Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | CÚMULO JURÍDICO PENA ÚNICA PENA SUSPENSA PENA CUMPRIDA PENA DE SUBSTITUIÇÃO PENA DE MULTA DESCONTO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NULIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | DECLARADO NULO O ACÓRDÃO RECORRIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA D APENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES / DESCONTO. DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA. | ||
Doutrina: | - Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Editora, 2014, p. 475, 481, 547, 563, 566 e 574; - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editora, 2011, p. 232-357; - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, notas aos artigos 18.º e 27.º ; Volume II, 4.ª edição, artigo 205.º; - Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, 2007, anotações III e IV ao artigo 205.º; - Maria João Antunes, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144, n.º 3992, 2015, p. 416. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 50.º, N.º 5, 55.º, ALÍNEA D), 56.º, 57.º, 77.º, N.º 2, 78.º, N.º 1 E 81.º. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 374.º, N.º 2, 375.º, N.º 1 E 379.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E C). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 32.º, N.º 1 E 205.º, N.º 1. | ||
Referências Internacionais: | CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 14-03-2018, PROCESSO N.º 22/08.3JALRA.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 12-07-2018, PROCESSO N.º 281/14.2PBBJA.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CRIMINAL, JULHO 2018, WWW.STJ.PT. | ||
Jurisprudência Internacional: | TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS (TEDH): - DE 09-07-2007, TATISHVILI C. RÚSSIA, N.º 1509/02. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - Se, à data da elaboração do cúmulo jurídico, se mostrar decorrido o tempo de suspensão, o qual se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (art. 50.º, n.º 5, do CP), não deverá a pena ser considerada sem previamente ser averiguado e esclarecido se foi proferida decisão de extinção da pena, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão (arts. 57.º, 56.º e 55.º, al. d), respectivamente, do CP), sob pena de nulidade da sentença (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP). II - O n.º 1 do art. 78.º do CP, na redacção resultante da Lei 59/2007, obriga a incluir no cúmulo todas as penas aplicadas aos crimes em concurso, mesmo que já tenham sido cumpridas, só não o devendo ser as penas prescritas ou extintas. III - Devendo a pena de prisão substituída ser incluída no cúmulo, há que descontar a pena de multa de substituição no cumprimento da pena única, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 78.º e no art. 81.º do CP. O que também deverá ser conhecido na decisão que aplica a pena única. IV - A sentença condenatória numa pena única conjunta, em caso de concurso de crimes, deve, na sua auto-suficiência, respeitar os requisitos de fundamentação exigidos pelo n.º 2 do art. 374.º, quanto ao objecto da decisão, e pelo n.º 1 do art. 375.º, do CPP, quanto à medida da sanção aplicada, incluindo, necessariamente, a descrição dos factos praticados pelo arguido e os factos relevantes relacionados com a personalidade deste (art. 77.º, n.º 2, do CPP). V - A necessidade de fundamentação decorre directamente do art. 205.º, n.º 1, da CRP, segundo o qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nos termos previstos na lei. O dever de fundamentação resulta de razões de ordem constitucional que implicam a necessidade de justificação do exercício do poder estadual, de modo a possibilitar o seu controlo por parte dos sujeitos processuais e dos tribunais superiores, conferindo garantia efectiva ao direito de defesa, incluindo o direito ao recurso consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP. VI - Na perspectiva dos direitos processuais, o TEDH vem interpretando o art. 6.º da CEDH para a protecção dos direitos humanos no sentido de que a fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido por esta disposição, a qual impõe o dever de os tribunais motivarem adequadamente as suas decisões, de acordo com a sua natureza. VII - Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste STJ, com a fixação da pena única pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. Importante na determinação da pena única, salienta-se, é a averiguação sobre a relação entre os factos em concurso, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, de modo a fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. VIII - Como também se tem salientado, o julgamento do concurso de crimes por conhecimento superveniente constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares, o que exige uma fundamentação própria, de facto e de direito. A sentença de um concurso de crimes não pode deixar de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, na sua singularidade circunstancial, pois só esta, dando os contornos de cada crime em concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados, a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas. IX - A decisão de cúmulo deve conter a enumeração dos factos relevantes para a incriminação e para a determinação da pena, na medida do necessário a verificar e a ponderar a sua conexão e a sua relação com a personalidade do arguido, neles manifestada, nos termos exigidos pelo art. 77.º, do CP para determinação da pena única, o que não se realiza por mera referência genérica aos factos provados em cada um dos processos em que foram aplicadas as penas aos crimes em concurso, com ausência de qualquer referência aos tipos legais de crime praticados e às normas legais incriminadoras concretamente violadas. X - A omissão de fundamentação constitui a nulidade prevista na al. a) do n.º 1 do art. 379.º do CPP que não pode ser suprida por este STJ, o qual, assim, se encontra impossibilitado de apreciar as questões suscitadas pelo recorrente quanto à fundamentação de facto da decisão sobre a aplicação da pena. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso do acórdão do tribunal colectivo do Juízo Central Criminal do Tribunal da comarca de ..., de 3 de Outubro de 2018, que, realizando o cúmulo jurídico das penas correspondentes aos crimes em concurso, lhe aplicou uma pena única de 12 anos e 10 meses de prisão, em resultado da condenação nas seguintes penas: a) No processo 661/14.3TAVFR, do Juízo Local de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial de Aveiro, por decisão de 13/06/2016, transitada em 14/07/2016, por factos praticados entre 22/10/2013 e 10/02/2014, na pena de 1 ano de prisão, pela prática de um crime de furto simples; b) No processo 274/14.0GAPVC, do Juízo Local de Penacova do Tribunal Judicial de ..., por decisão de 20/06/2016, transitada em 30/09/2016, por factos praticados em 08/10/2014, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 dias de multa, pela prática de um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal de marca; c) No processo 22/15.7GABCL, do Juízo Central de Braga do Tribunal Judicial de Braga, por decisão de 22/06/2016, transitada em 11/10/2016, por factos praticados entre 07/11/2014 e 13/01/2016, nas penas de 2 anos de prisão, 2 anos e 6 meses de prisão, 2 anos prisão, 2 anos e 6 meses de prisão, 2 anos de prisão, 2 anos e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão, pela prática de 7 crimes de roubo; d) No processo 706/14.7GBBCL, do Juízo Central de Braga do Tribunal Judicial de Braga, por decisão de 11/10/2016, transitada em 10/11/2016, por factos praticados em 25/07/2014, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo; e) No processo 347/15.1GBVFR, do Juízo Central de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial de Aveiro, por decisão de 30/11/2016, transitada em 12/01/2017, por factos praticados em 03/06/2015, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo; f) No processo 13187/15.9T9PRT, do Juízo Local Criminal do Porto do Tribunal Judicial do Porto, por decisão de 23/02/2017, transitada em 29/03/2017, por factos praticados em 19/02/2015, na pena de 7 meses de prisão, pela prática de um crime de desobediência; g) No processo 219/15.0GCAMT, do Juízo Local Criminal de Amarante do Tribunal Judicial do Porto Este, por decisão de 23/02/2017, transitada em 27/03/2017, por factos praticados em 01/11/2015, na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo; h) No processo 17/15.0GAVVD, do Juízo Central de Braga do Tribunal Judicial de Braga, por decisão de 17/05/2017, transitada em 16/06/2017, por factos praticados em 14/01/2015, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de roubo; i) No processo 2/16.5GABCL, do Juízo Local Criminal de Barcelos do Tribunal Judicial de Braga, por decisão de 14/06/2017, transitada em 15/01/2018, por factos praticados entre 01/01/2016 e 05/01/2016, na pena de 9 meses prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento; j) No processo 250/14.2GACMN, do Juízo Local de Caminha do Tribunal Judicial de ..., por decisão de 22/01/2018, transitada em 21/02/2018, por factos praticados em 23/09/2014, na pena de 4 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo. 2. Apresenta motivação de recurso, de que extrai as seguintes conclusões: “1. Não escamoteando a gravidade dos factos e a circunstância de a personalidade do arguido o fazer pender para a prática delituosa (embora neste século essa propensão conheça uma menor acuidade) a pena de 12 anos e 10 meses de prisão aplicada a título de pena única afigura-se exagerada e injusta, porquanto comporta em si uma contundência que se desaconselharia in casu. 2. Coincidindo o limite mínimo previsto no art. 77.º do C.P. com os quatro anos, inexistem razões sérias que legitimem uma pena de prisão superior ao triplo destes quatro anos (12 anos e 10 meses). 3. As necessidades de prevenção especial, elevadas, concede-se, e as necessidades de prevenção geral, coadunam-se com a aplicação ao aqui recorrente, de um quantum penal a título de pena única igual ou ligeiramente inferior a dez anos de prisão. 4. A possibilidade de reinserção social - terceira das finalidades das penas - art. 40.º n.º 1 do C.P. - ainda que ténue, ficará positivamente estripada na eventualidade de a decisão da primeira instância ser confirmada (...) 5. Ao contrário, se a decisão de que ora se recorre, for "desinsunflada" nos moldes por nós requeridos e consequentemente substituída por uma decisão que contemple uma pena única mais branda, poupar-se-á ao recorrente um excessivo sacrifício e/ou compressão dos seus direitos, mantendo-se viva a chama da possibilidade de uma exitosa reinserção social do mesmo. 6. A idade do arguido - 62 anos - a circunstância de ser portador de várias patologias, algumas crónicas, e de ter por eterno companheiro um pacemaker que lhe foi oportunamente instalado, desaconselham a contundência atrás referida e fazem emergir como uma evidência a justeza da correção e do aligeiramento por nós reclamados. Normas violadas: art. 40º, 71º e 77º n.º 2 do Código Penal.” 3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido, a defender a improcedência do recurso, dizendo em conclusões: “Salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos não assistir razão ao recorrente. Na verdade, entendemos que a decisão ora em crise não pode ser objecto de qualquer censura. (…) No fundo, insurge-se o arguido contra a medida concreta da pena aplicada, por pecar por excesso. Vejamos. Nos termos do art.º 71.º, n.º, 2 do CP, na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: “ a conduta anterior ao facto e a posterior a este (...), al. e), e bem assim, a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f). Não podemos deixar de ter em atenção os seguintes aspectos: - o elevado número de crimes cometidos pelo arguido durante um longo período de tempo; - as circunstâncias concretas que rodearam a prática dos factos; - a propensão do arguido para a prática de crimes contra o património e contra as pessoas (roubo) associada à falta de actividade profissional/ocupação. Ora, se o comportamento actual do arguido no EP pode ser considerado um comportamento conforme o direito o mesmo não se pode dizer do seu comportamento passado e, consequentemente, não poderia o Tribunal alhear-se do mesmo. Conforme é referido no relatório social o arguido manifesta “sérias dificuldades em organizar-se e orientar o seu percurso de vida normativamente, tem fraco sentido crítico (…)”. Assim sendo, só podemos concluir que o arguido tem uma tendência criminosa que ultrapassa a mera situação de “pluriocasionalidade”. Nesta conformidade, as exigências de prevenção especial depõem contra o arguido. Bem como as exigências de prevenção geral, uma vez que o sentimento de reprovação da sociedade quanto a estes crimes – roubo – é elevado! Pelo exposto, entendemos que bem andou o Tribunal ao condenar o arguido numa pena de 12 anos e 10 meses de prisão, não merecendo qualquer censura, a nosso ver, o acórdão ora posto em crise.” 4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer nos seguintes termos: “ 1. A única questão submetida a reexame é a medida da pena única (…). 2. Respondeu o Ministério Público (39-41), defendendo a improcedência do recurso. Destaca o elevado número de crimes cometidos durante um longo período de tempo, as circunstâncias concretas que rodearam a prática dos factos, bem como o facto de o arguido apresentar sérias dificuldades em organizar-se e orientar o seu percurso de vida normativamente, com um fraco sentido crítico. Em síntese, considera que perante a evidenciada tendência criminosa, e elevadas exigências de prevenção geral e especial justifica-se, por adequada a pena de 12 anos e 10 meses de prisão. 3. Dispõe o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. No nosso sistema de pena única, em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela pena parcelar mais grave, a pluralidade de crimes deve agravar a pena concreta. Como refere Figueiredo Dias, deverá proceder-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verificam. Esta doutrina é explicitada no Acórdão do STJ de 02.02.2010, proferido no Processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, 3.ª, ao considerar: «com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção – síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes». No caso, o ilícito global é composto por (12) doze crimes de roubo, (1) um de furto, (1) de desobediência e (1) um de falsificação. Relativamente ao crime de contrafacção por que foi condenado no processo 274/14… verifica-se que a pena de prisão foi substituída por multa, pelo que não é cumulável com as demais penas de prisão. Os crimes foram praticados entre Outubro de 2013 e Novembro de 2016. O valor global dos bens subtraídos assume algum relevo. O acórdão é parco na descrição da violência usada nos roubos (“com recurso à força física”), podendo-se, contudo, deduzir que não foram utilizadas armas, nem foram produzidas lesões corporais significativas nas vítimas. As vítimas dos roubos são mulheres. Anteriormente ao cúmulo ora impugnado, fora condenado por uma diversidade de crimes praticados desde 1977 (fls. 28 e 29), tendo sofrido seis reclusões. A moldura do concurso situa-se entre 4 anos e 29 anos e 3 meses de prisão, reduzidos a 25 anos em termos de pena aplicável, por força do artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal. E assim, na ponderação de todas as circunstâncias dadas como provadas, justifica-se integralmente que a pena espelhe a gravidade dos factos praticados, e potencie uma adequada inserção social do arguido, sobretudo pelas muito elevadas exigências de prevenção especial. Cremos, em suma, que uma pena próxima da fixada, inserida nas molduras do concurso, da culpa e da prevenção, é adequada à sua culpa e exigências de prevenção, ou seja, acata os critérios fixados no art. 77.º do Cód. Penal.” 5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse. 6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP. Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual tem por objecto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP). Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação 7. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida – que devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência – e a nulidades processuais não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), e a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, com a alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro). Como se tem afirmado na jurisprudência deste Tribunal (cfr., entre outros, o acórdão de 14.3.2018, no Proc. 22/08.3JALRA.E1.S1, em www.dgsi.pt), o conhecimento do recurso implica que, no âmbito da sua competência, este Tribunal aprecie e decida todas as questões de direito relacionadas com o objecto e âmbito do recurso com vista à sua boa decisão, sem prejuízo das regras relativas à alteração da qualificação jurídica dos factos e das implicações do princípio da proibição da reformatio in pejus (artigos 424.º, n.º 3, e 409.º do CPP). 8. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, a questão colocada à apreciação e decisão deste tribunal circunscreve-se à medida da pena única conjunta, que o recorrente considera exagerada e injusta, por violação dos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal. O acórdão recorrido 9. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena. 9.1. Os factos estabelecidos nas sentenças, transitadas em julgado, que aplicaram as penas correspondentes aos crimes em concurso, descritos na fundamentação do acórdão recorrido, são os seguintes (transcrição): 9.1.1. De acordo com o teor do acórdão recorrido, “é a seguinte a matéria a considerar: 9.1.2. Consta do relatório social referente às condições pessoais e familiares do arguido: “O processo de desenvolvimento de AA, decorreu numa família humilde e numerosa de etnia cigana, cuja dinâmica familiar era caracterizada pelos costumes, regras e valores culturais da sua etnia, nomeadamente o desinvestimento escolar em relação aos 7 filhos que tiveram. De referir que a situação económica era muito precária e que foi agravada pela reclusão do progenitor por crime de homicídio e abandono do agregado familiar por parte da mãe. Assim, aos 7 anos de idade o arguido foi viver com os avós, com quem esteve até aos 16 anos, altura em que foi para Lisboa para casa de uma tia. A família subsistia da venda ambulante e mendicidade, praticada pelos avós que também envolveram os netos. Aos 17 anos de idade, AA iniciou relacionamento afectivo com ..., então com 15 anos, com quem veio a casar segundo os rituais ciganos e com quem teve 6 filhos. O casal viveu em várias localidades do país, mas há aproximadamente 23 anos fixou residência em ..., cidade de onde ambos são naturais. A Câmara Municipal de ... atribui-lhes casa no bairro do ..., bairro com forte conotação negativa em relação à prática de crimes ligados ao tráfico, factor que facilitou o contacto do arguido com o aparelho Judicial e de vários elementos do agregado familiar, designadamente a sua mulher e filhos. Ao arguido não são conhecidos comportamentos aditivos. A nível profissional nunca exerceu actividade que lhe permitisse adquirir hábitos de trabalho ou autonomia financeira, dependendo de prestações sociais. O arguido regista vários antecedentes criminais que remontam a 1977, com prática de crimes de vária natureza, tendo tido 6 reclusões. Paralelamente teve várias condenações em penas não privativas de liberdade. À data dos factos que deram origem à actual reclusão, o arguido encontrava-se provisoriamente em casa da filha ..., no Porto, pelo facto de a sua mulher se encontrar a cumprir pena de prisão em ..., pelo crime de tráfico de estupefacientes. Em 05-01-2016 a sua mulher saiu em liberdade condicional e regressou à casa onde viviam anteriormente. O agregado familiar neste momento reside já no Bairro ..., e é composto pela sua mulher, 3 filhos, genro e 2 netos. A habitação apesar de se tratar de um T3, é manifestamente insuficiente para o número de pessoas que aí habitam, sendo que o ambiente familiar é conflituoso e disfuncional. Vivem numa situação de grande carência económica pois nenhum dos membros tem trabalho regular e sobrevivem do RSI e algumas vendas de vestuário ambulante. Nenhum dos elementos tem hábitos de trabalho e no meio são conotados como pessoas conflituosas. O mesmo acontecia com AA, nos períodos em que se encontrava em liberdade, levando uma vida de ociosidade, conflitos com a sua mulher, convivendo apenas com alguns familiares. (…) O arguido encontra-se (…) actualmente no EP de .... O arguido tem antecedentes criminais, manifestando sérias dificuldades em organizar-se e orientar o seu percurso de vida normativamente, tem fraco sentido crítico, denotando ausência de interiorização dos comportamentos erráticos praticados ao longo da sua vida, bem como falta de capacidade para equacionar alternativas normativas face à gestão do seu quotidiano. No que diz respeito às vítimas não tem qualquer noção dos danos causados, encarando-os com indiferença. Neste E.P. vem mantendo um comportamento adaptado encontrando-se a cumprir pena na Ala C, ala de respeito, não registando qualquer sanção. Frequenta a escola sem grande empenho e não solicita trabalho. Conclusão: AA cresceu num contexto familiar muito deficitário quer em termos económicos, quer em termos educacionais, marcada pela ausência de escolarização e um deficiente processo de socialização, o que limitaram a sua aquisição de competências pessoais e sociais. Não teve um percurso laboral estável e regular, o que teve repercussões na situação económica do seu agregado familiar constituído, que subsiste com apoios sociais e ainda na ausência de um quotidiano estruturado e convívio com pares com práticas criminais. Regista inúmeros contactos com o sistema judicial e quase todos os elementos da sua família também já estiveram presos. A dinâmica familiar é disfuncional e as relações intra-familiares são conflituosas. Refere-se ainda a falta de ressonância de anteriores contactos judiciais, que não surtiram o efeito ressocializador esperado”. 9.1.3. Condenações anteriores: “à data dos factos praticados no âmbito dos processos incluídos neste cúmulo jurídico, o arguido tinha sido julgado e condenado, com trânsito em julgado, pelos crimes de: i) ultraje à moral pública, praticado em 1977, na pena de 15 dias de prisão substituídos por multa (proc.764/77, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de ...); ii) uso de estupefacientes, praticado em 1978, na pena de 3 meses de prisão substituídos por multa (proc.1702/78 do 4º Juízo Correccional de Lisboa); iii) ofensas corporais, praticado em 1980, na pena de 30 dias de prisão substituídos por multa (proc.1595, do Tribunal Judicial de ...); iv) emissão de cheque sem provisão, praticado em 1984, na pena de 2 anos de prisão (proc.136/83, do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha); v) condução ilegal, praticado em 1986, na pena de 10 dias de prisão substituídos por multa (proc.2487/86, do Tribunal Judicial de Viseu); vi) ofensas corporais por negligência, falsas declarações e abandono de sinistrado, praticados em 1986 e 1987, na pena única de 300 dias de multa (proc.951/89, do Tribunal Judicial de ...); vii) ofensas corporais e condução perigosa, praticados em 1987, na pena de 15 meses de prisão (proc.540/90, do Tribunal Judicial de ...); viii) tráfico de estupefacientes praticado em 1997, na pena de 9 anos de prisão (proc.55/97, do Tribunal de Círculo de ...); ix) detenção de materiais explosivos, praticado em 1992 na pena de 18 meses de prisão (proc.31/97, do Tribunal Judicial de Vagos); x) falsificação de documento (2), praticados em 1994 e 1995, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão (proc.34/98, do Tribunal de Círculo de Chaves); xi) condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 2007, na pena de 90 dias de multa (proc.151/07.0PTCBR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ...); xii) detenção de arma proibida praticado em 2007, na pena de 90 dias de multa (proc.100/07.6PECBR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ...); xiii) detenção de arma proibida praticado em 2009, na pena de 15 meses de prisão (proc.100/07.6PECBR, do 1º juízo Criminal do Tribunal Judicial de ...); xiv) condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 2010, na pena de 5 meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade (proc.18/10.5PFCBR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ...); xv) detenção de arma proibida praticado em 2006, na pena de 350 dias de multa (proc.142/06.9PECBR, do 1º Juízo criminal do Tribunal Judicial de ...); xvi) desobediência praticado em 2010, na pena de 5 meses de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade (proc.172/10.6GAVNO do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém); xvii) condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 2015, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano (proc.8/15.1PTPRT, da Instância Local do Porto do Tribunal Judicial do Porto).” 9.2. A determinação da pena única vem fundamentada nos seguintes termos: “1. Requisitos de funcionamento do cúmulo jurídico O art.77.º-1 CP (“Regras da punição do concurso”) estabelece que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. O pressuposto essencial para a efectivação do cúmulo jurídico de duas (ou mais) penas é a prática das diversas infracções pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por “qualquer” delas, ou seja, antes do trânsito da primeira condenação (D. Mesquita, O Concurso de Penas, p. 41, AcsSTJ 17Mar04, proc.03P4431, www.dgsi.pt, e STJ 2Jun04, CJ-S t.2º p.217). Quando não se verifique este requisito – v.g, duas infracções praticadas pelo mesmo agente em que a segunda foi cometida depois do trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime – estaremos diante de uma acumulação material de penas (sucessão de penas), que pode eventualmente dar lugar a uma situação de reincidência se estiverem reunidos os pressupostos legais desta figura (F. Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, p.278). Por seu lado, prescreve o art.78º CP (“Conhecimento superveniente do concurso”) que “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes” (nº1) e “O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado” (nº2). É justamente essa a situação dos autos em relação a todos os factos supra descritos no Relatório, cujas penas parcelares estão, assim, numa situação de concurso entre si. 2. Cúmulo jurídico quando a condenação anterior foi já em cúmulo Na determinação superveniente da pena do cúmulo jurídico, na hipótese de a condenação anterior (ou algumas das condenações anteriores) ter sido em pena conjunta, deve o Tribunal anular essa pena conjunta (ou essas penas conjuntas) e, em função das penas parcelares que integraram o cúmulo anterior (ou os cúmulos anteriores) e da pena aplicada ao crime agora conhecido, determinar uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso (ou novas penas conjuntas, se for caso disso, como atrás se disse) (F. Dias, ob. cit, p.295 e AcSTJ 26Out88, CJ t.4º p.18). O caso sub judice Nos termos do disposto no art.77º-2 e 3 CP, a moldura penal do cúmulo é de 4 anos de prisão (o cúmulo material ascenderia a um limite superior mas o citado art.77º-2 impõe um limite máximo de 25 anos). A medida concreta da pena conjunta do concurso de crimes é fixada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (F. Dias, ob. cit, p.291), incluindo-se nesta última pelo menos a prevenção geral positiva (de integração das normas e valores, de confiança da comunidade na validade das normas jurídicas, do sentimento de segurança face à violação da norma, enfim, de defesa do ordenamento jurídico) e a prevenção especial positiva (de ressocialização, do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do arguido). Além desses critérios gerais, deve também ser considerado um critério especial: a avaliação em conjunto dos factos e da personalidade do agente – valorando ambos em igual medida pois nada na lei indica que deva ser de modo diferente (arts.77º-1/2ª parte e 78º-1 in fine CP). (…) Em suma, o número de crimes é elevadíssimo, os factos que lhes estão subjacentes são graves e cronologicamente estendem-se bastante no tempo. Quanto à personalidade do arguido, cumpre reter a falta de investimento ao nível da formação escolar e profissional e de hábitos regulares de trabalho, as disfuncionalidades de relacionamento, a dificuldade em interiorizar os seus comportamentos e identificar os danos e as vítimas das suas acções, bem como a ausência de um projecto de vida consistente. Assim sendo, podemos concluir, por um lado, pela alta gravidade do “ilícito global” perpetrado e, por outro lado, por uma tendência criminosa que ultrapassa a mera situação de pluriocasionalidade (considerando que, à data dos factos praticados no âmbito dos processos incluídos neste cúmulo jurídico, o arguido tinha sido julgado e condenado, com trânsito em julgado, pelos crimes supra indicados). Por conseguinte, as exigências de prevenção geral positiva são grandes e as necessidades de prevenção especial positiva (de ressocialização) também são prementes. Tudo ponderado, tem-se como eficaz, justa, adequada e proporcional a condenação do arguido na pena única de 12 anos e 10 meses de prisão.” a) Quanto aos crimes em concurso e às penas a considerar no cúmulo 10. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja, a primeira das condenações, é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Esta regra é aplicável em caso de, após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória por qualquer desses crimes, haver conhecimento de condenações em outros processos por crimes praticados em data anterior, isto é, em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes (artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal). O acórdão recorrido, que aplica a pena única, foi proferido pelo tribunal competente, tendo em conta a data da última condenação, de 22 de Janeiro de 2018, transitada em julgado em 21 de Fevereiro de 2018, no processo 250/14.2GACMN do Juízo Local de Caminha do Tribunal Judicial de ... (artigo 471.º do CPP). Relativamente aos 16 crimes incluídos nas operações de cúmulo jurídico (supra, 1 e 9.1.1.) estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena única (artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal), pois que foram, todos eles, cometidos entre 22 de Outubro de 2013 e 5 de Janeiro de 2016, antes do trânsito em julgado da primeira condenação por um desses crimes, a qual ocorreu em 14 de Julho de 2016 (no processo 661/14.3TAVFR). 11. A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas aplicadas aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas – que, em caso de conhecimento superveniente, se encerrou definitivamente com o trânsito em julgado da decisão relativamente a cada uma delas, nos processos em que foram aplicadas –, a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso (pena aplicável). A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Sendo as penas aplicadas umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação deste critério (artigo 77.º, n.º 3). Penas de diferente natureza, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais, de prisão e de multa, como se sublinhou no acórdão de 15.11.2018 proc. 252/11.0JAAVR.1.P1.S1 (acórdão ainda não publicado; assim, Maria João Antunes, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144, n.º 3992, 2015, p. 416). 12. Quanto à consideração da pena de prisão suspensa na sua execução nas operações de cúmulo, tem sido vasta a elaboração jurisprudencial, sendo hoje uniforme o entendimento de que, estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º do Código Penal (como se afirmou no acórdão de 12.7.2018, proc. 281/14.2PBBJA.S1, sumário publicado em www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/11/ criminal _sumarios_ julho_ 2018.pdf; cfr., por todos, os acórdãos de 4.11.2015, no proc. 1259/14.1T8VFR.S1, rel. Cons. Manuel Matos, e de 14.5.2009, no proc. 6/03.8TPLSB.S1, da 3.ª Secção, rel. Cons. Armindo Monteiro, bem como a numerosa jurisprudência neles citada). No caso de ser declarada extinta, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, por ter decorrido o período da suspensão e não haver motivos que possam conduzir à revogação desta, não pode a pena integrar o cúmulo, como tem sido afirmado em jurisprudência uniforme deste Tribunal, face à redacção do n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (neste sentido, por todos, com indicação de exaustiva jurisprudência, o acórdão de 7.3.2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1, rel. Cons. Raul Borges, em www.dgsi.pt). O mesmo sucede nos casos previstos no artigo 43.º, n.º 6, e 59.º, n.º 3, do Código Penal, de substituição da pena de prisão por proibição do exercício de profissão, função ou actividade, e de prestação de trabalho a favor da comunidade. Se, à data da elaboração do cúmulo jurídico, se mostrar decorrido o tempo de suspensão, o qual se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal), não deverá a pena ser considerada sem previamente ser averiguado e esclarecido se foi proferida decisão de extinção da pena, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão (artigos 57.º, 56.º e 55.º, al. d), respectivamente, do Código Penal), sob pena de nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP) – assim, nomeadamente, os acórdãos de 15.11.2017, Proc. 336/11.5GALSD.S1 (Cons. Raul Borges), de 28.9.2017, Proc. 302/10.8TAPBL.S1 (Cons. Helena Moniz), de 9.7.2014, Proc. 39/08.8GBPTG.S1 (Cons. Pires da Graça) e de 17.10.2012, Proc. 182/03.0TAMCN.P2.S1 (Cons. Santos Cabral), todos em www.dgsi.pt. 13. Quanto às penas cumpridas, passando o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal a impor que “a pena que já tiver sido cumprida [seja] descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes” (alteração da Lei n.º 59/2007), e tendo sido eliminado o pressuposto (da redacção anterior) de a pena não “estar cumprida, prescrita ou extinta” para que esta pudesse ser incluída na pena única do concurso, deve o desconto abranger todas elas. Como observa Maria João Antunes (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2013, p. 60), embora questionando a diferença de tratamento das diversas penas de substituição (e defendendo que, não havendo razões para tratamento diferenciado, apenas se deveriam descontar as penas que ainda estejam a ser cumpridas), “esta eliminação leva, à partida, a uma extensão dos casos de determinação da pena superveniente da pena, sem que deva admitir-se, no entanto, uma tal determinação quando a pena anterior já esteja prescrita (artigo 122.º do CP). (…) Se se entender que a parte final do n.º 1 do artigo 78.º do CP não é meramente redundante face ao disposto no artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo código, tal significará que entrarão na determinação da pena única as penas já cumpridas (...), mas já não penas entretanto extintas (artigos 57.º, 43.º, n.º 6, e 59.º, n.º 3, do CP) ou prescritas (...).” Nos termos do no n.º 2 do artigo 81.º, “se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.” 14. Como se vê da fundamentação da decisão recorrida (supra, 9.1.3., quanto a condenações anteriores, parte final, xvii), o arguido foi também condenado no processo 8/15.1PTPRT, da Instância Local do Porto do Tribunal Judicial do Porto, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 2015, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. Este crime foi, pois, cometido dentro do período de tempo em que se compreendem os crimes a que foi aplicada a pena única (supra, 9.1.1. e 10). Desconhece-se, todavia, a data do trânsito da respectiva condenação, e se, à data da prolação do acórdão recorrido, estava a decorrer o tempo de suspensão ou se, tendo este decorrido, foi proferida decisão a declarar extinta a pena nos termos do artigo 57.º do Código Penal. Sendo que, como anteriormente se referiu (supra, 12), o esclarecimento destes aspectos é essencial para se determinar se a pena deve concorrer para a determinação da pena única mediante a inclusão no cúmulo. Como já se referiu, o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, na redacção resultante da Lei n.º 59/2007, obriga a incluir no cúmulo todas as penas aplicadas aos crimes em concurso, mesmo que já tenham sido cumpridas, só não o devendo ser as penas prescritas ou extintas. 15. Para além disso, verifica-se que a pena de 9 meses de prisão aplicada no processo 274/14.0GAPVC do Juízo Local de Penacova do Tribunal Judicial de ..., incluída no cúmulo, foi substituída por 270 dias de multa (supra, 1.b). Não há, no entanto, notícia de que a multa tenha sido paga. Devendo a pena de prisão substituída ser incluída no cúmulo, há que descontar a pena de multa de substituição no cumprimento da pena única, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º e no artigo 81.º do Código Penal (supra, 13). O que também deverá ser conhecido na decisão que aplica a pena única. 16. Estas questões, que se repercutem na definição do universo dos crimes em concurso e na concreta determinação da pena única a cumprir, impedem que se possa considerar estabilizada a base para esta determinação. Nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, a sentença é nula quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, devendo o tribunal de recurso conhecer oficiosamente da nulidade sempre que não puder proceder ao seu suprimento (artigo 379.º, n.º 3, na redacção da Lei n.º 20/2013). b) Quanto à fundamentação da decisão de aplicação da pena única 17. Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, e retomando-se o que se afirmou no recente acórdão proferido no processo n.º 144/14.0JACBR-A.S1 (ainda não publicado), citando-se os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, rel. Cons. Pires da Graça, e 488/11.4GALNH, rel. Cons. Maia Costa, em www.dgsi.pt), com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente; importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Citando Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, ... Editora, 3.ª reimp., 2011, p. 291): «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». 18. O substrato da medida da pena, devendo incluí-los, não pode, pois, bastar-se com os factos que constituem os elementos do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, sendo necessário atender às circunstâncias que, deles não fazendo parte, possam depor a favor do agente ou contra ele, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, seguindo os critérios da culpa e da prevenção, bem como ter em conta o critério especial do artigo 77.º, n.º 1, in fine (assim, Maria João Antunes, ob. cit., pp. 45 e 57), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal). Impõe este critério que, na medida da pena, sejam considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente – a personalidade do agente manifestada no facto, em que se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a susceptibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, ob. cit., p. 248ss). 19. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º do mesmo diploma. Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º). A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pela necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral) e pelas necessidades de ressocialização (finalidade de prevenção especial), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, avaliada por factores ou circunstâncias relacionadas com o facto ilícito típico praticado e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (artigos 40.º e n.º 1 do 71.º do Código Penal) (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, ... Editora, 2014, em particular pp. 475, 481, 547, 563, 566, 574, e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, ... Editora, 3.ª reimp., 2011, pp. 232-357). 20. Estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. A sentença que aplica a pena única na sequência da audiência a que a que se refere o artigo 471.º do CPP deve, assim, na sua auto-suficiência, com as devidas adaptações – pois não está em causa a decisão sobre factos já julgados nem o exame crítico das provas –, respeitar os requisitos de fundamentação exigidos pelo n.º 2 do artigo 374.º e pelo n.º 1 do artigo 375.º do CPP, incluindo a descrição dos factos provados praticados pelo arguido, que devem ser considerados no seu conjunto, com particular atenção aos elementos relevantes para o conhecimento da personalidade deste, projectada e manifestada no facto ilícito típico praticado, tendo em conta o critério especial de determinação da pena estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal. Como se decidiu no acórdão de 17.12.2015, proc. 520/13.7PCRGR.L1.S1 (rel. Cons. Helena Moniz), “também no caso de uma decisão sobre a aplicabilidade de uma pena única conjunta em sede de conhecimento superveniente esta fundamentação deve existir em cumprimento do art. 374.º do CPP, e ainda do art. 71.º, n.º 3, do CP, onde expressamente se diz que "na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena" — o que nos permite considerar que o legislador entendeu que havia uma necessidade de fundamentação da decisão judicial também na parte respeitante à escolha e determinação da medida da pena, quer se trate de pena singular, quer de uma pena única conjunta, quer em casos de conhecimento "originário" do concurso de crimes, quer em situações de conhecimento superveniente. E neste seguimento o CPP estabelece no art. 375.º, n.° 1, que "a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena da sanção aplicada (...)” (no mesmo sentido, reflectindo jurisprudência constante, o acórdão de 18.09.2013, no proc. 968/07.6JAPRT-A.S1). 21. A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos das disposições legais mencionadas, que concretizam requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, decorre directamente do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, segundo o qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nos termos previstos na lei. O dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais resulta, como é conhecido, de razões que se extraem do princípio do Estado de direito, do princípio democrático e da teleologia jurídico-constitucional dos princípios processuais, que implicam, para além do mais, a necessidade de justificação do exercício do poder estadual, de modo a possibilitar o seu controlo por parte dos destinatários e dos tribunais superiores, assim se conferindo garantia efectiva ao direito de defesa, incluindo o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, anotações ao artigo 205.º, Vol. II, 4.ª ed.). “A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo – pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões – e uma função de carácter subjectivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelo seu destinatário” (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Tomo III, 2007, anotações III e IV ao artigo 205.º). Perspectivando o tema na óptica dos direitos fundamentais, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem interpretando o artigo 6.º da Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos no sentido de que a fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido por esta disposição, a qual impõe, assim, o dever de os tribunais motivarem adequadamente as suas decisões, de acordo com a sua natureza (assim, o acórdão de 09.07.2007, no caso Tatishvili c. Rússia, n.º 1509/02, e outros nele mencionados). 22. Escreveu-se no acórdão de 17.06.2015 (proc. 488/11.4GALNH. rel. Cons. Maia Costa): “Constitui orientação sedimentada e segura neste Supremo Tribunal a que aponta para a necessidade de, na determinação da pena unitária do concurso, se deverem observar especiais cuidados de fundamentação, na decorrência aliás do que dispõem os artigos 71.º, n.º 3, do CP, 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do CPP, e 205.º, n.º 1 da CRP. A este propósito, o Supremo Tribunal tem vindo a considerar que a decisão que proceder ao cúmulo de penas está também submetida ao formalismo do art. 374.º, n.º 2, do CPP, devendo, portanto, indicar os fundamentos de facto e de direito que a suportam. Com efeito, e como é sabido, a punição do concurso superveniente não constitui uma operação aritmética ou automática, antes exige um julgamento (art. 472.º, n.º 1, do CPP), destinado a avaliar, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade do agente, conforme dispõe o art. 77.º, n.º 1, do CP. O que vale por dizer, pois, que o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares: agora aprecia-se a globalidade da conduta do agente. Esse juízo global exige uma fundamentação própria, quer em termos de direito, quer de facto. Daí que a sentença de um concurso de crimes não possa deixar de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, tanto no que diz respeito à necessidade de citação dos tipos penais cometidos, quanto também no que concerne à descrição dos próprios factos efectivamente praticados pelo agente, na sua singularidade circunstancial, pois só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas. A decisão de cúmulo, podendo dispensar uma fundamentação especificada conforme o determinado no art. 374.º, n.º 2, do CPP, terá que explicitar os motivos de facto e de direito que determinaram o sentido da decisão. O que vale por dizer que, bastando uma referência sucinta aos crimes em concurso, porquanto os factos constam das respectivas sentenças condenatórias, não pode a decisão deixar de conter o núcleo que o tribunal considerou para aferir da ilicitude do facto global, a homogeneidade da acção e a projecção da personalidade nos crimes praticados”. 23. No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão de 27.01.2016 (Proc. 178/12.0PAPBL.S2, rel. Cons. Santos Cabral, em www.dgsi.pt): “Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento, mas também a recetividade à pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso, ou seja, a sua culpa com referência ao acontecer conjunto, da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.” (…) a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. (…) Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânica e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável”. Em sentido idêntico, podem ver-se ainda, entre outros, o acórdão de 18.09.2013, no Proc. 968/07.6JAPRT-A.S1 (rel. Cons. Isabel Pais Martins, em www.dgsi.pt). 24. Vista a fundamentação da decisão em matéria de facto (supra, 9.1.1), o que dela consta é uma mera referência genérica aos factos provados em cada um dos processos em que foram aplicadas as penas aos crimes em concurso. É o que se verifica, designadamente, no que diz respeito a 12 apropriações de “adereços em ouro”, em que é repetidamente usada a mesma formulação: “o arguido abeirou-se de uma mulher que se encontrava na via pública e, com recurso à força física, subtraiu-lhe adereços em ouro que a mesma transportava, no valor [que indica] ”. Nisto se esgotando a “matéria” de facto a considerar. O mesmo tipo de descrição ocorre quanto aos factos dos restantes processos. Para além disso, não há no acórdão recorrido qualquer referência aos tipos legais de crime praticados, às normas legais incriminadoras concretamente violadas, limitando-se este a fazer meras referências às respectivas designações comuns associadas ao seu “nomen juris” (nomeadamente “roubos”). 25. Quanto à fundamentação de direito, depois de verificar os pressupostos formais de aplicação da pena única, de estabelecer a moldura do concurso (pena aplicável) e de referir os critérios legais de determinação da pena, o acórdão recorrido limita-se a dizer que: “Em suma, o número de crimes é elevadíssimo, os factos que lhes estão subjacentes são graves e cronologicamente estendem-se bastante no tempo. Quanto à personalidade do arguido, cumpre reter a falta de investimento ao nível da formação escolar e profissional e de hábitos regulares de trabalho, as disfuncionalidades de relacionamento, a dificuldade em interiorizar os seus comportamentos e identificar os danos e as vítimas das suas acções, bem como a ausência de um projecto de vida consistente. Assim sendo, podemos concluir, por um lado, pela alta gravidade do “ilícito global” perpetrado e, por outro lado, por uma tendência criminosa que ultrapassa a mera situação de pluriocasionalidade (considerando que, à data dos factos praticados no âmbito dos processos incluídos neste cúmulo jurídico, o arguido tinha sido julgado e condenado, com trânsito em julgado, pelos crimes supra indicados). Por conseguinte, as exigências de prevenção geral positiva são grandes e as necessidades de prevenção especial positiva (de ressocialização) também são prementes”. Assim concluindo que “Tudo ponderado, tem-se como eficaz, justa, adequada e proporcional a condenação do arguido na pena única de 12 anos e 10 meses de prisão”. 26. Face ao que anteriormente ficou dito, justifica-se, pois, concluir que não podem considerar-se preenchidas as exigências legais de fundamentação, quer quanto à descrição dos factos, nomeadamente quanto às suas circunstâncias de interesse para a decisão e à conexão entre eles, quer quanto à sua qualificação jurídica, quer ainda, em consequência disso, quanto à apreciação da sua gravidade, na sua globalidade, e ao modo como, pelos factores relevantes, se relacionam com a personalidade do arguido, neles projectada e por eles revelada, não obstante as indicações que nesta parte se contêm implícitas. O que, impedindo a verificação da proporcionalidade da pena, não pode ser suprido adequadamente na decisão do recurso. 27. Nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, é nula a decisão que não contiver as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º, nomeadamente a enumeração dos factos provados e uma exposição, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, incluindo os fundamentos que presidiram à medida da pena, nos termos do artigo 375.º do CPP e do artigo 71.º, n.º 3 do Código Penal. Esta nulidade deve ser conhecida oficiosamente em recurso (artigo 379.º, n.º 3, do CPP). 28. A verificação das nulidades indicadas (supra, 16 e 27), que devem ser declaradas, obsta ao conhecimento das questões colocadas no recurso, relacionadas com a medida da pena única aplicada. c) Quanto a custas 29. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. Não sendo o caso, não há lugar a pagamento. III. Decisão 30. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em declarar nulo o acórdão recorrido, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte, e al. c), e n.º 3, do CPP, por omissão de fundamentação de acordo com o n.º 2 do artigo 374.º e com o artigo 375.º do mesmo diploma, e por não pronúncia quanto à inclusão no cúmulo da pena de prisão suspensa na sua execução e quanto aos termos da inclusão da pena de prisão substituída por multa, o qual deve, por isso, ser reformulado para suprimento das nulidades e tendo em conta o que na fundamentação se deixou expresso e o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, 77.º, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.ºs 1 e 2, e 81.º do Código Penal. Sem custas.
Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Fevereiro de 2019. Lopes da Mota (Relator)
|