Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
Descritores: | INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE PRAZO DE CADUCIDADE INCONSTITUCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/27/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Declarado inconstitucional o prazo de 2 anos para a caducidade do direito de acção de investigação da paternidade do artº 1817º, nº1 do CC, o novo prazo de 10 anos, estabelecido pelo artº 3º da Lei nº 14/09, de 01.04, é, também, inconstitucional. II - Isto porque é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admíssivel do direito de conhecer a ascendência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA veio propor, em 23/09/2008, contra BB e outros a presente acção declarativa de investigação de paternidade, pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer que o autor é filho de CC, invocando para tal que 12/09/2004 faleceu, em Miranda do Douro, CC, no estado de casado com a ré BB; Sucede que o falecido CC manteve um relacionamento amoroso, com relações sexuais efectivas, com DD, mãe do autor e que deste relacionamento nasceu o autor O CC sempre tratou o autor como seu filho até à sua morte, em 2004. Contestaram os réus, a que se seguiu a réplica do autor. Por despacho com a referência 170359, de 13/04/2009, foi o autor convidado ao aperfeiçoamento da petição inicial, a que este correspondeu, tendo acrescentado factos, mantendo-se, como não poderia deixar de ser, a causa de pedir constante da petição inicial. Contestaram novamente os réus, tendo mantido as posições já constantes da contestação anterior e invocando a excepção peremptória de caducidade. Foi proferido despacho saneador, nos termos do qual se conheceu e julgou improcedente a excepção de caso julgado. Seleccionou-se também a matéria assente e a base instrutória. Foi proferida decisão conhecendo da excepção da caducidade, julgando-a verificada e, em consequência, absolvendo os réus do pedido. Apelou o autor, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente o recurso e revogado a decisão recorrida. Recorrem agora os réus, os quais, nas suas alegações de recurso, apresentam, em síntese, as seguintes conclusões: 1 A verdade biológica não é a única que interessa. 2 Não sendo verdade que a sociedade reclame o direito fundamental à identidade pessoal e o direito à historicidade pessoal. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II As instâncias deram por provados os seguintes factos, com interesse para a questão da caducidade: 1. Em 12/09/2004 faleceu CC, no estado de casado com BB – cfr. certidões de fls. 6 e 10. 2. O autor nasceu em 06/09/1946, e no assento de nascimento consta apenas como filho de DD, inexistindo qualquer menção à paternidade – cfr. certidão de fls. 143. III Apreciando A questão única é apreciar é a de saber se, declarado insconstitucional o prazo de 2 anos para a caducidade do direito de acção de investigação da paternidade do artº 1817º nº 1 do C. Civil, é constitucional o novo prazo de caducidade estabelecido pelo artº 3º da Lei 14/09 de 01.04, o qual passou a ser de 10 anos. No Acórdão deste STJ de 21.02.08, relatado pelo relator nos presentes autos, consignou-se: “As razões de segurança jurídica, fundadas na paz social que advém dum quadro jurídico-familiar estabilizado, mesmo que não correspondendo à verdade biológica, deixam de fazer sentido perante o devir social. É este bem um caso que ilustra que a vida flui como areia por entre os dedos da lei. O que hoje causaria mais alarme social, quando os testes de ADN são de fácil acesso mesmo fora do âmbito da Justiça, é que esta fosse incapaz de reconduzir a sua verdade à verdade dos genes que de todos pode ser conhecida. Tratar-se-á de uma nova ética, mas no fundo reconduz-se à ética primordial do primado da família ou comunidade natural. E isto sobreleva perante o “escândalo” de uma situação familiar com porventura dezenas de anos vir a ser “abalada” por uma impugnação, que, pelo que já consignámos, nunca deve ser considerada tardia.”. Estas palavras referiam-se à inconstitucionalidade do prazo de dois para a impugnação da paternidade do artº 1842º nº 1 do C. Civil e não tiveram o acolhimento do Tribunal Constitucional que, no caso, não se pronunciou pela inconstitucionalidade do prazo do referido artigo 1842º. Contudo, entendemos que mantêm plena validade para o caso da investigação da paternidade e até por maioria de razão, uma vez que o nº 1 do artº 1817º, na primitiva redacção em fixava um prazo de dois anos para a investigação da paternidade foi considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. A questão é, pois a de saber se o alargamento do prazo em causa para dez anos tornou o mesmo constitucional. Concomitantemente suscita-se a questão de saber se a disposição que manda aplicar o novo prazo aos processos pendentes é, também ela, constitucional. No Acórdão deste STJ de 21.09.10 (Cons. Cardoso Albuquerque) – www.stj.pt 4/07.2TBEPS.G1.S1 - , entendeu-se que a aplicação do artº 3º da Lei 14/09 aos processos pendentes constituiria uma violação do princípio constitucional da justiça e da tutela da confiança legítima ínsita no Estado de Direito. Ou seja, sendo o prazo de dois anos em vigor à data da propositura da acção inconstitucional, então nesta data não existia qualquer prazo de caducidade. E é a hipótese deste processo. De qualquer modo, diz-se na mesma decisão, o novo prazo de 10 anos é também materialmente inconstitucional, na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporconada e não admissível do direito do filho saber de quem descende. Outro não é o entendimento do Acórdão deste STJ dde 08.0610 (Cons. Serra Baptista) – www.stj.pt 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1 - , subscrito pelo relator destes autos. Fácil é, pois, concluir qual seja a posição que temos por adequada. O prazo de dez anos não tem cabimento constitucional, não porque não tenha uma razoabilidade processual, mas porque cerceia de forma injustificada um direito individual, qual seja o direito à história pessoal. Pelo que atrás dissémos, a investigação nunca deve ser considerada tardia. Mas o pouco fundamento do prazo de dez anos retira-se até de ser inferior ao prazo geral da prescrição de vinte anos. Ou seja, será mais fácil defender direitos patrimoniais do que um direito estruturante da personalidade. A paternidade biológica já não pode, hoje em dia, ser abafada e transformada numa espécie de paternidade clandestina, sem a tutela plena do direito. E a este respeito, atente-se no que prescreve o artº 26º nº 3 da Constituição : “A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano” . Ora e salvo os casos de manipulação, a identidade genética é dada pela ascendência biológica. Termos em que não merece censura a douta decisão em apreço, improcedendo o recurso. Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 27 de janeiro de 2011 Bettencourt de Faria (Relator) Pereira da Silva Rodrigues dos Santos |