Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
123/08.8TBMDR.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Declarado inconstitucional o prazo de 2 anos para a caducidade do direito de acção de investigação da paternidade do artº 1817º, nº1 do CC, o novo prazo de 10 anos, estabelecido pelo artº 3º da Lei nº 14/09, de 01.04, é, também, inconstitucional. II - Isto porque é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admíssivel do direito de conhecer a ascendência.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I
AA veio propor, em 23/09/2008, contra BB e outros a presente acção declarativa de investigação de paternidade, pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer que o autor é filho de CC, invocando para tal que 12/09/2004 faleceu, em Miranda do Douro, CC, no estado de casado com a ré BB;
Sucede que o falecido CC manteve um relacionamento amoroso, com relações sexuais efectivas, com DD, mãe do autor e que deste relacionamento nasceu o autor
O CC sempre tratou o autor como seu filho até à sua morte, em 2004.

Contestaram os réus, a que se seguiu a réplica do autor.

Por despacho com a referência 170359, de 13/04/2009, foi o autor convidado ao aperfeiçoamento da petição inicial, a que este correspondeu, tendo acrescentado factos, mantendo-se, como não poderia deixar de ser, a causa de pedir constante da petição inicial.
Contestaram novamente os réus, tendo mantido as posições já constantes da contestação anterior e invocando a excepção peremptória de caducidade.

Foi proferido despacho saneador, nos termos do qual se conheceu e julgou improcedente a excepção de caso julgado.
Seleccionou-se também a matéria assente e a base instrutória.
Foi proferida decisão conhecendo da excepção da caducidade, julgando-a verificada e, em consequência, absolvendo os réus do pedido.
Apelou o autor, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente o recurso e revogado a decisão recorrida.
Recorrem agora os réus, os quais, nas suas alegações de recurso, apresentam, em síntese, as seguintes conclusões:

1 A verdade biológica não é a única que interessa.
2 Não sendo verdade que a sociedade reclame o direito fundamental à identidade pessoal e o direito à historicidade pessoal.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


II
As instâncias deram por provados os seguintes factos, com interesse para a questão da caducidade:

1. Em 12/09/2004 faleceu CC, no estado de casado com BB – cfr. certidões de fls. 6 e 10.
2. O autor nasceu em 06/09/1946, e no assento de nascimento consta apenas como filho de DD, inexistindo qualquer menção à paternidade – cfr. certidão de fls. 143.


III
Apreciando


A questão única é apreciar é a de saber se, declarado insconstitucional o prazo de 2 anos para a caducidade do direito de acção de investigação da paternidade do artº 1817º nº 1 do C. Civil, é constitucional o novo prazo de caducidade estabelecido pelo artº 3º da Lei 14/09 de 01.04, o qual passou a ser de 10 anos.
No Acórdão deste STJ de 21.02.08, relatado pelo relator nos presentes autos, consignou-se:
As razões de segurança jurídica, fundadas na paz social que advém dum quadro jurídico-familiar estabilizado, mesmo que não correspondendo à verdade biológica, deixam de fazer sentido perante o devir social. É este bem um caso que ilustra que a vida flui como areia por entre os dedos da lei. O que hoje causaria mais alarme social, quando os testes de ADN são de fácil acesso mesmo fora do âmbito da Justiça, é que esta fosse incapaz de reconduzir a sua verdade à verdade dos genes que de todos pode ser conhecida. Tratar-se-á de uma nova ética, mas no fundo reconduz-se à ética primordial do primado da família ou comunidade natural. E isto sobreleva perante o “escândalo” de uma situação familiar com porventura dezenas de anos vir a ser “abalada” por uma impugnação, que, pelo que já consignámos, nunca deve ser considerada tardia.”.
Estas palavras referiam-se à inconstitucionalidade do prazo de dois para a impugnação da paternidade do artº 1842º nº 1 do C. Civil e não tiveram o acolhimento do Tribunal Constitucional que, no caso, não se pronunciou pela inconstitucionalidade do prazo do referido artigo 1842º.
Contudo, entendemos que mantêm plena validade para o caso da investigação da paternidade e até por maioria de razão, uma vez que o nº 1 do artº 1817º, na primitiva redacção em fixava um prazo de dois anos para a investigação da paternidade foi considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
A questão é, pois a de saber se o alargamento do prazo em causa para dez anos tornou o mesmo constitucional.
Concomitantemente suscita-se a questão de saber se a disposição que manda aplicar o novo prazo aos processos pendentes é, também ela, constitucional.
No Acórdão deste STJ de 21.09.10 (Cons. Cardoso Albuquerque) – www.stj.pt 4/07.2TBEPS.G1.S1 - , entendeu-se que a aplicação do artº 3º da Lei 14/09 aos processos pendentes constituiria uma violação do princípio constitucional da justiça e da tutela da confiança legítima ínsita no Estado de Direito. Ou seja, sendo o prazo de dois anos em vigor à data da propositura da acção inconstitucional, então nesta data não existia qualquer prazo de caducidade. E é a hipótese deste processo.
De qualquer modo, diz-se na mesma decisão, o novo prazo de 10 anos é também materialmente inconstitucional, na medida em que é limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporconada e não admissível do direito do filho saber de quem descende.
Outro não é o entendimento do Acórdão deste STJ dde 08.0610 (Cons. Serra Baptista) – www.stj.pt 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1 - , subscrito pelo relator destes autos.
Fácil é, pois, concluir qual seja a posição que temos por adequada. O prazo de dez anos não tem cabimento constitucional, não porque não tenha uma razoabilidade processual, mas porque cerceia de forma injustificada um direito individual, qual seja o direito à história pessoal. Pelo que atrás dissémos, a investigação nunca deve ser considerada tardia. Mas o pouco fundamento do prazo de dez anos retira-se até de ser inferior ao prazo geral da prescrição de vinte anos. Ou seja, será mais fácil defender direitos patrimoniais do que um direito estruturante da personalidade.
A paternidade biológica já não pode, hoje em dia, ser abafada e transformada numa espécie de paternidade clandestina, sem a tutela plena do direito. E a este respeito, atente-se no que prescreve o artº 26º nº 3 da Constituição :
“A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano” .
Ora e salvo os casos de manipulação, a identidade genética é dada pela ascendência biológica.

Termos em que não merece censura a douta decisão em apreço, improcedendo o recurso.


Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.


Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 27 de janeiro de 2011

Bettencourt de Faria (Relator)
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos