Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | BERNARDO DOMINGOS | ||
| Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE CONFISSÃO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA MATÉRIA DE FACTO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
| Data do Acordão: | 07/11/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
| Doutrina: | - Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 5.ª edição, p. 397 e ss. e 431 e ss.; - Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.; - J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 56; - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra, Almedina, 2018, 3.ª edição, p. 705 e ss.; - Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra, Almedina, 2018, p. 339. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 3. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 21-10-2009, PROCESSO N.º 474/04.0TTVIS.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
| Sumário : | I – As declarações de parte, quando não constituam confissão, são livremente apreciadas pelo Tribunal. II – Desde que a lei não imponha prova tarifada para a demonstração de certo facto, nem seja apresentado meio de prova com força probatória plena ou reforçada, não está vedado às instâncias, no julgamento da matéria de facto, dar como provado esse facto, apenas com base nas declarações de parte, que são livremente apreciadas e valoradas pelo Tribunal. III – Nestas circunstâncias não havendo violação das regras de direito probatório é vedado ao STJ sindicar aquela decisão de facto. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL * Relatório AA e mulher BB intentaram no Juízo Central Cível de …, Comarca de Viseu, uma acção com processo comum contra o BANCO CC, S.A., pedindo que na procedência da acção se decida: a) – Condenar o Réu a pagar aos AA o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de €220.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento; Assim não se entendendo: b) – Se declare nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R invoque para ter aplicado os €200.000,00 que os AA entregaram ao R., em obrigações subordinadas DD e EE; c) – Se declare ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes; d) – Se condene o R. a restituir aos AA. a quantia de € 200.000,00 que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R., e, bem assim, de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; E, sempre, e) – Se condene o R. a pagar aos AA a quantia de €5.000,00, a título de dano não patrimonial. Alegam, para tanto, que eram clientes da agência do BANCO FF de …, onde mantinham uma conta à ordem; em Outubro de 2004 o gerente da dita Agência disse ao A marido que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BANCO FF e com rentabilidade assegurada, bem sabendo que o A. marido não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente; o A. marido sempre teve um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, pelo que até essa data sempre o aplicara em depósitos a prazo; perante a forma como o produto lhe foi apresentado o A. marido aplicou € 200.000,00 em obrigações DD (3) e EE (1) sem que ele ou a A. mulher soubessem em concreto o que isso era; pois que até desconheciam que a GG era uma empresa; também foi dito ao A. que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais, podendo o capital e respectivos juros ser levantados quando assim o entendesse, mediante aviso com a antecedência de três dias; actuou o A. marido convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo; se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações como produto de risco ou que o capital não era garantido pelo BANCO FF, nunca teria consentido na aplicação; só em Novembro de 2015, quando o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos, os AA. se aperceberam do que se passara; a existirem eventuais documentos serão os respectivos contratos nulos por conterem cláusulas gerais negociadas nas condições supra descritas; além disso, tais contratos não correspondem à real vontade dos AA.; a situação criada deixou os AA. num permanente estado de ansiedade e tristeza por se verem sido desapossados das economias de uma vida. * ** Contestou o Réu CC, excepcionandoa incompetência em razão do território, a ineptidão da petição inicial (por existir contradição entre as causas de pedir), e ainda a prescrição do eventual crédito indemnizatório fundado na intermediação financeira por terem decorrido mais de 2 anos desde o conhecimento da conclusão da operação; defendeu-se também por impugnação, dizendo que desde sempre os AA mostraram apetência por investimentos em aplicações financeiras, ainda que de baixo risco, nomeadamente em valores mobiliários pelo que, não tendo formação específica em área financeira, tinham conhecimentos e experiência suficientes para um tal tipo de investimento, com conhecimento da respectiva natureza, riscos e maior rentabilidade relativamente a um vulgar DP; que o seu incumprimento acabou por ser determinado por circunstâncias completamente imprevisíveis e anormais, como foi a nacionalização que separou o Banco do restante grupo de empresas; que os AA foram total e exaustivamente esclarecidos sobre as condições do produto, aliás de forma acompanhada com a respectiva nota técnica e por isso sabiam perfeitamente que não tinham um DP; que a subscrição de Obrigações GG não foi sujeita a qualquer tipo de contrato de adesão, ou qualquer tipo de formulário de cláusulas contratuais gerais, sendo, antes de mais, um contrato entre os AA e a GG (não o Banco) que se materializou a partir de uma proposta da GG, veiculada pelo Banco R. com a aceitação dos AA. corporizada na ordem de subscrição de títulos. Terminou com a procedência das excepções, ou, assim não podendo ser, com a improcedência da acção. * Os Autores apresentaram resposta, rematando como na p.i.. * Dirimidas as excepções da incompetência relativa e da nulidade do processo por ineptidão da p.i., foi a final prolatada sentença que, além de julgar improcedentea excepção da prescrição, julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em função disso, condenou o Réu BANCO CC, SA a pagar aos Autores AA e mulher BB a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, contados desde o dia 26 de Outubro de 2014 a incidir sobre €150.000,00 e desde o dia 7 de Maio de 2016 a incidir sobre €50.000,00 até efectivo e integral pagamento; e, bem assim, a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), a título de indemnização de danos não patrimoniais. * Inconformado, deste veredicto interpôs o R. BANCO CC recurso, de apelação, onde impugnou a decisão de facto e de direito, o qual veio a ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Mais uma vez inconformado veio o Banco CC, interpor recurso de revista excepcional. A formação a que alude o art.º 672º nº 3 do CPC, entendeu que não seria caso de revista excepcional, por poder não se verificar uma situação de dupla conforme, atenta a invocação da nulidade do acórdão por não conhecimento da impugnação da decisão de facto, por parte do Tribunal da Relação e entendeu dever processar-se o recurso como de revista “normal” e ordenou a remessa dos autos à distribuição como recurso de revista. Apreciando o recurso e em particular a questão da nulidade por omissão de pronúncia quanto a certas questões da impugnação de facto, foi o mesmo julgado improcedente. Verificando-se uma situação de dupla conforme, mas tendo o recorrente requerido subsidiariamente a admissão como do recurso como revista excepcional, foram os autos remetidos à formação prevista no art.º 672º nº 3, que por acórdão, admitiu a revista excepcional. O Banco recorrente nas suas alegações formulou as seguintes Conclusões: I. Dispõe o artigo 615º, n.º l, alínea d) que a sentença é nula quando "o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento". II. No seu recurso de apelação o recorrente insurgiu-se contra a decisão sobre a matéria de facto constante dos pontos 3, 5, 6, 7,10, 12, 13, 15, 17, 18, 19, 21, 22 e 23 da matéria de facto dada como provada. III. O acórdão recorrido limitou-se a apreciar os factos constantes dos pontos 7 e 13. IV. O tribunal deveria assim ter-se debruçado sobre todos e cada um dos factos impugnados o que, manifestamente, não fez. V. Não o tendo feito incorreu na nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, nulidade essa que aqui expressamente se invoca. VI. O acórdão recorrido faz uma errada aplicação do artigo 466º do Código de Processo Civil ao utilizar as declarações de parte como única referência probatória para dar como provados um conjunto de factos que foram impugnados no recurso do recorrente. VII. A livre apreciação que o Tribunal faz das declarações de parte - conforme disposto no art. 466º n.º 3 do CPC - não pode significar que o Tribunal possa fazer aquilo que fez, ou seja que se possa estribar unicamente neste meio de prova para dar factos como provados! VIII. A parte, no momento em que presta as suas declarações, mais não está a fazer, na parte em que estas lhe sejam favoráveis, do que a reafirmar aquilo que alegou na sua Petição Inicial. Numa palavra está a alegar factos que devem ser depois comprovados através de outros meios de prova. IX. Esta realidade impõe que este meio de prova seja conjugado com outros meios de prova que o corrobore, apontando para uma mesma conclusão em termos tácticos. X. Entende o Recorrente que se verifica uma verdadeira subsidariedade deste meio de prova. XI. Neste sentido aponta até o regime que estabelece que as declarações de parte podem ser requeridas até ao final da audiência de julgamento. XII. O Autor indicou testemunhas, funcionários do banco à altura dos factos. Teve a possibilidade de juntar documentos comprovativos do suposto "depósito" ou similar que alegadamente teria contratado com o banco. XIII. Optou por nada fazer!!! Não juntou sequer um único extracto do banco, onde supostamente poderia aparecer o depósito contratado. Não junta qualquer "talão de depósito" que tivesse resultado da contratação. XIV. O banco réu juntou prova. E juntou prova que contraria frontalmente e não corrobora a versão apresentada pelo Autor. XV. Desde logo o boletim de subscrição junto com documento 1 com a contestação. Mas também a nota informativa dos produtos DD e EE, acompanhadas das respetivas notas internas. XVI. Nenhum destes documentos é coerente ou corrobora as declarações de parte erigidas em única prova relevante. XVII. As declarações de parte não poderão assim, só por si, ser suficientes para sustentar a prova de determinado facto mormente quando existam nos autos outros meios de prova que contrariam a versão trazida aos autos pelo Autor. XVIII. Deverá este Tribunal considerar que, nos termos do artigo 674º n.º 1, alínea b), houve uma errada aplicação do artigo 466º do Código de Processo Civil, declarando que os factos provados objecto de impugnação por parte do Recorrente no seu recurso de apelação não poderiam resultar provados unicamente com base nas declarações de parte do Autor e expurgar essa matéria da matéria de facto, revogando em consequência o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que aplique o direito à matéria de facto assim expurgada. XIX. Nos termos do disposto no art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil, o ónus da prova daquilo que terá sido transmitido no momento da venda impendia sobre o Autor. XX. O ónus da prova da verificação do vício de omissão de informação ou de prestação de informação falsa por parte do banco Réu ao Recorrente impende, sem qualquer dúvida, sobre este último, como decorrência natural do princípio constante do artigo 342º, nº 1 do Código Civil que afirma àquele que invoca um direito cabe a prova dos factos constitutivos do mesmo. XXI. A lei é taxativa quanto às possibilidades de inversão do ónus da prova, pelo que a verdade é que também os factos integradores do ilícito e da causalidade deveriam ter sido alegados e provados pelos Recorrente, não podendo resultar do artº 799º uma qualquer inversão implícita de prova quanto à ilicitude e causalidade na responsabilidade contratual. XXII. In casu caberia aos Autores a prova (i) da deficiência ou omissão de informação relevante, susceptível de integrar a violação da obrigação do intermediário financeiro, ou outra violação de obrigações do Réu que julgasse relevantes; (ii) da causalidade adequada entre o dito facto ou omissão, sua ilicitude e ao dano produzido; (iii) do dano! Ao Banco-Réu caberia a contraprova da sua culpa na prática do dito acto ou omissão! XXIII. O dolo ou a culpa grave têm necessariamente de se concluir de factos, concretos, da actuação do Banco na concreta venda do produto ao cliente Autor nos presentes autos. XXIV. Expurgada a matéria de facto dos factos dados como provados unicamente com base nas declarações de parte não resulta provada a prática de qualquer acto ilícito pelo que não poderia o banco Réu ser condenado com base na responsabilidade civil pela prática do facto ilícito derivado do incumprimento do dever de informação. Termos em que se conclui pela verificação da nulidade prevista no artigo 615º, n° 1, alínea d) do Código de Processo Civil, Sem prescindir, Deverá este Tribunal considerar que, nos termos do artigo 674º, nº 1, alínea b), houve uma errada aplicação do artigo 466º do Código de Processo Civil, declarando que os factos provados objecto de impugnação por parte do Recorrente no seu recurso de apelação não poderiam resultar provados unicamente com base nas declarações de parte do Autor e expurgar essa matéria da matéria de facto, revogando em consequência o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que aplique o direito à matéria de facto assim expurgada, absolvendo o Banco Recorrente do pedido Responderam os recorridos pedindo a improcedência da revista. * ** Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[1], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[2], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ). No caso sub judicio, pela natureza do recurso e por força do acórdão proferido sobre a questão da nulidade por falta de apreciação de questões relativas à impugnação da decisão de facto, o objecto do recurso está circunscrito a saber se as instâncias podem dar como provado um determinado facto apenas com base nas declarações de uma parte, no caso o autor. Dos factos Nas instâncias foram considerados provados os seguintes factos: «1. Os AA eram clientes do Réu, na sua agência de …, com a conta à ordem nº 83…01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças. 2. A GG - S.G.P.S. S.A., era detentora de 100% do capital do Banco-Réu até à sua nacionalização, em Novembro de 2008. 3. Primeiro em Outubro de 2004 e depois em Abril de 2006 o gerente do Banco Réu da agência de …, disse ao A marido que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BANCO FF e com rentabilidade assegurada. 4. O dito funcionário do Banco Réu sabia que o A marido não possuía qualificação ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente. 5. O Autor marido tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, ele que até esse data sempre o aplicou em depósitos a prazo. 6. Os AA ignoravam o que eram as “Obrigações EE” e que a GG era uma empresa, bem como que ela era uma mera denominação de conta a prazo que o Banco Réu utilizava. 7. A decisão de subscrição, por parte do Autor marido, fundou-se na circunstância de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de lapso temporal não apurado em concreto mas de dias. 8.Por via da conjugação de tais elementos os Autores aplicaram €200.000,00 em “Obrigações DD” (3) e “EE” (1), respectivamente em 25 de Outubro de 2004 e 6 de Maio de 2006. 9. Os juros respectivos foram sendo pagos semestralmente aos Autores. 10. A marido actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto com risco exclusivamente do Banco, e que era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu esta sua convicção. 11. O A marido sempre esteve convencido que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse. 12. O A. marido, caso tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações EE, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BANCO FF, jamais o autorizaria. 13. Era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu que nunca foi intenção dos AA. investir em produtos de risco além de que o Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, gerando nos AA a convicção plena na segurança da aplicação em causam, ainda reforçada com o pagamento semestral dos juros, tal como o facto da agência nunca os ter alertado para qualquer irregularidade. 14. E que manteve até à data da maturidade. 15. Nunca o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou aos AA o que eram obrigações, em concreto, o que eram “Obrigações subordinadas DD” e “EE”. 16. Autor marido assinou o documento junto a fls 23 mas a A mulher nunca subscreveu nada, desconhecendo todo o processo de aquisição das obrigações GG. 17. Aos Autores nunca qualquer contrato lhes foi lido ou explicado, tão pouco entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas GG nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos AA. 18. Ainda os AA nunca conheceram qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações GG não lhes tendo sido entregue documento correspondente. 19. O prazo de maturidade dos produtos GG 2004 e EE ocorreram, respectivamente, em Outubro de 2014 e Maio de 2016 sem que na data de vencimento contratada o Réu lhes tenha restituído os montantes que lhe confiaram, fornecendo a informação- na agência de … -que era melhor esperar até à maturidade das obrigações. 20. O Réu pagou juros a taxa diversa da contratada e até data não apurados em concreto. 21. As orientações e comunicações internas existentes no BANCO FF e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o Banco garantia o capital investido, dado que sendo empresas do Grupo BANCO FF, o Banco cobriria sempre a solvabilidade dos produtos. 22. O Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos. 23. Pelos extractos mensais periódicos recebidos pelos Autores, nos quais constavam as aplicações financeiras, analisada com cuidado e conhecimento era possível destrinçar ou perceber que ali estavam produtos financeiros diferentes de Depósitos a Prazo. 24. À data da subscrição a procura superava a oferta e, sempre que solicitado endosso de tais obrigações, não era difícil obter um comprador em prazo não concretizado. 25. E na ocasião o “Banco Réu” era o principal activo do património da sociedade emitente. 26. Com a descrita actuação do Réu os Autores passaram a ter um estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro, provocando neles ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerirem a sua vida, sentindo-se ainda desapossados das suas economias de uma vida e sem perspectivas de futuro, gerando neles um estado de “stress”. 27. A presente acção foi instaurada no dia 30 de Dezembro de 2016 e o Réu foi citado para a presente acção no dia 5 de Janeiro de 2017 - aviso de recepção de fls 15». Do Direito A revista excepcional foi interposta com dois fundamentos: a) «Relevância jurídica das questões em causa e sua necessidade à melhor aplicação do direito, b) Contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pela Relação do Porto no âmbito do processo nº 216/11.4TUBRG.P1 de 15/9/2014. Quanto ao primeiro fundamento a questão que é objecto do recurso consiste apenas em saber se é legalmente admissível dar como provado um facto apenas com base nas declarações da parte a quem aproveita ou beneficia. O segundo fundamento consiste em saber se ocorre a alegada contradição sobre a dita questão. Vejamos. O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, em regra só conhece de questões de direito. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no tocante à decisão sobre a matéria de facto é meramente residual. Destina-se, no essencial, a garantir a observância das regras de Direito probatório material ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC, determinando-se no primeiro destes dispositivos que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objecto de recurso de revista”, só podendo o Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”[3]. Em particular, a propósito do disposto no artigo 662.º do CPC, salienta Rui Pinto que “[o] n.º 4 do artigo 662.º é perentório a determinar a irrecorribilidade das decisões através das quais a Relação exerce os poderes previstos nos n.ºs 1 e 2 (…). Portanto, o Supremo não pode julgar se a prova foi bem ou mal avaliada e se o facto foi bem ou mal dado como provado. Por ex., não é sindicável a reapreciação da prova sujeita à livre apreciação, como sejam a prova testemunhal, a prova por documento sem força probatória plena, a prova pericial e a prova por presunções judiciais”[4] e, acrescentamos nós, as declarações de parte, quando não constituam confissão (art.º 466º nº 3 do CPC). Segundo o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”. De acordo com o n.º 5, “[o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. Exige-se, em suma, ao juiz que proceda à análise crítica das provas, relativamente à prova sujeita à livre apreciação e à fundamentação das respostas negativas, no que toca à fundamentação da decisão de facto[5]. O Tribunal a quo indicou as provas que o levaram a formar a sua convicção e articulou-as, explicando claramente os motivos que o conduziram a decidir em determinado sentido relativamente a cada um dos factos provados e impugnados pelo recorrente, não se verificando transposição dos limites legalmente estabelecidos à livre apreciação, conforme já ficou claro no acórdão que apreciou a alegada nulidade da decisão recorrida no tocante à alegada omissão de pronúncia quanto à impugnação da decisão de facto, feita na apelação. O facto de o Tribunal ter dado credibilidade e prevalência às declarações de parte em detrimento do que consta dos documentos juntos pela R. (boletim de subscrição e nota informativa dos produtos DD e EE) não significa que tenha deixado de os considerar. Apenas os valorou de forma diferente e nada, na lei, impedia que o fizesse. Na verdade os documentos em causa não são meios de prova com força probatória pleníssima ou plena, que se imponham ao juiz, obrigando-o a dar como provado certo facto por mera aplicação da respectiva norma de Direito probatório. Tem, pois, de se concluir – e de se aceitar – que, simplesmente, tais meios de prova não foram aptos a incutir no Tribunal recorrido a convicção de que o que deles constava era suficiente para afastar a factualidade que decorria das credíveis declarações do autor. Alega o recorrente que o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu a matéria de facto, violou o disposto no art.º 674º nº 3 do CPC e fez uma errada aplicação do disposto no art.º 466º do mesmo diploma. Do que já se disse supra, resulta claramente que não assiste qualquer razão ao recorrente. O n.º 3 do artigo 674.º do CPC prescreve que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Daqui resulta que só é possível a este Supremo Tribunal reprovar a conduta da Relação se se concluir que foi dado como provado um facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, que foi dado como provado um facto por se ter atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou que foi dado como não provado um facto por não se ter atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere[6]. A verdade é que não se configura, no caso em apreço, nenhuma das hipóteses descritas. Os meios de prova em que o Tribunal se apoiou para apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto e para decidir manter como provados / inalterados os factos provados e impugnados foram, como se viu no acórdão que apreciou tal questão, a prova testemunhal e a prova por declarações de parte no confronto com documentos sem força probatória plena, cuja valoração está sujeita à livre apreciação do julgador (cfr. artigos 396.º, 376.º do CC e 466º nº 3 do CPC). Não existiu ofensa de disposição expressa da lei que exigisse certa espécie de prova para a existência dos factos provados e impugnados nem ofensa de disposição expressa da lei que fixasse a força de determinado meio de prova. Não existiu, sequer qualquer violação das regras do ónus da prova, nem inversão de tal ónus (artigos 342.º e 344.º do CC). O que sucedeu foi que o Tribunal apreciou livremente as provas de acordo com a sua convicção, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 662º do CPC e de acordo com as regras do direito probatório material, sendo por isso vedado a este Supremo Tribunal, sindicar o resultado concreto a que chegou, quanto à fixação dos factos relevantes para a decisão da causa. Pelo exposto improcede a revista. * ** Concluindo Pelo exposto, acorda-se na improcedência da revista e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente. Lisboa em 11 de julho de 2019.
José Manuel Bernardo Domingos (Relator)
João Luís Marques Bernardo
António Abrantes Geraldes ______ [1] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs. |