Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CID GERALDO | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA ABSOLVIÇÃO CRIME SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA REJEIÇÃO PARCIAL PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL PRINCÍPIO DA ADESÃO RESPONSABILIDADE PELO RISCO APROVEITAMENTO DO RECURSO AOS NÃO RECORRENTES | ||
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Data do Acordão: | 12/16/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - A recorribilidade para o STJ de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no art. 432.º do CPP. De uma forma directa, nas al. a), c) e d) do n.º 1; e de um modo indirecto na al. b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do art. 400.º, n.º 1 e respectivas alíneas, do mesmo Código. II - Do acórdão proferido pelo tribunal da relação de Lisboa que decidiu revogar a decisão recorrida absolvendo o recorrente do crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado (na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano) e, consequentemente, absolver a demandada cível da condenação no pedido de indemnização, não é admissível recurso interposto pelos assistentes (quanto à parte referente à absolvição do arguido pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.º, n º 1 do CP), uma vez que a pena de prisão fixada em 1.ª instância não foi superior a 5 anos de prisão, pelo que é rejeitado por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto nos art. 420.º, n.º 1, al. b), e 414.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. III - Quanto ao pedido de indemnização, a nossa lei processual penal instituiu um sistema de adesão, do pedido cível à ação penal, nos termos do qual o pedido de indemnização cível que se funde na prática de um crime tem que ser deduzido no processo penal (art. 71.º do CPP). Porém, tal não significa que, no caso de absolvição penal, não possa ocorrer condenação no processo com base em responsabilidade pelo risco – que não deixa de ser responsabilidade extracontratual. O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime. Se o arguido for absolvido desse crime, o pedido cível formulado só poderá ser considerado se existir ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco (responsabilidade extracontratual). IV - Tendo o acórdão recorrido afastado a responsabilidade civil, por não existir qualquer facto criminoso resultante da conduta do arguido (não podendo estabelecer-se o nexo de causalidade entre a sua conduta e a morte), e tendo refletido e ponderado a existência de ilícito civil ou de responsabilidade fundada no risco, concluindo pela sua inexistência, a condenação da demandada cível deixou de existir. V - Relativamente ao facto de a indemnização já ter sido liquidada (face à condenação na 1.ª instância), esta circunstância em nada contende com a decisão do tribunal da relação e com a sua aplicação à demandada, pois a vertente penal está diretamente relacionada com a vertente civil. VI - Revertida pelo tribunal da relação a decisão sobre a matéria de facto levada em 1.ª instância (estabelecendo a culpa da vítima e não do condutor na produção e sequelas do acidente, tal seja sedimentando a culpabilidade da vítima, que não do arguido, na prática dos factos delitivos), o pedido indemnizatório dos assistentes (legítimos herdeiros da vítima) não podia senão ser julgado improcedente, com a consequente absolvição da seguradora para a qual o arguido havia transferido a respectiva responsabilidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 159/18.0PCRGR
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.
I. RELATORIO
No processo comum n° 159/18..., do Tribunal da Comarca..., Juízo local Criminal da ..., AA, foi julgado e condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 13.°, 15º, alínea a) e 137.°, n ° 1, todos do Código Penal (CP), com referência aos artigos 24.°, n °s 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, e 27.°, n.°s 1 e 2, alínea a), 2º, todos do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 50° do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses. * Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Lisboa, que concedeu provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida, absolvendo o recorrente do crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado e, consequentemente, absolvendo a demandada cível da condenação no pedido de indemnização cível. * BB e CC, assistentes e demandantes civis, notificados do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por não se conformarem com o mesmo, recorreram para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:
I – DA QUESTÃO PRÈVIA 1ª) - Em sede de primeira instância os demandantes civis, e ora requerentes, formularam pedido cível em que foi demandada a Seguradoras Unidas SA. a) Tal pedido foi julgado parcialmente procedente e a seguradora demandada condenada a pagar: «- A quantia de € 37.500.00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a BB e CC, na qualidade de herdeiros da vítima DD, pelo direito à vida de DD - A quantia de € 7.500.00 (sete mil e quinhentos euros a cada um), BB e CC, pelo desgosto que cada um dos demandantes sofreu pela morte DD, - Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados da prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento». Ora; b) A Seguradoras Unidas SA. demandada, condenada em primeira instância, conformou-se com a referida decisão condenatória. Tanto assim que; c) Comunicou ao mandatário dos demandantes, em 11 de Novembro de 2020, através de e-mail, que: «No seguimento da decisão judicial nos autos em assunto (Proc. 159/18...) remetemos em anexo os recibos de indemnização: - Nº ..., €26.419,73 BB - ..., €26.419,73 CC» (doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido). d) Os demandantes cíveis, BB e CC, assinaram os recibos de pagamento dessas quantias e respectivos juros de mora que efectivamente receberam. (sendo que em cada um desses recibos se refere expressamente “O TITULAR ACEITA RECEBER A QUANTIA ACIMA INDICADA COMO INDEMIZAÇÃO FIXADA DA DECISÃO JUDICIAL PROFEREIDA NO PROCESSO SUPRA IDENTIFICADO. COM O RECBIMENTO DAQUELA QUANTIA; CONSIDERA-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS INTEGRALMENTE INDEMNIZADA DE TODOS OS DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS PASADOS, PRESENTES E FUTUROS EMERGENTES DO SINISTRO EM REFERÊNCIA» e) Com este pagamento e aceitação do mesmo ficou entre as partes de boa-fé e em obediência ao princípio da lealdade definitivamente assente a demanda cível. f) Assim, entende-se que o TRL fez no caso concreto, embora induzida pelo comportamento da seguradora, errada aplicação do artigo 402º, nº 1 e nº 2 b) do CPP, violando o princípio da verdade material, cabendo nos poderes de cognição desse douto Tribunal, porque de questão de direito se trata, conhecer neste recurso dessa decisão revogando-a e substituindo-a por outra que: 1) Dê sem efeito qualquer efeito em relação à seguradora a decisão que a absolveu do pedido de indemnização; ou assim não se entendendo; 2) Considere ter-se verificado, com as legais consequências, inutilidade superveniente da lide no que se refere ao pedido cível. Sem prescindir II – DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 412º, nº 3, al. b) do CPP 2ª) Estatui o artigo 412, nº 3 do CPP, o seguinte: «Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas» 3ª) A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. 4ª) Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375, acessível em www.dgsi.pt, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: - a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; (negrito e sublinhado nossos) - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita á indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso; - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º). 5ª) Ora, é manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova. 6ª) Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]. 7ª) No sub judice, admite-se que o recorrente cumpriu o ónus de especificação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. 8ª) Todavia, já não assim no que se refere á indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida. 9ª) Na verdade tanto da leitura das motivações como das conclusões resulta cristalinamente que o seu recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção formada pelo tribunal da primeira instância, relativamente aos factos que impugna. 10ª) Como de forma preclara se escreve no sumário do Acórdão do TRC de 08.02.2017 «I - Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art.º. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. II - Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova» 11ª) Ora salvo o devido respeito que é muito foi este o “pecado original” do recorrente o qual não especificou as provas que impusessem decisão diversa da recorrida (como expressamente exige a al. b) do nº2 do artigo 412º) e não apenas a permitam o que como, acima já vimos, é manifestamente insuficiente. 12ª) Assim sendo não podia o TRL ter procedido, como procedeu, à modificação da matéria de facto tem aplicado e interpretado incorrectamente o estatuído naquele normativo legal (al. b) do nº2 do artigo 412º) que violou e que deve ser interpretado em conformidade com o alcance e sentido que lhe é dado nas presentes alegações. E tal; 13ª) Por si só, é suficiente para a procedência do presente recurso. Sempre sem prescindir; III – DA DINÂMICA DO ACIDENTE DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DIREITO DA DECISÂO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA. 14ª) Também nesta matéria o recorrente adere ao bem fundamentado pela primeira instância. Com efeito e como aí se refere; «não resultam dúvidas que o arguido, com a sua conduta, violou os artigos 24.°, n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada, 25.°, n.º 1 alíneas h) e j) do Código da Estada, e os artigos 64.° e 65.° do Decreto Regulamentar n.°22-A/98, de 1 de Outubro, alterado pelos Decretos Regulamentares n.ºs 41/2002. de 20 de agosto, e 13/2003, de 26 de junho, pelo Decreto-Lei n.°39/2010, de 26 de abril, e pelo Decreto Regulamentar n.°2/2011, de 3 de março (e actualmente revisto e atualizado através da publicação do Decreto Regulamentar n.°6/2019, de 22.10, e rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 60-A/2019, de 20.12), pois não adequou a velocidade às condições meteorológicas que naquele momento se faziam sentir naquela via de trânsito e circulava com a sua viatura numa zona interdita à circulação. 15ª) Quanto à velocidade, provou-se que o arguido circulava dentro do limite de velocidade previsto para a via onde circulava (Caminho da Adutoras — onde o máximo permitido é de 90 km/hora, e o arguido circulava entre 40 km/hora e 50 km/hora), contudo provou-se também que as condições atmosféricas eram adversas (chovia intensamente, o vento era forte e o piso estava molhado). 16ª) A condução em velocidade excessiva existe não só quando o condutor ultrapassa os limites legais, mas também quando perante um determinado evento, característico da via ou do veículo, ou outra circunstância relevante para a circulação em segurança, que seja previsível para um condutor com a capacidade de diligência de um cidadão médio, devido à velocidade que anima o veículo, este não logra concretizar determinada manobra que pretendia realizar ou deter a marcha do mesmo no espaço livre e visível à sua frente. 17ª) Aos condutores apenas se exige que a velocidade de marcha lhes permita parar no espaço livre e visível à sua frente, isto é, em relação a um obstáculo visível ou que, razoavelmente, fosse de prever que viesse a surgir, o que pressupõe que não se verifiquem condições anormais ou factos imprevisíveis que alterem, de súbito, a sua visibilidade — neste sentido, vide os Acórdãos da RC, de 09.11.1977, BMJ 274, p. 316; de 11.03.1980, BMJ 299,p. 417 e Ac. do STJ de 2.11.1979, BMJ 291, p. 494. 18ª) No caso concreto, o próprio arguido referiu que circulava a cerca de 40/50 km/hora, numa altura em que chovia intensamente, o piso estava molhado, estava vento, e estava nevoeiro. 19ª) O arguido ocupou, invadiu a referida zona constituída por raias oblíquas, onde não é permitido circular. 20º) Por sua vez, a vítima, condutor do ciclomotor, conduzia tal veículo sem ser portador de habilitação legal para o efeito, sob o efeito de substâncias psicotrópicas, e ainda invadindo a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas. 20ª) Do exposto, resulta que ambos os intervenientes no acidente de viação incorreram na violação de regras estradas (o arguido) e criminal e estradais (a vítima) e ambos violaram o dever de cuidado, interno e externo, a que cada um estava obrigado, a saber. Assim, quer o arguido quer a vítima assumiram uma conduta leviana e descuidada. 21ª) Estamos diante um caso de causalidades cumulativas em que a conduta de cada um dos intervenientes não é de per si suficiente para alcançar o resultado típico morte. 22ª) Com efeito, se o arguido não violasse as normas estradais que atrás descrevemos, o acidente, com o resultado típico morte, não teria acontecido, porque a omissão da acção do arguido teria evitado o resultado morte. 23ª) Da mesma forma, se a vítima não tivesse pelo menos violado a última norma estradal imputada, o resultado morte poderia ter sido evitado. 24ª) Ambos tiveram a sua quota de responsabilidade na eclosão do acidente, sendo certo em termos de graduação, como factores determinantes do evento e resultado morte, podemos fixar o contributo de ambos num patamar de igualdade, ou seja, de 50% de culpa para cada um. 25º) Entendemos, assim, que a conduta do arguido, ao conduzir àquela velocidade naquelas circunstâncias de tempo e lugar naquele concreto lugar, contribui de forma determinante (em pelo menos 50%) para o evento (nexo de causalidade adequada). 26ª) Ao nível do elemento subjectivo, a violação do dever de cuidado situa-se ao nível da negligência inconsciente, pois que com a sua conduta o arguido não previu, sequer, a consequência como resultado da sua conduta, ou seja, o resultado típico não foi previsto, por descuido, distracção ou leviandade, mas era apenas previsível. 27ª) A conduta do arguido é culposa, porque censurável ético-socialmente. 28º) Não existe qualquer desvio no processo causal iniciado pelo arguido, o qual se revelou adequado e eficaz a produzir o resultado típico, porquanto o arguido violou os deveres de cuidado que sobre si impendiam, violou regras estradais quando podia e devia tê-las observado, e a violação dessas normas constituiu-se como causa necessária e directa do resultado, quando a sua observância, por si só, o teria evitado. 29º) Actuou, por isso, com culpa, embora sob a forma de negligência inconsciente, nos termos do artigo 15°, n°1, b), Código Penal 30ª) As expectativas depositadas na estabilização contrafática da norma jurídica violada são elevadíssimas, atento o elevado índice de sinistralidade rodoviária na sociedade hodierna, pelo que não podem compadecer-se com a aplicação, in casu, de uma pena de multa. 31ª) As finalidades de aplicação de uma pena assentam, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e na reintegração do agente de sociedade. Contudo, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (vide artigo 40 °, n.°s1 e 2, do CP). 32ª) Na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, o tribunal atenderá à culpa do agente e às exigências de prevenção bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele (vide artigo 71.°, n.°s1 e 2, do CP). 33ª) Como circunstâncias agravantes e atenuantes, importa considerar: -o grau de ilicitude, que se afigura acentuado; - a violação do dever de cuidado, de intensidade média, configurando negligência na forma simples inconsciente, não tendo o arguido previsto o resultado, sequer, essa consequência como resultado da sua conduta, ou seja, o resultado típico não foi previsto, por descuido, distracção ou leviandade, mas era previsível. - as exigências de reprovação social e de prevenção geral que se fazem sentir no cometimento de crimes contra a vida, por negligência, resultantes de acidentes de viação; - o desvalor do resultado do ilícito perpetrado pelo arguido, muito grave, que tolheu a vida da vítima, jovem (com 19 anos de idade); - a culpa, de intensidade mediana e repartida com a vítima — causalidades cumulativas; - as consequências advenientes do ilícito, que são muito graves. - a negação dos factos por parte do arguido, sendo certo que o tribunal crê que o fez de forma consciente (sendo certo que não está sujeito a qualquer dever de falar com verdade), mas demonstra uma certa dificuldade em interiorizar o desvalor da sua conduta; - a inexistência de antecedentes criminais e contra-ordenacionais, o que denota que o arguido tem pautado a sua vida em conformidade com o Direito e revela ser, igualmente, condutor experiente; - o facto de se encontrar familiar, social e profissionalmente inserida; - o facto de ter socorrido a vítima, na medida em que foi o arguido que na impossibilidade de o fazer por meios próprios, pediu a terceiros para contactarem o 112; 35ª) Tudo sopesado e ponderado, o tribunal reputa por justa, adequada e ponderada, a aplicação ao arguido da pena de 1 (um) ano de prisão. 36º) Nenhuma censura merece a decisão da primeira instância que também andou bem, pelas razões nela explicitadas, ao suspender a execução da pena de prisão por um ano e ao aplicar a pena acessória de proibir o arguido de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de um ano e quatro meses. V - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DOS DEMANDANTES BB E CC 37ª) Dano morte - dano não patrimonial da perda do direito à vida: No que respeita ao dano pela própria perda do direito à vida, pondera-se a lesão do direito/bem vida como valor abstracto e individual, que merecerá uma determinada compensação, ajustada segundo circunstâncias próprias ou sociais (idade, saúde, integração e relacionamento social, função desempenhada na sociedade, etc.), dentro dos limites da equidade. 38ª) Como expressivamente refere DIOGO LEITE CAMPOS, “A vida, a morte e a sua indemnização”, in BMJ 365, pp. 5 e ss. “(…) porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis “a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado”. 39ª) A Jurisprudência mais recente vem arbitrando valores que, em regra, não descem abaixo de 60.000,00€ - por traduzirem o mínimo que deve ser atribuído pela perda de qualquer vida humana; tanto mais que arestos recentes têm já fixado compensações bastante superiores, embora relativamente a vítimas mais jovens [fixaram indemnizações que variaram entre os 70.000,00 € e os 100.000,00 €, para vítimas com idades compreendidas entre os 14 e os 41 anos, i. a., os Acórdãos do STJ de 07/02/2013, proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1, de 13/09/2012 (entre muitos outros citados na decisão da primeira instância) 40ª) No caso dos autos, pondera-se, desde logo, a idade da vítima (19 anos), considerando que, não obstante ser a vida um valor absoluto, a compensação devida é, fundamentalmente, pela perda da vida que está por viver, pela supressão do direito a viver, a existir (neste sentido, Ac. STJ, 30.10.07, Proc. 2974/07, in www.dgsi.pt). 41º) Pondera-se, ainda, as características de personalidade da vítima, o estado de saúde, a sua atividade profissional, a culpa do arguido nos termos supra expostos, — encontrando-se afastada a ponderação da situação económica do agente em virtude da “transferência” de responsabilidade para a Seguradora, a respeito da qual nada se encontra provado em termos de capacidade económica ou solvabilidade. 42ª) No caso dos autos, face à factualidade provada e não provada, ponderando os critérios atrás referidos, entendeu a primeira instância adequado fixar em € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros). 43ª) Tendo em consideração a redução em 50% correspondente à proporção da culpa da vítima na produção do acidente que importa efetuar, vai a demandada Seguradoras Unidas, S.A. condenada no pagamento da quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a BB e CC, na qualidade de herdeiros da vítima DD. 44ª) Do desgosto dos demandantes: Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares (in casu, os progenitores da vítima) é evidente que cada pessoa tem um círculo restrito de relações familiares, de convivência, afeição, carinho e ternura, a quem a lei reconhece o direito à reparação/compensação quando pessoalmente afectadas com o desaparecimento daqueles por quem nutrem tais sentimentos. São estas pessoas as “vítimas indirectas” da conduta do agente, feridas pela dor moral que a morte abrupta da vítima lhes causou, havendo lugar a indemnização, em conjunto, e jure próprio, como referimos supra, designadamente, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, nos termos do artigo 496°, n.º 2, do Código Civil. 45ª) Como se referiu no Ac. STJ, 26.6.91, BMJ 408, 538, “trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.” 46ª) No entanto, na ponderação do quantum da compensação, deve atender-se ao grau de parentesco, de proximidade ou ligação com a vítima, ao sentimento de dor mais ou menos intenso, ao maior ou menor desamparo criado, sendo esta compensação o “preço da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” (assim, SOUSA DINIS, in “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJSTJ 1997, tomo 2, p. 13). 47ª) Vertendo ao caso dos autos, compulsada a factualidade relevante a este propósito dada como provada, cumpre ponderar o tipo de relação entre os demandantes e a vítima; o desgosto pela morte súbita daquele; as dores e sofrimento suportados em consequência do desaparecimento daquela pessoa das suas vidas; as alterações de hábitos e comportamentos que atingiram os demandantes; a privação dos demandantes do seu filho; a ablação da expectativa daquilo que ainda tinham por partilhar em família. 48ª) Assim, provou-se que DD era um filho exemplar e, por isso, pessoa querida de seus pais. A sua morte causou nos assistentes forte desgosto e angústia. Os assistentes viram-se privados da companhia do seu filho, das suas conversas e do seu amor. 49ª) Como se disse no Ac. STJ, 16.12.93, CJSTJ 1993, tomo 3, p. 181: “É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue”. 50ª) Face a tudo quanto ficou dito, considera-se justa e adequada a fixação da compensação por danos não patrimoniais pelo desgosto que sofrem, cada um dos demandantes, pela morte do seu filho, numa quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), para cada um. 51ª) Tendo em consideração a redução em 50% correspondente à proporção da culpa da vítima na produção do acidente que importa efectuar, vai a demandada Seguradoras Unidas, S.A. condenada no pagamento da quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a cada um, BB e CC. 52ª) Também nesta matéria nenhuma censura merece a decisão da primeira instância e como acima referimos sobre a indemnização a pagar pela seguradora aos agora recorrentes firmou-se acordo entre ambos ficando definitivamente assente a demanda cível. VI – DA CRÍTICA AO ACÓRDÃO do Tribunal da Relação de Lisboa 53ª) Não podem os ora recorrentes estar de acordo com o raciocínio relativo à dinâmica do acidente de viação, todo ele assente em meras hipóteses meramente interpretativas – sem esquecer que a prova indicada pelo arguido no seu recurso para o TRL não impunha decisão diferente da tomada em primeira instância e respectiva fundamentação e constante das conclusões Com efeito; 56ª) Questiona-se o TRL O facto de o recorrente ter prosseguido a sua marcha meio por cima das ... ainda que na direção que seguia e por cima da sua faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, terá sido determinante da morte do condutor da ..., em conjugação com a condução desatenta e desrespeitosa da vítima, que circulava na faixa de sentido contrário ao seu sentido de marcha, esquecendo todas as marcações na estrada como o traço continuo e restante sinalética existente no local? 57ª) Mesmo que o tivesse feito e continuasse o seu trajeto meio por cima das ... meio por cima da sua faixa de rodagem, o seu comportamento teria sido causal do acidente? É certo que chovia torrencialmente, é certo que foi dado como provado que estava vento forte, não se tendo dado como provado a existência de nevoeiro, mas, será que se o arguido não violasse as normas estradais que atrás descrevemos, o acidente, com o resultado típico morte, não teria acontecido, porque a não omissão da acção do arguido teria evitado o mesmo? Ou será que, se a vítima nunca tivesse pelo menos violado uma única norma estradal das várias que violou, o resultado morte teria sido evitado? 58ª) Isto é, era previsível, ou deveria sê-lo, para um condutor prudente, que o facto da viatura que tripulava circular pela zona das ..., à direita da sua faixa de rodagem, e no seu sentido de marcha entre os 40 e os 50 Km por hora onde já eram permitidos os 90K/ hora, determinaria que uma viatura, circulando em sentido contrário, saindo da sua faixa de rodagem, e pisando uma linha longitudinal que separava ambos os sentidos de marcha, vulgo traço contínuo, lhe fosse embater de frente? 59ª) É verdade que temos desde logo a tentação de pensar que há uma concorrência de culpas entre as condutas verificadas porque houve o cometimento de uma contraordenação por parte do condutor do veículo, mas na verdade e observando o local, tendo em conta o trajeto da vítima que tripulava a mota, sentimos que a mera circunstância de o arguido ter praticado uma contraordenação não determina nem a violação do princípio da confiança, nem a existência de causalidade adequada. Porquê? 60ª) Porque o princípio da confiança no domínio da circulação rodoviária, determina que o condutor de um veículo (instrumento particularmente apto à causação de perigo e de resultados danosos) está obrigado a prever, até onde seja humanamente possível, o deficiente comportamento dos demais utentes da via pública. 61º) E, quer queiramos quer não, a invasão da via de circulação contrária, o desrespeito pelo traço contínuo, e a circulação pela zona de ... (que corresponde à circulação pela berma contrária ao sentido de marcha do motociclo), não é um comportamento humanamente previsível ex ante mas, antes, um evento extraordinário, cuja previsibilidade não é humanamente exigível e não é previsível. 62ª) Assim, em termos de nexo de adequação (em que, como diz o tribunal “a quo”, o juiz tem de aferir, segundo um juízo ex ante e não ex post; segundo um juízo de prognose póstuma, deslocando-se mentalmente para o passado, para o momento em que foi praticada a conduta e ponderar, enquanto observador objetivo, se, dadas as regras da experiência e o normal acontecer dos factos, a ação praticada teria como consequência a produção do evento), a verdade é que, repensando e observando bem um trajeto e outro, embora nos choque o pisar das ... pelo arguido, o que é certo é que este seguia no seu sentido de marcha e dentro da sua faixa de rodagem ainda que não totalmente, em noite de temporal, em marcha lenta ou pelo menos nunca superior a 40/50km/hora e é surpreendido por um embate que lhe deixou o veículo conforme resulta das fotografias juntas aos autos e provocou a morte do condutor do motociclo. 63ª) O referido na conclusão anterior e retirado «expressis verbis» o TRL é salvo o devido respeito afirmação de uma coisa e do seu contrário sem qualquer arrimo que não seja um estado de alma…. 64ª) o TRL descreve uma dinâmica do acidente e desenvolve um raciocínio que nada tem a ver com a factualidade apurada, que como vimos a impugnação da matéria de facto pelo arguido não impunha a alteração da mesma. 65ª) E isto inquina todo esse raciocínio e é facilmente rebatida pela dinâmica do acidente apurada na primeira instância e respectiva fundamentação constante das conclusões supra 14º a 36º. Nestes temos e no que mais doutamente se suprirá deverá ser julgado procedente o presente recurso e desde logo: a) Considerar-se que do exposto na questão prévia resulta que com o pagamento efectuado pela seguradora e aceitação do mesmo pelos ora recorrentes ficou, entre as partes de boa-fé e em obediência ao princípio da lealdade, definitivamente assente a demanda cível. Caso assim não se entendendo; b) Considerar-se o facto de o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º), o que não foi o caso e, por si só, inquina toda a decisão da relação que deve ser revogada por esse douto Supremo Tribunal de Justiça. Ou ainda que assim não se entenda; c) Considerar-se existir para a decisão do TRL insuficiência da matéria de facto provada e erro notório da apreciação dessa prova, estando assim nos poderes de cognição desse douto Supremo Tribunal de justiça o qual deve revogar, in totum, a decisão ora recorrida (artigo 434º do CPP, sem prejuízo do disposto nºs nº2 e 3 do seu artigo 410º).
* G..., S.A., demandada nos autos à margem identificados, tendo sido notificada do recurso interposto pelos assistentes/demandantes civis BB e CC e com o mesmo não se conformando, apresentou a sua resposta ao recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) No caso sub judice, está em causa o aferir de responsabilidade criminal e civil emergente de um sinistro rodoviário entre um veículo ligeiro de passageiros e um motociclo. 2) A responsabilidade pelos danos causados a terceiros em virtude da circulação do veículo conduzido pelo arguido estava, à data do evento, transferida para a demandada por força do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel outorgado entre as partes. 3) Deste sinistro resultou a morte do condutor do motociclo. 4) Não conformado com a decisão do Tribunal de 1ª Instância que o condenou na prática de um crime de homicídio por negligência pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 13.º, 15.º, alínea a) e 137.º, n.º 1, todos do Código Penal (CP), com referência aos artigos 24.º, n.ºs 1 e 3, 25.º, n.º1, alíneas c), h), e j) e n.º2, e 27.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.º, todos do Código da Estrada, e com a pena acessória prevista no artigo 69.º, n,º 1, al. a), do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses., veio o arguido interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. 5) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa concluiu pela absolvição do arguido. 6) Não conformados, os assistentes/demandantes civis interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 7) Assim, vem a demandada cível apresentar a sua resposta nos termos do artigo 413º do Código de Processo Penal. 8) Não têm razão os demandantes quando mencionam que ” ssim, entende-se que o TRL fez no caso concreto, embora induzida pelo comportamento da seguradora, errada aplicação do artigo 402º, nº 1 e nº 2 b) do CPP, violando o princípio da verdade material, cabendo nos poderes de cognição desse douto Tribunal, porque de questão de direito se trata, conhecer neste recurso dessa decisão revogando-a e substituindo-a por outra que: a) Dê sem efeito qualquer efeito em relação à seguradora a decisão que a absolveu do pedido de indemnização; ou assim não se entendendo; b) Considere ter-se verificado, com as legais consequências, inutilidade superveniente da lide no que se refere ao pedido cível.” 9) Cumpre primeiramente esclarecer que a seguradora nunca junta aos autos os recibos de pagamento das indemnizações que tem de liquidar bastando para tal, para fazer prova do pagamento, a sentença e cópia da transferência, caso seja necessário. 10) Não há nenhuma disposição legal que obrigue a fazê-lo nem sequer é prática usual. 11) O recorrente divaga acerca disso. 12) Mesmo que tivesse essa obrigação, não era, com certeza, devido a este motivo que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa decidiria de outra forma. 13) Assim sendo, não tem cabimento o que alegam os recorrentes quando dizem “(…) Embora sem culpa foi o douto tribunal (TRL) induzido em erro pela conduta negligente da Seguradora (…)”. 14) Aliás, quanto a esta questão litigam de má-fé. 15) O pagamento foi feito antes do trânsito em julgado em consequência do efeito devolutivo do recurso em causa. 16) Não foi devido ao facto de não estarem juntos ao processo os recibos de pagamento da indemnização que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa condicionou a sua decisão ou errou na forma como decidiu. 17) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fez aquilo que sempre faz: apreciar o caso em questão e decidir tendo em conta toda a prova produzida e não produzida, aplicando o direito, o que culminou com a absolvição do réu e da demandada. 18) Assim, respeitou o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa o princípio da legalidade. 19) O facto de serem ou não juntos recibos de pagamento de indemnização em nada contende com a decisão do Tribunal da Relação. 20) Desta feita, não se entende, porque carece de sentido e fundamentação na lei, o que alegam os recorrentes a este respeito. 21) A lei é clara: “Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto: Pelo arguido, aproveita ao responsável civil; (artigo 402º nº2 b) do Código de Processo Penal)”. 22) Deste modo, a absolvição do réu (segurado) implica necessariamente que a seguradora não tenha nenhuma responsabilidade e, consequentemente, nada a pagar aos demandantes. 23) Atente-se na seguinte passagem do acórdão do Tribunal a quo “Assim sendo, tendo em conta que não existe qualquer facto criminoso resultante da conduta do arguido não podendo estabelecer o nexo de causalidade entre a sua conduta e a morte, há que afastar a responsabilidade civil do mesmo. “ 24) Relembre-se que a seguradora só responde na medida da responsabilidade do seu segurado. 25) Recorde-se o que dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa “A responsabilidade pelos danos causados a terceiros na decorrência da circulação do veículo conduzido pelo arguido encontrava-se transferida para a demandada por força de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, sendo sobre esta que cairia a obrigação de indemnizar se não se tivesse provado a culpa exclusiva da vítima.” 26) Note-se o acórdão do TRL de 02/02/2021, processo 10684/18.8T9LSB.L1-5 (Relator Jorge Gonçalves) “O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime. Se o arguido for absolvido desse crime, o pedido cível formulado só poderá ser considerado se existir ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco (responsabilidade extracontratual).” 27) O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa refletiu e ponderou sobre a existência de responsabilidade pelo risco, tendo concluído pela sua inexistência: “E, sendo de atribuir o acidente exclusivamente à actuação culposa da vítima, sublinhando-se que não concorre para a respetiva eclosão, em termos de causalidade adequada, o risco inerente à circulação do veículo envolvido no acidente, na medida em que a potencialidade de perigo que envolve a sua circulação foi estranha ao acidente, excluída está também qualquer responsabilidade pelo risco.” 28) Não se vislumbra como seria possível concluir pela absolvição do arguido, mas pela condenação da demandada cível se ela é responsável na medida em que o segurado/arguido o seja, só podendo ser condenada na hipótese de existir ilícito cível ou responsabilidade pelo risco, circunstância esta que foi objeto de análise e ponderação pelo Venerando Tribunal da Relação, tendo concluído pela negativa. 29) Não é possível tratar de maneira diferente duas questões que estão umbilicalmente conexas. Ao absolver o arguido, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa tinha necessariamente de absolver a demandada cível, sob pena de estarmos perante uma notória e errada aplicação do Direito. 30) Com o máximo respeito, não pode a pretensão dos ora recorrentes ser atendida, uma vez que esta circunstância levaria a uma errada aplicação do Direito (artigo 434º do Código de Processo Penal). 31) Contempla o artigo 71º do Código de Processo Penal que “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.” 32) Assim, a causa de pedir é constituída pelos factos constitutivos da prática de um crime. Deste modo, e chegando o Tribunal da Relação de Lisboa à conclusão que dos factos provados resulta claramente a culpa exclusiva do condutor do motociclo, não poderia ter decidido de maneira diferente do que pela absolvição do arguido e, consequentemente, pela absolvição da demandada cível. 33) A ser proferida nova decisão mais favorável, esta aproveita a demandada cível como é de Direito. Assim, os efeitos da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa deverão repercutir-se sobre a demandada cível, pois apesar de ter sido o arguido a recorrer irá afetar as partes não recorrentes. 34) Não se formou caso julgado quanto a tudo o que está em causa no recurso do arguido, do qual faz parte a existência de responsabilidade do arguido na produção do evento o que está forçosamente relacionado com a posição da demandada cível. 35) Foi reapreciada a culpabilidade do arguido no cometimento do facto ilícito, tendo sido revista e desaplicada a sanção fixada pelo Tribunal de 1ª Instância, decidindo-se pela absolvição do arguido e, consequentemente, pela absolvição da demandada cível, conforme o disposto no artigo 402º nº2 b) do Código de Processo Penal. 36) Para efeitos de aplicação do contrato de seguro de responsabilidade civil, releva o sinistro ser resultado do risco coberto e que o evento danoso seja de imputar ao condutor. 37) Ao concluir-se pela culpa exclusiva do outro condutor – o do motociclo -, tem necessariamente a demandada cível ser absolvida. 38) O artigo 402º nº2 do CPP consagra três situações nas quais os efeitos do recurso, apesar de interposto apenas por uma das partes, aproveitarão aos sujeitos processuais não recorrentes, ficando de fora os casos em que o recurso é interposto por motivos estritamente pessoais (o que aqui na é o caso). 39) Assim, é simples perceber o motivo pelo qual o Tribunal da Relação, ao decidir pela absolvição do arguido, tinha de necessariamente decidir pela absolvição da demandada cível, alcançando-se assim a coerência interna da decisão. 40) A responsabilidade da demandada cível está directamente ligada com a do arguido/segurado, pelo que ao ser reapreciada a culpabilidade e a sanção a aplicar não se forma caso julgado sobre as questões objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação. 41) No máximo, formou-se caso julgado parcial quanto ao que não foi objeto de recurso. 42) Todavia, a razão subjacente à condenação da demandada cível deixou de existir, tendo em conta a decisão da Relação de Lisboa. Ao deixarem de existir os pressupostos que estão na base da existência de responsabilidade do arguido e da demandada, não poderia o Tribunal da Relação de Lisboa decidir de forma diferente. Só assim se poderia garantir uma decisão juridicamente correta. 43) Por isso, não é de todo conforme ao direito aplicável a este caso que se desconsidere em relação à seguradora o efeito da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, como propugnam os recorrentes/demandantes. 44) No que diz respeito ao facto de a indemnização já ter sido liquidada, esta circunstância em nada contende com a decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e com a sua aplicação à demandada, uma vez que o recurso tinha efeito devolutivo para a esta. 45) Como já se esclareceu em requerimento, o pagamento da indemnização já teve lugar, uma vez que, e como é sabido, a demora no pagamento leva ao aumento dos juros de mora e poderia levar à execução. Quis-se evitar o seu aumento, não tendo existido qualquer acordo quanto ao pagamento da indemnização. 46) Quanto a isso, os demandantes litigam de má-fé. 47) O que existiu foi uma sentença que não tem efeito suspensivo para a demandada. 48) O efeito devolutivo garante ao demandante executar a sentença. 49) Sabendo a demandada que esta indemnização não seria definitiva caso o recurso fosse considerado procedente, não perde o direito ao reembolso. 50) Ao admitir-se a possibilidade de nova discussão dos factos ocorridos por via do recurso do arguido, aceitou-se uma redefinição da matéria factual que conduziu à absolvição do mesmo, redefinição esta que interfere com a demandada, atribuindo-se assim harmonia e congruência à decisão. 51) Não se formou caso julgado, pois a vertente penal está directamente relacionada com a vertente civil. Deste modo, a parte cível pode ser chamada à colação como bem fez o Tribunal a quo, sob pena de ocorrer uma contradição insanável, como seria a de haver factos definitivamente determinados para a parte cível e que não podiam ser modificados e factos diferentes para a parte criminal que já não sustenta a condenação na parte cível. 52) Ademais, não está em causa a violação do caso julgado, pois com o recurso do arguido a “estrutura” que sustentava o pedido de indemnização cível ruiu, não tivesse o Tribunal da Relação de Lisboa absolvido o arguido e a demandada. 53) Ao conceder-se provimento ao peticionado pelos demandantes estar-se-ia perante uma incongruência manifesta, pois conclui-se no acórdão do Tribunal a quo pela culpa exclusiva do condutor do motociclo, no entanto, a obrigação de pagamento da indemnização manter-se-ia. 54) A ser assim, deixa de haver adequação lógica da decisão. 55) É chocante o facto de na vertente do crime se ter uma decisão que culmina na absolvição do R. e ainda assim os demandantes na vertente civil venham pugnar pela manutenção da obrigação de lhes liquidar uma indemnização. 56) Tratar-se-ia de uma clara decisão contraditória na apreciação dos mesmos factos constantes do mesmo processo. 57) Não é conforme ao direito aplicável, sob pena de se fazer surgir decisões contraditórias, que os mesmos factos sejam julgados de uma forma para o processo penal e de outra para efeitos civis. 58) Deixou de ser imputado ao segurado o acidente e, assim sendo, deixa também de ser imputado à demandada/seguradora. 59) Em jeito de conclusão, deve ser mantida a sentença do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que sustenta a absolvição da demandada cível, pois só assim se salvaguardará a existência de uma decisão consonante com aquilo que é o direito aplicável ao caso concreto.
Nos termos expostos e no mais que o douto suprimento de Vossas Excelências sugerir, deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto e, nessa medida, mantida a sentença do Venerando Tribunal de Lisboa nos termos supra peticionados e absolvendo a recorrente do pedido, assim se fazendo, tão-somente, a habitual e sempre almejada JUSTIÇA.
* O arguido AA, veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo: 1.º Os Recorrentes, com o recurso interposto a fls. (...), pretendem a revogação, in totum, da decisão proferida pelo TRL. 2.º Tal pretensão é inadmissível, pois consubstanciaria uma alteração da decisão penal do Tribunal da Relação de Lisboa, consagrada no acórdão recorrido. 3.º A Lei processual penal não admite tal alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes. 4.º O Arguido foi absolvido pelo Tribunal da Relação de Lisboa da sentença de 1.ª instância que o condenou em pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução. 5.º Pelo que, à luz da alínea d) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, não é admissível o recurso interposto pelos Recorrentes, quanto à matéria penal 6.º É esse o entendimento do presente Supremo Tribunal de Justiça, conforme acórdão de 10-12-2008, proferido no âmbito do processo n.º 08P3638, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual, por unanimidade, se decidiu que “(...) o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal. Consequentemente, não é admissível a impugnação que pretenda colocar em causa a matéria de facto que suporta tal responsabilização criminal.”. 7.º Pelo que a decisão recorrida é definitiva e constitui caso julgado quanto à matéria penal. 8.º Logo, esse segmento decisório é insusceptível de ser alterado pelo presente Supremo Tribunal de Justiça. 9.º Assim sendo, o recurso apresentado pelos Recorrentes, porquanto visa alterar uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, transitada em julgado, deverá ser rejeitado, com as legais consequências. * Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer nos seguintes termos:
1-DA QUESTÃO PRÈVIA
Do acórdão proferido em 19.05.2021, pelo Tribunal da Relação de Lisboa em que se decidiu «revogar a decisão recorrida absolvendo o recorrente do crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado» e «consequentemente absolver a demandada cível da condenação no pedido de indemnização», vêm os assistentes/demandante cível, II e CC, dele interpor recurso. Como se alcança da parte inicial das conclusões sobre o título “Questão Prévia” o seu objecto tem natureza cível. Contudo, como melhor resulta das demais conclusões, também se pretende, cautelarmente, recorrer da absolvição do arguido JJ, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.º 137º, n º 1 do Código Penal. Tal segmento do recurso, não é admissível, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400º, n º 1, alínea d) e 432º, n º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.
Deve assim, o aludido segmento penal do recurso, por inadmissível, ser rejeitado-ut art.º 420º, n º 1, alínea b), do Código de Processo Penal. * Notificados os assistentes e demandantes civis, BB e CC, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada disseram. *
Colhidos os vistos, e uma vez que não foi requerida audiência, o processo foi presente à conferência para decisão.
* II. FUNDAMENTAÇÃO
1.Consta do acórdão recorrido:
Da decisão recorrida resulta com interesse para a decisão da causa A) Matéria de Facto Provada: Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa: Da acusação pública e da audiência: 1. No dia 8/3/2018, pelas 19h45m, o arguido AA conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., com a matrícula …-...- RQ (doravante RQ) no ..., ..., em direcção a .... 2. Tal via, que consistia numa recta, apresentava inclinação ascendente com 3,4% ou 1,9°, naquele sentido, P... — .... 3. O piso apresentava-se com aglomerado asfáltico flexível com fissuras e rachas. 4. A velocidade máxima imposta por sinalização vertical existente naquela via — ... — é de 40 km/h. 5. Àquela hora chovia com intensidade e existia vento forte. 6. Ao chegar ao entroncamento daquele Caminho com a ... o arguido AA conduzia o RQ a uma velocidade não concretamente apurada, mas seguramente entre 40 km/hora e 50 km/hora. 7. Nesse local - entroncamento - não existia iluminação artificial. 8. O referido entroncamento com formato de Y, apresentava dois sentidos de trânsito, com uma via afecta a cada um dos sentidos, delimitadas por linhas longitudinais contínuas e uma zona interdita à circulação por raias oblíquas localizadas no termo da ..., na confluência com o ..., ou ..., onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/hora. 9. Ao aproximar-se daquele entroncamento, o arguido AA invadiu a referida zona constituída por raias oblíquas, conduzindo o RQ a uma velocidade não concretamente apurada, mas seguramente entre 40 km/hora e 50 km/hora. 10. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar circulava o ciclomotor, marca ..., modelo ..., com a matrícula …-TR-…, conduzido por DD, que seguia no ..., ou ..., provindo do sentido de ..., aproximando-se do ..., em direcção ao P..., o qual invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas. 11. Nessa sequência, o arguido AA embateu com a parte frontal do RQ na parte frontal do ciclomotor, conduzido por DD. 12. Por força do embate, DD foi projectado a 25 metros de distância e caiu no solo, tendo sofrido lesões traumáticas intratorácicas (laceração da aorta torácica por fenómenos de desaceleração) e intra-abdominais, coluna e membros, que lhe provocaram anemia aguda e colapso cardiovascular e, consequentemente, a morte, a qual veio a ocorrer ainda no dia 8/3/2019, pelas 20h38m. 13. Ao conduzir o RQ na referida via, com as condições atmosféricas indicadas, a uma velocidade seguramente entre 40 km/hora e 50 km/hora e invadindo a zona constituída por raias oblíquas, o arguido AA agiu sem o cuidado e atenção devidos, e que podia e devia ter adoptado de modo a evitar o embate e, consequentemente, as lesões descritas e a morte de DD, resultado que podia e devia ter previsto. 14. Agiu bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Do pedido de indemnização civil de BB e CC: 15. Através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...11, a responsabilidade civil emergente de danos causados pela viatura com a matrícula …-...-RQ, e conduzida pelo arguido, no contexto espácio-temporal descrito nos autos, estava transferida para a Seguradoras Unidas — S.A. 16.Os assistentes são os pais de DD. 17. DD faleceu no dia 8 de Março de 2018, pelas 20h38m, no Hospital…. E.P.E., com 19 anos de idade, no estado de solteiro. 18. DD gozava de boa saúde. 19. DD tinha uma grande alegria de viver e boa disposição. 20. DD era um filho exemplar e, por isso, pessoa querida de seus pais. 21. A sua morte causou nos assistentes forte desgosto e angústia. 22. Os assistentes viram-se privados da companhia do seu filho, das suas conversas e do seu amor. 23. DD foi transportado de urgência para os serviços de urgência do Hospital de ... ainda com vida. 24. DD permaneceu no chão da estrada até ser recolhido pelos serviços de emergência médica (ambulância). 25. Após foi transportado aos serviços de urgência do Hospital de .... Do pedido de indemnização civil do Hospital……, E.P.E.: 26. Em consequência da conduta do arguido supra descrita, a vítima DD deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital …… E.P.E. e foi assistido nesse Hospital onde lhe foram ministrados cuidados de saúde, no valor de 112,07 €, que não foram liquidados. Da contestação do arguido: 27. Os serviços de emergência médica foram accionados, por contacto telefónico feito para o 112, por FF, por volta das 19h45m. 28. A patrulha da P.S.P. não chegou ao local antes das 19h50m. 29. A P.S.P. inspecionou o local, falou com o arguido e, mais tarde, com FF. 30. A P.S.P. realizou ainda as diligências normais nestas situações com vista à organização do local do sinistro, nomeadamente em termos de segurança. 31. Mais tarde, e após ter sido obtida a informação de que o condutor do ciclomotor havia falecido, o arguido foi informado, por um dos agentes de que tinha de se deslocar, com a máxima urgência, ao hospital, porque, segundo o agente, quando se regista um óbito, o interveniente tem que ser submetido a análise sanguínea. 32. Nesse momento, e sem que qualquer um dos agentes presentes alguma vez o ter informado, o arguido pensou que se trataria de um novo teste ao álcool, tendo, por isso, concordado com a ida ao hospital. 33. O arguido estava convencido de que a deslocação ao hospital serviria para fazer novo teste ao álcool. 34. Consequentemente, já no hospital, o arguido submeteu-se ao exame ao sangue, pensando tratar-se de novo teste ao álcool. 35. Ainda no Hospital do ..., uma vez que estava sem telemóvel, o arguido perguntou aos agentes se podiam enviar alguém ao …… da ...., , para avisar a sua companheira, EE, do que se estava a passar. 36. A EE saía do trabalho por volta das 21:00, e contava que o arguido a fosse buscar, como habitualmente sucedia. 37. Nessa sequência, uma patrulha da PSP logrou encontrar a EE e informá-la do sucedido. 38. Entretanto, e após a conclusão das diligências no hospital, o arguido seguiu no veículo policial para a esquadra da P.S.P. … 39. Durante a viagem, o arguido foi informado pelos agentes que se encontrava detido e que se dirigiam para a esquadra. 40. Mas, já na esquadra da P.S.P. …, o arguido foi informado de que, afinal, não iria ficar detido e que teria que se apresentar no tribunal no dia seguinte. 41. Cerca das 22horas e 30minutos, o arguido assinou, em duplicado, 3 documentos elaborados e preenchidos à mão na Esquadra.... 42. Sendo que um dos documentos, por lapso do agente, ficou por assinar, tendo tal agente solicitado ao arguido que o assinasse, no dia seguinte, já em Tribunal. 43. O arguido ficou convencido de que o exame ao sangue, que realizara no hospital, se destinava a aferir a respectiva taxa de alcoolemia. 44. O exemplar da notificação sobre o teste do álcool entregue ao arguido não coincide com o que consta dos autos, quer na parte referente à contraprova, quer na parte referente ao resultado. 45. No documento assinado pelo arguido não vinha assinalado (com o respectivo x) o parágrafo da contraprova. 46. No documento entregue ao arguido na parte referente ao resultado lê-se o seguinte: “o resultado do teste efectuado pelas 20h13, de hoje, revela uma TAS de, pelo menos, 1,923 g/l, correspondente à TAS de 2,09 g/l registada, deduzido o erro máximo admissível. Talão n.°....” 47. No documento que consta dos autos o resultado está rasurado, tendo sido manuscrito um valor por cima de outro anteriormente manuscrito. 48. E com traços não coincidentes e de cor ligeiramente diferente. 49. E o valor manuscrito em cima do anterior, não coincide com o valor manuscrito no documento de notificação entregue ao arguido onde se pode ler: 1,986 g/l. 50. Estes documentos foram elaborados na esquadra da .... 51. O arguido estava psicologicamente abalado. 52. O arguido conduzia, nesse momento, o veículo de passageiros de matrícula …-...-RQ, da marca ... e modelo ..., propriedade de uma empresa de que é sócio, e que se encontrava ao seu dispor diariamente. 53. Antes do acidente, o arguido provinha de uma propriedade sua (quinta), situada na ..., na freguesia do P.... 54. O arguido conhece perfeitamente o local, pois desloca-se ali quase diariamente. 55. O arguido sabe que o entroncamento entre o ..., a ... e o ... é um local perigoso, dada a sua configuração em Y. 56. O arguido também sabe que já ali se produziram vários acidentes. 57. A distância da quinta de onde saiu o arguido ao local onde se deu o embate, percorre- se em três a cinco minutos, aproximadamente. 58. Havia muita água na via pública. 59. O arguido iniciou a sua marcha, ligando as luzes para melhor visualização do veículo, dada ser já noite e face à visibilidade reduzida por causa da chuva. 60. O arguido provinha do .... 61. O condutor do veículo …-TR-… invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava. 62. O condutor do veículo …-TR-… desrespeitou a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas. 63. O condutor do veículo …-TR-… não era possuidor de habilitação legal para conduzir veículos, nomeadamente o veículo …-TR-…. 64. No momento do acidente, DD, conduzia o veículo …-TR-… sob efeito de estupefacientes. 65. Foi detectada a presença de canabinóides no sangue de DD, mais concretamente 4,2ng/mL (THC), 14 ng/mL e 0,5 ng/mL (11-OH-THC). 66. O veículo …-TR-… era propriedade de CC, irmão do falecido DD. 67. O motociclo havia sido adquirido, em novo, por CC, havia 3 meses em relação à data do acidente. 68. Estando o irmão ausente, DD, sem autorização ou conhecimento daquele, decidiu sair de casa conduzindo o ciclomotor …-TR-…. Da contestação da Seguradoras Unidas, S.A.: 69. DD não estava legalmente autorizado para conduzir qualquer tipo de velocípede. 70. Ambos os intervenientes (arguido e DD) circulavam fora da faixa de rodagem. 71. O embate ocorreu quando o veículo conduzido pelo arguido já tinha passado o entroncamento. 72. Após o embate DD ficou inconsciente e em estado de coma profundo, 73. Nunca mais tendo recuperado a consciência. Da situação criminal, pessoal, familiar, económica e profissional do arguido: 74. O arguido não tem antecedentes criminais nem contra-ordenacionais. 75. O arguido é oriundo de um agregado familiar de classe média, é o mais velho de dois irmãos, que refere ter beneficiado de adequado processo de desenvolvimento, o qual pautado pelo bom relacionamento intra-familiar e comportamento normativo. 76. O pai era gestor de empresa ligada ao setor da construção civil e a mãe era docente no 1° Ciclo. 77. Integrou o sistema de ensino em idade própria, enveredando pelo ensino superior quando contava com dezanove anos de idade, altura em que se fixou em território continental, vindo a concluir o curso ….. na .... 78. Ainda que o arguido tenha iniciado o seu percurso profissional após conclusão do referido curso, mediante o seu interesse pela ..., obteve, pelo Processo de Bolonha, a licenciatura .... 79. Durante o seu percurso universitário, estabeleceu relacionamento afetivo com EE, com quem viria a manter união de facto até 2013, altura em que o casal se separou de comum acordo, tendo dessa relação uma filha, atualmente com dezassete anos, com quem mantém o convívio regular. 80. AA iniciou o seu percurso profissional em território continental, iniciando funções na …… na ..., vindo mais tarde a trabalhar em empresa ligada à……, até que, após regresso a ..., passou a trabalhar na empresa do pai. 81. Atualmente exerce a atividade de sócio-gerente, juntamente com o seu irmão, em empresa ligada ao ……, e nesse âmbito refere obter o rendimento mensal de 500 euros. 82. Segundo o próprio, é também …. numa empresa relacionada com …, a qual, no presente, não se encontra com atividade. 83. Atualmente, AA mantém relação conjugal com GG, com quem vive há cerca de quatro anos. 84. À semelhança do arguido, a companheira encontra-se laboralmente ativa, como funcionária da empresa ..., (…). 85. A dinâmica conjugal é funcional e coesa, sem referência a qualquer problemática aditiva do arguido. 86. Alguns meses mais tarde, em outubro de 2018, refere ter sido tido um grave problema de saúde (…), situação que foi ultrapassada com sucesso, mantendo até ao momento acompanhamento clínico. 87. AA, atualmente com quarenta e cinco anos de idade, beneficiou ao longo do seu crescimento e desenvolvimento de adequado suporte afetivo, tendo o seu processo educativo sido balizado por uma conduta normativa, encontrando-se laboralmente ativo desde a conclusão do seu percurso académico, e inserido positivamente nas restantes dimensões da sua vida. B) Matéria de Facto Não provada: Não se provaram quaisquer outros factos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que: Da acusação pública: a) Ao chegar ao entroncamento do ... com a ... o arguido AA conduzia o RQ a uma velocidade de 61.5 Km/h. b) E com uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 1.92 g/l.. c) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 9) o arguido circulava à velocidade de 61,5km/h, e com uma TAS de 1.92 g/l. d) Nas circunstâncias de tempo e modo descritos em 10) dos factos provados, DD conduzia o ciclomotor, marca ..., modelo ..., com a matrícula …-TR-…, na .... e) O arguido AA sabia que conduzia o RQ com uma TAS superior a 1,20 g/l, conduta que, de forma livre e consciente, quis e logrou adoptar. Do pedido de indemnização civil de BB e CC: f) DD foi transportado para o Hospital perfeitamente consciente. g) As dores sofridas por DD na sequência do embate foram fortíssimas e permaneceram até à chegada da assistência médica e ainda durante o transporte e até à chegada ao Hospital. h) Os assistentes despenderam a quantia de 250,00 € em despesas com o funeral do seu filho. Da contestação do arguido: i) O arguido apenas efetuou um teste ao álcool, que foi feito no local do embate, pelas 20h13m do dia 08.03.2018, por um dos elementos da P.S.P. presentes, debaixo de intensa chuva, referindo então o agente tratar-se apenas um “despiste ao álcool”. j) Nesse momento, o arguido considerou o resultado excessivo, em face daquilo que tinha consumido e questionou o agente sobre essa situação. k) O senhor agente limitou-se a dizer ao arguido que se não estivesse de acordo com o resultado tinha o direito de recusar a assinatura do talão. l) Foi o que o arguido fez, não assinou o talão. m) Tendo o arguido ficado convencido de que iria fazer um outro teste para verificação da taxa de álcool, embora sem que o agente lho tenha referido. n) O arguido nunca esteve, nesse dia 08.03.2018, em momento algum, na Esquadra da P.S.P… o) O arguido em momento algum foi notificado, ou sequer informado, por qualquer elemento da força policial, do direito a requerer a contraprova, e quanto ao modo e momento para exercer tal direito. p) O arguido não prescindiu de contraprova ao teste do álcool. q) Não tendo os agentes, sequer, mencionado ao arguido a possibilidade de realização de contraprova. r) Foi durante a viagem para a ... que o arguido foi informado pelos agentes e pela primeira vez que se encontrava detido. s) Foi cerca das 23horas e 30minutos que o arguido assinou, em duplicado, 3 documentos preenchidos à mão pelo mesmo agente, documentos que o arguido se limitou a assinar sem que lhe tenham sido explicados. t) Foi ali, pelas 23h.30m, do dia do acidente, na ..., a única onde esteve nesse dia, que pela primeira vez viu uma referência expressa à contraprova, num dos documentos que lhe foi entregue para assinar, embora sem qualquer sinalização (x) no quadrado respectivo. u) Antes, ao arguido nunca foi feita qualquer referência à contraprova, não tendo qualquer agente falado na possibilidade de o arguido realizar a referida contraprova. v) É falso, que alguma vez o arguido tenha declarado não pretender a contraprova. w) Nunca o arguido foi informado desse direito. x) Os documentos mencionados em 40) dos factos provados só foram elaborados e preenchidos às 23horas e 28 minutos pelo mesmo agente. y) Em momento algum, qualquer elemento da PSP, quer no local do acidente, quer no hospital, notificaram o arguido, por escrito ou, sequer, verbalmente, do direito a requerer a contraprova e dos termos em que o poderia fazer. z) Pese embora, tenha ficado claro ao agente que realizou o teste no local, a não concordância do arguido com o resultado obtido e que pretendia a confirmação. aa) Se o arguido tive sido expressamente notificado, ainda que verbalmente, do direito à contraprova, tê-lo-ia requerido, uma vez que não concordara com o valor inscrito no talão. bb) O arguido não tem conhecimentos jurídicos e desconhecia os termos em que poderia ter requerido a contraprova. cc) O arguido esteve sempre desacompanhado, não lhe tendo sido facultado o acesso um advogado que o pudesse aconselhar. dd) Os agentes da PSP, com a actuação supra descrita, induziram em erro o arguido, impossibilitando-o de requerer a contraprova. ee) Antes do acidente o arguido esteve a jantar. ff) Ao chegar ao entroncamento, o arguido imobilizou o veículo junto à intercepção entre a ... e o ..., onde actualmente se pode encontrar o sinal STOP. gg) Após certificar-se da ausência de outras viaturas, o arguido mudou de direcção para a direita, entrando no ..., em direcção à .... hh) Já no ..., o arguido circulava no sentido ascendente da via, considerando que a mesma tem uma inclinação ascendente com 3,4% ou 1.9°, no sentido em que o arguido circulava (P... — ...). ii) O arguido circulava na via da direita, reservada ao sentido da sua marcha, a uma velocidade certamente em redor dos 40km/hora a 50km/hora, dado que havia, segundos antes, entrado no referido Caminho, após ter imobilizado o veículo, jj) quando, inesperadamente e de forma surpreendente e abrupta, sentiu um forte embate na frente do seu veículo, tendo de imediato imobilizado a viatura. kk) O arguido saiu da viatura e constatou, então, que havia sido embatido. ll) Olhando ao seu redor, verificou o arguido que na berma se encontrava um ciclomotor caído e a fumegar. mm) O arguido percorreu a zona ao redor e localizou uma pessoa caída, desta feita à retaguarda da sua viatura e sobre a valeta direita da artéria de onde inicialmente provinha. nn) Só após ter saído da viatura e ter visto o motociclo é que o arguido se apercebeu do que, efectivamente, sucedera. oo) O arguido, em momento algum antes do embate, visualizou o ciclomotor ou qualquer luz que o pudesse identificar. pp) O embate deu-se na hemi-faixa da direita do ..., sentido P... — ..., onde o arguido já circulava com o seu veículo. qq) Em momento algum o arguido invadiu a zona delimitada por marcas oblíquas no solo (vulgo ...). rr) O condutor do veículo …-TR-… invadiu a hemi-faixa onde o arguido circulava no seu veículo. ss) O condutor do veículo …-TR-… circulava naquele momento sem qualquer iluminação que permitisse aos outros condutores visualizá-lo atempadamente. tt) O falecido DD nunca havia conduzido o referido motociclo e não era conhecedor do seu efectivo modo de funcionamento. uu) O falecido DD estava momentaneamente a residir com o irmão na casa deste, sita em .... vv) Para evitar ser visto, dado que conduzia um veículo sob o efeito de drogas e sem para tal estar habilitado, o DD, ao sentir a aproximação de um veículo em sentido contrário, e para dissimular a sua presença, desligou o motor da mota, e com isso desligou as luzes. ww) Depois, por não ter qualquer experiência de condução e não ser conhecedor das regras estradais, pensando que conseguiria contornar o veículo onde circulava o arguido e entrar assim numa via secundária, atravessou a linha contínua, invadiu a hemi-faixa onde circulava o arguido e projectou o motociclo contra o veículo deste. xx) O arguido não travou. yy) O arguido foi embatido na sua via de circulação pelo malogrado DD, que desrespeitando a linha contínua invadiu a via onde o arguido circulava, sem que a mota estivesse devidamente sinalizada e visível. Da contestação da demandada Seguradoras Unidas, S.A.: zz) O embate ocorreu quando o veículo interveniente conduzido por DD já tinha passado o entroncamento. aaa) Os assistentes receberam subsídio de funeral. * Ao nível da fixação da matéria de facto provada e não provada o tribunal não se pronunciou sobre as demais afirmações contidas nos articulados de acusação pública, pedidos de indemnização civil e nas contestações, por constituírem matéria irrelevante para a decisão da causa, afirmações genéricas e conclusivas e/ou juízos de direito, mera impugnação e que não podem ser objecto de uma pronúncia, em termos de serem considerados "provados" ou "não provados". C) Motivação da Decisão de Facto: Em sede de valoração da prova, a regra fundamental é a constante do artigo 127.° do Código de Processo Penal, segundo a qual a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”. Este princípio da livre apreciação da prova traduz-se na ideia de que o Tribunal baseia a sua decisão sobre a realidade de um facto na íntima convicção que formou a partir do exame e da ponderação das provas produzidas. Esta apreciação livre das provas tem de ser entendida como uma apreciação convicta do julgador, subordinada apenas à sua experiência e prudência e guiando-se sempre por factores de probabilidade e nunca de certezas absolutas, estas quase sempre inatingíveis, nunca entendida num sentido arbitrário, de mero capricho ou de simples produto do momento, mas como uma análise serena e objectiva de todos os elementos de facto que foram levados a julgamento, tudo por forma a que uma resposta dada a determinada questão "deva reflectir o resultado da conjugação de vários elementos de prova que na audiência ou em momento anterior foram sujeitos às regras da contraditoriedade, da mediação ou da oralidade" — veja-se Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II vol., pág. 209. Assim, a convicção do julgador resulta da experiência, prudência e saber, sendo certo que é no contacto pessoal e directo com as provas, designadamente com a testemunhal, que estas qualidades de julgador mais são necessárias, pois é com base nelas que determinado depoimento pode ou não convencer quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recai, constituindo uma das manifestações dos princípios da oralidade e da imediação, por via das quais o julgador tem a oportunidade de se aperceber da frontalidade, tibieza, lucidez, rigor e firmeza com que os depoimentos são produzidos, mesmo do confronto imediato entre os vários depoimentos, do contraditório formado pelos intervenientes, melhor ajuizando e aquilatando desta forma da sua validade. O depoimento oral da testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, a forma como é feita a pergunta e surge a resposta, tudo contribuiu, com mais ou menos amplitude, para a formação da convicção do julgador. Impõe-se também referir que, na apreciação das situações de acidente de viação, como acontece nos presentes autos, o juiz tem de recriar toda a dinâmica do acidente a partir de elementos probatórios colocados ao seu dispor, da ajuda dos técnicos e utilizando todos os seus conhecimentos de condução e reacções humanas. No que diz respeito às declarações e depoimentos dos intervenientes processuais prestados em audiência, importa referir que a dinâmica e rapidez dos acidentes de viação levam, não raras as vezes, a visões parciais dos factos e a imprecisões ou contradições, não decorrentes, necessariamente, de má fé. À rapidez da sucessão dos factos acresce, ainda, no caso de acidentes com consequências pessoais graves, como o dos autos, a componente emocional associada a um evento trágico. Por outro lado, por vezes, mistura-se o sério e objectivo com a elaboração lógico-explicativa do acidente posterior à sua ocorrência, feita de boa fé e assente, sobretudo, na interpretação pessoal das normas estradais e na tentativa de imputação da responsabilidade do embate a um dos seus intervenientes. Como se pode ler no sumário do douto Acórdão da Relação de Lisboa datado de 13.02.2013, relatado por Carlos Almeida, e disponível in www.dgsi.pt. “I — «Nas questões humanas (por oposição, diga-se, à matemática e à lógica) não pode haver certezas». E, mais do que isso, neste campo também não se pode pensar que é possível, sem mais, descobrir “a verdade”. «A verdade absoluta não pertence ao mundo das coisas humanas». II — Ela não é alcançável devido às limitações próprias do ser humano, à quantidade e qualidade dos elementos de prova disponíveis em cada julgamento, às condicionantes de natureza temporal que rodeiam o processo judicial e mesmo à necessidade de nele salvaguardar outros valores relevantes para a sociedade que se encontram consagrados na ordem jurídica, os quais, em alguns casos, têm natureza contra-epistémica. III — Isto não significa, no entanto, que o objectivo do tribunal não seja o de procurar chegar o mais perto possível da verdade, o de procurar conhecer, até onde isso for possível, a realidade. IV — Mas a reconstrução que o tribunal deve fazer para procurar determinar a verdade de uma narrativa de factos passados irrepetíveis assenta essencialmente na utilização de raciocínios indutivos que, pela sua própria natureza, apenas propiciam conclusões prováveis. Mais ou menos prováveis, mas nunca conclusões necessárias como são as que resultam da utilização de raciocínios dedutivos, cujo campo de aplicação no domínio da prova é meramente marginal. V — Chegamos, assim, à conclusão que o cerne da prova penal assenta em juízos de probabilidade e que a obtenção da verdade é, em rigor, um objectivo inalcançável, não tendo por isso o juiz fundamento racional para afirmar a certeza das suas convicções sobre os factos. VI — A decisão de considerar provado um facto depende do grau de confirmação que esses juízos de probabilidade propiciem. VII — Esta exigência de confirmação impõe a definição de um “standard” de prova de natureza objectiva, que seja controlável por terceiros e que respeite as valorações da sociedade quanto ao risco de erro judicial, ou seja, que satisfaça o princípio “in dubio pro reo”. VIII — Podemos, para o efeito, aceitar o critério definido por Ferrer Beltrán segundo o qual para se considerar provada uma hipótese de culpabilidade devem encontrar-se preenchidas simultaneamente as seguintes condições: 1) A hipótese deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma coerente, e as previsões de novos dados que a hipótese permita formular devem ter resultado confirmadas; 2) Devem ter-se refutado todas as demais hipóteses plausíveis explicativas desses mesmos dados que sejam compatíveis com a inocência do acusado, excluídas as meras hipóteses “ad hoc”». É nestas premissas que o Tribunal vai assentar o seu raciocínio. Assim, atendeu-se, desde logo, aos seguintes documentos: participação do acidente de viação junta a fls. 27 e 28, ficha de controlo de alcoolemia de fls. 4, participação de acidente e fls. 27 e 28, croqui de fls. 29 a 36, relatório técnico de acidente de viação de fls. 93 a 106, reportagem fotográfica de fls. 107 a 115, esboço de fls. 116, registos clínicos de fls. 132, informação cínica de fls. 6 (apenso), certidão de habilitação de herdeiros de fls. 191, factura/recibo de fls. 192, documento de fls. 193, factura/recibo de fls. 199, apólice de fls. 218 a 221, documento de fls. 236, documento de fls. 237, documento de fls. 237, ofício de fls. 251, documento de fls. 252, ofício de fls. 257 a 260, ofício de fls. 263, relatório social de fls. 266 a 267, ofício de fls. 270 a 272, ofício de fls. 273, fotografias de fls. 276 a 284, documento de fls. 292 a 295, documentos de fls. 300 a 302, e-mail de ref. …..94, documento de fls. 315v a 317, documento de fls. 324 a 353, documento de fls. 356v a 360. Quanto à prova pericial atendeu-se ao relatório de autópsia médico-legal de fls. 10 a 12 do apenso. Pormenorizando: Pontos 1, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 59 e 60 dos factos provados e alínea ee) dos factos não provados: atendeu-se às declarações do arguido, que confirmou a condução naquelas circunstâncias de tempo e lugar, confirmando o percurso que fazia, revelando ainda que conhecia bem o local por efectuar aquele percurso há vários anos, sabendo que o mesmo é perigoso o que obriga a redobradas atenções e cuidados. Esclareceu também que ainda não tinha jantado, apenas tinha adiantado a refeição pois que ia buscar a sua companheira ao local de trabalho, após o que regressaria à quinta para jantar. Nesta parte as declarações do arguido foram coerentes, convincentes e ainda plausíveis de acordo com as regras da experiência comum. Pontos 2, 3, 4, 7 e 8 dos factos provados: relativamente à classe e características da via, sinalização e velocidade máxima permitida no local, o Tribunal formou a sua convicção atendendo aos elementos documentais juntos aos autos, nomeadamente participação do acidente de viação de fls. 27 a 28, croqui de fls. 29 a 36, relatório técnico de acidente de viação de fls. 93 a 106, reportagem fotográfica de fls. 107 a 115, esboço de fls. 116, relatório de averiguação de fls. 324 a 353, tudo conjugado com as declarações do arguido, e bem assim os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, as quais, embora não tivessem presenciado o acidente, deslocaram-se ao local logo após a sua ocorrência. Assim aconteceu com as testemunhas FF (primeira testemunha a chegar ao local, um ou dois minutos depois de ter ocorrido o embate, e a quem o arguido pediu que ligasse para o 112 a pedir auxílio), HH, II e JJ (agentes da Polícia de Segurança Pública que se deslocaram ao local, sendo que os dois primeiros foram accionados na sequência da chamada do 112, e o terceiro foi o agente da Polícia de Segurança Pública que também se deslocou ao local pouco depois do acidente ter ocorrido e elaborou o relatório técnico de acidente de viação de fls. 93 e ss. e ainda tirou as fotografias de fls. 107 e ss.). Nesta parte, todos os depoimentos foram coincidentes. Pontos 5 e 58 dos factos provados: no que diz respeito às condições climatéricas que se faziam sentir no momento em que ocorreu o acidente em análise nos presentes autos, o Tribunal atendeu às declarações do próprio arguido, que confirmou que chovia intensamente, que estava vento, que a visibilidade era reduzida, e que o piso estava molhado. Esta versão do arguido foi confirmada pelo depoimento das testemunhas que naquele momento também circulavam nas proximidades, as testemunhas FF, a HH. JJ, LL, bombeiro que foi accionado para prestar auxílio à vítima, e MM, bombeira que, por acaso, se deparou com o acidente pouco depois do mesmo ter ocorrido. Todos foram coincidentes nesta matéria. Pontos 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 61, 62, 70, 71 dos factos provados, alíneas a), c) parte inicial, alínea d), alíneas ff) a ss), alíneas vv) a yy), alínea zz) dos factos não provados: Para formar convicção do tribunal quanto aos factos atinentes à dinâmica do acidente foi determinante o confronto dos documentos vindos de enunciar com a análise crítica das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunhas, mormente de FF, HH, II, JJ, LL, e NN, perito averiguador da demandada Seguradoras Unidas, S.A., que foi ouvido na qualidade de testemunha, e que procedeu à elaboração do relatório de fls. 324 a 353 no âmbito das averiguações que fez das circunstâncias em que ocorreu o acidente de viação em análise nos presentes autos, e MM. Começando pelas declarações do arguido, única pessoa ouvida em audiência e que “presenciou /percepcionou” de facto o acidente. Desde logo, o arguido disse que naquele final de tarde/início de noite se encontrava a preparar o jantar para si e para a sua companheira numa propriedade da empresa onde trabalha, sita na ..., P.... Após, quando eram cerca das 19h40m, saiu da referida propriedade, depois de ter ingerido um copo e meio de vinho tinto, com o propósito de ir buscar a sua companheira a ..., ao seu local de trabalho, altura em que chovia torrencialmente, fazia muito vento e estava muito nevoeiro. Mencionou que percorreu a ..., entrando depois no ..., P..., alcançando o entroncamento com a ... e o ..., onde perante o sinal STOP existente no local (vide fls. 116), parou a sua viatura, verificou que não vinham veículos em nenhum dos sentidos, iniciou novamente a marcha, colocando-se na hemi-faixa da direita atento o seu sentido de marcha, já no ..., no sentido P... — ..., a uma velocidade que rondaria entre os 40 e os 50 km/hora (com uma visibilidade entre os 5 a 7 metros de distância à sua frente, dada a chuva e o nevoeiro que se faziam sentir naquele momento, e ainda a falta de iluminação artificial existente no local), com as luzes dos médios ligadas, momento em que sentiu um embate frontal forte na sua viatura (que pensou ser de uma vaca), altura em que a sua viatura se imobilizou de imediato, não mais tendo sofrido qualquer movimento. De seguida, referiu que saiu imediatamente da viatura, momento em que se apercebeu que na direcção da sua viatura se encontrava um ciclomotor a fumegar e nas proximidades da sua viatura se encontrava a vítima DD. Frisou que não viu em momento algum o ciclomotor — antes e/ou no próprio momento do embate —, nem ouviu qualquer barulho da sua aproximação. Negou, perentoriamente, que circulava na zona das marcas oblíquas delimitadas por linhas contínuas — marcas ... (doravante — “...”). E negou, ainda, que tivesse efetuado qualquer travagem, pois que afirma que não visualizou a aproximação de qualquer obstáculo. No entanto, como melhor explicaremos, estas declarações do arguido, quando conjugadas com os demais elementos de prova, nomeadamente testemunhal, documental e ainda ponderada criticamente de acordo com as regras da experiência comum, não nos mereceram credibilidade. Na verdade, o único ponto da versão do arguido ao qual atribuímos crédito foi relativo à velocidade a que o arguido circulava - daí a resposta dada à matéria de facto provada e não provada sobre a velocidade. Nesta parte da velocidade foi relevante, para além da versão do arguido o depoimento da testemunha NN, conjugado com o relatório de fls. 324 a 353 e ainda o relatório de fls. 356v a 360 apresentado pelo arguido (este último valorado positivamente apenas quanto à velocidade, conforme infra se explicará). Esta testemunha prestou um depoimento verdadeiramente esclarecedor, imparcial e desinteressado. Trata-se de uma testemunha que, não obstante não ter estado no local do acidente no dia em que o mesmo ocorreu, fez uma recolha dos indícios, nos mesmos termos que foi feita pelos agentes da P.S.P. que estiveram no local no dia do evento, visualizou o veículo conduzido pelo arguido, retirou medidas no local do acidente e conjugou todos os elementos. Este depoimento conjuntamente com os demais, foi determinante para o Tribunal afirmar, com a convicção que se exige nesta sede, como ocorreu a dinâmica do acidente, conjugando-se tudo com as regras da experiência comum. E, quanto à dinâmica do acidente — vide fls. 116 —, apurou-se que o mesmo ocorreu da seguinte forma: o veículo conduzido pelo arguido depois de sair do ..., em vez de se posicionar no entroncamento respeitando o sinal STOP, para entrar no ..., seguiu em frente, transpondo a linha longitudinal contínua e invadindo a zona das marcas oblíquas delimitadas por linhas contínuas - marcas ... (...), circulando nessa altura a uma velocidade entre 40 km/hora a 50 km/hora. Nesse instante, o ciclomotor - o veículo …-TR-… - invadira a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas (...). Nessa sequência, o arguido embateu com a parte frontal do seu veículo na parte frontal do ciclomotor. Para concluir que o acidente se deu como se descreveu, o Tribunal valorou também o depoimento das testemunhas FF, HH, II, LL, JJ e MM, que estiveram no local do acidente, logo após a sua ocorrência, com diferença de poucos minutos entre si, e descreveram todos com segurança, confrontados com as diversas fotografias constantes dos autos, nomeadamente fls. 111 e ss., 29 e ss. 276 e ss. que o veículo do arguido se encontrava dentro da zona das marcas oblíquas delimitadas por linhas contínuas - ... (e não no local indicado pelo arguido na zona delimitada a amarelo a fls. 284), o que aliás nem sequer seria credível nem compatível de acordo com as regras da física — porque a versão do arguido é fisicamente incompatível com a posição final do veículo e com a posição da vítima e do seu ciclomotor confirmada por todas as testemunhas, — nem com as próprias declarações do arguido — que descreveu que na sequência do embate o seu veículo não sofreu qualquer movimento — nem com as regras da experiência comum. Acresce que é visível na foto 7 de fls. 110 — fotografia junta aos autos e tirada no dia seguinte ao acidente, logo no período da manhã, pela testemunha JJ, e-mail de ref. …..94, fotografia apreciada e analisada em audiência — e foi percecionado por essa mesma testemunha logo na noite do embate, no local, rastos de travagem, provocados pelo veículo do arguido, conforme se encontra descrito no esboço de fls. 116 dos autos (16,70m e 16,90m). Aliás, estes rastos de travagem são ainda visíveis na reportagem fotográfica feita pela testemunha NN e junta no seu documento de fls. 324 e ss.. Assim, estes rastos de travagem foram percecionados no local quer pela testemunha JJ, quer pela testemunha II, quer ainda pela testemunha NN, que efetuou diligências de averiguações sobre a dinâmica do acidente para a demandada, dias depois do mesmo ter ocorrido, e verificou ainda a compatibilidade dos rastos de travagem com o veículo do arguido. Não temos, assim, quaisquer dúvidas que estes rastos de travagem pertencem à viatura do arguido. Logo, este elemento comprova não só que o arguido circulava naquela zona interdita à circulação, àquela velocidade, como também que o embate ocorreu naquele local e que o arguido percepcionou o confronto com o ciclomotor. Por outro lado, a versão de que o embate ocorreu naquele local — zebra — é ainda corroborada por outros elementos, nomeadamente a maior concentração de vestígios de detritos dos veículos naquela zona, a posição final dos veículos e a posição final do corpo da vítima DD, o que foi confirmado pelas testemunhas JJ, HH, II, LL, NN e MM. Nesta matéria todas estas testemunhas depuseram de forma desinteressada, espontânea, pelo que mereceram credibilidade por parte do Tribunal. Importa esclarecer que o parecer técnico junto aos autos pelo arguido de fls. 356v a 360 dos autos limita-se a fazer uma análise de um outro relatório, in casu, o relatório elaborado pelo agente da JJ, tendo por base a participação do acidente e o relatório daquele agente policial. Este relatório, serviu de apoio ao Tribunal para confirmar o depoimento da testemunha NN e as declarações do arguido quanto à velocidade a que o arguido circulava, não dando o Tribunal relevo ao mais que se descrevia no relatório porque contrário ao que demais se evidenciava na prova já produzida e perfeitamente sedimentado na convicção do Tribunal. Um apontamento apenas para referir que o depoimento da testemunha OO, pai do arguido, e que alegadamente se terá deslocado ao local no dia seguinte ao acidente e realizado a reportagem fotográfica de fls. 276 e ss., em nada abalou a convicção do Tribunal acerca da dinâmica do acidente e bem assim sobre a existência ou não no local daqueles concretos rastos de travagem, pois que, como atrás se expôs, o Tribunal está seguramente convencido que o arguido circulou pela zona das marcas oblíquas delimitadas por linhas contínuas — marcas ... e que aí deixou aqueles rastos de travagem que são visíveis na foto acima enunciada e foram analisados em audiência. Não demos, assim, credibilidade ao que depôs esta testemunha, nesta parte, pois é óbvia a parcialidade desta testemunha. Ainda explicar que não temos quaisquer dúvidas que o ciclomotor conduzido pela vítima se encontrava em circulação, no sentido ... — P... e que invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas (...). Na verdade, conjugando as declarações das testemunhas que visualizaram a posição final dos veículos, com o depoimento experiente das testemunhas JJ e NN, e ainda com as regras da experiência comum, e ainda com o facto de a vítima estar com o capacete colocado, não temos quaisquer dúvidas que a mesma estava em circulação, naquele sentido inverso ao arguido e que para aí se ter colocado teve de transpor a linha continua invadindo a hemi-faixa contrária. Ponto 15 dos factos provados: atendeu-se ao documento de fls. 218 a 221 - apólice de seguro. Ponto 16 e 17 dos factos provados: apreciou-se o documento de fls. 191 - certidão de habilitação de herdeiros. Ponto 18, 19, 20, 21, 22, 66, 67 e 68 dos factos provados, tt) e uu) dos factos não provados: valorou-se as declarações dos assistentes BB e CC, pais do falecido DD, que descreveram o relacionamento que tinham com seu filho, o estado de saúde e estilo de vida do mesmo. A par destas declarações atendeu-se ao depoimento das testemunhas PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV e XX, todos amigos ou familiares dos demandantes, mas que não procuraram favorecer a posição destes, antes tendo falado ao tribunal com fidedignidade, tendo merecido acolhimento. Quanto ao conhecimento pelo falecido do modo de funcionamento do ciclomotor e à sua condução anteriormente ao dia do acidente, não se provou o alegado pela defesa de que teria sido a primeira vez naquele dia que o mesmo teria iniciado a condução uma vez que o seu irmão CC afirmou que o mesmo já tinha conduzido embora nunca o tivesse feito na via pública. Confrontado com as declarações prestadas em inquérito esclareceu que quando aí referiu que o seu irmão nunca tinha conduzido o seu veículo quis referir-se na via pública (rua). Da conjugação das suas declarações resultou a prova da aludida factualidade. Pontos 23, 24, 25, 26, 72 e 73 dos factos provados e alíneas f) e g) dos factos não provados: relativamente ao estado da vítima logo após o embate, às lesões, dores e assistência prestada à vitima no local na sequência do embate, atendeu-se à prova documental junta aos autos, nomeadamente documentos de fls. 292 a 295 (informação de ocorrência), factura/recibo de fls. 199, registos clínicos de fls. 132, informação clínica de fls. 6 (apenso), conjugadas com as declarações do arguido e os depoimentos das testemunha FF, HH e LL, sendo que todos confirmaram que a vítima não apresentou sinais vitais à primeira aproximação, encontrando-se em paragem cardiorrespiratória aquando da chegada da emergência médica. Assim, não se fez prova de quaisquer dores sofridas pela vítima, pelo contrário, provou-se que a mesma ficou imediatamente inconsciente, devido à paragem cardio-respiratória, que passados 38 minutos lhe provocou morte. Após uma primeira assistência no local, a vítima foi transportada para o Serviço de Urgência do Hospital ……, E.P.E., conforme se encontra documentado nos autos. Pontos 27, 28, 29 e 30 dos factos provados: atendeu-se às declarações do arguido, conjugadas com o depoimento das testemunhas FF e HH, correlacionando ainda com o documento de fls. 292 a 295 (informação da ocorrência) e reprodução da chamada em audiência. Pontos 31, 32, 33, 34, 38, 39, 40, 43 e 51 dos factos provados: valoraram-se nesta matéria apenas as declarações prestadas pelo arguido, que afirmou que estaria convencido que a sua deslocação ao Hospital para recolha de sangue também serviria para despistagem de controlo da taxa de álcool no sangue e não houve nenhuma prova que infirmasse esta sua versão. O arguido estava abalado com o acidente, o que é perfeitamente plausível. Acrescentou ainda que depois de sair do Hospital foi conduzido por agentes da polícia à esquadra da P.S.P.... Pontos 35, 36 e 37 dos factos provados: atendeu-se às declarações do arguido conjugado com o depoimento da testemunha EE, companheira do arguido, e que depôs de forma credível, confirmando a versão do arguido. Ponto 41 e 42 dos factos provados e alíneas s), t) e x) dos factos não provados: o Tribunal valorou as declarações do arguido, conjugadas com o depoimento da testemunha HH, e ainda apreciando os documentos juntos aos autos a fls. 5 e 300. Assim, ficou claro para o tribunal que o arguido se deslocou no dia do acidente à Esquadra da P.S.P., após sair do Hospital, onde foi conduzido por outros agentes da P.S.P. que não o agente HH. Os documentos que o arguido assinou na Esquadra da P.S.P. e que são apresentados em duplicado (vide fls. 5 e 300) foram preenchidos cerca das 22h30m (hora dos ...), contudo, o sistema informático assume por defeito a hora de Lisboa, ou seja, 1 (uma) hora mais tarde, daí a discrepância de uma hora na frente do documento (a parte superior é inserida automaticamente pelo sistema informático e depois é corrigida pelo agente que preenche a hora dos ... manualmente, na parte detrás do documento). Também não se provou que foi o mesmo agente que preencheu os documentos de fls. 5 e 300 e que os assinou. Ao invés provou-se em audiência que os documentos foram preenchidos pelo agente II e assinados pelo agente HH. Por fim, o Tribunal não se convenceu da versão do arguido (conforme melhor explicará à frente) no sentido de que, na noite do acidente, apenas esteve na Esquadra da P.S.P. Daí a resposta à matéria de factos nos termos expostos. Ponto 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 dos factos provados: no que concerne a esta matéria, o Tribunal apreciou os documentos de fls. 5 e 300 dos autos, conjugados com as declarações do arguido e ainda com os depoimentos das testemunhas HH e II, agentes da P.S.P. à data dos factos, e que se deslocaram ao local da ocorrência, e elaboraram o expediente relativo ao evento. Assim, o agente HH explicou que os documentos de fls. 5 e de fls. 300 foram preenchidos em ..., com base na informação que havia sido trazida pelos colegas da Esquadra da P.S.P., que tinham feito o teste quantitativo ao arguido naquela Esquadra, dizendo que quem preencheu os documentos de fls. 5 e 300 foi o seu colega II e quem os assinou foi o próprio HH. Esta versão foi confirmada pela testemunha II. Mais acrescentou que, quando verificou que haveria lapso no preenchimento do documento 5 procedeu à alteração do documento, nos termos em que os mesmos diferem do documento de fls. 300. Ambas as testemunhas foram espontâneas nesta matéria, admitindo que foram incorrectos alguns procedimentos. Ponto 63 e 69 dos factos provados: atendeu-se ao ofício de fls. 39 e 251 dos autos. Ponto 64 e 65 dos factos provados: valorou-se o documento de fls. 14 do apenso. Ponto 74 dos factos provados: atendeu-se ao certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 291 e ainda o ofício de fls. 252. Pontos 75 a 87 dos factos provados: valorou-se as declarações do arguido, conjugadas com o relatório social de fls. 266 e 267 dos autos. A par atendeu-se ao depoimento das testemunhas EE, OO, ZZ, AAA, BBB e CCC, familiares e amigos do arguido, que com credibilidade descreveram a situação pessoal e familiar do mesmo. Alíneas b), c) parte final, alínea e), alíneas i) a r), alíneas u) a w), alíneas y) a dd) dos factos não provados: no que diz respeito à condução do arguido sob o efeito de álcool e às diligências de prova para submissão do arguido aos testes de controlo de alcoolemia diremos o seguinte: Desde logo, as declarações do arguido — no sentido de que apenas foi submetido a um teste de controlo de alcoolemia naquela noite - não nos mereceu credibilidade. Na verdade, da conjugação dos depoimentos das testemunhas HH e II, apurou-se que o arguido foi submetido a um teste de despiste ao consumo de álcool no local do acidente, o chamado teste qualitativo, o qual apenas indicia a presença de álcool no sangue, apresentando o resultado no próprio aparelho, do qual não sai qualquer talão (nomeadamente o talão que consta de fls. 4 dos autos). Após, e porque o resultado desse teste (repita-se “qualitativo”) fora positivo, e também tendo em conta a dimensão do evento em causa (acidente de viação com dois veículos envolvidos e com uma vítima em estado grave - que viria a falecer), compareceu no local outro carro de patrulha com mais elementos da Polícia de Segurança Pública, desta feita da esquadra da ..., para prestar o apoio necessário aos elementos da Esquadra da P.S.P. Esta última equipa conduziu o arguido à Esquadra da ..., onde submeteu o mesmo a novo teste de álcool, desta vez ao teste quantitativo, do qual resulta o talão de fls. 4 dos autos. Assim, o Tribunal não tem quaisquer dúvidas que o arguido realizou, naquela noite, dois testes de controlo de alcoolemia — um no local do acidente e outro na Esquadra da P.S.P. (isto mesmo resulta do ofício de fls. 257). Contudo, e conforme já explicamos supra a propósito da matéria de facto provada dos pontos 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 os procedimentos que foram levados a cabo naquela Esquadra da P.S.P. não foram pelos agentes HH nem II, pelo que não sabemos se ao arguido foram explicados os procedimentos relativamente à possibilidade de realização ou não da contraprova, se dela prescindiu ou não. Sabemos, isso sim, que o arguido se recusou a assinar o talão de fls. 4, porque isso está reflectido no documento no campo próprio. Também sabemos que existe discrepância entre o documento de fls. 5 e o documento de fls. 300 e que quem esteve com o arguido na realização do teste quantitativo não foram os mesmos agentes que preencheram e assinaram aqueles documentos de fls. 5 e fls. 300 e ainda o talão de fls. 4. Assim, quanto mais não seja fazendo aqui aplicação do princípio in dúbio pro reo, temos que considerar como não provado que ao arguido foi concedida a possibilidade de realizar a contra prova. Não podemos afirmar que o arguido diz a verdade quando afirma que não lhe foi possibilitada a faculdade de fazer a contraprova, mas também não podemos afirmar o contrário. Significa isto, em termos probatórios que, na dúvida, temos de fazer uso do princípio in dúbio pro reo e decidir a favor do arguido. Logo, teremos de concluir que não se fez prova se o arguido circulava sob o efeito de bebidas alcoólicas porque o elemento de prova que lhe serve de base não é válido - não sabemos se os procedimentos foram todos feitos corretamente - isto é, se ao arguido foi dada a oportunidade de efetuar a contraprova.
Contudo, esta impossibilidade de apurar se o arguido circulava sob o efeito de bebidas alcoólicas não inquina na sua totalidade aquilo que os agentes da P.S.P. fizeram no dia dos factos e disseram na audiência de julgamento, tornando assim numa verdade imaculada a versão do arguido. Existe uma discrepância, é certo, devidamente identificada, verificada, com as consequências retiradas (não se prova que o arguido conduzia sob o efeito de álcool), mas tal não significa que todo o procedimento tenha sido totalmente incorreto, apesar de daí não se conseguir tirar qualquer consequência prática relativamente à condução sob efeito de álcool. Isto para dizer que esta discrepância não chancela as declarações do arguido como credíveis, colocando, ao invés, os depoimentos dos agentes policiais, nomeadamente das testemunhas HH e II, sob suspeição naquilo que transmitiram ao Tribunal nos seus depoimentos, tanto mais que, confrontados com as discrepâncias verificadas, os mesmos assumiram aquelas de imediato. Diga-se ainda, a propósito da realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool — pese embora nada tenha que ver com a dinâmica do acidente — que o Tribunal ficou convencido que, em termos cronológicos ou da “linha do tempo”, é perfeitamente possível que o mesmo tenha sido realizado no exacto tempo que consta documentado nos autos — às 20h13m. Na verdade, é público e notório que a Esquadra da P.S.P. dista do local do acidente cerca de 10 km, o que numa situação de emergência, como a verificada nos autos, se percorre em menos de 10 minutos. Assim, considerando que a chamada para o 112 foi efectuada às 19h44, que os agentes da ... não demoraram mais do que dois minutos a chegar ao local, chegando ao local antes mesmo da assistência médica, tendo estes efectuado o teste qualitativo de pesquisa de álcool ao arguido em cerca de 5 minutos, e que os agentes da P.S.P. da esquadra da ... chegaram ao local não mais do que 10/15 minutos após o acidente, ou seja, seguramente antes das 19h59m, é perfeitamente plausível que às 20h13m o arguido tivesse realizado o teste quantitativo de pesquisa de álcool nos moldes apresentados nos autos (embora, como já se disse, nenhuma consequência jurídico-criminal se retire deste teste). Isto mesmo decorre do depoimento da testemunha de HH, II e da prova documental de fls. 4 e 257 dos autos. Relativamente ao depoimento da testemunha MM importa esclarecer o seguinte. A presença física desta testemunha no local do acidente foi mencionada pela testemunha LL, logo na primeira sessão do julgamento, em 6 de Julho de 2020, altura em que a defesa também tomou conhecimento da sua existência. Contudo, apenas na última sessão é que a defesa a arrolou como testemunha, o que foi deferido porque a mesma foi apresentada em audiência. Desde logo se diga que a circunstância de ter sido apresentada em audiência pela defesa e apenas na última sessão de julgamento causou estranheza ao Tribunal, pois que são necessárias diligências para que se tenha o contacto da testemunha e ainda mais do que isso, a faça comparecer num determinado dia em audiência, a não ser que haja um mínimo de conhecimento prévio ou posterior aos factos. Ademais, e cingindo-nos ao foco da defesa ao apresentar MM como testemunha, logo se percebeu onde se pretendia chegar. A testemunha tinha um objectivo específico que era dizer que o arguido ainda se encontrava no local do acidente às 20h18m, o que não foi referido por mais ninguém até então. E questionada a instâncias da defesa a razão de se lembrar com precisão daquela hora e minuto, a testemunha referiu apenas que se recorda dessa hora porque o episódio foi traumatizante e a sua mãe acabava as aulas de código entre as 20h00 e as 20h15 e tinha chamadas da mãe no telemóvel. Estranhamos, também, este discurso. Não nos pareceu, assim e logo à partida, espontâneo e credível o depoimento da testemunha quanto à presença do arguido no local do acidente às 20h18m. Após, e ao fazermos a análise conjunta de toda a prova, nomeadamente, ao analisarmos com precisão e pormenor o documento junto pelo ... de fls. 294, apercebemo-nos que essa hora, 20h18m, é precisamente a hora que a emergência pré-hospitalar saiu do local. Assim, estamos mesmo convictos que a testemunha apenas faz referência a essa hora porque efectivamente sabe, ou porque teve conhecimento por si, por ser bombeira, ou porque lhe disseram, que essa hora foi a hora que a emergência médica saiu efectivamente do local, e limitou-se a afirmar que a essa hora o arguido ainda estava lá, quando tal já não era possível por o arguido ter sido conduzido para outro local (Esquadra da P.S.P.). Acreditamos que a testemunha tenha visto o arguido no local do acidente, mas não àquela precisa hora. Assim, o depoimento desta testemunha MM só foi valorado positivamente quanto à posição do veículo do arguido e quanto à chegada da P.S.P. antes do auxílio médico (nesta parte o seu depoimento foi corroborado pelos demais depoimentos testemunhais). Quanto à permanência do arguido no local do acidente às 20h18m o seu depoimento não nos mereceu nenhuma credibilidade, porque não nos pareceu em momento algum espontâneo, sincero e natural. Alínea h) e aaa) dos factos não provados: estes factos não foram referidos por qualquer uma das testemunhas a que aludimos nem resultam de qualquer prova documental junta aos autos, pelo que inexistindo outros meios de prova disponível, forçoso é concluir que os demandantes não lograram demonstrar tal factualidade, como lhes competia. Com os fundamentos referidos, deu o Tribunal como provados e não provados os factos relevantes, nos termos supra expostos, sendo que, no mais, a matéria apresentava-se conclusiva, repetitiva e irrelevante. IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Assente a factualidade relevante, cumpre aferir da responsabilidade criminal do arguido pela prática dos crimes e contra-ordenações que lhe vêm imputados, procedendo-se ao enquadramento jurídico-penal da sua conduta e, concluindo-se pela existência de responsabilidade jurídico-penal e contra-ordenacional, caberá determinar qual a pena e/ou coimas a aplicar e respectiva medida concreta. Do crime de condução de veículo em estado de embriaguez: O arguido vem acusado, como autor material da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido previsto e punido pelos artigos 69.°, n.º 1, alínea a) e 292.°, n° 1, ambos do Código Penal. Comete o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. Estamos perante um crime de perigo abstracto, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos. Isso significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção por parte do legislador, as mais das vezes fundada numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma, ou seja, que a maioria dos casos em que essa conduta teve lugar demonstrou ser perigosa sob o ponto de vista de bens penalmente tutelados. O bem jurídico protegido pela norma incriminatória é a segurança da circulação rodoviária, se bem que indirectamente se protejam outros bens jurídicos relativos à segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida ou a integridade física — vide Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 1999, pág. 1093. São elementos objectivos do tipo legal de crime de condução em estado de embriaguez: a) a condução de veículo, com ou sem motor, o que pressupõe um processo de movimento no trânsito; b) na via pública ou equiparada; c) com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. A noção de condução de veículo abrange apenas processos de movimento no trânsito, uma vez que um veículo parado não traduz qualquer ameaça abstracta para o trânsito no sentido desta disposição. Ora, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., com a matrícula …-...-RQ (doravante RQ) pelo que este elemento objectivo do tipo se encontra preenchido. É considerada via pública a “via de comunicação terrestre afecta ao trânsito público”, como é o caso do ... e do ..., ambos no ..., pelo que também este elemento do tipo se encontra preenchido. O comportamento do agente é punível como crime, passando a falar-se em estado de embriaguez, quando apresenta uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. No caso concreto, não se provou que o arguido circulava com uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 1.92 g/l.. Falta, desde logo um dos elementos objetivos do tipo legal de crime em apreço. Pelo exposto, faltando um dos pressupostos objectivos do tipo legal de crime, é completamente desnecessária a análise dos demais pressupostos do tipo legal de crime e importa a absolvição do arguido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Do crime de homicídio por negligência: Ao arguido vem imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 13.°, 15.°, alínea a) e 137.°, n.° 1, todos do Código Penal (CP), com referência aos artigos 24.°, n.ºs 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, e 27.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.°, todos do Código da Estrada, e com a pena acessória prevista no artigo 69.°, n,° 1, al. a), do CP. Dispõe o citado artigo 137°, Código Penal: “1 - Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2- Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.” Conforme refere FIGUEIREDO DIAS (in Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 106) “a decisão político criminal, comum à generalidade das legislações, de punir a negligência no crime de homicídio é inquestionavelmente justificada. De um duplo ponto de vista: do ponto de vista da dignidade penal, uma vez está em causa a tutela de um dos bens jurídicos - a vida humana - mais importantes (...) e do ponto de vista da carência da pena, por isso que o homicídio por negligência (...) se tornou num fenómeno maciço, dadas as inúmeras fontes de perigo para a vida imanentes à «sociedade do risco» ". O bem jurídico protegido pela norma em causa é a vida humana, tutelada no artigo 24°, Constituição da República Portuguesa. Trata-se de um crime material ou de resultado, ou seja, exige-se uma lesão efectiva do bem jurídico e uma conduta à qual, através de um nexo de imputação objectiva, possa ser atribuído o resultado morte de um terceiro (cfr. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit.). LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, in “Código Penal Anotado", 3ª ed., 2° vol., p. 180, afirmam que “há homicídio involuntário, negligente ou culposo quando o agente causa a morte de alguém, por ter omitido a cautela, a atenção ou a diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado, em face das circunstâncias, sendo-lhe exigível na situação concreta em que se encontrava um comportamento atento e cauteloso”. Nos termos do artigo 15.°, do Código Penal, “age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas actua sem se conformar com essa realização, ou não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto ”. À luz deste preceito, distingue-se entre culpa consciente - em que o agente sente, prevê a possibilidade de ocorrência do resultado típico (morte da vítima), ou o perigo dele ocorrer, acreditando contudo, que o perigo não se verificará ou que a sua perícia o evitará, ou seja, o resultado é previsto mas, levianamente, espera-se que não venha a ter lugar; e a culpa inconsciente - em que o agente não prevê, sequer, essa consequência como resultado da sua conduta, ou seja, o resultado típico não é previsto, por descuido, distracção ou leviandade, mas é apenas previsível. “A característica mais saliente dos tipos de ilícito negligentes, por contraposição aos dolosos, reside na diferente relação que intercede entre acção e resultado ou, mais exactamente, entre acção e realização típica integral. Nos crimes dolosos a vontade do agente dirige-se ao resultado ou à realização integral do tipo, nos negligentes não; a relevância jurídico-penal daquela vontade resulta, não imediatamente do seu conteúdo, mas de uma comparação com o comportamento imposto” (FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal - Parte Geral”, Tomo I, 2ª ed., p. 866). A negligência é aferida quer ao nível da ilicitude (objectiva), quer ao nível da culpa (subjectiva). No primeiro caso, constitui a violação do cuidado objectivamente devido numa determinada situação de perigo; no segundo, refere-se à censurabilidade pessoal da falta de cuidado de que o autor era capaz, segundo a sua formação, destreza e experiência de vida (cfr. JESCHECK, “Tratado de Derecho Penal — Parte General”, vol. II, Ed. Bosch, p. 513). São, assim, elementos do tipo de ilícito negligente a omissão do dever objectivo de cuidado (desvalor da acção) e a produção, causação e previsibilidade do resultado (desvalor do resultado) - FARIA COSTA, in “Aspectos Fundamentais da Responsabilidade Objectiva no Direito Penal Português”, FDUC, p. 23; EDUARDO CORREIA, in “Direito Criminal”, I, p. 254. Transpondo tal raciocínio para o crime de homicídio por negligência, concluímos pelos seguintes elementos típicos: i) a prática voluntária de uma conduta, omissiva ou comissiva, causadora da morte de um terceiro; ii) a violação, mediante a prática de tal conduta, do dever objectivo de cuidado a que, segundo as circunstâncias, o agente está sujeito; iii) a ocorrência de um nexo entre a violação de tal dever objectivo de cuidado e a produção da morte. Entende-se por “prática voluntária” a conduta que resulta do perfeito domínio da vontade pelo seu agente. O dever objectivo de cuidado, do ponto de vista interno, implica o dever de representar ou prever o perigo para o bem jurídico tutelado pela norma e de valorar correctamente esse perigo, o seu processo causal e as suas consequências (dever de exame prévio); do ponto de vista externo, implica um dever de realizar um comportamento externo, uma acção prudente, de acordo com a norma de cuidado previamente percepcionada - ou que deveria tê-lo sido, no caso de negligência inconsciente (tendo previsto o perigo, o agente tem de tomar as medidas adequadas para o evitar). O dever de cuidado externo engloba, ainda, o dever de omitir acções perigosas, bem como de actuar prudentemente em situações perigosas toleradas pela ordem jurídica (risco permitido), assim como o dever de preparação e informação prévios. A conduta violadora do dever de cuidado deve ser “causadora” do resultado desvalioso que, neste caso, é a morte. Assim, para que o arguido possa ser considerado criminalmente responsável tem de ser demonstrada a sua culpa efectiva, o seu contributo material para a produção do resultado danoso, que deve ser consequência directa e necessária da acção culposa do arguido, mesmo que não seja esta a única causa relevante. Impõe-se, ainda, que a ocorrência do resultado desvalioso, mediante a prática da conduta voluntária, seja “previsível”. Para aferir dessa previsibilidade, deve atender-se às considerações do normal cidadão, inserido nas circunstâncias do caso concreto, com os específicos conhecimentos do agente. O critério é, pois, a consideração ex ante da concreta situação de perigo de produção da morte, criada pela conduta do agente, por parte do homem médio, colocado no lugar e com os conhecimentos específicos possuídos pelo agente, cumprindo aferir se tal homem médio seria capaz de prever a produção do resultado desvalioso (neste sentido, JESCHECK, ob. cit., p. 798). Do que ficou dito se conclui, como se fez no Ac. STJ, 11.5.97, in CJ, Ano V, Tomo III, p. 227, que '“para que o resultado em que se materializa o ilícito típico possa fundamentar a responsabilidade não basta a sua existência fáctica, sendo indispensável que possa imputar-se objectivamente à conduta e subjectivamente ao agente; ou seja, a responsabilidade só se verifica quando existe nexo de causalidade entre a conduta e o evento ocorrido”. Está em causa um nexo de causalidade de cariz puramente jurídico, cuja verificação se traduz na imputação da produção do resultado desvalioso (neste caso, morte) à violação do dever objectivo de cuidado, segundo um critério de adequação, sendo de imputar ao agente a lesão do bem jurídico sempre que esta surgir como uma consequência previsível e normal da violação do dever de cuidado. Como é sabido, vigora entre nós a chamada teoria da causalidade adequada - consagrada genericamente no artigo 10.°, n° 1, Código Penal - para que uma acção se possa considerar causa de um resultado é necessário que, em abstracto, seja adequada a produzi-lo e este seja uma consequência normal e típica daquela. A teoria da causalidade adequada visa excluir o nexo de causalidade quando os danos resultam de “desvios fortuitos”, quando tenha intercedido uma evolução extraordinária, imprevisível, improvável e anormal. O nexo de adequação tem de se aferir, como referimos, segundo um juízo ex ante e não ex post; mais rigorosamente, segundo um juízo de prognose póstuma, o que significa que o juiz se deve deslocar mentalmente para o passado, para o momento em que foi praticada a conduta e ponderar, enquanto observador objectivo, se, dadas as regras da experiência e o normal acontecer dos factos, a acção praticada teria como consequência a produção do evento. Se entender que a produção do resultado era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação muito rara, então a imputação não deverá ter lugar. Em matéria de crimes negligentes, mormente no âmbito da circulação rodoviária, impõe- se com especial acuidade trazer à colação, quanto ao nexo de causalidade, a chamada teoria da conexão de risco, nos termos da qual o resultado só deve ser imputado à conduta quando esta criou um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se materializou no resultado típico. A imputação fica, assim, dependente de o agente ter criado um risco não permitido ou ter potenciado ou aumentado um risco já existente, bem como de esse risco ter conduzido à produção do resultado concreto. Faltando uma destas condições, a imputação deve ter-se por excluída (FIGUEIREDO DIAS, “Textos de Direito Penal, Doutrina Geral do Crime”, p. 65). Para que a conexão de risco possa dizer-se estabelecida em termos de fundar a imputação do resultado à conduta, torna-se, ainda, necessário que o perigo que se concretizou no resultado seja um daqueles em vista dos quais a acção foi proibida, i.e., um daqueles que cabe no “âmbito de protecção da norma”. Se tal não suceder, deve ter-se igualmente por excluída a imputação objectiva. Segundo ROXIN, in "Violação do Dever e Resultado nos Crimes Negligentes"- “Problemas Fundamentais do Direito Penal”, 3a ed., p. 256 e ss., para se saber se determinada conduta pode ou não ser imputada ao agente como violadora do dever de cuidado a que está obrigado e em virtude da qual se produziu o resultado, há que averiguar se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta concreta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação com o risco permitido. Se assim for, existe uma violação do dever que se integra na tipicidade e dever-se-á punir a título de crime negligente. Além dos elementos relativos à ilicitude do facto negligente, para que o mesmo seja punível é, ainda, necessário que seja culposo, i.e., que seja juridicamente censurável. Importa, para tal, aferir qual o grau de cuidado exigível em cada situação em concreto em função dos bens jurídicos em causa, da proximidade do perigo, da concreta actividade desenvolvida, etc.. Tal como vem ensinando a doutrina, a medida do cuidado exigível encontra-se, desde logo, nas normas jurídicas expressamente consagradas e dirigidas para certos sectores de actividade, e, em termos gerais, na medida de cuidado necessária para evitar a ocorrência do resultado típico. Quando uma conduta se insere em tais sectores e viola os comandos que ao mesmo se destinam, deverá, em princípio, ser considerada negligente, apenas não sendo de punir o agente que, com a sua conduta, não crie, não assuma ou não potencie um perigo para o bem jurídico protegido, ora porque o bem jurídico atingido não se integrava no âmbito de protecção da norma violada, ora porque um comportamento conforme com a norma de cuidado não teria evitado o resultado danoso. A circulação rodoviária é um campo, por excelência, de aplicação de normas que impõem especiais deveres de cuidado. A jurisprudência refere-se, por vezes, a uma “presunção de negligência” quando “(…) tendo existido uma violação das normas estradais, o evento produzido foi do tipo que a lei quis evitar quando a lei impôs a disciplina violada (...)” (f. Ac. STJ 2.7.08, TRC 29.1.03, Proc. 3741/02, in www.dgsi.pt). A violação do dever objectivo de cuidado neste sector não se reconduz, necessariamente, à violação de regras estradais. Com efeito, a violação do Código da Estrada é apenas índice, e não fundamento de negligência. Tal como refere FIGUEIREDO DIAS (ob. cit., p. 108), “uma tal violação pode por isso constituir legitimamente indício do preenchimento do tipo de ilícito, mas não pode em caso algum fundamentá-lo”. O dever de cuidado pode fundar-se, além da lei, nos usos e regras da experiência, que impõem uma certa diligência a todo o cidadão, mormente no desenvolvimento das actividades que como a condução, são ao mesmo tempo perigosas e socialmente úteis. Relevam, ainda, neste âmbito, as regras do chamado “princípio da confiança”, de criação jurisprudencial, segundo o qual, para FIGUEIREDO DIAS, “quem se comporta no tráfico de acordo com as normas deve poder confiar que o mesmo sucederá com os outros, salvo se tiver razão concretamente fundada para pensar de outro modo”, não se encontrando cada condutor “onerado” com o dever de prever ou contar com a imprudência alheia. “O princípio da confiança assenta no princípio da auto-responsabilidade de todos, postulando que quem age “de acordo com a norma de cuidado objectivo, deve poder confiar que o mesmo sucederá com os outros”, ou seja, deve inserir-se na análise da medida do cuidado exigível — partindo-se da ideia geral de que os outros obrigados, igualmente, a um dever de cuidado, em princípio, cumprirão o seu próprio dever de cuidado. Tal princípio de confiança não será, no entanto, uma carta branca para o não cumprimento do dever de cuidado a partir do momento em que se sabe, ou se suspeita, que o dever de cuidado do outro não foi cumprido ou há fortes possibilidades de não ter sido cumprido (Ac. TRE, 29.01.08, Proc. n.º 227507.1, in www.dgsi.pt). Cada condutor, agora por força do princípio da segurança, deve adoptar, na sua condução, todas as medidas necessárias para garantir a segurança do tráfego, evitando riscos, respeitando as exigências decorrentes do tráfego e, em especial, as emergentes da sinalização que o regula. Dispõe o artigo 3°, n°2, Cód. Estrada: “as pessoas /devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou comodidade dos utentes das vias”. Assim, a segurança reclamada pela circulação rodoviária exige dos condutores não apenas o respeito pelas regras e sinais de trânsito especialmente previstos, mas ainda uma atitude particularmente previdente e cautelosa, que permita uma oportuna e atenta interpretação e leitura das circunstâncias do momento, em ordem a garantir a tranquilidade e a segurança rodoviárias. Em suma, apesar do princípio da confiança supra referido, no domínio da circulação rodoviária, o condutor de um veículo (instrumento particularmente apto à causação de perigo e de resultados danosos) está obrigado a prever, até onde seja humanamente possível, o deficiente comportamento dos demais utentes da via pública. OTORRINO VANINI, in “Homicídio por Negligência” (Questões práticas de Direito Penal), p. 58 a 61, refere “(…) não se compreende que esta negligência perca toda a sua relevância jurídica só por ter sido precedida do ato insensato suicida. A meu ver, para que haja responsabilidade de terceiro pela morte da vítima que com negligência ou dolosamente concorreu para a produção do evento, basta poder afirmar-se que sem a acção ou omissão negligente desse terceiro o evento não se teria produzido”. É preciso, porém, não deixar de ter presente que, na identificação do tipo de ilícito e do tipo culposo penal negligente, não há que fazer operar qualquer distribuição de culpas em percentagens, realidade alheia ao direito criminal e com este não compatível (neste sentido, Ac. TRE, 29.01.08, Proc. 2275/07.1, in www.dgsi.pt). O eventual comportamento culposo da vítima concorrente com o do agente não deve ser considerado para efeitos de determinação da intensidade ou grau de negligência do agente. Com efeito, em casos de acidente rodoviário entre duas viaturas em marcha, são autónomos e independentes os comportamentos dos respectivos condutores, pelo que não deve o grau de culpa/negligência de qualquer um deles ser aferido em função do comportamento do outro, muito embora possam concorrer, em maior ou menor medida, para a produção do evento. A negligência consiste, pois, em qualquer das suas modalidades - consciente e inconsciente - na omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência: o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar. Tecidas estas breves considerações sobre o tipo de ilícito, cumpre agora proceder à análise do caso concreto. Assim, resultando da matéria de facto provada a ocorrência de um acidente importa, desde logo, averiguar a quem imputar a culpa do mesmo, nomeadamente, se ao arguido, se à vítima, ou se a se a ambos, à luz das normas que pautam a circulação rodoviária e a cujo cumprimento qualquer interveniente no tráfego rodoviário está adstrito. No caso em apreço, provou-se que no dia 8/3/2018, pelas 19h45m, o arguido AA conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., com a matrícula …-...-RQ (doravante RQ) no ..., ..., em direcção a .... Tal via, que consistia numa recta, apresentava inclinação ascendente com 3,4% ou 1,9°, naquele sentido, P... — .... O piso apresentava-se com aglomerado asfáltico flexível com fissuras e rachas. A velocidade máxima imposta por sinalização vertical existente naquela via — ... — é de 40 km/h. Àquela hora chovia com intensidade e existia vento forte. Ao chegar ao entroncamento daquele Caminho com a ... o arguido AA conduzia o RQ a uma velocidade não concretamente apurada, mas seguramente entre 40 km/hora e 50 km/hora. Nesse local - entroncamento - não existia iluminação artificial. O referido entroncamento com formato de Y, apresentava dois sentidos de trânsito, com uma via afecta a cada um dos sentidos, delimitadas por linhas longitudinais contínuas e uma zona interdita à circulação por raias oblíquas localizadas no termo da ..., na confluência com o ..., ou ..., onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/hora. Ao aproximar-se daquele entroncamento, o arguido AA invadiu a referida zona constituída por raias oblíquas, conduzindo o RQ a uma velocidade não concretamente apurada, mas seguramente entre 40 km/hora e 50 km/hora. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar circulava o ciclomotor, marca ..., modelo ..., com a matrícula …-TR-…, conduzido por DD, que seguia no ..., ou ..., provindo do sentido de ..., aproximando-se do ..., em direcção ao P..., o qual invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas. Nessa sequência, o arguido AA embateu com a parte frontal do RQ na parte frontal do ciclomotor, conduzido por DD. Por força do embate, DD foi projectado a 25 metros de distância e caiu no solo, tendo sofrido lesões traumáticas intratorácicas (laceração da aorta torácica por fenómenos de desaceleração) e intra-abdominais, coluna e membros, que lhe provocaram anemia aguda e colapso cardiovascular e, consequentemente, a morte, a qual veio a ocorrer ainda no dia 8/3/2019, pelas 20h38m. Ao conduzir o RQ na referida via, com as condições atmosféricas indicadas, a uma velocidade seguramente entre 40 km/hora e 50 km/hora e invadindo a zona constituída por raias oblíquas, o arguido AA agiu sem o cuidado e atenção devidos, e que podia e devia ter adoptado de modo a evitar o embate e, consequentemente, as lesões descritas e a morte de DD, resultado que podia e devia ter previsto. Agiu bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. O condutor do veículo …-TR-… não era possuidor de habilitação legal para conduzir veículos, nomeadamente o veículo …-TR-…. No momento do acidente, DD, conduzia o veículo …-TR-… sob efeito de estupefacientes — mais concretamente 4,2ng/mL (THC), 14 ng/mL e 0,5 ng/mL (11-OH-THC), e o mesmo invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas. Vejamos as normas violadas pelos condutores (arguido e vítima). Estatui o artigo 24.°, n.º 1 e 3 do Código da Estrada que “1 - O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente. (...) 3 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.” Por outra banda, estatui o artigo 25.°, n.º 1 do Código da Estrada que “1 - Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: (...) c) Nas localid.ad.es ou vias marginadas por edificações; d) Nas zonas de coexistência; e) À aproximação de utilizadores vulneráveis; (...) h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida; j) Nos troços de via em mau estado de conservação, molhados, enlameados ou que ofereçam precárias condições de aderência; (...) 2 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600. ”. Também, nos artigos 64.° e 65.° do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, alterado pelos Decretos Regulamentares n.ºs 41/2002, de 20 de agosto, e 13/2003, de 26 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, e pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2011, de 3 de março (e actualmente revisto e atualizado através da publicação do Decreto Regulamentar n.º 6/2019, de 22.10, e rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 60-A/2019, de 20.12) prevê-se o seguinte: Artigo 64.° Enumeração e significado das marcas diversas 1 — Para fornecer determinadas indicações ou repetir as já dadas por outros meios de sinalização podem ser utilizadas as marcas seguintes: ... e ... — raias oblíquas delimitadas por uma linha contínua: significam proibição de entrar na área por elas abrangida. Artigo 65.° Sanções Quem infringir as prescrições impostas pelas marcas rodoviárias é sancionado: (...) b) Com coima de €60 a € 300, quando se trate das marcas ..., M8, ..., ..., ... e ... quando apostas em vias de trânsito delimitadas por linhas contínuas e ainda as marcas referidas na alínea anterior quando não façam a separação de sentidos de trânsito; (...). A condução de ciclomotor sem habilitação legal é, nos termos do artigo 3.°, n.º 1 do D.L. 2/98, de 3.02, tipificado como crime: “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. ” Dispõe o artigo 81.° do Código da Estrada que “1 - É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas. (...) 5 - Considera-se sob influência de substâncias psicotrópicas o condutor que, após exame realizado nos termos do presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico ou pericial. (...) 6 - Quem infringir o disposto no n.º 1 é sancionado com coima de: a) (euro) 250 a (euro) 1250, se a taxa de álcool no sangue for igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 0,8 g/l; b) (euro) 500 a (euro) 2500, se a taxa for igual ou superior a 0,8 g/l e inferior a 1,2 g/l ou, sendo impossível a quantificação daquela taxa, o condutor for considerado influenciado pelo álcool em relatório médico ou ainda se conduzir sob influência de substâncias psicotrópicas.” Também, nos artigos 60.° e 61.°, n.º 1, al. a) do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, alterado pelos Decretos Regulamentares n.ºs 41/2002, de 20 de agosto, e 13/2003, de 26 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, e pelo Decreto Regulamentar nº 2/2011, de 3 de março (e actualmente revisto e atualizado através da publicação do Decreto Regulamentar n.º 6/2019, de 22.10, e rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 60-A/2019, de 20.12) é sancionado quem pisar ou transpuser linhas longitudinais continuas ou transitar à sua direita quando houver dois sentidos de trânsito . Ora, não resultam dúvidas que o arguido, com a sua conduta, violou os artigos 24.°, n.º s 1 e 3 do Código da Estrada, 25.°, n.º 1 alíneas h) e j) do Código da Estada, e os artigos 64.° e 65.° do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, alterado pelos Decretos Regulamentares n.ºs 41/2002. de 20 de agosto, e 13/2003, de 26 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, e pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2011, de 3 de março (e actualmente revisto e atualizado através da publicação do Decreto Regulamentar n.º 6/2019, de 22.10, e rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 60-A/2019, de 20.12), pois não adequou a velocidade às condições meteorológicas que naquele momento se faziam sentir naquela via de trânsito e circulava com a sua viatura numa zona interdita à circulação. Quanto à velocidade, provou-se que o arguido circulava dentro do limite de velocidade previsto para a via onde circulava (Caminho da Adutoras — onde o máximo permitido é de 90 km/hora, e o arguido circulava entre 40 km/hora e 50 km/hora), contudo provou-se também que as condições atmosféricas eram adversas (chovia intensamente, o vento era forte e o piso estava molhado). A condução em velocidade excessiva existe não só quando o condutor ultrapassa os limites legais, mas também quando perante um determinado evento, característico da via ou do veículo, ou outra circunstância relevante para a circulação em segurança, que seja previsível para um condutor com a capacidade de diligência de um cidadão médio, devido à velocidade que anima o veículo, este não logra concretizar determinada manobra que pretendia realizar ou deter a marcha do mesmo no espaço livre e visível à sua frente. Aos condutores apenas se exige que a velocidade de marcha lhes permita parar no espaço livre e visível à sua frente, isto é, em relação a um obstáculo visível ou que, razoavelmente, fosse de prever que viesse a surgir, o que pressupõe que não se verifiquem condições anormais ou factos imprevisíveis que alterem, de súbito, a sua visibilidade — neste sentido, vide os Acórdãos da RC, de 09.11.1977, BMJ 274, p. 316; de 11.03.1980, BMJ 299, p. 417 e Ac. do STJ de 2.11.1979, BMJ 291, p. 494. No caso concreto, o próprio arguido referiu que circulava a cerca de 40/50 km/hora, numa altura em que chovia intensamente, o piso estava molhado, estava vento, e estava nevoeiro. O arguido ocupou, invadiu a referida zona constituída por raias oblíquas, onde não é permitido circular. Por sua vez, a vítima, condutor do ciclomotor, conduzia tal veículo sem ser portador de habilitação legal para o efeito, sob o efeito de substâncias psicotrópicas, e ainda invadindo a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas. Do exposto, resulta que ambos os intervenientes no acidente de viação incorreram na violação de regras estradas (o arguido) e criminal e estradais (a vítima) e ambos violaram o dever de cuidado, interno e externo, a que cada um estava obrigado, a saber. Assim, quer o arguido quer a vítima assumiram uma conduta leviana e descuidada. A condução consiste numa actividade, por natureza, perigosa, constituindo o protótipo do risco permitido. O princípio da confiança permite aos intervenientes no tráfego rodoviário a não obrigação de contarem com a imprudência alheia, porquanto o dever de previsão exigível ao condutor de um veículo automóvel não o obriga a contar com a actividade negligente de outrem, por ser de supor que os outros também cumprem as regras de trânsito e os deveres gerais de prudência. In casu, ambos violaram normas do Código da Estrada e diplomas complementares. Segundo ROXIN e JAKOBS, quer o arguido quer a vítima deixariam de poder clamar pelo princípio da confiança nos demais intervenientes do tráfego rodoviário, a partir do momento em que cada um deles assume, na actividade de condução, um comportamento defeituoso, com violação de normas estradais, altura em que cada um desses intervenientes teria que se assumir como garante e corrector do comportamento defeituoso do outro. Quanto à condução do veículo sem habilitação legal por parte da vítima e à condução sob influência de estupefacientes, entendemos que nada se apurou que a mesma foi determinante para a produção do evento. Entendemos, ainda que esse comportamento não foi determinante para que o agente infractor deixe de poder invocar o princípio da confiança nos demais intervenientes do tráfego jurídico, impondo-se, assim, a posição de garante e compensador de eventual infracção do outro interveniente, o que seria, desde logo, violador do princípio da confiança. Para aferirmos do nexo de imputação objectiva do resultado à conduta do arguido, cumpre, pois, aferir qual é o âmbito da protecção das normas jurídicas violadas. Para tanto, cumpre verificar se foi violado o dever de cuidado exigível para evitar o resultado típico, observando-se, para tanto, o disposto em matéria estradal. Às normas da estrada subjaz o conceito de perigosidade da condução, pelo que tais regras visam, por isso, impor comportamentos pelos agentes que não ultrapassem o risco permitido e socialmente tolerado. As regras estradais propõem-se minorar ou conter a concretização de certos riscos, impedindo a produção de um resultado típico que, da sua violação, para o homem médio e segundo juízos de normalidade, se afigurasse previsível ocorrer. Ora, fazendo um juízo de prognose póstuma, sendo o resultado típico morte previsível e evitável para o homem prudente, dotado das capacidades que detém o homem médio pertencente à categoria intelectual e social e ao círculo de vida do agente, não deixa igualmente de reconhecer que a violação das «normas jurídicas de comportamento existentes, sejam elas gerais e abstractas, contidas em leis ou regulamentos, sejam individuais, contidas em ordens ou prescrições da autoridade competente» constituirá indício por excelência de uma contrariedade ao cuidado objectivamente devido» (FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra), não podemos deixar de concluir pela imputação objectiva e subjectiva do resultado morte à conduta do arguido que preenche, assim, um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.° do Código Penal. A violação das normas estradais com a correlativa inobservância do dever de cuidado pela vítima não dá lugar, no Direito Penal, há compensação de culpas, como no Direito Civil. “A atitude da vítima não desvirtua a negligência do agente, impondo-se uma valoração e graduação das mesmas e dos correspondentes graus de gravidade.” (MARIA JOANA OLIVEIRA, in A imputação objectiva na perspectiva do homicídio negligente, Coimbra Editora, p. 156). Estamos diante um caso de causalidades cumulativas em que a conduta de cada um dos intervenientes não é de per si suficiente para alcançar o resultado típico morte. Com efeito, se o arguido não violasse as normas estradais que atrás descrevemos, o acidente, com o resultado típico morte, não teria acontecido, porque a omissão da acção do arguido teria evitado o resultado morte. Da mesma forma, se a vítima não tivesse pelo menos violado a última norma estradal imputada, o resultado morte poderia ter sido evitado. Ambos tiveram a sua quota de responsabilidade na eclosão do acidente, sendo certo em termos de graduação, como factores determinantes do evento e resultado morte, podemos fixar o contributo de ambos num patamar de igualdade, ou seja, de 50% de culpa para cada um. Entendemos, assim, que a conduta do arguido, ao conduzir àquela velocidade naquelas circunstâncias de tempo e lugar naquele concreto lugar, contribui de forma determinante (em pelo menos 50%) para o evento (nexo de causalidade adequada). Ao nível do elemento subjectivo, a violação do dever de cuidado situa-se ao nível da negligência inconsciente, pois que com a sua conduta o arguido não previu, sequer, a consequência como resultado da sua conduta, ou seja, o resultado típico não foi previsto, por descuido, distracção ou leviandade, mas era apenas previsível. A conduta do arguido é culposa, porque censurável ético-socialmente. Não existe qualquer desvio no processo causal iniciado pelo arguido, o qual se revelou adequado e eficaz a produzir o resultado típico, porquanto o arguido violou os deveres de cuidado que sobre si impendiam, violou regras estradais quando podia e devia tê-las observado, e a violação dessas normas constituiu-se como causa necessária e directa do resultado, quando a sua observância, por si só, o teria evitado. Actuou, por isso, com culpa, embora sob a forma de negligência inconsciente, nos termos do artigo 15°, n°1, b), Código Penal Das contra-ordenações: A acusação imputa ao arguido a prática, em concurso real com o crime de homicídio negligente, de três contra-ordenações estradais — sancionadas pelos artigos 24.°, n.ºs 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, 27.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.°,145.°, n.°1, al. c) e 147.°, todos do Código da Estrada. Houve já oportunidade de concluir que se entende que o arguido violou, efectivamente, o estatuído nos artigos artigo 24.°, n.º 1 e 3, 25.°, n.º 1, alíneas h) e j) e artigos 64.° e 65.° do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, alterado pelos Decretos Regulamentares n.ºs 41/2002. de 20 de agosto, e 13/2003, de 26 de junho, pelo Decreto-Lei n.° 39/2010, de 26 de abril, e pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2011 de 3 de março (e actualmente revisto e atualizado através da publicação do Decreto Regulamentar n.º 6/2019, de 22.10, e rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 60-A/2019, de 20.12). Considera-se, porém, não dever ser autonomizada a punição principal própria das contra- ordenações verificadas, na medida em que se perfilha o entendimento de que os factos contra- ordenacionais em causa foram causais do acidente ocorrido e da consequente morte de DD, nessa medida sendo já objecto do sancionamento do arguido pela prática de um crime de homicídio por negligência. A questão de saber se quando uma contra-ordenação é causal de um crime, o respectivo agente, para além da punição criminal, também deve ser punido pela contra-ordenação, tem obtido diferentes respostas ao nível da jurisprudência, não havendo, nomeadamente unanimidade ao nível da interpretação do artigo 134.°, n.º 1 do Código da Estrada que, em consonância com o disposto no artigo 20.° do Decreto- Lei n.º 433/83, de 27 de Outubro, estabelece que “se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contra-ordenação, o agente será punido sempre a título de crime, sem prejuízo da aplicação da sanção acessória prevista para a contra-ordenação ”. Afigurando-se que a ratio desta norma corresponde fundamentalmente ao princípio constitucional de que ninguém deve ser punido duas vezes pela prática do mesmo facto (artigo 29.°, n.°5 da C.R.P.). Entende-se que, face a uma conduta que simultaneamente constitua crime e contra-ordenação, a decisão sobre a punição de ambos ou apenas do crime, passa por verificar se as normas jurídicas violadas visam proteger os mesmos valores ou se os bens jurídicos a que se referem são distintos. No caso sub judice, analisadas as normas estradais que se conclui já terem sido violadas pelo arguido, verifica-se que elas sancionam o agente (condutor) em função do perigo que a sua conduta representa, em abstracto, para a vida ou para a integridade física de terceiros. Nessa medida, considera-se que o princípio “non bis idem” é violado quando um determinado facto é punido em função do perigo presumido que o mesmo encerra para a vida ou a integridade física de outrem e, simultaneamente, também em função da concretização desse perigo, como ocorre em situações como a dos autos, em que o perigo abstracto que está na base da punição contra-ordenacional se concretiza num dano efectivo para a vida ou para a integridade física alheia. Deste modo, ter-se-á que concluir que, em situações como a presente, existe um concurso aparente entre a norma criminal e a norma contra-ordenacional violada. Nem se diga, contra a interpretação formulada, que in casu o facto naturalístico da contra- ordenação e do crime não é o mesmo. Na verdade, a prática de um crime não é algo de instantâneo, antes pressupondo uma conduta que não surge e cessa no preciso momento do preenchimento do tipo legal. O juízo de censura incide, justamente, sobre essa conduta do agente na medida em que ela determina o resultado típico. Ora, na situação que se analisa, a imputação ao arguido do crime de homicídio negligente foi feita com base no seu comportamento, ponderando-se as suas características e o seu desvalor, afinal as mesmas que determinam o preenchimento dos tipos contra-ordenacionais. Pelo que, incriminada a conduta, os factos que motivam os ilícitos contra-ordenacionais foram já integrados na sanção criminal, não podendo ser autonomizados para um outro sancionamento. Afinal a ideia que Germano Marques da Silva (Crimes Rodoviários, pg.42) resume, dizendo “se os factos conexos constituem elementos do crime são puníveis como crime, opera-se a consumpção da contra-ordenação pelo crime; se o não são, se são autónomos da conduta incriminada, embora mantenham com ela uma conexão objectiva ou subjectiva, são também sancionados autonomamente”. Concluindo, entendemos ser de absolver o arguido da imputação da prática das contra- ordenações pelos motivos acabados de expor. V - ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA: Cumpre determinar a pena concretamente aplicável ao arguido pela prática, do crime acima analisado, atendendo à pena abstractamente aplicável, aos critérios de escolha e medida da pena e às suas finalidades. O crime de homicídio por negligência é punido, em abstracto, com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou, em alternativa, com pena de multa de 10 (dez) até 360 (trezentos e sessenta) dias, como resulta da conjugação dos artigos 137.°, n.º 1, 41.°, n.º 1 e 47.°, n.°1, todos do Código Penal. A finalidade visada pela pena será, prima facie, a tutela necessária e suficiente dos bens jurídico-penais atingidos no caso concreto, traduzida pela necessidade de garantir a confiança e as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada — a prevenção geral positiva ou de integração —, a qual decorre do princípio da necessidade da pena, consagrado no artigo 18.°, n.°2, da Constituição da República Portuguesa. Como aponta FIGUEIREDO DIAS, a prevenção geral positiva traduz a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade, mas não fornece ao juiz um quantum exacto de pena (Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p.107). A prevenção geral positiva fornece, assim, uma moldura de prevenção dentro de cujos limites actuarão considerações de prevenção especial. A prevenção especial significa, na sua função positiva, a necessidade de (res) socialização do arguido, se tal se justificar, e, na sua vertente negativa, a suficiente advertência individual ao agente pela falta cometida. A pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (vide artigo 40°, n.°2, do Código Penal), consistindo esta no limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas — parafraseando aquele autor —, em nome do respeito pela dignidade humana, consagrado no artigo 1°, da Constituição da República Portuguesa. Dispõe o artigo 70°, do Código Penal, que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a protecção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade (vide artigo 40°, n.°1, do Código Penal). O vertido neste normativo implica que o legislador penal tenha erigido, sem equívoco, o princípio de que, quando, no caso concreto, o juiz tenha à sua disposição uma pena de prisão e uma pena não detentiva, deve preferir a aplicação desta à aplicação daquela sempre que seja fundado supor que a primeira realizará, de forma adequada e suficiente, as já supra mencionadas finalidades da punição (vide FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 328). Ora, neste domínio e relativamente ao tipo de crime em análise, as necessidades de prevenção geral positiva revelam-se acentuadas, na medida em que é necessário combater as elevadas cifras de mortalidade nas estradas portuguesas, motivadas por frequentíssimas violações às normas estradais, por condutores imprevidentes. Nos crimes de homicídio são intensas as exigências de defesa do ordenamento jurídico e da paz social, dada a extrema sensibilidade da comunidade em relação aos mesmos e a premente necessidade de os prevenir. Haverá que ter sempre bem presente que o bem jurídico tutelado por estas infracções é, de entre todos, o mais elevado — a vida — pelo que, salvas circunstâncias de excepcional valor atenuativo, não sejam admissíveis nestes crimes abrandamentos do respectivo sancionamento — vide, a este propósito, MAIA GONÇALVES, Código Penal Português — Anotado e Comentado, 14a edição, pág. 441. É inegável que, num país (como o nosso) onde se registam elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária, comparativamente com outros países europeus, daí decorrendo, todos os anos, numerosas perdas irreparáveis de vidas humanas com importantes danos e custos sociais e tal só pode ser naturalmente explicável por um sistemático desrespeito pelas mais elementares regras disciplinadoras da circulação rodoviária a que urge pôr cobro. Destarte, cumpre acentuar e reafirmar, perante a comunidade, a validade contrafática da norma violada, assim como o valor e o respeito sociais de que os bens jurídicos gozam, in casu, a vida e integridade física, a que nos referimos anteriormente. No que concerne às necessidades de prevenção especial haverá que ter em consideração, por um lado, que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, encontrando-se socialmente inserido. Ao caso aqui vertido, importa ainda dizer que o arguido agiu com negligência inconsciente, e é um caso de causalidades cumulativas. O arguido negou os factos que lhe são imputados, sendo certo que o tribunal crê que o fez de forma consciente (sendo certo que não está sujeito a qualquer dever de falar com verdade). O comportamento do arguido, logo após o acidente foi correcto. Assumiu a sua envolvência no acidente e prestou os primeiros socorros à vítima, pedindo auxílio a quem passou na estrada para que fosse accionado o 112. Todavia, não menos certo é que a sinistralidade rodoviária, tem vindo a aumentar, incomensuravelmente, nos últimos anos, com consequências nefastas que registam, diariamente, números surpreendentes de feridos graves e mortos. Tal só pode ser naturalmente explicável por um sistemático desrespeito pelas mais elementares regras disciplinadoras da circulação rodoviária a que urge pôr termo. As expectativas depositadas na estabilização contrafática da norma jurídica violada são elevadíssimas, atento o elevado índice de sinistralidade rodoviária na sociedade hodierna, pelo que não podem compadecer-se com a aplicação, in casu, de uma pena de multa. Tudo sopesado e ponderado, afigura-se que as finalidades de prevenção geral e especial que o caso reclama só poderão ser perfeitamente asseveradas pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão, cumprindo agora determinar a medida concreta da pena a aplicar. As finalidades de aplicação de uma pena assentam, em primeira linha, na tutela de bens jurídicos e na reintegração do agente de sociedade. Contudo, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa (vide artigo 40 °, n.°s1 e 2, do CP). Na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, o tribunal atenderá à culpa do agente e às exigências de prevenção bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele (vide artigo 71.°, n.°s 1 e 2, do CP). Como circunstâncias agravantes e atenuantes, importa considerar: -o grau de ilicitude, que se afigura acentuado; - a violação do dever de cuidado, de intensidade média, configurando negligência na forma simples inconsciente, não tendo o arguido previsto o resultado, sequer, essa consequência como resultado da sua conduta, ou seja, o resultado típico não foi previsto, por descuido, distracção ou leviandade, mas era previsível. - as exigências de reprovação social e de prevenção geral que se fazem sentir no cometimento de crimes contra a vida, por negligência, resultantes de acidentes de viação; - o desvalor do resultado do ilícito perpetrado pelo arguido, muito grave, que tolheu a vida da vítima, jovem (com 19 anos de idade); - a culpa, de intensidade mediana e repartida com a vítima — causalidades cumulativas; - as consequências advenientes do ilícito, que são muito graves. - a negação dos factos por parte do arguido, sendo certo que o tribunal crê que o fez de forma consciente (sendo certo que não está sujeito a qualquer dever de falar com verdade), mas demonstra uma certa dificuldade em interiorizar o desvalor da sua conduta; -a inexistência de antecedentes criminais e contra-ordenacionais, o que denota que o arguido tem pautado a sua vida em conformidade com o Direito e revela ser, igualmente, condutor experiente; -o facto de se encontrar familiar, social e profissionalmente inserida; -o facto de ter socorrido a vítima, na medida em que foi o arguido que na impossibilidade de o fazer por meios próprios, pediu a terceiros para contactarem o 112; Tudo sopesado e ponderado, o tribunal reputa por justa, adequada e ponderada, a aplicação ao arguido da pena de 1 (um) ano de prisão. Cumpre agora aferir se no caso estão verificados os pressupostos de que depende a substituição da pena de prisão aplicada ao arguido por outra que não implique a privação da liberdade, in casu, todas as previstas no Código Penal, tendo em conta que a pena concreta aplicada é inferior a um ano. Assim, tendo todas as alternativas à disposição do Tribunal, a ponderação na escolha que deve ser feita é, dentro dessas penas, aquela que melhor realize as necessidades de prevenção geral e especial. No caso concreto, entendemos desde logo que o desvalor da conduta e os fins de prevenção especial e geral desaconselham veemente a aplicação de uma pena de multa e de uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Resta, assim, ponderar a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50.°, do C.P.. Para a aplicação da suspensão da execução da pena, a lei define um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político-criminais — os que permitam concluir pelo afastamento futuro do arguido da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Trata-se, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência (Anabela Rodrigues, A posição jurídica do recluso, pp. 78 e segs. e «O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena privativa da liberdade», in Problemas Fundamentais de Direito Penal — Homenagem a Claus Roxin, Universidade Lusíada editora, Lisboa, 2002, pp. 177-208.). Assim, sempre que o julgador puder formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização do arguido, deverá deixar de decretar a execução da pena. Estão em causa, não considerações sobre a culpa mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção. Pretende-se, como sublinha, com incontornável autoridade, o Prof. Figueiredo Dias, «o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correcção, melhora ou — ainda menos — metanoia das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de legalidade e não de moralidade que aqui está em causa. Ou como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência». Depois de se optar por uma pena detentiva, à luz das considerações e com os critérios legais sobre-expostos, importa pois determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do arguido para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade. Nos termos prevenidos no art. 50.°, do C.P., a averiguação de tal capacidade deve ser feita em concreto, através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se, dessa análise, resultar que é possível esperar que a ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação do referido juízo de confiança na capacidade do arguido para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena. Isto apreendido revertamos ao caso. Ora, sem prescindir da necessidade de reprovação, que deve ser vincada, porque os dados apurados identificam-nos uma pessoa social, profissional e familiarmente integrada, atento ainda a inexistência de qualquer antecedente criminal, somos do parecer que a mera ameaça de prisão se revela suficiente para que o arguido continue a autodeterminar-se de acordo com os comandos jurídicos penais, tornando o caso dos autos um episódio irrepetível. Estamos certos que como consequência da ocorrência do acidente em discussão o arguido é no presente um condutor mais prudente. Por conseguinte, julgamos estarem reunidos os pressupostos legais de que depende a suspensão da execução da pena de prisão, que terá duração de 1 (um) ano (art. 50.°, n° 5 do CP). Condenado nos termos que antecedem, importa equacionar a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, em conformidade com o artigo 69°, n° 1, alínea a), do Código Penal. Estabelece o artigo 69.°, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal que: “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.° e 292.° (...)” Neste âmbito e olhando à matéria de facto apurada nos autos e aos critérios supra mencionados, nomeadamente o grau de ilicitude dos factos (mediano), normas estradais violadas (trás enunciadas), culpa do arguido (negligência inconsciente e repartida), necessidades de prevenção especial (medianas), consequências da sua conduta, considerando que o período de proibição de conduzir pode ser fixado entre 3 meses e 3 anos, entende-se por bem condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses. VI - DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DOS DEMANDANTES BB E CC: VII BB e CC, progenitores do falecido DD, formularam pedido de indemnização civil contra a Seguradoras Unidas, S.A., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de 112.500,00 € (cento e doze mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais ou morais, e ainda a quantia de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), a título de danos patrimoniais (cfr. fls. 181 e ss.) Peticionam os demandantes BB e CC, a fixação de uma indemnização a título de compensação por perda do direito à vida do seu filho, no valor de 75.000,00 €; a título de danos morais sofridos por cada um dos demandantes pela morte violenta e perda do seu filho, a quantia de 15.000,00 €, e pelos danos morais sofridos pelo seu filho, desde a percepção da sua morte até à morte, no valor de 7.500,00, tudo num valor global de 112.500,00 €, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a notificação até efectivo e integral pagamento. Peticionam, por fim, a título de danos patrimoniais o valor de 250,00 €, relativo a despesas funerárias, acrescido de juros de mora desde a notificação do presente pedido até efectivo pagamento. Nos termos do disposto no artigo 71.° do Código de Processo Penal, o pedido cível deduzido no âmbito de um processo penal funda-se na prática de um crime, pelo que a sua causa de pedir será unicamente o facto criminoso. A indemnização a atribuir reportar-se-á, pois, unicamente aos danos que tiveram a sua causa adequada naquele facto. Dispõe o artigo 129.° do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. Nos termos do artigo 483.°, n.º 1, do Código Civil, que dispõe acerca dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, em que se enquadra o caso dos autos, aquele que, dolosamente ou com mera culpa, viola ilicitamente o direito de outrem “fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação ”. Face ao disposto no referido preceito, verificamos que incorre em responsabilidade e, portanto, na obrigação de indemnizar, quem pratica um facto voluntário, que traduza ou incorpore um juízo de desvalor objectivo da ordem jurídica, sendo o agente censurável, e provocando danos que se liguem causalmente àquele facto. Dispõe o artigo 562°, n°1, Código Civil que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Por outro lado, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, atenta a teoria da causalidade adequada formulada no artigo 563° Código Civil. O cálculo da indemnização “compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (artigo 564°, n°1, Código Civil). No que diz respeito ao dano futuro, estabelece o n.°2 do citado art. 564°, que pode o tribunal “atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis”. A previsibilidade baseia-se, segundo DARIO MARTINS DE ALMEIDA, “Manuel de Acidentes de Viação”, 2a ed., p. 380, no decurso normal dos eventos, atento o mecanismo do nexo causal. A regra é a reconstituição natural, sendo apenas preterida nos casos em que tal não se mostre possível, suficiente, ou se afirme excessivamente oneroso, situações em que há recurso à indemnização por equivalente, e, quando não seja apurado o valor exacto dos danos, recorrerá o tribunal à equidade, tudo nos termos do disposto no artigo 566° do Código Civil. O dano é toda a perda causada em bens jurídicos, legalmente tutelados, de carácter patrimonial ou não patrimonial, consoante sejam, ou não, susceptíveis de avaliação pecuniária. Dano é o prejuízo, lesão ou detrimento que alguém sofre, directa ou indirectamente, na sua pessoa ou no seu património. O dano patrimonial é o reflexo ou efeito que o dano real produz no património do lesado, é a diferença, para menos, que a destruição, subtracção ou deterioração de uma coisa significam no património de alguém. Dispõe o artigo 495°, Código Civil, o seguinte: “1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral. 2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima. 3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”. Além dos danos patrimoniais, são também ressarcíeis os danos não patrimoniais, estes sob a forma de compensação, desde que se revistam de gravidade que justifique a tutela do Direito (artigo 496°, n°1, Código Civil). Estes são danos que não afectam ou diminuem o património mas outros bens, de carácter imaterial, pelo que não são alvo de indemnização mas compensação, uma vez que não é possível, quanto a estes, a reconstituição natural, ou tornar indemne o lesado. Das violações da personalidade, nas suas diversas vertentes (artigos 70° e ss. Código Civil) emergem, directa e principalmente, danos de ordem não patrimonial que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados e não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente. A propósito da compensação dos danos não patrimoniais, expôs FIGUEIREDO DIAS, “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal”, nos estudos in memoriam do Prof. Beleza dos Santos: “quando não se queira ver aquela satisfação como um corpo estranho ao instituto da responsabilidade civil, no qual se incrusta, há que atribuir-lhe, também a ela, a única função de colocar, quanto possível, o lesado na situação anterior ao facto lesivo; pelo que o critério de avaliação há-de ser o de procurar rigorosamente determinar uma quantia capaz de possibilitar ao lesado prazeres e alegrias que compensem os danos morais causados. Em suma, pois, quer se trate de danos patrimoniais quer morais a obrigação civil de indemnizar tem como critério determinante da sua extensão, fundamentalmente, - para não dizermos unicamente — o critério do dano”. O montante da indemnização deve ser fixado equitativamente (artigo 496°, n°3, Código Civil), ponderando-se o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado, os padrões adoptados pela jurisprudência, a flutuação do valor da moeda e as circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes. A equidade consiste numa justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de ponderação, equilíbrio ou bom senso. Levando em linha de conta as circunstâncias concretas de cada caso, a gravidade afere-se por um padrão objectivo e não por qualquer sensibilidade especial do lesado, devendo o dano ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma quantia pecuniária ao lesado (ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9a ed., p.628,), só sendo de indemnizar “os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral” (assim, Ac. STJ, 26/6/91, BMJ, 408°-538). De harmonia com o disposto no artigo 496.°, n.º 2, do Código Civil, o direito à indemnização por danos não patrimoniais por morte da vítima cabe em conjunto ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e, na falta destes, aos pais ou outros ascendentes e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. A parte final do n° 3 do mesmo artigo dispõe ainda que, no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos acabados de referir. “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”, nos termos do artigo 494°, Código Civil. No caso dos autos, o arguido actuou, como vimos, de forma negligente, omitindo os cuidados e diligência que normas do Código da Estrada lhe impunham no exercício da condução, sendo a sua actuação tipicamente ilícita, objectivamente dominável pela sua vontade, sem interposição de qualquer causa de força maior ou circunstância fortuita, quando podia e devia ter atuado de modo diferente, conforme ao Direito e de forma a não violar direitos de outrem. Tal conduta ilícita resultou, causalmente, na lesão efectiva (supressão) do direito absoluto supremo (vida) de DD, o que constituiria o arguido, inequivocamente, na obrigação de indemnizar. Contudo, a responsabilidade pelos danos causados a terceiros na decorrência da circulação do veículo conduzido pelo arguido encontrava-se transferida para a demandada por força de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, sendo sobre esta que impende a obrigação de indemnizar. A conduta do arguido, integradora do crime, configura, assim, a nível civil, um facto ilícito extracontratual que atingiu a esfera jurídica dos ofendidos (a vítima e os demandantes civis), numa violação plúrima dos seus direitos de personalidade. Como vem anotado por GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, a propósito do artigo 24° da Lei Fundamental, “[O] direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”. Na doutrina e jurisprudência nacionais — ao contrário do que sucede no caso de outros países europeus - não se suscitam, actualmente, quaisquer dúvidas a respeito da ressarcibilidade do dano da perda da vida (entre muitos, Ac. STJ 22.4.08, Proc. 742/08: “A indemnização pela perda do direito à vida, tendo em conta a orientação maciça da nossa jurisprudência e o disposto no artigo 8o, n.º 3, do Código Civil, deve ser concedida”; na doutrina, ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pp. 503 a 509, “é incontestável que a perda do direito à vida por parte da vítima da lesão constitui, nos termos do n.º 2 do artigo 496o, um dano autónomo, susceptível de reparação pecuniária”). O AUJ de 17.3.71, in BMJ 205, 150, distinguiu, em caso de morte, três danos não patrimoniais indemnizáveis: o dano sofrido pela vítima antes de morrer; o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; o dano pela perda do direito à vida. Antes de apreciarmos cada um dos pedidos formulados, impõe-se concretizar e esclarecer que, quanto aos limites do pedido, que o único limite que temos na quantificação de qualquer indemnização global por danos sofridos em acidente de viação é o do valor global do pedido, tal como resulta do disposto no artigo 609.° do Código de Processo Civil. Nada impedindo, portanto, que se quantifique uma qualquer das parcelas que contribuam para esse valor global em montante superior ao indicado pelas partes, no entanto o montante global do pedido é inultrapassável. Por assim ser, atento o princípio do pedido, previsto no citado artigo, a indemnização global não poderá ultrapassar o valor de € 112.750,00. Danos não patrimoniais: Danos próprios da vítima - sofrimento que antecede a morte: Quanto ao dano próprio da vítima, pelo sofrimento vivido entre o facto danoso e a morte, com a percepção da iminência da morte, com a perturbação, susto, medo, sofrimento, até à morte, mesmo que de forma fugaz, os danos não patrimoniais correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte. Ora, no caso dos autos, não se provou que DD foi transportado para o Hospital perfeitamente consciente, não se provando também que as dores sofridas por DD na sequência do embate permaneceram até à chegada da assistência médica e ainda durante o transporte e até à chegada ao Hospital. Provou-se, outrossim, que após o embate DD ficou inconsciente e em estado de coma profundo, nunca mais tendo recuperado a consciência, vindo a falecer às 20h38, já no Hospital, sendo certo que o acidente se deu cerca das 19h45m. Porém, não resulta da factualidade provada que, em momento algum, a vítima esteve consciente do seu estado, bem pelo contrário. Imediatamente após o embate, a vítima ficou inconsciente, pelo que não resultou provado que teve consciência da gravidade do seu estado e que iria morrer. Na esteira do sufragado por SOUSA DINIS, in Dano corporal em acidentes de viação, CJSTJ, T. II, «pode estabelecer-se a indemnização entre o limite pero (caso de morte instantânea, sem qualquer sofrimento ou caso de coma profundo desde o acidente até à morte) e aquele outro situado em plano aquém do que for entendido como adequado pela perda do direito à vida. Tudo depende do sofrimento e da respectiva duração, da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado e da aproximação da morte.» Assim, esse estado de inconsciência, impediu a vítima de ter a percepção do sofrimento e de sentir dores ou de se aperceber que ia morrer, nada se tendo provado em sentido contrário. Pelo exposto, nada cumpre, neste âmbito, indemnizar, indeferindo-se nesta parte o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes. Dano morte - dano não patrimonial da perda do direito à vida: No que respeita ao dano pela própria perda do direito à vida, pondera-se a lesão do direito/bem vida como valor abstracto e individual, que merecerá uma determinada compensação, ajustada segundo circunstâncias próprias ou sociais (idade, saúde, integração e relacionamento social, função desempenhada na sociedade, etc.), dentro dos limites da equidade. Como expressivamente refere DIOGO LEITE CAMPOS, “A vida, a morte e a sua indemnização”, in BMJ 365, pp. 5 e ss. “(…) porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis “a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado”. Na conhecida e já muito debatida questão da titularidade do direito à indemnização por tal dano, desde já se diga que entendemos que o mesmo não integra a esfera patrimonial da vítima, transmitindo-se por via hereditária, antes cabendo, por direito próprio, aos familiares indicados no artigo 496.°, n.º 2 do Código Civil (f., a título exemplificativo, Ac. STJ, 15.4.97, in CJ STJ, vol. II, pp. 42 e ss.; na doutrina, ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em Geral”, 6a ed., I, p. 583). Diga-se, a propósito, que no que diz respeito à indemnização pelo dano morte, a Portaria 377/2008, de 26-05, tem um âmbito institucional específico de aplicação extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não derroga Lei ou DL, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido no CC. Como resulta claramente do preâmbulo dessa Portaria, os critérios desta decorrentes não servem para «a fixação definitiva de valores indemnizatórios», mas para «o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas». Não estamos, pois, perante critérios que vinculem os tribunais, nem mesmo perante valores fixos ou definitivos, mas perante valores mínimos em ordem à aferição da razoabilidade das propostas apresentadas por companhias de seguros. E, de qualquer modo, sempre critérios fixados por Portaria teriam de ceder perante as normas legais do Código Civil que remetem, sem mais, para juízos de equidade (artigos 496°, n° 3, e 566°, n° 3). Podem ver-se, neste sentido, entre outros, os acórdãos da Relação do Porto de 10 de Março de 2014, proc n° 2140/10.9TBLLG.P1, relatado por Soares de Oliveira; e de 9 de Dezembro de 2014, proc n° 1494/12.7TBSTS.P1, relatado por José Igreja Matos; ambos disponíveis in www.dgsi.pt. A Jurisprudência mais recente vem arbitrando valores que, em regra, não descem abaixo de 60.000,00€ - por traduzirem o mínimo que deve ser atribuído pela perda de qualquer vida humana; tanto mais que arestos recentes têm já fixado compensações bastante superiores, embora relativamente a vítimas mais jovens [fixaram indemnizações que variaram entre os 70.000,00 € e os 100.000,00 €, para vítimas com idades compreendidas entre os 14 e os 41 anos, i. a., os Acórdãos do STJ de 07/02/2013, proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1, de 13/09/2012, proc. 1026/07.9TBVFX.L1.S1, de 31/05/2012, proc. 14143/07.6TBVNG.P1.S1, de 10/05/2012, proc. 451/06.7GTBRG.G1.S2, de 31/01/2012, proc. 875/05.7TBILH.C1.S1 e de 08/09/2011, proc. 2336/04.2TVLSB.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]. No caso dos autos, pondera-se, desde logo, a idade da vítima (19 anos), considerando que, não obstante ser a vida um valor absoluto, a compensação devida é, fundamentalmente, pela perda da vida que está por viver, pela supressão do direito a viver, a existir (neste sentido, Ac. STJ, 30.10.07, Proc. 2974/07, in www.dgsi.pt). Pondera-se, ainda, as características de personalidade da vítima, o estado de saúde, a sua atividade profissional, a culpa do arguido nos termos supra expostos, — encontrando-se afastada a ponderação da situação económica do agente em virtude da “transferência” de responsabilidade para a Seguradora, a respeito da qual nada se encontra provado em termos de capacidade económica ou solvabilidade. No caso dos autos, face à factualidade provada e não provada, ponderando os critérios atrás referidos, entendemos adequado fixar em € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros). Tendo em consideração a redução em 50% correspondente à proporção da culpa da vítima na produção do acidente que importa efetuar, vai a demandada Seguradoras Unidas, S.A. condenada no pagamento da quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a BB e CC, na qualidade de herdeiros da vítima DD. Do desgosto dos demandantes: Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares (in casu, os progenitores da vítima) é evidente que cada pessoa tem um círculo restrito de relações familiares, de convivência, afeição, carinho e ternura, a quem a lei reconhece o direito à reparação/compensação quando pessoalmente afectadas com o desaparecimento daqueles por quem nutrem tais sentimentos. São estas pessoas as “vítimas indirectas” da conduta do agente, feridas pela dor moral que a morte abrupta da vítima lhes causou, havendo lugar a indemnização, em conjunto, e jure próprio, como referimos supra, designadamente, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, nos termos do artigo 496°, n.º 2, do Código Civil. Salvo raras e anómalas excepções, é facto notório o sofrimento profundo que a perda da vida do lesado importa para os seus familiares mais próximos. Como se referiu no Ac. STJ, 26.6.91, BMJ 408, 538, “trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos e que por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.” No entanto, na ponderação do quantum da compensação, deve atender-se ao grau de parentesco, de proximidade ou ligação com a vítima, ao sentimento de dor mais ou menos intenso, ao maior ou menor desamparo criado, sendo esta compensação o “preço da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” (assim, SOUSA DINIS, in “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJSTJ 1997, tomo 2, p. 13). Como expressivamente se refere no Ac. STJ 15.4.09, Proc. 08P3704, in www.dgsi.pt. a propósito desta árdua tarefa do juiz: “ (...) presente neste domínio deverá estar a consideração do melindre que a quantificação de tais danos sempre acarreta, procurando traduzir-se em quantia certa de coisa fungível (a mais fungível das coisas), o que por natureza é insusceptível de mensuração e de redução a uma expressão numérica, encerrando óbvias dificuldades a tradução em números do que por definição não tem tradução matemática, procurando ter-se em conta o reflexo, o rebate da perda de uma vida, e o efeito indirecto da perda de um cônjuge, de um progenitor ou de um filho”. Vertendo ao caso dos autos, compulsada a factualidade relevante a este propósito dada como provada, cumpre ponderar o tipo de relação entre os demandantes e a vítima; o desgosto pela morte súbita daquele; as dores e sofrimento suportados em consequência do desaparecimento daquela pessoa das suas vidas; as alterações de hábitos e comportamentos que atingiram os demandantes; a privação dos demandantes do seu filho; a ablação da expectativa daquilo que ainda tinham por partilhar em família. Assim, provou-se que DD era um filho exemplar e, por isso, pessoa querida de seus pais. A sua morte causou nos assistentes forte desgosto e angústia. Os assistentes viram-se privados da companhia do seu filho, das suas conversas e do seu amor. Ponderámos cuidadosamente os critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser adoptados, com o progressivo afastamento das decisões do carácter simbólico das indemnizações, sem perder de vista o contexto global do país, os padrões económicos e morais vigentes, os prémios das seguradoras no ramo automóvel. Como se disse no Ac. STJ, 16.12.93, CJSTJ 1993, tomo 3, p. 181: “É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correcta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue”. Face a tudo quanto ficou dito, considera-se justa e adequada a fixação da compensação por danos não patrimoniais pelo desgosto que sofrem, cada um dos demandantes, pela morte do seu filho, numa quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), para cada um. Tendo em consideração a redução em 50% correspondente à proporção da culpa da vítima na produção do acidente que importa efectuar, vai a demandada Seguradoras Unidas, S.A. condenada no pagamento da quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a cada um, BB e CC. Danos patrimoniais: Dos danos patrimoniais (funeral): Vieram os demandantes BB e CC peticionar ainda uma indemnização por danos patrimoniais decorrentes dos estragos causados pelas despesas com o funeral. Contudo, nada se provou acerca de danos provocados com as despesas com o funeral do falecido DD, pelo que nada cumpre, neste âmbito, indemnizar, indeferindo-se nesta parte o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes. Dos juros de mora: São devidos juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação da decisão até efectivo e integral pagamento (artigos 805°, n°1, 806°, n°1, e 566°, n°2, todos do Código Civil). Das custas: Custas do pedido de indemnização civil a cargo de demandantes e demandada na proporção do decaimento, nos termos do disposto no artigo 527.°, n.° 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 523.° do C.P.P.. VIII- DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DO HOSPITAL…… E.P.E: Também o Hospital……, E.P.E. veio deduzir pedido de indemnização civil contra a demandada Seguradoras Unidas, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais sofridos no montante de € 112,07, acrescido de juros de mora à taxa legal. Provou-se também que, em consequência directa e necessária da conduta do arguido, supra descrita, a vítima DD, deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital……, numa consulta e que não foi paga: no valor de € 112,07. Tendo em consideração a redução em 50% correspondente à proporção da culpa da vítima na produção do acidente que importa efectuar, vai a demandada Seguradoras Unidas, S.A. condenada no pagamento, a título de danos patrimoniais, da quantia de € 56,03 (cinquenta e seis euros e três cêntimos), ao demandante civil Hospital……, E.P.E., acrescida dos juros de mora contabilizados desde a data da notificação à taxa legal (artigo 566.°, n.º 2 e 805.°, n.º 3 do Código Civil). Custas do pedido de indemnização civil a cargo de demandantes e demandada na proporção do decaimento, nos termos do disposto no artigo 527.°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 523.° do C.P.P.. IX - DA INTERVENÇÃO ACESSÓRIA PROVOCADA: A Intervenção de Terceiros pode ocorrer como Intervenção Acessória, Provocada, nos termos do art.° 321° do CPC, nos casos em que o Réu (no caso, o demandado) tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda e pretenda chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, circunscrevendo-se a intervenção do chamado à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento. A sentença proferida na acção em que ocorre o chamamento constitui caso julgado quanto ao chamado relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização, e nos termos previstos no art° 332° do CPC (art.° 321°-n.°1 e 2 e art.° 323°-n.° 4 e 332°, todos do Código de Processo Civil), o que expressamente se declara em relação à decisão ora proferida a respeito do pedido de indemnização civil deduzido por BB e CC. X - DISPOSITIVO: A) Nos termos que acima se deixam expostos, o Tribunal decide julgar a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência: 1. Absolver o arguido AA, da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.°, n.°1 do CP, e com a pena acessória prevista no artigo 69.°, n,° 1, al. a), do CP. 2. Absolver o arguido AA, da prática, em autoria material e na forma consumada, de 3 (três) contra-ordenações, sancionadas pelos artigos 24.°, n.ºs 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, 27.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.°,145.°, n.°1, al. c) e 147.°, todos do Código da Estrada. 3. 4. Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 13.°, 15.°, alínea a) e 137.°, n.º 1, todos do Código Penal (CP), com referência aos artigos 24.°, n.ºs 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, e 27.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.°, todos do Código da Estrada, e com a pena acessória prevista no artigo 69.°, n,° 1, al. a), do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.° do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses. 5. Condenar o arguido AA no pagamento, de 4 UC's de taxa de justiça, bem como no pagamento das demais custas do processo (artigos 523.° e 514.°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal e 8.° e 9.° do R.C.P.). B) Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB e CC contra a demandada Seguradoras Unidas, S.A., o Tribunal decide julgá-lo parcialmente procedente e, em consequência, condenar esta a pagar: 1. A quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a BB e CC, na qualidade de herdeiros da vítima DD, pela lesão do direito à vida de DD 2. A quantia de quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a cada um, BB e CC, pelo desgosto que cada um dos demandantes sofreu pela morte de DD, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados da prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento. 3. Absolvendo a demandada do demais peticionado. 4. Custas do pedido de indemnização civil na proporção do decaimento, nos termos do disposto no artigo 527.°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 523.° do C.P.P.. C) Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelo demandante Hospital……, E.P.E. contra a demandada Seguradoras Unidas, S.A., o Tribunal decide julgá-lo parcialmente procedente e, em consequência, condenar esta a pagar: 1. A quantia de € 56,03 (cinquenta e seis euros e três cêntimos), a título de compensação por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora contabilizados desde a data da notificação à taxa legal (artigo 566.°, n.º 2 e 805.°, n.º 3 do Código Civil). 2. Absolvendo a demandada do demais peticionado. 3. Custas do pedido de indemnização civil na proporção do decaimento, nos termos do disposto no artigo 527.°, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 523.° do C.P.P.. Notifique. *** Como sabemos o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
CUMPRE DECIDIR: O recorrente pretende que existem erros de julgamento, erro na apreciação da prova, erro na fixação da matéria de facto e erro na aplicação do Direito. Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal recorrido violou os artigos 13.°, 15.°, alínea a) e 137.° todos do Código Penal, com referência aos artigos 24.°, n.°1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c) h) e j) e n.°2, e 27.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.°, todos do Código da Estrada, normas que deveriam ter sido interpretado no sentido da inexistência de qualquer infração por parte do arguido. Deverá, assim, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de que foi injustamente condenado pela 1ª instância. No seu entender só a vítima teve culpa do acidente e que a falta de habilitação legal e o efeito das drogas contribuíram decisivamente para a produção do evento. As razões ou fundamentos do recurso hão-de ser primeiramente expostos, explicados e desenvolvidos no curso das alegações e deverão ser logicamente resumidos sob a forma de conclusões. -- " O tribunal de recurso está limitado pelas conclusões do recurso, no sentido em que são essas as questões que tem de conhecer obrigatoriamente,"- Ac. STJ, de 2005-07-07 (Proc. nº 1310/05, rel:- Santos Carvalho, in www.dgsi.pt). -- "Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões (art. 412º, n.° 1 CPP), às quais o tribunal se deve restringir (AC. STJ de 9.12.98, BMJ 482, 68). -- " As conclusões que o recorrente formula na motivação de recurso, porque resumem as razões do pedido, definem o objecto do recurso, - Ac. STJ, de 23-09-2009 (Proc. n.º 259/06.0JAIAR.S1 - 3.ª Secção, Pires da Graça (relator), in www.stj.pt - sumários); idem Ac. STJ, de 2010-05-27 (Proc. nº 11/04.7GCABT.C1.S1, Cons. Pires da Graça, in www.dgsi.pt). " Em sede de recurso penal, são as conclusões com que o recorrente culmina a motivação, que definem o objecto da cognição do tribunal superior. Ac. STJ, de 2011-02-17 (Proc. nº 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3ª, Cons. Sousa Fonte, in www.dgsi.pt). [2] - Os vícios do art. 410º, 2 do CPP não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal forme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do CPP. - Ac. Rel. Porto, de 2009-06-17 (Rec. nº 41/03.6IDPRT.P1, rel. Vasco Freitas, in www.dgsi.pt). [3] - Mas " O juiz não tem que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe a difícil tarefa de dilucidar em cada um deles o que lhe merece crédito. - Ac. Rel. Porto, de 2009-06-17 (Rec. nº 229/06.8TAMBR.P1, rel. Borges Martins, in www.dgsi.pt). [4] - A propósito pode ver-se o Ac. Rel. Lx, de 2001-11-08 (Rec. nº 9806/01 - 9ª secção - Rel:- António Almeida Semedo). [5] - Com muita clareza ponderou o T. Constitucional (Pº nº 1165/96, de 96-11-19, in BMJ 461, 93):- "... o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, e genericamente susceptíveis de motivação e controlo". [6] - " Um resultado pericial inconclusivo não conduz necessariamente a uma dúvida insanável: por não agregar um verdadeiro juízo pericial mas antes um estado dubitativo, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto. - Ac. rel. Porto, de 2010-01-27 (Rec. nº 45/06.7PIPRT.P1, rel. Jorge Gonçalves, in www.dgsi.pt); idem Ac. Rel. Coimbra, de 2008-09-17 (Rec. nº 426/07.9GCLRA, rel. Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt). [7] - Sobre a prova pericial, a sua valoração e divergência pode ver-se o Ac. STJ, de 07-11-2007 (Proc. n.º 3986/07 - 3.ª Secção, Soreto de Barros (relator), in www.stj.pt - sumários). Vejamos então O recorrente põe em causa a apreciação da matéria de facto dada como provada e discorda do enquadramento jurídico. Sabemos que a matéria de facto só possa ser alterada se contrariar de forma notória as regras da experiência, da lógica, do senso comum, dos conhecimentos científicos; se assentar em métodos proibidos de prova ou em meios de prova subtraídos à livre apreciação do tribunal. O recorrente põe em causa os factos indicados sob os pontos acima discordando do percurso efetuado pelo tribunal na apreciação da prova. A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova. Tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação da convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Se assim não fosse dar-se-ia lugar a uma inversão da posição dos personagens do processo e substituir-se-ia a convicção de quem julga, pela de quem é julgado ou quer ser julgado de outra forma. O tribunal de recurso tribunal de recurso não pode substituir-se ao tribunal de julgamento porque, tendo embora acesso a todas as (mesmas) provas, não dispõe da vivacidade da imediação. Diz-nos o Ac. do STJ, de 31-05-07 a este propósito que «quando a opção do julgador se centra em elementos diretamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso só tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio e de controlar e convicção do julgador da 1a Instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. Vejamos então: Está o recorrente condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência resultante de um acidente de viação nas circunstâncias descritas pelo tribunal a quo. Da mesma descrição resulta que: No dia 8/3/2018, pelas 19h45m, o arguido AA conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., com a matrícula …-...- RQ (doravante RQ) no ..., ..., em direção a ... uma reta, apresentava inclinação ascendente com 3,4% ou 1,9 no sentido, P... — .... Chovia e fazia vento forte não havendo iluminação artificial. Àquela hora chovia com intensidade e existia vento forte o arguido conduzia a uma velocidade não apurada pelo tribunal mas que este estimou entre os 40/50Km hora. O referido entroncamento com formato de Y, apresentava dois sentidos de trânsito, com uma via afeta a cada um dos sentidos, delimitadas por linhas longitudinais contínuas e uma zona interdita à circulação por raias oblíquas localizadas no termo da ..., na confluência com o ..., ou ..., onde a velocidade máxima permitida é de 90 km/hora. O recorrente invadiu a referida zona constituída por raias oblíquas, conduzindo o RQ a uma velocidade não concretamente apurada, mas seguramente entre 40 km/hora e 50 km/hora. Já este trajeto feito no caminho as Adutora onde a velocidade permitida, como se conclui da matéria de facto dada como provada é de 90Km/hora. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e provindo de ... circulava o ciclomotor ... conduzido por DD que aproximando-se do ..., em direção ao P..., invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, e invadiu igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas. Ou seja, traçou uma linha reta com a estrada onde circulava e aquela por onde pretendia circular. Tal, resulta claramente quer da observação das inúmeras imagens juntas aos autos, quer da descrição feita pelo arguido, única testemunha ouvida como disse o tribunal. Como consequência da trajetória por si traçada veio a embater no veículo conduzido pelo arguido AA, parte frontal do RQ com parte frontal do ciclomotor. O DD foi projectado a 25 metros de distância e caiu no solo, tendo sofrido lesões traumáticas intratorácicas (laceração da aorta torácica por fenómenos de desaceleração) e intra-abdominais, coluna e membros, que lhe provocaram anemia aguda e colapso cardiovascular e, consequentemente, a morte, a qual veio a ocorrer ainda no dia 8/3/2019, pelas 20h38m. Não podia aqui e perante o que tinha acabado de descrever, baseado na prova de que dispunha, o tribunal concluído que o arguido AA agiu sem o cuidado e atenção devidos, e que podia e devia ter adotado de modo a evitar o embate e, consequentemente, as lesões descritas e a morte de DD, resultado que podia e devia ter previsto e ainda que, como religiosamente se usa dizer, agiu bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, pelas razões que infra melhor se explicitarão. Assim, tem de se entender que os pontos 13 e 14 dos factos provados passarão a ter a seguinte redacção (passando os excluídos a integrarem a matéria de facto não provada): 13. Ao conduzir o RQ na referida via, invadindo a zona constituída por raias oblíquas, o arguido AA agiu sem o cuidado e atenção devidos 14. Agiu sabendo que a sua conduta era proibida e punida pelas normas de circulação estradal. Aliás o tribunal deu ainda como provados para além de outros factos que 53. O condutor do veículo ...-TR-... invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava. 54. O condutor do veículo ...-TR-... desrespeitou a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas. 55. O condutor do veículo ...-TR-... não era possuidor de habilitação legal para conduzir veículos, nomeadamente o veículo ...-TR-.... 64. No momento do acidente, DD, conduzia o veículo …-TR-… sob efeito de estupefacientes. 65. Foi detectada a presença de canabinóides no sangue de DD, mais concretamente 4,2ng/mL (THC), 14 ng/mL e 0,5 ng/mL (11-OH-THC). 66. O veículo ...-TR-... era propriedade de CC, irmão do falecido DD. 67. O motociclo havia sido adquirido, em novo, por CC, havia 3 meses em relação à data do acidente. 68. Estando o irmão ausente, DD, sem autorização ou conhecimento daquele, decidiu sair de casa conduzindo o ciclomotor ...-TR-.... 69. O embate ocorreu quando o veículo conduzido pelo arguido já tinha passado o entroncamento. Sem os querer aqui transcrever o tribunal de recurso observou ainda os factos dados como não provados que se tornam importantes para decisão deste recurso nomeadamente quanto á velocidade imprimida ao veículo conduzido pelo recorrente, factos já no entanto afastados pelos provados supra Antes de prosseguirmos para a análise feita e para a análise que faremos, debruçar-nos-emos ainda sobre a motivação da matéria de facto elabora pelo tribunal a quo: O tribunal teve desde logo em conta toda a prova pericial, relatórios e restantes documentos. Depois, quanto aos factos 1, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 59 e 60 dos factos provados e alínea ee) dos factos não provados: atendeu-se às declarações do arguido tendo o tribunal a quo considerado nesta parte as declarações do arguido coerentes, convincentes e ainda plausíveis de acordo com as regras da experiência comum. Relativamente aos factos 2, 3, 4, 7 e 8 dos factos provados: relativamente à classe e características da via, sinalização e velocidade máxima permitida no local, o Tribunal formou a sua convicção atendendo aos elementos documentais juntos aos autos, nomeadamente participação do acidente de viação de fls. 27 a 28, croqui de fls. 29 a 36, relatório técnico de acidente de viação de fls. 93 a 106, reportagem fotográfica de fls. 107 a 115, esboço de fls. 116, relatório de averiguação de fls. 324 a 353, tudo conjugado com as declarações do arguido, e bem assim os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, as quais, embora não tivessem presenciado o acidente, deslocaram-se ao local logo após a sua ocorrência. Atente-se que ninguém, a não ser o recorrente presenciou o acidente e as condições do mesmo e do local de onde, diga-se, não saiu até conseguir ajuda para o acidentado. E todos os depoimentos que o tribunal conseguiu para além desde falaram-lhe de um pós acidente, de um local e de um dia de chuva com vento forte e má visibilidade pelo que, o avistamento simultâneo de ambos os veículos a 70 metros não nos parece credível, tendo-se ainda em conta que, no sentido em que circula o arguido a via tem ligeiro sentido ascendente. Quanto aos factos 5 e 58 dos factos provados: no que diz respeito às condições climatéricas que se faziam sentir no momento em que ocorreu o acidente em análise nos presentes autos, o Tribunal atendeu às declarações do próprio arguido, que confirmou que chovia intensamente, que estava vento, que a visibilidade era reduzida, e que o piso estava molhado. Esta versão do arguido foi confirmada pelo depoimento das testemunhas que naquele momento também circulavam nas proximidades, as testemunhas FF, a HH. JJ, LL, bombeiro que foi acionado para prestar auxílio à vítima, e MM, bombeira que, por acaso, se deparou com o acidente pouco depois do mesmo ter ocorrido. Todos foram coincidentes nesta matéria. Logo ser impossível o avistamento à distância referida a não ser que se trate de 7 metros por lapso de escrita, o que encurta a distância e a reação tendo em conta o estado do piso, e as condições climatéricas, e ainda, o trajeto traçado pela vítima do acidente ocorrido. Quanto aos factos 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 61, 62, 70, 71 dos factos provados, alíneas a), c) parte inicial, alínea d), alíneas ff) a ss), alíneas vv) a yy), alínea zz) dos factos não provados mais uma vez o tribunal tem os mesmos depoimentos e uma única pessoa presente no momento fatídico e o relatório de fls. 324 a 353 no âmbito das averiguações que fez das circunstâncias em que ocorreu o acidente de viação em análise. Quanto às declarações do arguido, “única pessoa ouvida em audiência e que “presenciou /percecionou” de facto o acidente” – como nos diz o tribunal - o mesmo contou que alcançando o entroncamento com a ... e o ..., onde perante o sinal STOP existente no local (vide fls. 116), parou a sua viatura, verificou que não vinham veículos em nenhum dos sentidos, iniciou novamente a marcha, colocando-se na hemi-faixa da direita atento o seu sentido de marcha, já no ..., no sentido P... — ..., a uma velocidade que rondaria entre os 40 e os 50 km/hora (com uma visibilidade entre os 5 a 7 metros de distância à sua frente, dada a chuva e o nevoeiro que se faziam sentir naquele momento, e ainda a falta de iluminação artificial existente no local), com as luzes dos médios ligadas, momento em que sentiu um embate frontal forte na sua viatura (que pensou ser de uma vaca), altura em que a sua viatura se imobilizou de imediato, não mais tendo sofrido qualquer movimento. De seguida, referiu que saiu imediatamente da viatura, momento em que se apercebeu que na direção da sua viatura se encontrava um ciclomotor a fumegar e nas proximidades da sua viatura se encontrava a vítima DD. Frisou que não viu em momento algum o ciclomotor — antes e/ou no próprio momento do embate —, nem ouviu qualquer barulho da sua aproximação. Negou, perentoriamente, que circulava na zona das marcas oblíquas delimitadas por linhas contínuas e que tivesse efetuado qualquer travagem, pois que afirma que não visualizou a aproximação de qualquer obstáculo. No entanto, o tribunal no seu poder de livre convicção, não considerou as declarações credíveis apenas se convencendo da velocidade a que circulava o mesmo mas deixou cair a explicação que nos levasse a concluir que havia realmente a defendida concorrência de culpas de 50%/50%. Para a determinação da velocidade que deu como provada o tribunal considerou ainda o depoimento da testemunha NN, conjugado com o relatório de fls. 324 a 353 e ainda o relatório de fls. 356v a 360 E passa o tribunal a explicar como decorreu a dinâmica do acidente Na verdade se o embate ocorreu onde o tribunal deu como provado, então teria de concluir que o condutor do motociclo violou mais do que uma regra estradal para além de conduzir sem habilitação legal e que invadiu a faixa de rodagem do arguido, contrária ao seu sentido de marcha, facto que não era minimamente previsível a quem, por um acaso e circunstancia de urgência, estivesse parado sobre as ... e, não era previsível de modo algum, a quem circulasse na faixa e sentido que o arguido tinha obrigatoriamente de percorrer. Realmente tal circunstância também comprova que o arguido circulava naquela zona interdita à circulação, àquela velocidade, como também que o embate ocorreu naquele local e que o arguido percecionou o confronto com o ciclomotor no momento em que o mesmo aconteceu. E, em nada abala a factualidade de, quer o Tribunal a quo quer o tribunal ad quem, estarem seguramente convencidos que o arguido circulou pela zona das marcas oblíquas delimitadas por linhas contínuas. Assim como não teve dúvidas o tribunal a quo, não tem o tribunal ad quem de que, o ciclomotor conduzido pela vítima se encontrava em circulação, no sentido ... — P... e que invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava, desrespeitando a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas, invadindo igualmente a referida zona constituída por raias oblíquas (...). E ainda (como diz o tribunal a quo), não tem o tribunal ad quem, de acordo com as regras da experiência comum, dúvidas de que a vítima estava com o capacete colocado, e estava em circulação, naquele sentido inverso ao arguido e que, para aí se ter colocado, teve de transpor a linha continua invadindo a hemi-faixa contrária. Entendeu, pois, o tribunal a quo que se encontrava perante o preenchimento de um crime de homicídio por negligência por parte do arguido aqui recorrente. É aqui que o tribunal ad quem diverge da apreciação feita posteriormente da prova produzida. Ora, o preenchimento da tipicidade objetiva do crime negligente exige a verificação dos seguintes requisitos: a) A existência de um dever objetivo de cuidado; b) Uma ação ou omissão objetivamente violadora daquele dever; c) Um resultado típico; d) A imputação objetiva do resultado ao agente, por sua vez, exige que a ação ou omissão violadora do dever objetivo de cuidado seja adequada à produção do resultado, que o resultado pudesse ser evitável pela conduta adequada à observância do dever objetivo de cuidado e, ainda que o resultado caia no âmbito de proteção da norma. Para se verificar o tipo de culpa inerente à negligência é necessário que se verifiquem três elementos: 1) A possibilidade de prever o perigo de realização do tipo; 2) A actuação que não observe o cuidado objetivamente requerido; 3) A produção do resultado típico. É, assim, necessário que o agente tenha omitido um dever de cuidado, que se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em si previsível. Quanto á previsibilidade, sabemos que ela existe quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, podia ter, tendo em conta as circunstâncias em que o evento se produziu, representado como possível o resultado ocorrido. Assim sendo, em sede do tipo de culpa a negligência pressupõe-se para que haja culpa no resultado, o não uso da diligência devida, segundo as circunstâncias em concreto, para evitar o resultado. O facto de o recorrente ter prosseguido a sua marcha meio por cima das ... ainda que na direção que seguia e por cima da sua faixa de rodagem atento o seu sentido de marcha, terá sido determinante da morte do condutor da ..., em conjugação com a condução desatenta e desrespeitosa da vítima, que circulava na faixa de sentido contrário ao seu sentido de marcha, esquecendo todas as marcações na estrada como o traço continuo e restante sinalética existente no local? Se o recorrente depois de virar á direita para tomar a via que o conduziria até ao seu destino em vez de passar por cima das ..., tivesse apanhado na totalidade a sua faixa de rodagem, não teria embatido de frente com a vítima? Mesmo que o tivesse feito e continuasse o seu trajeto meio por cima das ... meio por cima da sua faixa de rodagem, o seu comportamento teria sido causal do acidente? É certo que chovia torrencialmente, é certo que foi dado como provado que estava vento forte, não se tendo dado como provado a existência de nevoeiro, mas, será que se o arguido não violasse as normas estradais que atrás descrevemos, o acidente, com o resultado típico morte, não teria acontecido, porque a não omissão da acção do arguido teria evitado o mesmo? Ou será que, se a vítima nunca tivesse pelo menos violado uma única norma estradal das várias que violou, o resultado morte teria sido evitado? Isto é, era previsível, ou deveria sê-lo, para um condutor prudente, que o facto da viatura que tripulava circular pela zona das ..., à direita da sua faixa de rodagem, e no seu sentido de marcha entre os 40 e os 50 Km por hora onde já eram permitidos os 90K/ hora, determinaria que uma viatura, circulando em sentido contrário, saindo da sua faixa de rodagem, e pisando uma linha longitudinal que separava ambos os sentidos de marcha, vulgo traço contínuo, lhe fosse embater de frente? É verdade que temos desde logo a tentação de pensar que há uma concorrência de culpas entre as condutas verificadas porque houve o cometimento de uma contraordenação por parte do condutor do veículo mas, na verdade e observando o local, tendo em conta o trajeto da vitima que tripulava a mota, sentimos que a mera circunstância de o arguido ter praticado uma contraordenação não determina nem a violação do princípio da confiança, nem a existência de causalidade adequada. Porquê? Porque o princípio da confiança no domínio da circulação rodoviária, determina que o condutor de um veículo (instrumento particularmente apto à causação de perigo e de resultados danosos) está obrigado a prever, até onde seja humanamente possível, o deficiente comportamento dos demais utentes da via pública. E, quer queiramos quer não, a invasão da via de circulação contrária, o desrespeito pelo traço contínuo, e a circulação pela zona de ... (que corresponde à circulação pela berma contrária ao sentido de marcha do motociclo), não é um comportamento humanamente previsível ex ante mas, antes, um evento extraordinário, cuja previsibilidade não é humanamente exigível e não é previsível. Assim, em termos de nexo de adequação (em que, como diz o tribunal “a quo”, o juiz tem de aferir, segundo um juízo ex ante e não ex post; segundo um juízo de prognose póstuma, deslocando-se mentalmente para o passado, para o momento em que foi praticada a conduta e ponderar, enquanto observador objetivo, se, dadas as regras da experiência e o normal acontecer dos factos, a ação praticada teria como consequência a produção do evento), a verdade é que, repensando e observando bem um trajeto e outro, embora nos choque o pisar das ... pelo arguido, o que é certo é que este seguia no seu sentido de marcha e dentro da sua faixa de rodagem ainda que não totalmente , em noite de temporal, em marcha lenta ou pelo menos nunca superior a 40/50km/hora e é surpreendido por um embate que lhe deixou o veículo conforme resulta das fotografias juntas aos autos e provocou a morte do condutor do motociclo. O embate foi de tal forma um factor surpresa que, colocando as duas viaturas nos trajetos que efetuavam naquela fatídica noite, não se configura como tal previsibilidade poderia existir ou era humanamente exigível. Não era exigível que ao condutor do veículo automóvel, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, na marcha que efetuava, lhe surgisse pela frente e de frente uma ..., a velocidade não apurada (mas que provocou os danos que resultam das imagens recolhidas), circulando na faixa contrária ao seu sentido de marcha, passando um traço contínuo e traçando uma linha recta entre a via onde circulava e aquela onde mais à frente teria de entrar, sem respeitar o traço contínuo ou as .... Não era exigível ao arguido ora recorrente prever que, circulando numa zona situada à direita da sua faixa de rodagem, marcada por ... (que servem para delimitar a entrada no entroncamento com a ..., designadamente a zona de stop), passaria a circular em tal zona, em sentido contrário, uma outra viatura. Essa infeliz invasão de zona de traços oblíquos, por parte de um veículo que circulava em sentido contrário ao do arguido, desrespeitando um traço contínuo, corresponde a uma ocorrência extraordinária, imprevisível, improvável e anormal, o que afasta o nexo de adequação entre a atividade contraordenacional do arguido (que obviamente existe) e a produção do evento. Como se disse, não basta constatar-se que a atividade de um dos agentes integra um comportamento violador das regras de circulação estradal, para se concluir que essa actuação preenche os elementos do ilícito que lhe vem imputado, pois necessário se mostra que a mesma seja causal ao acidente efetivamente ocorrido. E, no caso, tal não sucede. Entendemos, assim, que a conduta do arguido, ao conduzir àquela velocidade naquelas circunstâncias de tempo e lugar, não pode ter contribuído de forma determinante para o evento faltando-nos o nexo de causalidade adequada por não lhe ser previsível que alguém, circulando em sentido contrário cortaria a estrada a direito, passando um traço contínuo e a zona das ..., atalhando caminho certamente, mas cometendo uma série de contraordenações estradais e provocando a sua própria morte. Na verdade, o nexo causal estabelece-se sim, com toda a conduta da vítima. Não se trata de distração ou leviandade pois que, não era sequer previsível que o condutor que circulasse em sentido contrário quebrasse todas as regras de circulação na sua faixa e no seu sentido. A conduta do arguido não é culposa embora tenha cometido uma contraordenação a de circular parcialmente por cima das linhas oblíquas. Actuou, por isso, sem culpa quanto ao resultado morte não lhe podendo ser imputado o crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado e não havendo, pois, nenhuma responsabilidade da sua parte no acidente de que resultou a morte do condutor do motociclo. A teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano. Ou seja, uma dada condição deixará de ser causa (adequada) do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou aparentemente condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias e anómalas, sendo, portanto, inadequada para a existência desse dano. A circulação parcial, e já no final, do recorrente por cima das raias oblíquas não determina necessariamente o resultado morte, não é sequer adequada a determiná-lo. É sim a linha reta que a vítima traça ao seu trajeto quando, como diz o tribunal a quo, 64. O condutor do veículo ...-TR-... invadiu a hemi-faixa reservada ao trânsito de sentido contrário àquele em que circulava. 65. O condutor do veículo ...-TR-... desrespeitou a linha longitudinal contínua existente no local e que separa as duas hemi-faixas. 66. O condutor do veículo ...-TR-... não era possuidor de habilitação legal para conduzir veículos, nomeadamente o veículo ...-TR-.... A responsabilidade é única e exclusiva da vítima. Assim sendo, tendo em conta que não existe qualquer facto criminoso resultante da conduta do arguido não podendo estabelecer o nexo de causalidade entre a sua conduta e a morte, há que afastar a responsabilidade civil do mesmo. E, sendo de atribuir o acidente exclusivamente à actuação culposa da vítima, sublinhando-se que não concorre para a respetiva eclosão, em termos de causalidade adequada, o risco inerente à circulação do veículo envolvido no acidente, na medida em que a potencialidade de perigo que envolve a sua circulação foi estranha ao acidente, excluída está também qualquer responsabilidade pelo risco. Na verdade, se o acidente que determinou a morte ficou a dever-se a culpa do condutor da ... no momento do acidente, sendo-lhe, assim, imputável a verificação do dano morte, conclui-se que este dano, não era suscetível de originar uma obrigação de indemnizar na medida em que era resultante de atividade do próprio e violadora do seu direito – artº. 483° e 570°, n.º 2 CC. Daí que, inexistindo a obrigação de indemnizar, o dano morte por este não resultar da violação ilícita de um direito de outrem, princípio este transversal a todo o regime da responsabilidade civil extracontratual por actos ilícitos, soçobrando qualquer obrigação de indemnizar decorrente desse facto originário morte, na medida em que ela resulta de conduta culposa e lesiva do direito à vida do próprio lesado, que a si mesmo se lesiona, a indemnização prevista no art. 496° CC, por danos não patrimoniais dos seus familiares, por maior que tenha sido o se padecimento, que muito se respeita e lamenta, independentemente de poder ser considerado dano próprio ou não, não deixa de ser um dano indireto que exige a verificação de indemnizar por outrem que não a si mesma pela própria vítima. No caso de morte do condutor de veículo em acidente de viação causado por culpa exclusiva do mesmo, as pessoas referidas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil não têm direito, no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a qualquer compensação por danos não patrimoniais decorrentes daquela morte. Entende, pois, o Tribunal de recurso que existe erro notório na apreciação da prova uma vez que da matéria de facto dada como provada resulta claramente a culpa exclusiva do condutor da .... Os factos dados como provados quanto á sua conduta naquela noite contrariam a divisão de culpas com o arguido apesar deste ter cometido uma contraordenação. Contraordenação essa que não é causal do acidente e do violento resultado. A utilização que foi dada à prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, neste caso a concorrência de culpas não foi a correta face às regras da experiência comum, a circulação dada como provada pelo tribunal, quer de um condutor como do outro, levaria a outra decisão e não á que o tribunal a quo chegou. Entende ainda o tribunal de recurso que o arguido não violou o estatuído nos artigos artigo 24.°, n.º 1 e 3, 25.°, n.º 1, alíneas h) e j) e quanto aos artigos 64.° e 65.° do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, alterado pelos Decretos Regulamentares n.ºs 41/2002, de 20 de agosto, e 13/2003, de 26 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, e pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2011, de 3 de março (e actualmente revisto e atualizado através da publicação do Decreto Regulamentar n.º 6/2019, de 22.10, e rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 60-A/2019, de 20.12) verificamos que na verdade circulava em parte e no final das mesmas, por sobre as ... traçadas no pavimento - ... e ... - raias oblíquas delimitadas por uma linha contínua: significam proibição de entrar na área por elas abrangida; (...) Relativamente as contraordenações verificamos que o arguido não circulava em excesso de velocidade. Circulava sim, na altura do embate por cima dos traços oblíquos que significam proibição de estacionar e de entrar na área por elas abrangida, a não ser para a realização de manobras que manifestamente não apresentem perigo. Da prova produzida nada nos indica que tenha pisado as linhas oblíquas numa manobra de fuga ao motociclo ao que acresce que da acusação nada resulta quanto ao cometimento desta possível contraordenação. Relativamente aos pedidos cíveis formulados Nos termos do disposto no artigo 71.° do Código de Processo Penal, o pedido cível deduzido no âmbito de um processo penal funda-se na prática de um crime, pelo que a sua causa de pedir será unicamente o facto criminoso atribuindo-se a indemnização pelos danos que tiveram a sua causa adequada naquele facto, regulando a mesma a lei civil. A responsabilidade pelos danos causados a terceiros na decorrência da circulação do veículo conduzido pelo arguido encontrava-se transferida para a demandada por força de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, sendo sobre esta que cairia a obrigação de indemnizar se não se tivesse provado a culpa exclusiva da vítima. Ora, como já concluímos, e ao abrigo do disposto no Artigo 402.º nº1 e nº 2 b), do C.P.P, o recurso abrange toda a decisão e aproveita ao responsável civil, pelo que, a demandada Companhia de Seguros terá necessariamente de ser absolvida dos pedidos contra si formulados. Assim, entende-se ser de absolver o recorrente nos termos pretendidos no seu recurso e absolver a Companhia de Seguros dos pedidos contra si formulados. Nada mais havendo a acrescentar Concede-se provimento ao recurso interposto, revoga-se a decisão recorrida absolvendo-se o recorrente do crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado. Consequentemente vai a demandada cível absolvida da condenação no pedido de indemnização cível.
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2. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; Ac. STJ de 09-10-2019, Proc. n.º 3145/17.4JAPRT.S1, Relator Cons. Raul Borges e de 11-09-2019, Proc. n.º 96/18.9GELLE.E1.S1, Relator Cons. Raúl Borges). * Antes de mais, e para melhor compreensão da pretensão dos recorrentes, importa assinalar que na 1ª instância, o arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 13.°, 15º, alínea a) e 137.°, n.º 1, todos do Código Penal (CP), com referência aos artigos 24.°, n.ºs 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, e 27.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.°, todos do Código da Estrada, e com a pena acessória prevista no artigo 69.°, n,° 1, al. a), do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 50.° do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, por se ter entendido que ambos os intervenientes no acidente de viação incorreram na violação de regras estradas (o arguido) e criminal e estradais (a vítima) e ambos violaram o dever de cuidado, interno e externo, a que cada um estava obrigado, pelo que ambos tiveram a sua quota de responsabilidade na eclosão do acidente, decidindo a 1ª instância, em termos de graduação como factores determinantes do evento e resultado morte, que a conduta do arguido, ao conduzir àquela velocidade naquelas circunstâncias de tempo e lugar naquele concreto lugar, contribui de forma determinante (em pelo menos 50%) para o evento (nexo de causalidade adequada). Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB e CC contra a demandada Seguradoras Unidas, S.A., o Tribunal decidiu julgá-lo parcialmente procedente e, em consequência, condenou esta a pagar a quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a BB e CC, na qualidade de herdeiros da vítima DD, pela lesão do direito à vida de DD, a quantia de quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a cada um, BB e CC, pelo desgosto que cada um dos demandantes sofreu pela morte de DD, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados da prolação da decisão até efectivo e integral pagamento. Na sequência da condenação, a demandada Seguradoras Unidas SA., comunicou ao mandatário dos demandantes, em 11 de Novembro de 2020, através de e-mail, que: «No seguimento da decisão judicial nos autos em assunto (Proc. 159/18...) remetemos em anexo os recibos de indemnização: - Nº ..., €26.419,73 BB - ..., €26.419,73 CC», tendo os demandantes cíveis, BB e CC, assinado os recibos de pagamento dessas quantias e respectivos juros de mora que efectivamente receberam. Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal da ..., Juízo local Criminal da ..., o arguido AA, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por douto Acórdão concedeu provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e absolvendo o recorrente do crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado e, consequentemente, absolvendo a demandada cível da condenação no pedido de indemnização cível. * No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, alegam os recorrentes, como questão prévia, que o TRL fez no caso concreto, embora induzida pelo comportamento da seguradora, errada aplicação do artigo 402º, nº 1 e nº 2 b) do CPP, violando o princípio da verdade material, cabendo nos poderes de cognição deste S.T.J, porque de questão de direito se trata, conhecer neste recurso dessa decisão revogando-a e substituindo-a por outra que dê sem efeito qualquer efeito em relação à seguradora da decisão que a absolveu do pedido de indemnização, ou assim não se entendendo, considerar ter-se verificado, com as legais consequências, inutilidade superveniente da lide no que se refere ao pedido cível (Conclusão I, 1ª). Mais alegam os recorrentes que, ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só pode ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º), o que não foi o caso e, por si só, inquina toda a decisão da Relação que deve ser revogada (Conclusão II, 2ª a 13ª) e, sem prescindir, pretendem os recorrentes demonstrar que o TRL descreve uma dinâmica do acidente e desenvolve um raciocínio que nada tem a ver com a factualidade apurada, por entenderem, tal como foi decidido na 1ª instância, que a conduta do arguido, ao conduzir àquela velocidade naquelas circunstâncias de tempo e lugar naquele concreto lugar, contribui de forma determinante (em pelo menos 50%) para o evento (nexo de causalidade adequada), não existindo qualquer desvio no processo causal iniciado pelo arguido, o qual se revelou adequado e eficaz a produzir o resultado típico, porquanto o arguido violou os deveres de cuidado que sobre si impendiam, violou regras estradais quando podia e devia tê- las observado, e a violação dessas normas constituiu-se como causa necessária e directa do resultado, quando a sua observância, por si só, o teria evitado, actuando, por isso, com culpa, embora sob a forma de negligência inconsciente, nos termos do artigo 15°, n°1, b), Código Penal, considerando os recorrentes que a decisão recorrida, padece de insuficiência da matéria de facto provada e erro notório da apreciação dessa prova, estando assim nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça o qual deve revogar, in totum, a decisão ora recorrida (artigo 434º do CPP, sem prejuízo do disposto nºs nº2 e 3 do seu artigo 410º) - (conclusões VI, 53ª a 64ª). * Assim sendo, a pretensão dos recorrentes está relacionada com:
- Erro de julgamento da matéria de facto, com alegação insuficiência da matéria de facto provada e erro notório da apreciação dessa prova; - Alegado erro de aplicação do artigo 402º, nº 1 e nº 2 b) do CPP, por violação do princípio da verdade material, quanto à decisão que a absolveu a seguradora do pedido de indemnização, considerando-se verificada a inutilidade superveniente da lide no que se refere ao pedido cível. * 3. Questão prévia da inadmissibilidade do recurso.
No presente processo, AA, foi julgado e condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 13.°, 15º, alínea a) e 137.°, n ° 1, todos do Código Penal (CP), com referência aos artigos 24.°, nºs 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, e 27.°, nºs 1 e 2, alínea a), 2º, todos do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do artigo 50° do Código Penal, e na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Lisboa, que concedeu provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida, absolvendo o recorrente do crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado e, consequentemente, absolvendo a demandada cível da condenação no pedido de indemnização cível. BB e CC, assistentes e demandantes civis, notificados do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por não se conformarem com o mesmo, recorreram para este Supremo Tribunal. * Perante a absolvição pelo Tribunal da Relação do arguido, condenado em 1.ª instância na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, cumpre determinar se aquela decisão é recorrível, passando-se a conhecer da questão prévia da rejeição do recurso, por inadmissibilidade, suscitada pelo Ex. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal.
Diga-se, desde já, que lhe assiste toda a razão.
A recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões penais está prevista, específica e autonomamente, no artigo 432.º do CPP. De uma forma directa, nas alíneas a), c) e d) do n.º 1; e de um modo indirecto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do artigo 400.º, nº 1 e respectivas alíneas, do mesmo Código. De acordo com o disposto no n.º 1, alínea b), do artigo 432.º do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça «b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º»; E, nos termos do n.º 1 do artigo 400.º do CPP: «1. Não é admissível recurso: d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, excepto no caso da decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos.» É o caso dos autos. A pena de prisão fixada em 1.ª instância não foi superior a 5 anos de prisão, pelo que a decisão de absolvição proferida pelo tribunal da Relação é, assim, por expressa prescrição legal, irrecorrível (neste sentido, cfr. Acórdão do STJ de 07/03/2018, proc. 251/15.3GDCTX.L2.S1, 5ª Secção, de 21-09-2016, proferido no processo n.º 7/08.0GBCTB.C1.S1 – 3.ª Secção e acórdão de 22-11-2017, proferido no processo n.º 2175/11.4TDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção, todos relatados pelo Cons. Manuel Augusto de Matos). Perante o exposto, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea d), ambos do CPP, não é admissível o recurso interposto pelos assistentes, pelo que é rejeitado por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto nos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
* 4. Quanto ao pedido de indemnização – com a pretensão dos recorrentes que a mesma não produza efeitos em relação à seguradora da decisão que a absolveu do pedido de indemnização, por errada aplicação do artigo 402º, nº 1 e nº 2 b) do CPP.
4.1. Alegam os recorrentes que, em sede de primeira instância os demandantes civis, formularam pedido cível em que foi demandada a Seguradoras Unidas SA. Tal pedido foi julgado parcialmente procedente e a seguradora demandada condenada a pagar: «- A quantia de € 37.500.00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a BB e CC, na qualidade de herdeiros da vítima DD, pelo direito à vida de DD - A quantia de € 7.500.00 (sete mil e quinhentos euros a cada um), BB e CC, pelo desgosto que cada um dos demandantes sofreu pela morte DD, - Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados da prolação da presente decisão até efectivo e integral pagamento». Ora, a Seguradora Unidas SA, demandada, condenada em primeira instância, conformou-se com a referida decisão condenatória, tanto assim que comunicou ao mandatário dos demandantes, em 11 de Novembro de 2020, através de e-mail, que: «No seguimento da decisão judicial nos autos em assunto (Proc. 159/18...) remetemos em anexo os recibos de indemnização: - Nº ..., €26.419,73 BB - ..., €26.419,73 CC» (doc. 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido). Os demandantes cíveis, BB e CC, assinaram os recibos de pagamento dessas quantias e respectivos juros de mora que efectivamente receberam. (sendo que em cada um desses recibos se refere expressamente “O TITULAR ACEITA RECEBER A QUANTIA ACIMA INDICADA COMO INDEMIZAÇÃO FIXADA DA DECISÃO JUDICIAL PROFEREIDA NO PROCESSO SUPRA IDENTIFICADO. COM O RECBIMENTO DAQUELA QUANTIA; CONSIDERA-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS INTEGRALMENTE INDEMNIZADA DE TODOS OS DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS PASADOS, PRESENTES E FUTUROS EMERGENTES DO SINISTRO EM REFERÊNCIA». Mais alegam que, com este pagamento e aceitação do mesmo ficou entre as partes de boa-fé e em obediência ao princípio da lealdade definitivamente assente a demanda cível. Assim, entendem os recorrentes, que o TRL fez no caso concreto, embora induzida pelo comportamento da seguradora, errada aplicação do artigo 402º, nº 1 e nº 2 b) do CPP, violando o princípio da verdade material, cabendo nos poderes de cognição desteTribunal, porque de questão de direito se trata, conhecer neste recurso dessa decisão revogando-a e substituindo-a por outra que: 1) Dê sem efeito qualquer efeito em relação à seguradora a decisão que a absolveu do pedido de indemnização; ou assim não se entendendo; 2) Considere ter-se verificado, com as legais consequências, inutilidade superveniente da lide no que se refere ao pedido cível.
Analisando:
4.2. O arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 13.°, 15º, alínea a) e 137.°, n.º 1, todos do Código Penal (CP), com referência aos artigos 24.°, n.ºs 1 e 3, 25.°, n.°1, alíneas c), h), e j) e n.°2, e 27.°, n.ºs 1 e 2, alínea a), 2.°, todos do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB e CC contra a demandada Seguradoras Unidas, S.A., o Tribunal decidiu julgá-lo parcialmente procedente e, em consequência, condenou esta a pagar a quantia de € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a BB e CC, na qualidade de herdeiros da vítima DD, pela lesão do direito à vida de DD, a quantia de quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a cada um, BB e CC, pelo desgosto que cada um dos demandantes sofreu pela morte de DD. Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal da Comarca..., Juízo local Criminal da ..., o arguido AA, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e absolvendo o recorrente do crime de homicídio por negligência pelo qual foi condenado e, consequentemente, absolvendo a demandada cível, Generali Seguros, S.A. (visto que em 02 de outubro de 2020, a Seguradoras Unidas, S.A. foi redenominada como Generali Seguros, S.A.), da condenação no pedido de indemnização cível. * 4.3. Estabelece o artigo 377.º do C.P.P: «1- A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º».
O Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/99 (D.R. n.º 179, Série I-A de 1999-08-03) decidiu que se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual. De acordo com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artigo 71.º do C.P.P.). A nossa lei processual penal instituiu um sistema de adesão, do pedido cível à ação penal, nos termos do qual o pedido de indemnização cível que se funde na prática de um crime tem que ser deduzido no processo penal (art. 71º do CPP). O pedido em separado, que é exceção, só pode ser feito nos casos previstos no art. 72º do CPP. Assim se pretenderam alcançar vantagens manifestas, ao nível da economia de meios, bem como do próprio “prestígio institucional” (a expressão é do Acórdão do STJ de 5/11/2008 Pº 2874/08 3ª Secção), para se evitarem julgados contraditórios Portanto, a causa de pedir que sustenta o pedido cível tem que partir dos mesmos factos que integram a prática de um crime, dos factos que são causa da responsabilidade criminal, e é nesta realidade que se fundamenta o princípio da adesão. Antes da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29 de agosto, que alterou o art. 400º do CPP, era entendido, por força do acórdão de fixação de jurisprudência 1/2002 de 11 de março (D R, 1ª Série, A, de 21/5/2002), ser irrecorrível a decisão, relativamente ao pedido de indemnização cível, se fosse irrecorrível a decisão penal. O nº 3 do art. 400º do CPP, acrescentado por aquela lei, em nome da igualdade entre todos os recorrentes, quer se socorram do processo penal quer do processo civil, veio estipular que “Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”. Estava então introduzida uma quebra no princípio da adesão. Assim, a causa de pedir na acção cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual (pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual) e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa. Porém, tal não significa que, no caso de absolvição penal, não possa ocorrer condenação no processo com base em responsabilidade pelo risco – que não deixa de ser responsabilidade extracontratual (que abrange a responsabilidade civil por factos ilícitos e a responsabilidade pelo risco). Daqui resulta que, absolvido o arguido em crime por acidente de viação, a condenação em indemnização civil por responsabilidade pelo risco não está vedada, pois o que se afasta e exclui naquela Jurisprudência do S.T. é apenas a responsabilidade civil contratual. E, nessa ordem de considerações e de hipóteses extintivas da acção penal, se aceita, associadamente a uma razão de justiça e de economia processual, que, em caso de absolvição, o tribunal, no enxerto cível deduzido, possa conhecer da responsabilidade civil por facto ilícito extracontratual ou pelo risco – art. 377.º, n.º 1, do CPP (como se decidiu no Ac. do STJ, de 17-04-2002, in CJSTJ, XI, T II, pág. 171). Conclui-se, assim, que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem sempre de ser fundamentado na prática de um crime. Se o arguido for absolvido desse crime, o pedido cível formulado só poderá ser considerado se existir ilícito civil ou responsabilidade fundada no risco (responsabilidade extracontratual). In casu, o acórdão recorrido tendo em conta que não existiu qualquer facto criminoso resultante da conduta do arguido não podendo estabelecer-se o nexo de causalidade entre a sua conduta e a morte, afastou a responsabilidade civil do mesmo. Porém, refletiu e ponderou a existência de ilícito civil ou de responsabilidade fundada no risco, tendo concluído pela sua inexistência: “ E, sendo de atribuir o acidente exclusivamente à actuação culposa da vítima, sublinhando-se que não concorre para a respetiva eclosão, em termos de causalidade adequada, o risco inerente à circulação do veículo envolvido no acidente, na medida em que a potencialidade de perigo que envolve a sua circulação foi estranha ao acidente, excluída está também qualquer responsabilidade pelo risco.” Nos termos do artigo 402º nº2 b) do Código de Processo Penal: “Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto: Pelo arguido, aproveita ao responsável civil;” Assim, a absolvição do réu (segurado) implica necessariamente que a seguradora não tenha nenhuma responsabilidade e, consequentemente, nada a pagar aos demandantes. Ao absolver o arguido, o Tribunal da Relação de Lisboa tinha necessariamente de absolver a demandada cível, sob pena de estarmos perante uma notória e errada aplicação do Direito. Ora, dispõe o artigo 71º do Código de Processo Penal que “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.” Assim, a causa de pedir é constituída pelos factos constitutivos da prática de um crime. Deste modo, e chegando o Tribunal da Relação de Lisboa à conclusão que dos factos provados resulta claramente a culpa exclusiva do condutor do motociclo, não poderia ter decido de maneira diferente do que pela absolvição do arguido e, consequentemente, pela absolvição da demandada cível. Foi reapreciada a culpabilidade do arguido no cometimento do facto ilícito, tendo sido revista e desaplicada a sanção fixada pelo Tribunal de 1ª Instância, decidindo-se pela absolvição do arguido e, consequentemente, pela absolvição da demandada cível, conforme o disposto no artigo 402º nº2 b) do Código de Processo Penal. Para efeitos de aplicação do contrato de seguro de responsabilidade civil, releva o sinistro ser resultado do risco coberto e que o evento danoso seja de imputar ao condutor. Ao concluir-se pela culpa exclusiva do outro condutor - o do motociclo -, tem necessariamente a demandada cível ser absolvida. A razão subjacente à condenação da demandada cível deixou de existir, tendo em conta a decisão da Relação de Lisboa. Ao deixarem de existir os pressupostos que estão na base da existência de responsabilidade do arguido e da demandada, não poderia o Tribunal da Relação de Lisboa decidir de forma diferente. Por isso, não tem qualquer suporte legal, a argumentação dos recorrentes/demandantes, no sentido de que se desconsidere em relação à seguradora o efeito da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, Relativamente ao facto de a indemnização já ter sido liquidada, esta circunstância em nada contende com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e com a sua aplicação à demandada. Como esclareceu a seguradora Generali Seguros, S.A., o pagamento da indemnização já teve lugar, uma vez que a demora no pagamento leva ao aumento dos juros de mora. Quis-se evitar este aumento, não tendo existido qualquer acordo quanto ao pagamento da indemnização. O que existiu foi uma sentença que não tem efeito suspensivo para a demandada, salientando que «O efeito devolutivo garante ao demandante a possibilidade de executar a sentença, sabendo a demandada que esta indemnização não seria definitiva, caso o recurso fosse considerado procedente, mas não perdendo o direito ao seu reembolso. Não se formou caso julgado, pois a vertente penal está diretamente relacionada com a vertente civil. Deste modo, a parte cível pode ser chamada à colação como bem fez o Tribunal a quo, sob pena de ocorrer uma contradição insanável, como seria a de haver factos definitivamente determinados para a parte cível e que não podiam ser modificados e factos diferentes para a parte criminal que já não sustenta a condenação na parte cível. Além disso, não está em causa a violação do caso julgado, pois com o recurso do arguido a “estrutura” que sustentava o pedido de indemnização cível ruiu, não tivesse o Tribunal da Relação de Lisboa absolvido o arguido e a demandada». Concedendo provimento à pretensão dos recorrentes/demandantes estar-se-ia perante uma incongruência manifesta, pois, revertida pelo Tribunal da Relação a decisão sobre a matéria de facto levada em 1.ª instância (estabelecendo a culpa da vítima e não do condutor na produção e sequelas do acidente, tal seja sedimentando a culpabilidade da vítima, que não do arguido, na prática dos factos delitivos), o pedido indemnizatório dos assistentes (legítimos herdeiros da vítima) não podia senão ser julgado improcedente, com a consequente absolvição da seguradora para a qual o arguido havia transferido a respectiva responsabilidade - como acima se referiu. Assim sendo, também nesta parte, improcede o recurso dos recorrentes/demandantes.
* III. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: a) Rejeitar o recurso nos termos expostos em supra 3. b) Julgar, no mais, improcedente os recursos dos assistentes/recorrentes BB e CC. b) Condenar cada um dos recorrentes nas custas, com a taxa de justiça em 4 (quaro) unidades de conta.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2021
Cid Geraldo (relator)
Helena Moniz (adjunta)
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