois crimes de abuso de poder, p e p no artigo 382.º do CP, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, sendo um cometido em coautoria com o BB. Mais requer a condenação na Pena Acessória prevista no artigo 66.º do CP. CC (TIR a fls. 3572), casado, nascido a ... de ... de 1963, filho de XX e de YY, natural da freguesia de ..., concelho ..., residente na Avenida ..., ..., ...; Profissão: ... -Em coautoria material com BB, AA e DD na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, agravado, p. e p. no artigo 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos arts. 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP (corruptor activo, EE). - Na prática de um crime de abuso de poder, p. e p. no artigo 382.º do CP. - Em coautoria material com GG (artigo 26.º do CP), na prática de: - Um crime de fraude fiscal, p. e p. no artigo 103.º, n.º 1, al. a), do RGIT (anos de 2012 a 2015); - Uma contraordenação, p. e p. no artigo 119.º, n.º 1, do RGIT (anos de 2016 e de 2017). E na condenação na Pena Acessória prevista no artigo 66.º do CP. EE (TIR a fls. 9735), casado, nascido a ... de ... de 1963, filho de ZZ e de AAA, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente na Rua..., n.º ..., ...; Profissão: ...: - Na prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, no artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374º-A, n.º 2, do CP. JJ (TIR a fls. 3629), casado, nascido a ... de ... de 1949, filho de BBB e de CCC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente na Rua ..., ...; Profissão: ...: - Em coautoria material com LL e MM, na prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. nos arts. 26.º e 372.º, n.º 2 do CP. LL (TIR a fls. 3667), casado, nascido a ... de ... de 1959, filho de DDD e de EEE, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente na Rua ... em ...; Profissão: ...: - Em coautoria material com JJ e MM, na prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. nos arts. 26.º e 372.º, n.º 2 do CP. MM (TIR a fls. 3498), casado, nascido a ... de ... de 1957, filho de FFF e de GGG, natural da freguesia da Sé, concelho de ..., residente na Alameda ... ..., ... (vide fls. 9395); Profissão: ...: - Em coautoria material com JJ e LL, na prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. nos arts. 26.º e 372.º, n.º 2 do CP. DD (TIR a fls. 3461), casado, nascido a ... de ... de 1958, filho de HHH e de III, natural da freguesia de ..., concelho do ..., residente na Rua do ...c, ...; Profissão: ... - Em coautoria material com BB, AA e CC, na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, agravado, p e p nos arts. 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.os 2 e 3, por referência aos arts. 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP (corruptor activo, EE). - Em coautoria material com KK na prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito p e p nos arts. 26.º, 374.º, n.º 1 do CP, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do CP. - Em coautoria material com BB, na prática de um crime de abuso de poder, p e p no artigo 382.º, por referência ao artigo 26º, ambos do CP (Elaboração de Pareceres e Projetos legislativos). - Em coautoria material com BB e RR, na prática de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto nos arts. 26.º, 255.º, al. a), 256.º, n.º 1, als. d), e) e n.º 3, do CP. - Em coautoria material (artigo 26.º do CP) com BB e FF, na prática de seis crimes de fraude fiscal (anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017), sendo qualificados nos anos de 2013 e de 2014, p e p nos arts. 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias; - Em coautoria material com BB, FF e SS, na prática de um crime de branqueamento, p e p no artigo 368.º-A, n.os 1 e 2, do CP, com referência ao artigo 26.º do mesmo diploma legal. Incorre ainda o arguido DD na prática de um crime de falsificação de documento, p e p nos arts. 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. a), ambos do CP (Capítulo branqueamento). SS (TIR a fls. 3603), solteiro, nascido a ... de ... de 1990, filho de DD e de DD, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente na ...; Profissão: Assistente de ...: - Na qualidade de cúmplice (artigo 27.º do CP), na prática de seis crimes de fraude fiscal (2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017), de que são coautores BB, FF e DD, sendo dois qualificados, nos anos de 2013 e de 2014, p. e p. nos arts. 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias; - Em coautoria material com BB, FF e DD, na prática de um crime de branqueamento, p e p no artigo 368.º-A, n.os 1 e 2, do CP, com referência ao artigo 26.º do CP. JJJ (TIR a fls. 3615), solteiro, nascido a ... de ... de 1977, filho de KKK e de LLL, natural da freguesia de ..., concelho de ..., com morada atual na Avenida ...., ...; Profissão: ...: - Na qualidade de cúmplice (artigo 27.º do CP), na prática de dois crimes de fraude fiscal (2016 e 2017), de que são coautores BB, FF e DD, p. e p. no artigo 103.º, nº 1, al. a) do Regime Geral das Infrações Tributárias. OO (TIR a fls. 3541), divorciado, nascido a ... de ... de 1955, filho de MMM e NNN, natural da freguesia e concelho de ..., residente na Avenida ...., ...; Profissão: Reformado: - Na qualidade de cúmplice (artigo 27.º do CP), na prática de seis crimes de fraude fiscal (2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017), de que são coautores BB, FF e DD, sendo dois qualificados, nos anos de 2013 e de 2014, p. e p. nos arts. 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias. NN (TIR a fls. 4366), casada, nascida a ... de ... de 1976, filha de OO e de OOO, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente na Avenida ..., em ...; Profissão: sem profissão conhecida: - Na qualidade de cúmplice (artigo 27.º do CP), na prática de seis crimes de fraude fiscal (2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017), de que são coautores BB, FF e DD, sendo dois qualificados, nos anos de 2013 e de 2014, p. e p. nos arts. 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias. II (T.I.R. a fls. 3682), solteira, nascida a ... de ... de 1988, filha de PPP e QQQ, natural da freguesia de ..., concelho de ..., residente na Rua ..., ...; Profissão: ... em regime de estágio: - Em coautoria com BB e FF na prática de um crime de abuso de poder, com plúrimas execuções, p. e p. nos arts. 26.º, 28.º, n.º 1 e 382.º, todos do CP; - Na qualidade de cúmplice (artigo 27.º do CP), na prática de quatro crimes de fraude fiscal (2014, 2015, 2016 e 2017), de que são coautores BB, FF e DD, sendo um qualificado, no ano de 2014, p. e p. nos arts. 103.º, nº 1, al. a) e 104.º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias. GG (TIR a fls. 7726), casada, nascida a ... de ... de 1965, filha de RRR e de SSS, natural de ..., residente na Avenida ...., em ...; Profissão: Técnica ...: - Em coautoria material com CC (artigo 26.º do CP), na prática de: - Um crime de fraude fiscal, p. e p. no artigo 103.º, n.º 1, al. a), do RGIT (anos de 2012 a 2015); - Uma contraordenação, p. e p. no artigo 119.º, n.º 1, do RGIT (anos de 2016 e de 2017). RR, casado, nascido a ... de ... de 1969, filho de TTT e de UUU, de nacionalidade ..., residente na ..., em ..., com escritório na Avenida de ..., ...; Profissão: ... e .... - Em coautoria material com DD e BB, na prática de três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo disposto nos arts. 26.º, 255.º, al. a), 256.º, n.º 1, als. d), e) e n.º 3, do CP. 14. Remetidos os autos à distribuição para julgamento e autuados em 19-01-2023 e 20.01.2023, respetivamente, proferimos em 09-02-2023 despacho (cfr. ref.ª …07), a determinar a notificação do MP e arguidos para querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciarem, acerca dos pressupostos da conexão e separação de processos e respetivos efeitos na definição do objeto do processo a julgar nos presentes autos, dado ponderarmos pronunciarmo-nos sobre tais questões no despacho saneamento previsto no artigo 311.º CPP; 15. Notificados, o MP e alguns dos arguidos vieram pronunciar-se (em suma): - O MP, em 17-02-2023 (cfr. ref.ª ....95), reitera a posição expressa no recurso que interpusera do despacho de separação de processos anteriormente proferido nestes autos pelo Senhor Juiz Conselheiro de Instrução, despacho esse que o STJ viria a revogar por acórdão de 24/02/2022; - O arguido JJ, em 20-02-2023 (cfr. ref.ª ...), pronuncia-se pela separação de processos relativamente ao arguido AA, e em consequência a remessa do processo separado relativamente aos demais arguidos ao Tribunal de 1.ª Instância, para distribuição para julgamento, atenta a falta de competência do STJ para o julgamento desses outros arguidos; - O arguido LL, em 20-02-2023 (cfr. ref.ª ....75), opõe-se à possível separação de processos, pelas razões já expendidas pelo STJ, que então indeferiu a pretensão de separação dos autos de um dos arguidos, conteúdo decisório que constitui caso julgado formal nos presentes autos; - Os arguidos CC e GG, em 22-02-2023 (cfr. ref.ª ....68), opõe-se à separação de processos, requerendo a manutenção da conexão; - O arguido EE, em 22-02-2023 (cfr. ref.ª ....69), pretende a cessação da conexão processual, ordenando, consequentemente, a separação do processo no que se reporta ao arguido AA e bem assim declarar materialmente incompetente o Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, remetendo o respetivo julgamento para distribuição em primeira instância; - O arguido BB, em 22-02-2023 (cfr. ref.ª ....74), não tendo suscitado nem se pronunciado sobre esta questão em momento anterior, por ora, não se irá pronunciar quanto à mesma; - O arguido AA, em 22-02-2023 (cfr. ref.ª ....81), manifesta-se pela separação de processos, por deter a garantia de foro especial - pode ser julgado, sozinho, sem os outros arguidos que não têm essa garantia, sujeitando-o a um processo mais demorado, que afetará o seu direito a uma plena defesa e, sobretudo, a um julgamento mais rápido. - O arguido MM, em 23-02-2023 (cfr. ref.ª ....46), manifestou a sua não oposição à cessação da conexão existente e consequente separação de processos. Os demais arguidos nada vieram dizer.” II.2. Decisão recorrida Por despacho de 10/03/2023, agora recorrido, foi decidido que “IV 91. Por todo o exposto, conclui-se, em face da acusação e pronúncia proferidas, e nos termos do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. d), 27.º, 29.º e 32.º, n.º 2, 119.º, al. e) e 311.º, n.º 1, que o STJ apenas é competente para o julgamento da conexão de processos que legalmente se verifica entre os seguintes crimes e respetivos agentes: - Um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos artigos 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. c), todos do C. Penal, que é imputado em coautoria aos arguidos AA, BB, CC e DD; - Um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, pelo artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do C. Penal, imputado ao arguido EE; - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado em coautoria aos arguidos AA e BB; - Um crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, apenas imputado ao arguido AA. 92. Consequentemente, declara-se o STJ incompetente para o julgamento dos demais crimes objeto da acusação e pronúncia e, após trânsito em julgado do presente despacho, determinar-se-á, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do CPP, a remessa do original do presente processo ao Juízo Central Criminal de ..., por ser o tribunal judicial de comarca funcional e territorialmente competente para o julgamento por aqueles outros crimes, pois atendendo aos crimes pelos quais os diversos arguidos foram acusados e pronunciados, o seu julgamento cabe a um tribunal coletivo, nos termos do artigo 14.º, sendo territorialmente competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, atendendo ao local da prática dos crimes. Notifique 93. Após trânsito em julgado do presente despacho, extrair-se-á certidão integral do processo e apensos e, tendo sobretudo em conta o princípio da acusação, dar-se-á oportunidade ao MP de promover o que tiver por conveniente quanto à reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ, bem como aos arguidos para exercerem o contraditório, prosseguindo-se, após, com os demais termos do processo até ao início da audiência de julgamento.” II.3. DIREITO II.3.1. Iter processual anterior Como ressalta do iter processual supra sistematizado, no que toca à conexão de processos e consequente competência do STJ para conhecimento da matéria em discussão, houve já três diversas decisões sobre a questão. Importa dar conta das mesmas nos fundamentos e correspondentes dispositivos para melhor compreensão do que aqui está em causa, mas sobretudo para a economia e fundamentação do presente acórdão, e sempre sem olvidar que a primeira foi revogada pela segunda e que sob recurso está a terceira. A primeira é um despacho assinado em 12/07/2021 pelo Sr Conselheiro HH cujo dispositivo, no para aqui pertinente, é do seguinte teor: “a) ao abrigo do artº 30º, nº 1, al. c), do CPP, determinar a cessação da conexão processual, ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA; b) declarar o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos. Extraia certidão integral do presente processo e apensos, após abra vista ao Ministério Público junto deste STJ, para vir indicar a prova da acusação que se reporta ao arguido AA e, subsequentemente, autue e crie novo processo daí adveniente e remeta para distribuição para julgamento neste Supremo Tribunal de Justiça deste arguido. Oportunamente remeta o processo originário e respectivos apensos para o Juízo de Instrução Criminal de ..., para conhecer dos requerimentos de abertura de instrução. DN.” Este despacho foi proferido antes da apreciação da admissibilidade dos requerimentos de abertura da instrução e, como no próprio se enunciou, objetivou resolver duas interligadas questões prévias a essa apreciação: a) Competência do Supremo Tribunal de Justiça para a fase de instrução; b) Necessidade da separação de processos. Por súmula, extratemos os fundamentos desta decisão: Começa por assinalar a génese da competência do Supremo: “É notório da leitura da acusação, que elemento aglutinador de todo o processo é o comportamento imputado ao arguido BB: os factos de que é acusado constituem o denominador comum de toda a acusação. Depois, é possível segmentar factualidade, que envolve outros arguidos. Tratando-se aquele arguido do eixo central deste processo, as funções que exercia à data dos factos, Juiz BB, implicaram a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do foro próprio atribuído pelos artºs 11º, nº 4, al. a) e nº 7 do CPP e artº 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30/7). Sucede que, entretanto, a esse arguido foi aplicada a pena disciplinar de demissão, deixando de lhe serem aplicadas as normas de atribuição de foro especial, já que a referida sanção produziu efeitos imediatos. O mesmo se diga, aliás, em relação à arguida FF, já que, tendo-lhe sido aplicada a pena de aposentação compulsiva, igualmente não reúne as premissas necessárias para a atribuição de foro próprio.” Sublinha a seguir, citando larga e uniforme jurisprudência, que a competência do STJ por via de foro próprio atribuído pelos artigos 11º, nºs 4, al. a), e 7, do CPP, e artigo 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, (L. 21/85, de 30/07), pressupõe o exercício efetivo da função, e conclui que “mesmo à data da dedução da acusação, os arguidos BB e FF não reuniam os pressupostos necessários para aplicação do foro próprio.” Exatamente porque ao primeiro já tinha sido aplicada a pena disciplinar de demissão, deixando de lhe serem aplicadas as normas de atribuição de foro especial, já que a referida sanção produziu efeitos imediatos. E, em relação á segunda, tendo-lhe sido aplicada a pena de aposentação compulsiva, igualmente já não reunia as premissas necessárias para a atribuição de foro próprio. Pelo que “o único elo de ligação que atribui competência ao Supremo Tribunal de Justiça é o Sr Juiz ... AA”. Arguido este que acusado, em coautoria material com BB, CC e DD, na prática de um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p.p. no artº 373º, nº 1 e 374º-A, nº 2 e 3, por referência aos art. 26º, 202º, al. b) e 386º, nº 1, al. d), todos do C. Penal (corruptor activo, EE) e na prática de dois crimes de abuso de poder, p.p. no art. 382º do C. Penal, por referência ao art. 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, sendo um, cometido em coautoria com BB, não requereu a abertura de instrução. A partir daí, reconhecendo que a circunstância de vários outros arguidos, sete, terem requerido a instrução retardaria excessivamente o direito do arguido AA a ser julgado imediatamente, com base no artigo 30º, nº 1, al. c), do CPP, avançou para a separação do seu processo, a ser tramitado no STJ, com a tramitação do demais processual, por inexistente elo de ligação com o STJ, a ser tramitado na 1ª instância, concretamente no Tribunal de Instrução Criminal da 1ª instância. II.3.2. Interpostos recursos dessa decisão pelo MºPº e pelos arguidos CC e GG, sobreveio o acórdão de 24/02/2022 da 5ª secção deste STJ, que decidiu: “a) Julgar procedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelos arguidos CC e GG. b) Em consequência, revogar a Decisão Judicial proferida a 12 de julho de 2021, que determinou a cessação da conexão processual ordenando a separação do processo, no que se reporta ao arguido AA, e declarou a incompetência do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, devendo ser substituída por outra que declare aberta a fase de instrução, prosseguindo os autos em instrução no Senhor Juiz Conselheiro de Instrução da Secção Criminal do STJ.” Definiu o acórdão o objeto do recurso: “Da motivação apresentada pelos recorrentes, e designadamente das suas conclusões, acima transcritas, decorre claramente que uma única questão está em causa: a de saber se se justifica ou não, no caso, designadamente em vista do disposto no art. 30º, nº 1, alínea c), do CPP, a separação de processos determinada pela decisão recorrida e, questão diretamente relacionada com esta, se mesmo a manter-se a separação, ainda seria este Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do processo relativamente aos demais arguidos por força da regra de prorrogação de competência, nos termos do artigo 31º, alínea b), do CPP.” E, em síntese, para a decisão, citando-o, apresentou os seguintes fundamentos: “Entre as normas que estabelecem a competência em matéria penal determinada pela qualidade das pessoas, o artigo 11º, nº 4, alínea a), do CPP atribui ao Supremo Tribunal de Justiça a competência para julgar processos por crimes cometidos por juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações e magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados. Nestes autos, a qualidade funcional de três dos arguidos, Juízes AA, BB e FF, não apenas à data dos factos mas no início e no decurso do inquérito, determinou o foro próprio e a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 19.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30/7) e 11.º, n.º 4, al. a), do CPP, bem como a competência deste, por conexão, quanto aos demais arguidos, por força do disposto no art.º 27.º do CPP.” Depois, sublinha igualmente que a garantia de foro próprio só se mantém enquanto houver exercício de funções. E refere que “No caso presente, sucede que, entretanto, o arguido BB foi desligado do serviço, por despacho do Exmº Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de …/3/2020, por via de aplicação de pena disciplinar de demissão, com efeitos reportados a 6 de Dezembro de 2019 - DR 2ª série nº …, de …/…/2020. Do mesmo modo, a arguida FF foi desligada do serviço, por despacho do Exmº Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, de …/5/2020, para efeitos de aposentação compulsiva, com efeitos a … de dezembro de 2019. E, assim sendo, deixariam de lhes ser aplicadas as normas de atribuição de foro especial, já que as referidas sanções produzem efeitos imediatos.” E adianta: “Diremos, desde já, que ocorrendo conexão de processos na fase de inquérito, art.º 24º, nº 1 do Código de Processo Penal (como é o caso dos autos), tendo em atenção a estrutura acusatória do nosso processo penal, pertence ao Ministério Público a competência para decidir da apensação e da separação de processos – Neste sentido Acórdão TRG de 29 de Março de 2011, cujo juízo de constitucionalidade foi confirmado pelo Acórdão n.º 21/2012 do TC. (…) Só que, colocando a questão dentro do instituto da competência por conexão, ordenando a separação do processo quanto ao arguido AA, por entender verificada a “cláusula aberta” prevista na alínea c), do nº1, do artigo 30º do Código de Processo Penal, declarando o Supremo Tribunal de Justiça incompetente para conhecer do processo em relação aos demais arguidos, e ordenando que o processo originário e respetivos apensos fossem enviados para o Juízo de Instrução Criminal de ... para conhecimento dos requerimentos de abertura de instrução, temos que a solução a que chegou o Mmo. Juiz Conselheiro de Instrução conflitua com o disposto no art.º 31º al. b) do Código de Processo Penal, donde resulta que a sua competência se estende “aos processos separados” (como melhor se explicitará infra).” Acaba a não aceitar a separação do processo relativo ao arguido AA, descartando por inverificado o fundamento da al. c), do nº 1, do artigo 30º. E, na sequência, adita que, “mesmo concordando com a argumentação da decisão recorrida, no sentido de que, deixando de ser aplicadas aos arguidos BB e FF, as normas de atribuição de foro especial, apenas se firmando a competência deste Supremo Tribunal de Justiça, por via da regra do foro próprio e do artº 27º do CPP, em relação ao arguido que mantém o estatuto de Juiz AA, e mesmo aceitando a separação processual com o fundamento invocado, isto é, com o fundamento de que a abertura de Instrução requerida por alguns dos arguidos atrasaria irremediavelmente o direito do arguido AA a um julgamento célere, mesmo assim, mantinha o Supremo Tribunal de Justiça a competência para a fase de instrução, atento o disposto no artigo 31º, alínea b), do Código de Processo Penal e com a previsão contida no artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa, garante constitucional de que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. A letra da lei é inequívoca quando determina que, separada a parte de um processo referente à conduta de um dos co-arguidos, o tribunal que ordenou a separação processual continua a ser o competente se a separação processual tiver sido determinada por um dos fundamentos invocados no nº 1 do artigo 30º do CPP. (…) Concluindo-se que o artigo 31º, alínea b), do CPP, consagra expressamente a manutenção da competência do tribunal pré-determinado legalmente para conhecer de processos conexos quando se alteraram os pressupostos que determinaram a agregação, a separação de processos não determina a remessa do processo separado para distribuição, permanecendo ele na mesma secção do mesmo tribunal. (…) Assim sendo, o douto despacho recorrido ao determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Instrução Criminal de ... – constituindo um verdadeiro desaforamento (artigo 39º da LOSJ), em colisão com a regra de prorrogação de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação do caso (artigo 31º, alínea b), do CPP) ainda que fosse determinada a separação processual – encontra-se ferido de nulidade insanável prevista no artigo 119º, alínea e), do Código de Processo Penal, por violação das regras de competência por conexão fixadas nos artigos 24.º, 27.º e 29.º a 31.º do Código de Processo Penal (Henriques Gaspar em anotação ao artigo 119º do Código de Processo Penal, em Código de Processo Penal Comentado, 2021, 3ª ed. Revista, Almedina, p. 335), mostrando-se de igual modo ferido de inconstitucionalidade, por violar o princípio do juiz natural, na dimensão de garantia de tribunal estabelecida por lei, expressamente acolhido no artigo 32º, nº 9, da Constituição da República Portuguesa.” E finalizou a decidir, como supra se transcreveu. Não tendo sido objeto de qualquer forma de impugnação, transitou logo a seguir em julgado. II.3.3. O despacho aqui submetido a recurso decidiu o seguinte: “Por todo o exposto, conclui-se, em face da acusação e pronúncia proferidas, e nos termos do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, al. d), 27.º, 29.º e 32.º, n.º 2, 119.º, al. e) e 311.º, n.º 1, que o STJ apenas é competente para o julgamento da conexão de processos que legalmente se verifica entre os seguintes crimes e respetivos agentes: - Um crime de corrupção passiva, para acto ilícito, agravado, p. e p. pelo artigo 373.º, n.º 1 e 374.º-A, n.ºs 2 e 3, por referência aos artigos 26.º, 202.º, al. b) e 386.º, n.º 1, al. c), todos do C. Penal, que é imputado em coautoria aos arguidos AA, BB, CC e DD; - Um crime de corrupção activa para acto ilícito, p e p, pelo artigo 374.º, n.º 1, agravado pelo artigo 374.º-A, n.º 2, do C. Penal, imputado ao arguido EE; - Um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386.º, n.º 1, al. d), do mesmo diploma legal, imputado em coautoria aos arguidos AA e BB; - Um crime de abuso de poder p. e p. pelo artigo 382.º do C. Penal, por referência ao artigo 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, apenas imputado ao arguido AA. 92. Consequentemente, declara-se o STJ incompetente para o julgamento dos demais crimes objeto da acusação e pronúncia e, após trânsito em julgado do presente despacho, determinar-se-á, nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do CPP, a remessa do original do presente processo ao Juízo Central Criminal de ..., por ser o tribunal judicial de comarca funcional e territorialmente competente para o julgamento por aqueles outros crimes, pois atendendo aos crimes pelos quais os diversos arguidos foram acusados e pronunciados, o seu julgamento cabe a um tribunal coletivo, nos termos do artigo 14.º, sendo territorialmente competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, atendendo ao local da prática dos crimes. Notifique 93. Após trânsito em julgado do presente despacho, extrair-se-á certidão integral do processo e apensos e, tendo sobretudo em conta o princípio da acusação, dar-se-á oportunidade ao MP de promover o que tiver por conveniente quanto à reconfiguração factual e probatória do processo a julgar no STJ, bem como aos arguidos para exercerem o contraditório, prosseguindo-se, após, com os demais termos do processo até ao início da audiência de julgamento.” E assim restringiu a latitude da competência por conexão do STJ aos crimes cometidos pelo arguido AA e seus comparticipantes. II.4. Apreciação - Do invocado caso julgado formal e da invocada sua consequente constituição como obstáculo à decisão recorrida II.4.1. Como atrás o enunciámos, os Recorrentes para sustento das suas pretensões, que são comuns, invocam, no somatório dos fundamentos, a violação do caso julgado formal que se formou nos presentes autos com o acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2022, transitado em julgado; violação do princípio do juiz natural por violação das regras de conexão; e, não havendo caso julgado formal, nulidade insanável da instrução e da decisão instrutória, nos termos e para os efeitos do artigo 119.º, proémio e al. d), do Código de Processo Penal, por incompetência do STJ para tal; violação dos artigo 30º, nº 1, al. c), e 31º, nº 1, al. b), do CPP, constitutiva de nulidade insanável, nos termos do artigo 119, nº 1, al. e); violação do artigo 310, nº 1, do CPP, afrontando o caso julgado formal; inconstitucionalidade das normas sobre competência por conexão na interpretação que lhes foi dada pelo despacho recorrido; violação do ne bis in idem por via da reconfiguração factual a final ordenada. Obedecendo à ordem lógica que se revela mais eficiente, como manda o artigo 608º do CPC, aplicável no processo penal ex vi do artigo 4º do CPP, conhecer-se-á em primeiro lugar da alegação de verificação de caso julgado formal, cuja eventual procedência determinará o prejuízo do demais. O despacho recorrido abordou a questão da verificação, ou não, de caso julgado formal no que diz respeito ao acórdão de 24/02/2022. E disse não. Assim: “Sem que a hipótese aventada de caso julgado formal se verifique, porém, dado o concreto objeto e fundamentos do presente despacho. Vejamos, sumariamente, porquê. 80 Antes de mais, uma vez que o CPP de 1987 não regula a figura do caso julgado (material ou formal), é entendimento pacífico (ao que cremos), serem tais figuras relevante em processo penal, nomeadamente em face do princípio da intangibilidade do caso julgado reconhecido no artigo 282.º, n.º 3, da CRP e, também, ser-lhes aplicável a disciplina prevista no Código de Processo Civil para aqueles institutos, nomeadamente o disposto nos artigos 620.º e 625.º, 580.º e 581.º, do NCPC, na medida em que aquela disciplina se harmonize com o processo penal, tudo por via do disposto no artigo 4.º. 81. No que concerne à noção legal e requisitos do caso julgado, dispõem os artigos 580.º, n.º 1 e 581.º, n.º 1, do CPC, que o caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, o que pressupõe uma tríplice identidade entre as decisões em causa: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir , embora estas categorias, próprias do processo civil, tenham de ser entendidas cum grano salis no processo penal (assim, ac STJ de 25-09-2015 (rel. FRANCISCO CAETANO) - acessível em https://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/1475854925_Ac._STJ_de_24-09-2015.pdf. 82. Ora, pelo presente despacho, proferido nos termos do artigo 311.º, n.º 1, procede-se à apreciação dos pressupostos ou requisitos de que a lei faz depender a conexão de processos (artigo 24.º) e à delimitação do âmbito da conexão de processos concretamente verificada, do que resulta a competência do STJ, por conexão, para o julgamento pelos crimes imputados ao arguido AA e pelos crimes que se encontram em conexão com aqueles e a consequente incompetência deste tribunal relativamente aos demais crimes. 83. Aspetos estes que não foram sequer abordados nas decisões proferidas na fase de instrução, que não apreciaram a verificação dos pressupostos processuais de conexão, à luz das regras contidas nos artigos 24.º e seguintes do Código de Processo Penal, antes se apreciou e decidiu da separação de processos conexos nos termos do artigo 30.º. n.º 1, al. d) relativamente ao arguido AA, e da (eventual) incompetência do STJ para proceder à instrução (relativamente a todos os demais arguidos) na sequência de eventual separação de processos (que não foi confirmada em recurso), face ao disposto no artigo 31.º, n.º 1, al. b); 84. Sendo assim, não há identidade quanto ao «pedido» e «causa de pedir» - a que corresponderá no processo penal a questão ou questões concretamente apreciadas e decididas em ambas as decisões judiciais -, entre, por um lado, o presente despacho, proferido nos termos do artigo 311.º, n.º 1, e as decisões judiciais proferidas na fase de instrução. 85. As decisões proferidas na fase de instrução e o presente despacho de saneamento têm em comum o tópico ou tema genérico da conexão e separação de processos, mas apreciaram-se e decidiram-se questões concretas bem diversas, pelo que cremos mostrar-se afastada a hipótese de o presente despacho violar caso julgado eventualmente formado com o despacho e o acórdão proferidos na fase de instrução. São diferentes as questões processuais abordadas e decididas pelo presente despacho e as questões concretas que foram objeto das decisões proferidas na fase de instrução e das quais terá partido o arguido LL para se referir a eventual caso julgado formal. 86. Por outro lado, sem desenvolver a questão, sempre se diga que mesmo que o presente despacho tivesse versado igualmente sobre a separação de processos nos termos do artigo 30.º, n.º 1, al. 1d) e a consequente competência do STJ para o julgamento (artigo 31.º, al. b) – o que não fez, minimamente -, sempre cumpriria ponderar a relevância de outros aspetos da questão. 87. Com efeito, apesar de também em processo penal o caso julgado formal respeitar ao efeito das decisões no próprio processo em que são proferidas (CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, vol. 2, p. 25), implicando a sua definitividade, quer no sentido da sua irrecorribilidade como da sua irrepetibilidade, o processo penal não pode ser perspetivado em bloco como realidade unitária desde o seu início até ao respetivo termo, contrariamente ao processo civil, dada a diversidade de fases que o compõem, cada uma delas com finalidades próprias e titularidades igualmente distintas, nomeadamente no âmbito, mais restrito, das fases judiciais ou jurisdicionais de instrução e julgamento, aqui em causa. 88. Aspetos que, porém, aqui não se desenvolverão por crermos não se verificar sequer a aparência de caso julgado formal, dado que, desde logo, como referido, são bem distintas as questões e disposições processuais apreciadas que serviram da base às decisões proferidas na fase de instrução, por um lado, e, por outro, no início da fase de julgamento pelo presente despacho de saneamento.” II.4.2. Vejamos: Como definido por Germano Marques da Silva, “Direito Processual Penal Português”, III, UCE, 2018, pag. 36, “O caso julgado é um instituto que visa a proteção das decisões jurisdicionais, sem o que essas decisões não seriam vinculativas já que poderia ser repetidamente modificadas, Diz-se da decisão judicial que é irrevogável que tem efeito de caso julgado.” Nos termos do artigo 620º, nº 1, do CPC, sob a epígrafe de “caso julgado formal”, aplicável ao processo penal por força do artigo 4º do C.P.P., “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.” E nos termos do artigo 621º, sob a epígrafe, “Alcance do caso julgado”, também pela mesma via aplicável no processo penal, “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.” Da conjugação das normas se extrai que o caso julgado formal, concernente a decisões de questões ou matérias que não são de mérito têm força obrigatória dentro do processo, na latitude exata do âmbito objetivo e extensão do conteúdo da decisão transitada. O caso julgado tem por escopo assegurar a estabilidade da decisão judicial, a segurança e a confiança jurídicas e a proteção das expectativas criadas por decisão judicial anterior, que não tendo sido objeto de recurso se estabilizou. “Há caso julgado formal quando a decisão se torna insuscetível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito. Em processo penal o caso julgado formal atinge, pois, no essencial, as decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade – a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objeto do processo-, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retração processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão. No rigor do procedimento, o caso julgado formal constitui um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.” (in ac. do STJ de 20/10/2010, proc. nº 3554/02.3TDLSB.S2) E como sublinha Damião da Cunha, in “O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória”, 2002, p. 143-144, os conceitos de «efeito de vinculação intraprocessual» e de «preclusão» - referidos ao âmbito intrínseco da actividade jurisdicional - querem significar que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente (i) um efeito negativo, no sentido de não poder ser colocada novamente em «juízo», de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), e (ii) um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento), no sentido de que, no decorrer da actividade jurisdicional, as questões subsequentes que estejam numa relação de «conexão» não coloquem em causa o já decidido - ou seja, existe o dever de retirar as consequências jurídicas que decorrem da anterior decisão. Este raciocínio, adianta o mesmo Autor vale, não só em primeira instância, como em segunda ou terceira instância (embora o grau de vinculação dependa da especificidade teleológica de cada grau de recurso). E este mecanismo vale - ao menos num esquema geral - para qualquer tipo de decisão, independentemente do seu conteúdo, isto é, quer se trate de uma decisão de mérito, quer de uma decisão «processual». Mas tendo sempre presente que o caso julgado apenas se forma relativamente a questões que tenham sido direta e concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação. O caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu, em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário, já que após o proferimento de uma decisão judicial verifica-se a extinção do poder jurisdicional do juiz, artigo 613º, n.ºs 1 e 3 do CPC, o que significa que o tribunal não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada. Realce-se, matéria apreciada. Temos, assim, que o problema do âmbito objectivo se prende com a determinação do quid e do quantum de matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor de indiscutibilidade do caso julgado, sendo que este abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos. O efeito de vinculação intraprocessual, em efeito positivo, vincula o juiz ao já decidido, o efeito de preclusão, em efeito negativo, impede a regressão do processo. Ambos os efeitos acabam por impor o dever de retirar as consequências jurídicas que decorrem da anterior decisão que, nos seus termos, não pode ser reapreciada, evitando instabilidade processual e contradição de julgados. Assim para resolução da questão da verificação de caso julgado tem de começar por se aferir se há identidade do decidido e se o foi com base nos mesmos pressupostos e no mesmo iter processual, comparando para o aqui pertinente o despacho recorrido, de um lado, e o acórdão de 24/02/2022 e o despacho de pronúncia proferido na sua sequência, por outro. Está aqui em causa apurar, se ao nível da relação meramente processual, o despacho recorrido acaba a reapreciar e a alterar o já decidido, com destruição da respetiva imutabilidade. Seja, se decide a questão já atrás decidida acabando por revogar a anterior decisão e anular a emissão dos respetivos efeitos jurídicos. Se a resposta for positiva configurar-se-á necessariamente violação do caso julgado formal. Os recorrentes agarram-se ao princípio do caso julgado formal para sustentarem a impossibilidade de reversão do acórdão recorrido e do subsequente despacho de pronúncia. O despacho recorrido invoca a distinção entre conexão e separação de processos, a que se referem os artigos 24º a 31º do CPP, e irregular junção ou acumulação de processos desconexos, uma vez que, diz, nesta segunda situação nem se configura conexão nem se pode separar o que conexo não é. O despacho recorrido tem razão na distinção e traz em seu abono vasta doutrina. Todavia, o acórdão de 24/02/2022 não deixa margem para aplicação da distinção ao caso sub judicio. Considera consolidada a conexão em sede de inquérito e mantém-na para os ulteriores termos processuais. Concorde-se ou não, e não é aqui o lugar para o dilucidar, indiscutível é que o acórdão abraçou o caso como de verificada conexão a partir do inquérito, tratou-o como de verificada conexão e decidiu como de verificada conexão, remetendo para os normativos respeitantes à determinação da conexão, nomeadamente para os artigos 24º e 27º e, a final, impediu a separação de processos ao abrigo do artigo 31º, que prorroga a “competência determinada por conexão.” E fê-lo com exaustividade de fundamentação. Certamente que, face ao assumido e fundamentado juízo de conexão e de prorrogação de competência efetuado, inelutável era descartar a referida pelo despacho recorrido “separação de processos desconexos”, por inaplicável face aos factos e fundamentos ali acolhidos. E impõe tal juízo de verificada conexão logo a seguir à dedução da acusação já que aquando da prolação do acórdão ainda nem sequer tinha sido aberta a fase da instrução. Querendo, rectius, ordenando, sem hesitações que o processo seja conhecido, a matéria apreciada e o acórdão ditado pelo STJ. Assim, quebrar essa unidade e indivisibilidade ordenadas e fixadas pelo acórdão seria afrontar a sua autoridade de caso julgado formal. O despacho de pronúncia, em respeito do acórdão de 24/02/2022, remete o processo para julgamento relativamente a toda a factualidade e na abrangência de todos os arguidos. Necessariamente em respeito da definitividade e irrevogabilidade decorrentes da autoridade de caso julgado formal resultante da prolação do acórdão no que toca à conexão e à prorrogação da competência. O caso julgado formal não permite reapreciar novamente as mesmas questões já duplamente decididas, primeiro no acórdão de 24/02/2024 e, depois, em total acatamento deste, também pelo despacho de pronúncia. Efetivamente, na sequência do acórdão e por força do aí decidido, o JI, em acatamento total, realizou a instrução e no termo da mesma, ainda não iniciada na data de prolação do acórdão, pronunciou todos os arguidos, remetendo o processo para julgamento no STJ. No caso, não fora o sobrevindo caso julgado formal, certamente a regressão surgiria já a seguir bem visível com a eventual declaração de nulidade do acto de não separação de culpas ou dos actos em que interveio o STJ, alegando-se a sua falta de competência para tanto, e dos subsequentes termos processuais. O acórdão de 24/02/2022, proferido ainda antes da abertura da instrução, ao decidir a competência do STJ para todos os ulteriores termos processuais, e com a latitude da decisão expressa e inequivocamente tomada reportada a todos os arguidos, impede a prolação de nova decisão a retirar-lhe o efeito legal e útil daí resultante e pretendido. E indiferente era qual fosse a decisão ou o tempo processual a ser proferida. Quer fosse essa nova decisão proferida logo a seguir pelo juiz de instrução ao admitir o RAI ou, depois, finalizando a instrução através do despacho de pronúncia, quer seja o despacho recorrido. O argumento da reposição da legalidade processual com a separação de processos desconexos não pode servir para fundamentar nem aqueles nem este, exatamente porque a questão ficou estabilizada e decidida com o acórdão de 24/02/2022. E, com pronúncia aí expressa e largamente fundamentada, estabilizada e decidida que ficou, e não tendo havido alteração factual ou processual para o aqui pertinente, excluída estava a competência do juiz de julgamento, socorrendo-se do disposto no artigo 311º, nº 1, do CPP, para, em termos de saneamento apreciar a questão prévia da competência. Pinto de Albuquerque in “Comentário do CPP”, II, 5ª edição UCE, 2023, em nota ao artigo 277º, lembra que os pressupostos processuais podem ser conhecidos oficiosamente ou a requerimento e que devem ser conhecidos a todo o tempo, “ressalvado o caso julgado formal.” Porque, avança, “A decisão do juiz de instrução, do juiz de julgamento ou do tribunal sobre os pressupostos processuais faz caso julgado formal, isto é, vincula definitivamente dentro do processo.” “O que fica dito para a decisão sobre pressupostos processuais incluída na decisão instrutória ou no despacho de saneamento e recebimento do processo vale para qualquer outra decisão judicial tomada autonomamente sobre os pressupostos processuais: esta decisão só faz caso julgado formal na estrita medida em que o juiz apreciar ex professu os pressupostos processuais e ela não for impugnada ou for impugnada sem sucesso.” Ora, no caso a questão foi apreciada ex professu, tanto na enunciação, como na fundamentação como na expressa decisão. O caso julgado formal impedia, pois, reapreciação da questão já decidida. “A autoridade do caso julgado formal, que torna as decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insusceptíveis de serem modificadas na mesma instância, tem como fundamento a disciplina da tramitação processual. Seria caótico e dificilmente atingiria os seus objectivos o processo cujas decisões interlocutórias não se fixassem com o seu trânsito, permitindo sempre uma reapreciação pelo mesmo tribunal, nomeadamente quando, pelos mais variados motivos, se verificasse uma alteração do juiz titular do processo.” (in ac. nº 520/2011 do Tribunal Constitucional). A questão da conexão e da competência do STJ foi suficientemente apreciada, tanto assim que o acórdão, além de considerar a conexão vinda do inquérito acaba a ir mais além e a ditar, ao abrigo do artigo 31º, a prorrogação da “competência determinada por conexão”. Julgou o acórdão, mesmo antes da abertura da instrução, e julgou igualmente o juiz de instrução ao pronunciar todos os arguidos e remeter o seu julgamento para o STJ, que o processo na alargada abrangência da acusação tem de ser conhecido e decidido neste Supremo. E como dissemos, pode até discordar-se do acórdão e afirmar-se que, além do mais, em termos processuais o julgamento em processos separados e em tribunais diferentes, com a configuração do despacho de 12/07/2021 ou no desenho do despacho recorrido de 10/03/2023, seria de maior eficiência. Provavelmente seria. Mas, tendo em atenção quer os termos do acórdão de 24/02/2022 quer os termos da pronúncia subsequente, inultrapassável se mostra a autoridade de caso julgado de ambas as decisões. Com o que não se pode confirmar o despacho recorrido porque a questão que decidiu foi antes amplamente suscitada, apreciada e decidida no processo, tendo-se formado caso julgado formal relativamente à conexão, à não separação do processo e à competência do STJ. A decisão recorrida contradiz o acórdão de 24/02/2022. E contradizendo-o afronta o caso julgado formal. Pelo que os recursos terão de ser julgados procedentes. As demais questões de natureza adjetiva ou de índole constitucional consideram-se prejudicadas pela procedência dos recursos. III. DECISÃO Assim, os Conselheiros da 3ª secção criminal, na procedência dos recursos do Ministério Público e dos arguidos recorrentes, decidem revogar o despacho recorrido, determinando a sua substituição por outro que, fixado como está o objeto do processo pela pronúncia, mande cumprir o disposto no art.º 311.º-A do CPP, seguindo-se os demais termos da fase do julgamento de todos os arguidos no Supremo Tribunal de Justiça. Sem custas. STJ, 19 de dezembro de 2023 Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator) Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro Adjunto) Maria do Carmo Silva Dias (Juíza Conselheira Adjunta) _____
1. A partir daqui todos os artigos cuja menção de origem não estiver assinalada pertencem ao CPP. 2. Como o MºPº o assinala em sede de resposta aos outros recursos, “a pretensão visada nos recursos dos arguidos coincide com a pretensão visada no recurso oportunamente interposto pelo Ministério Público. E os fundamentos invocados nos recursos dos arguidos, acima sumariados, encontram-se todos também expostos, e desenvolvidamente, na motivação do recurso apresentado pelo Ministério Público neste Supremo Tribunal.” |