Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | JOSÉ MESQUITA | ||
Descritores: | CATEGORIA PROFISSIONAL EXERCÍCIO DE FUNÇÕES ALTERAÇÃO RETRIBUIÇÃO IRREDUTIBILIDADE ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO SUBSÍDIO | ||
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Nº do Documento: | SJ200106280016724 | ||
Data do Acordão: | 06/28/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2751/99 | ||
Data: | 10/13/1999 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - A entidade patronal detém o poder determinativo das funções a desempenhar pelo trabalhador, ou se compreende no seu poder directivo. II - A cessação do regime de isenção de horário de trabalho implica a perda do respectivo subsídio, sem que tal corresponda à violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. AA, com os sinais dos autos, propôs a presente acção com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho, contra: Empresa-A – SERVIÇOS E TECNOLOGIA DE SEGURANÇA , S.A. – Também nos autos devidamente identificada, alegando o que consta da sua petição inicial e pedindo: - a declaração de nulidade da nota de culpa e de todos os actos do processo disciplinar posteriores à mesma, abrangendo a sanção aplicada e o seu registo no cadastro disciplinar; e - a condenação da Ré: - a colocar o A. na situação funcional e remuneratória em que ele se encontrava antes de ser punido, no serviço de tratamento de valores; e - a pagar-lhe: - a remuneração correspondente aos 12 dias de suspensão em que o condenou; - as diferenças de retribuição que deixaram de pagar até à efectiva reintegração, estimados em cerca de 280.102$00; e - a importância de 1.800.000$00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Contestou a Ré pedindo a sua absolvição do pedido. Foi proferido despacho saneador, com elaboração da especificação e do questionário. Requerido o exame pericial à escrita da Ré, foi indeferido e desse despacho agravou o A., assim como do despacho que adicionou novos quesitos. 2. – Realizado o julgamento, veio a ser proferida a douta sentença de fls. 293 e segs., que: - declarou nula a nota de culpa formulada contra o A. e, por via disso, nulo o processo disciplinar, incluindo a sanção aplicada; e - condenar a Ré a pagar ao A.! - os 12 dias de suspensão; - as diferenças de retribuições que deixou de lhe pagar, cujo cálculo, por falta de elementos, designadamente em matéria de actualização salarial, terá de ser relegado para liquidação em execução de sentença ( art. 661.º), vezes o factor 10- v. pág. 217 -; - a quantia de 200.000$00, a título de indemnização por danos emergentes da mudança ilícita de punições; - absolvendo-a do mais pedido. 3. – Desta sentença apelaram a Ré e o A. , este subordinadamente, tendo a Relação de Lisboa, por douto acórdão de fls. 358 e segs. , concedido parcial provimento ao recurso da Ré, revogando a sentença na parte em que condenou na quantia de 200.000$00, a título de indemnização por danos emergentes da ilícita mudança de funções, mantendo tudo o mais decidido, quer quanto á declaração de nulidade, quer quanto à restante condenação, quer ainda quanto à parte absolutória. II.- 1. É deste aresto que vem a presente revista, interposta pela Ré, que, afinal das suas doutas alegações, formula as seguintes CONCLUSÕES: 1.ª – O recorrido trabalha sob a autoridade e direcção da Ré com a categoria de vigilante, para a qual foi contratado; 2.ª – Em 1995, no exercício das suas funções de vigilante, esteve afecto ao Tratamento de Valores; 3.ª – O recorrido deixou de prestar serviço de vigilância na Sala de Tratamento de Valores em 13.11.1995, tendo nesta data sido colocado em funções de vigilante, na Central de Controlo, afecto ao Piquete; 4.ª – A retribuição global do A. decompôs-se no mês de Outubro de 1995, em retribuição base e várias atribuições pecuniárias: subsídio por isenção de horário de trabalho, subsídio de trabalho nocturno, trabalho prestado em dias de descanso semanal ( prémio de máquina), subsídio de risco ou eventual, prémio STV e de Kms, relacionados com o tratamento/transporte de valores: 5.ª – A isenção de horário de trabalho cessou em Novembro de 1995; 6.ª – O risco e especial responsabilidade que justificavam a “ gratificação eventual, o prémio STV e Kms também cessaram com a deslocação para a Central de Controlo: 7.ª – Quando o recorrido presta trabalhos em dias de descanso semanal e trabalho nocturno a Ré continua a pagar-lhes e agora paga-lhe o trabalho suplementar prestado em dias úteis. 8.ª - Carece, pois, de fundamento legal : - a obrigação de continuar a pagar as atribuições pecuniárias convencionadas na Conclusão 4.ª, em especial o trabalho prestado em dias de descanso semanal e a condenação nas “diferenças salariais” vezes o factor dez – 10 anos prováveis no tratamento de valores- ; 9.ª – Foi violado o art. 86º e fez-se errada interpretação do art. 21º, c) ambos da LCT e do art. 4.º do C.Civil. Pede a revogação do acórdão nessa parte. 2. – Contra-alegou o A. sustentando a confirmação do julgado. 3. – A Ex.ma Procuradora Geral Adjunta pronuncia-se no sentido da parcial concessão da revista por não dever subsistir a condenação da Ré nas “ diferenças salariais” vezes o factor dez, atenta a rotatividade dos postos de trabalho. III. – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Vem fixada pelas instâncias a seguinte MATÉRIA DE FACTO: 1) O A. é empregado da R. com a categoria de vigilante, desde a data da admissão. 2) Em 13 de Novembro de 1995, pela carta D.F. – P.D. / 167/95, de 10 desse mês, entregue em mão, o A. ficou a saber que lhe havia sido movido um processo disciplinar. 3) Foi notificado da nota de culpa que acompanhava essa carta. 4) Foi advertido de que nessa nota de culpa se descrevem factos que pela sua gravidade constituem “ justa causa de despedimento”. 5) O A. foi informado de que lhe concediam 5 dias para apresentar a sua resposta escrita, bem como “ solicitar as diligências que repute pertinentes ao esclarecimento da verdade”. 6) A R. aplicou ao A. uma sanção disciplinar de 12 dias de suspensão, retirou-lhe as funções no âmbito do tratamento de valores e, passou-lhe a pagar retribuição que no mês de Dezembro de 1995 ascendeu a 168.912$00, sendo certo que, em Outubro do mesmo ano, se cifrou em 272.702$00. 7) O A. até instauração do referido processo disciplinar e desde há muitos anos, trabalhava na sala de tratamento de valores e no serviço de tratamento de valores. 8) A equipa do A. tinha de retirar dos sacos os valores que lhe eram entregues à entrada do seu turno e no decorrer dele, de verificá-los, contá-los, reagrupá-los em maços, registá-los e reensacá-los e listar esses valores que, depois de assim tratados, ficavam aptos para seguirem para os clientes. 9) A mesma equipa estava a trabalhar em turnos que ora começavam às 15, ora às 23 horas que, em vez de terminarem às 23 e às 7 horas, respectivamente, prolongavam-se, ininterruptamente, até que o trabalho acabasse. 10) O pessoal do turno que entrava às 15 horas folgava aos sábados e domingos; mas o pessoal do turno das 23 só folgava sábados e domingos depois de 19 dias seguidos sem os gozar. 11) Era frequente juntarem-se na sala de tratamento de valores os dois turnos; o turno que começava às 15, e o turno das 23 horas. 12) O A., assim como os seus colegas de turno, foram transferidos do tratamento de valores e foram colocados em Vigilância Estática, em momento posterior ao processo disciplinar de que foi alvo. 13) O A. como os seus colegas de turno, deixaram de receber: a) o prémio de isenção de horário, no montante de 21.813$00; b) o prémio de quilómetros, no montante que nunca foi igual para todos, e que para cada variava mensalmente. c) a gratificação eventual no montante de cerca de 30.000$00; d) o prémio do STV de 9.000$00, tudo somado mais de 84.171$00. 14) Os doze dias de suspensão, não foram reflectidos na remuneração do A., com referência à data da p.i., sendo reclamados pela A.. 15) O exercício das funções de vigilante compreende a protecção e segurança de mercadorias e bens, nomeadamente, a de valores (cheques, numerário e outros), quer o seu tratamento em depósito quer o seu transporte. 16) A remuneração-base mensal dos vigilantes era, em 1995, de 87.250$00. 17) Aos vigilantes colocados em “transporte de valores” ( expressão que abrange não só o transporte, mas também o seu tratamento em depósito), a R. paga um subsídio que designa de “ risco ou eventual”. 18) Esse subsídio era em 1995 de 30.000$00 mensais. 19) A rotatividade dos postos de trabalho é uma das características da actividade em questão. 20) Os vigilantes têm conhecimento de que podem ocupar diversos postos de trabalho, conforme as necessidades de serviço. 21) Em 1995, o A., como vigilante, esteve afecto ao tratamento de valores. 22) Era-lhe paga a retribuição mensal de 87.250$00 acrescida do subsídio/gratificação mensal, no valor de 30.000$00. 23) Com referência aos n.ºs 9 e 25, na grande maioria dos dias, o grupo de vigilantes onde o A. se integrava fazia sempre mais de 8 horas de trabalho diário. 24) O trabalho era levado a cabo sem interrupção, a não ser em curtos períodos de 15-20 minutos. 25) Estes dois turnos, revezavam-se reciprocamente, ora entrava um às 15 horas e o outro às 23 horas, ora passava a entrar o das 23, às 15 e o das 15, às 23 horas. 26) Por vezes, ocorria confusão de valores de um turno com os valores do turno seguinte, aquando das recontagens pelas máquinas, mas em valores que não eram significativos, o que depois era detectado. 27) Enquanto estavam ao serviço de tratamento de valores, os empregados nesse serviço, além de retribuição-base da categoria de vigilante, recebiam: a) o prémio correspondente à isenção de horário de trabalho, no montante de 25% da remuneração-base; b) o chamado subsídio de Kms., que rondava os 23.000$00 mensais; c) a designada retribuição eventual, também chamada “ prémio de risco”, no montante de 30.000$00, por mês; d) o subsídio de função ou prémio de STV ( serviço de tratamento de valores), da ordem dos 9.000$00, por mês; e) o prémio de máquina que a R. pagava aos vigilantes a exercerem funções no serviço de tratamento de valores, o qual se cifrava num montante que não se pôde apurar mas que assumia uma expressão que, por vezes, rondava os 2/3 ou mesmo quase a totalidade do montante da retribuição-base, como aconteceu com o A. em Outubro de 1995, mês em que recebeu 87.250$00 de retribuição – base e 82.465$00, por prémio de máquina”. 28) Os colegas do A. do turno a seguir àquele em que o A. se integrou no dia dos factos que lhe são imputados, e que também trabalharam no serviço de tratamento de valores, não sofreram quaisquer punições, não tendo sido accionados disciplinarmente. 29) Os valores constantes dos recibos da retribuição do A. variavam frequentemente, sem que lhe fosse explicado pela R. o motivo dessa variação. 30) Em 1995 o A., como vigilante, esteve afecto ao tratamento de valores. 31) Enquanto esteve ao serviço de tratamento de valores, o A. recebeu o montante de 30.000$00, descrito na al. c) do ponto 27. 32) O A., durante algum tempo, esteve sujeito a isenção de horário de trabalho. 33) A isenção de horário cessou. 34) A R., em Dezembro de 1995, pagou ao A. o que designou por prémio de máquina. 35) O prémio de 9.000$00 e o de Kms., no valor aproximado de 23.358$00, estão relacionados com o tratamento de valores, sendo o quantitativo a título de “subsídio de Kms.” um valor mensalmente variável. 36) A retribuição do A., em Dezembro/95, foi no montante global de 168.912$00, tendo-lhe sido pago, a título de vencimento, o montante de 117.250$00. 37) Com referência ao ponto 9, pelo menos nos inícios de mês, com frequência, e pelo menos durante 15 dias, a prestação de trabalho pelo A. atingia 4 horas/dia, para além das 8 horas de trabalho. 38) O A. deixou de prestar serviço no tratamento de valores a partir de 13 de Novembro de 1995. 39) Desde que o A. deixou de prestar funções no serviço de tratamento de valores, a partir de meados de Novembro de 1995, deixou de lhe ser pago o subsídio de “ risco” ou “ eventual”, no montante de 30.000$00. 40) A colocação dos vigilantes nos postos de trabalho do tratamento e transportes de valores, exige uma confiança especial, para além da confiança que, em geral, a profissão de vigilante já exige. 41) A mudança de posto de trabalho do A. foi decidida no decurso do processo disciplinar. 42) O funcionário da casa-forte e os 2 vigilantes encarregados do transporte de valores em questão, para o Banco de Portugal em Évora, foram alvo de punição que se traduziu em dias de suspensão, sem mudança de funções. 43) A R. tinha e tem o entendimento de que a responsabilidade da equipa que manuseou os valores em causa para tratamento e contagem, era maior do que a dos vigilantes referidos no número anterior, precisamente porque a equipa do A. tinha o dever de conferência em 1.ª mão. 44) – A equipa de que o A. fazia parte entregou à casa-forte guias onde constavam 24 sacos. 45) – Nas guias de quitação de fls. 193-195, que seguiram para o Banco de Portugal, constavam 24 sacos, sendo certo de que ali chegou o saco com o selo n.º BF 20627, que não constava das mesmas guias, e não chegou o saco com o selo n.º BF 20730, que constava das mesmas guias. 46) A conferência dos valores depois de manuseados pela equipa do A. garantia-se assim: primeiro conferiam-se os sacos, já selados com o n.º de selo pela listagem ( que continha o n.º de sacos e o respectivo n.º de selo) que seguia, depois em envelope para o Banco de Portugal; depois conferiam-se também as listagens pelas designadas guias de quitação que eram documentos internos que acompanhavam os sacos desde o STV até à casa forte e às viaturas, sendo certo que também o homem da casa forte e os condutores das viaturas tinham o dever de conferência. 47) – No caso presente, as guias de quitação que constituem os documentos de fls. 193, 194 e 195, foram preenchidas pelo Sr. BB, trabalhador da equipa do A.. 48) – O A. não era o chefe de turno aquando dos factos a que os autos aludem. O chefe de turno opera a contabilidade dos valores entregues e, nomeadamente, é ele quem preenche as guias internas, sendo certo que na situação descrita o Sr. BB, que preencheu as guias, não era chefe de turno. 49) O A., no dia em questão, transitou para o turno seguinte. 50) – O trabalhador que efectuava o preenchimento das guias e listagens alertava, pelo menos, outro colega para fazer a respectiva reconferência. 51) A situação descrita no ponto anterior ocorria porque o trabalho de serviço de tratamento de valores era efectuado sob grande pressão, incluindo nos turnos nocturnos. 52) As guias em questão e que constituem os documentos de fls. 193, 194 e 195, mostram-se rubricados pelo Sr. CC, o funcionário da casa forte. 53) O Banco de Portugal comunicou à R., cerca de 30 a 45 minutos depois da entregados valores, que havia apenas recebido 24 sacos e não 25 sacos, mencionando que um dos sacos referenciados na listagem não havia sido entregue, e havia sido entregue outro que não constava das guias ( com referência ao ponto n.º 45). 54) Das guias que constituem os documentos de fls. 193,194 e 195, onde se descriminam os n.ºs dos selos apostos nos sacos com valores, após o respectivo fecho, constam, para além da assinatura do Sr. CC, funcionário da casa-forte da R., a assinatura do Sr. BB, vigilante do grupo do A., e a respectiva data, 11.9.95, aposta pelo Sr. BB. 55) Das mesmas guias constam ainda as assinaturas dos vigilantes encarregues do transporte dos valores a que se reportam. 56) Os valores tratados pelo grupo de trabalho do A. no turno correspondente em 10.9,95, cifraram-se em 250.000.000$00 no que concerne aos valores a entregar ao Banco de Portugal. Estes os factos que as instâncias deram como provados e que a este Supremo cumpre acatar. Vejamos agora. O DIREITO 1. – O recuso vem circunscrito expressamente – “ à parte do douto acórdão recorrido que confirma a sentença da 1.ª instância no que respeita à condenação nas diferenças da retribuição que deixam de lhe pagar, cujo cálculo, por falta de elementos, designadamente em matéria de actualização salarial, terá de ser relegado para liquidação em execução de sentença, vezes o factor dez”, conformando-se a Recorrente – também expressamente – quanto ao mais decidido. Importa salientar que o mais decidido consistiu em : a) – declarar nula a nota de culpa formulada contra o A. e, por via disso, declarar nulo o processo disciplinar, onde se inclui a sanção que lhe foi aplicada; b) – condenar a Ré a pagar ao A.: – 12 dias de retribuição, por suspensão, na hipótese de a R. entretanto os não ter pago; e - as diferenças de retribuições que deixou de lhe pagar, cujo cálculo foi relegado para execução de sentença, nos termos atrás ditos, para fixar o objecto da presente revista; - com absolvição do demais pedido, designadamente, a colocação do A. na situação funcional em que se encontrava antes de ser punido, no serviço de tratamento de valores e a indemnização por danos não patrimoniais que lhe causou com o processo disciplinar ( v. petição a fls. 42) ou por danos emergentes da mudança ilícita de funções ( tal como consta da condenação na 1.ª instância, nessa parte revogada pelo acórdão recorrido). Assim, não está sequer no objecto desta revista o problema da apreciação da licitude ( ou não) da transferência da A. da Sala de Tratamento de Valores para o Serviço de Vigilância Estática, - Piquete- , na medida em que o pedido da colocação na “ situação funcional” em que se encontrava não foi julgado procedente na sentença e o A. dela não recorreu. Está, porém, em discussão o pedido de colocação na “ situação remuneratória anterior, atendido na sentença e no acórdão, nos termos atrás referidos, pelo que sempre terá alguma relevância a apreciação da regularidade ( licitude) da transferência. Dir-se-á, antes de mais, que a transferência ocorreu no decurso do processo disciplinar – facto n.º 41 -, o que terá levado a Ex.ma Procuradora ( fls. 413) a entendê-la como uma sanção acessória, não tipificada e proibida. Melhor examinando a matéria de facto, veremos que o A. deixou de prestar serviço no Tratamento de Valores a partir de 13 de Novembro de 1995 – Facto n.º 38 – e que a nota de culpa lhe foi remetida com a carta de 10 desse mês, recebida naquele dia 13 – Factos n.ºs 2 e 3 -, sendo certo que o processo disciplinar só foi terminado em fins de Dezembro de 1995 – a decisão foi tomada em 26 e comunicada ao A. em 27 – fls. 13 e 12 ) -. Nesta conformidade, a transferência teve lugar no próprio dia da recepção da nota de culpa e a decisão do processo disciplinar só teve lugar mês e meio depois, o que enfraquece a Tese de Sanção acessória ou da antecipação da sanção. De todo o modo sempre essa ideia tem algum suporte na aparência dos factos. Resta saber se outras razões estarão na base do afastamento do A. do Serviço de Transporte de Valores. Não obteve prova no processo disciplinar, nem nesta acção, o desaparecimento da importância de 10.000.000$00 no turno de 10 de Setembro de 1995 em que o A. estava integrado, juntamente com outros colegas vigilantes. No processo disciplinar nem sequer esse facto foi particularizado, por razões de segurança muito compreensíveis numa empresa desta natureza; por isso, a Ré sofreu as consequências da nulidade do processo disciplinar. Na presente acção, a matéria foi levada ao Quesito 20º - fls. 71-, mas recebeu a resposta de “ não provado” – fls. 277-. Todavia, o desaparecimento da tal quantia obteve prova no Processo n.º 132/00, que corre termos por esta 4.ª Secção do STJ, conforme se vê do acórdão da Relação ( e também da sentença da 1.ª instância) proferido nesse processo. Poder-se-ia sustentar que esse facto poderia aqui ser considerado, ao abrigo do disposto no art. º 514º, n.º 2 do C.P.Civil, na medida em que o Tribunal dele tomou conhecimento por virtude do exercício das suas funções. O que não será pacífico. Mas nem se torna necessário recorrer a tal factualidade por esta via, já que a licitude da transferência do A. se alcança por outras razões. Na verdade vem provado que: Facto 19º - “ A rotatividade dos postos de trabalho é uma das características da actividade em questão”; e Facto 20º - “ os vigilantes têm conhecimento de que podem ocupar diversos postos de trabalho, conforme as necessidades de serviço”. De resto, a rotatividade dos postos de trabalho vem expressamente consagrada na Cláusula 14.ª, n.º 2 do CCT aplicável Além de que, tendo todos a Categoria Profissional de vigilantes, a deslocação de um para outro posto de trabalho sempre estaria compreeendida no poder directivo da Ré, na vertente do poder determinativo da função, na Terminologia de alguns Autores. Assim, MONTEIRO FERNANDES, depois de desdobrar o Poder Directivo nos Poderes: determinativo da função, conformativo da prestação, regulamentar e disciplinar, define o poder determinativo da função como aquele “ … em cujo exercício é atribuído ao trabalhador num certo posto de trabalho na organização concreta da empresa, definido por um conjunto de tarefas que se pauta pelas necessidades da mesma empresa e pelas aptidões ( ou qualificação) dos trabalhadores – “ D.to do Trabalho a), 11.ª ed., p. 250/251. – E BERNARDO XAVIER ( em Curso de Direito de Trabalho”, 2.ª edição, fls. 325 e segs.) escreve no desenvolvimento da mesma ideia: - “ É o empregador quem, dentro dos parâmetros legais e com eventuais controlos ( estaduais e, progressivamente, de órgãos representativos dos trabalhadores, define a estrutura da empresa, o seu organograma e quadro de pessoal, os horários de trabalho, os objectivos, modalidades e cadências de produção, determina as admissões e reduções de pessoal [ …] como todo o regime da movimentação dos trabalhadores na empresa”. E mais adiante ( fl. 326) - : “ Com efeito, dentro desse quadro qual, o trabalhador é primeiro admitido e depois vai rodando – dentro da empresa – por vários postos de trabalho similares, ou mais ou menos complexos, devendo a entidade patronal procurar atribuir a cada trabalhador , dentro do género de trabalho para que foi contratado, a função mais adequada às suas aptidões e preparação profissional ( art. 43º da L.C.T.)”. Aliás, como acentuam ambos os Autores citados, o poder determinativo da função sofreu um ajustamento mais abrangente com a nova redacção dada ao art. 22º da LCT – m.ºs 2 a 6 – pela Lei n.º 21/96, de 23/7. Tendo, pois, a confirmar a licitude da transferência do A. para o Serviço de Vigilância Estática – Centro de Controlo – que, também, como se disse e vem provado, resultaria já da rotatividade dos postos de trabalho, estabelecida na citada Clª 14.ª, n.º 2 do CCT aplicável e do conhecimento do A. Falta, porém, apreciar a alteração do estatuto remuneratório que o A. sofreu com a transferência para o Serviço de Vigilância Estática. Aqui, na verdade, a alteração foi substancial, o que terá levado as instâncias a reconhecerem que houve violação do disposto no art.º 21º, n.º 1, c), da LCT. Os números são, efectivamente impressionantes. Basta considerar que o A. auferira no mês de Outubro de 1995, 272.702$00 e, em Dezembro seguinte, apenas 168.912$00 – Facto n.º 6 -, sendo que a retribuição de base que era de 87250$00, - Facto n.º 16 – passou para 117.250$00 no mês de Dezembro – Facto n.º 36 – Depois da transferência, o A., bem como os seus colegas de turno, deixou de receber: - o prémio de isenção de horário – 21.813$00-; - o prémio dos quilómetros, variável, mas no valor aproximado de 23.358$00 – Facto 35 – - a gratificação eventual ou de risco – 30.000$00; - o prémio STV – 9.000$00. Foi isso que ficou provado, conforme se vê dos factos n.ºs 13, 17, 18, 27, 31, 34, 35, 36 e 39. Vejamos se tais alterações ( reduções integram diminuição da retribuição proibida pela citada alínea c) do n.º 1 do art. 21º da LCT. Assim: Isenção de horário de trabalho. Tem provado – Factos 32 e 33 – que: - “ o A., durante algum tempo, esteve sujeito a isenção de horário de trabalho. A isenção de horário cessou”. No entendimento da doutrina e da jurisprudência a prestação pecuniária por isenção de horário de trabalho não constitui um núcleo retributivo irredutível. Assim: - MONTEIRO FERNANDES – em D.to do Trabalho” 11.ª 1.357, escreve : - “ A isenção do horário de trabalho é, por natureza, reversível [ …]. E, cessando a isenção, cessa também, o direito à retribuição especial a que se refere o art. 14º/2 da LDT”- - MENESES CORDEIRO -, em “ Manual …”, p. 698- confirma: - "Tem-se entendido – e bem – que tal suplemento cessa quando desapareça a isenção”. - E BERNARDO XAVIER – em Curso…”, 2.ª , p. 365 – refere : - “ A nossa jurisprudência tem entendido que a perda da remuneração especial pela cessação do regime de isenção não constitui baixa da retribuição e que a entidade patronal não está obrigada a manter o regime de isenção, mesmo que tenha durado anos, e mesmo que a observância do período normal não convenha ao trabalhador, que só pode reclamar a subsistência do regime da isenção se esta tiver sido acordada no contrato ( Ac. STA de 4.4.78 em Ac. …n.º 202, p. 1231 e Ac. da Rel. de Lxa de 19.10.88, Colect. Jurisp. 1988, n.º 4, p. 160) “- No mesmo sentido o Ac. STJ de 22.9.93, em Col. Jur. Ac. STJ, 1993, 3.º, p. 269 e de 15.11.2000, na mesma Colec. , n.º 45, p. 109. Nestes termos, a cessação do regime de isenção de horário de trabalho implica a perda do respectivo subsídio, sem que isso signifique a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição prevista na citada alínea c) do n.º 1 do art. 21º da LCT. - Prémio STV e de quilómetros. A este respeito vem provado – Facto 35 – que: - “ O prémio de 9.000$00 e o de Kms, no valor aproximado de 23.358$00, estão relacionados com o tratamento de valores, sendo o quantitativo a título de “subsídio de Kms” num valor mensalmente variável”. Aliás, já no Facto n.º 27 se mencionava – “ subsídio de função ou prémio STV ( serviço de tratamento de valores) da ordem dos 9.000$00 por mês “. Assim, estes dois subsídios tinham uma tão íntima relação com o Serviço de Tratamentos de Valores que não podiam manter-se fora desse serviço, ao menos com essa designação [ diga-se que no Facto n.º 17 se assimilam os serviços de tratamento e de Transporte de Valores ). Transferido o A. para o Serviço de Vigilância Estática [ Centro de Controlo Piquete] perderiam sentido, qua tale, aqueles subsídios. Outros e diferentes, porventura, lhe corresponderiam. De todo o modo, sempre importará averiguar se os respectivos montantes devem manter-se, por terem integrado a retribuição. O princípio geral orientador vem consagrado no art. 82º da LCT designadamente nos seus números 2 e 3, que dispõem: -“ 2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” .- Deste critério legal pareceria claro a inevitável quer os ditos subsídios integram a retribuição, devendo ser mantidos, sob pena de violação. E citado princípio da irredutibilidade da retribuição. O problema não pode resolver-se assim tão linearmente, carecendo de melhor análise em busca da razão da sua existência e da sua atribuição, e da perenidade da sua ligação às razões da sua génese em termos de acompanharem as vicissitudes que vier a sofrer esse primeiro condicionalismo criador. Tomemos, por nos parecer de grande expressividade a lição de MONTEIRO FERNANDES que, a este propósito, escreve: - “ Encarando, agora, conjuntamente, os acréscimos ao salário que são determinados pelo risco, pela penosidade, pelo isolamento, […], ou seja, pelo próprio condicionalismo externo da prestação de trabalho, entendemos que os mencionados acréscimos ou suplementos participam de todas as características englobadas no critério legal de qualificação: são meras especificações do salário, correspondentes a particularidades da prestação normal de trabalho. Põe-se, no entanto, quanto a tais valores, o problema de saber se, face ao princípio da irredutibilidade da retribuição, eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem as condições externas do serviço prestado ( p.ex: se o trabalhador deixa de estar integrado na organização dos turnos; se o risco desaparece; se regressa à sede da empresa). A nosso ver, a resposta afirmativa conduziria a tão patente absurdo que é forçoso admitir, nestes casos, numa solução específica; especificidade, aliás, bastante relativa, dado que a retribuição- base, correspondente à natureza intrínseca do trabalho prestado, está obviamente fora de questão. Assim, e em suma, entendemos que os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento – ideia, aliás, usualmente expressa no clausulado correspondente das convenções colectivas que prevêem tais suplementos”. Esta doutrina, que temos por correcta, quadra perfeitamente ao caso dos subsídios em análise, pela sua especificidade e ligação intrínseca às concretas situações que lhe estão em base: o tratamento e transporte de valores: Assim, bem quando cessam licitamente essas situações, como no caso, nos termos já antes aludidos. - Gratificação eventual ou de risco: Com interesse para este posto, vem provado que: “ - 17) – Aos vigilantes colocados em “ transporte valores” ( expressão que abrange não só o transporte, mas também o seu tratamento em depósito), a R. paga um subsídio que designa de “ risco ou eventual”. - 18) Esse subsídio era em 1995 de 30.000$00 mensais - Cfr. ainda os pontos de facto 13, 27, 31 e 39 – - 21) – Em 1995, o A., como vigilante, esteve afecto ao tratamento de valores. – repetido no Facto 30 -. 22) Era-lhe paga a retribuição mensal de 87.250$00 acrescida do subsídio/gratificação mensal, no valor de 30.000$00”- A um primeiro exame, a este subsídio, também relacionado com o tratamento e transporte de valores, são aplicáveis as considerações antecedentemente feitos para os subsídios STV e de Kms. Mas há-se concordar-se que a ligação ao Serviço de Tratamento de Valores está nos autos deficientemente caracterizada, por não se explicarem as razões e as especificidades que fundamentam a atribuição do subsídio aos vigilantes afectos a esse serviço. Daí que se possa entender que tal subsídio integrava a retribuição, tendo a natureza de correctivo de salário e, como tal, a sua eliminação violaria o princípio da irredutibilidade da retribuição. Todavia, isto não significaria que tal subsídio devia permanecer qua tale, ou seja, com a mesma designação e o mesmo conteúdo. O que fundamentalmente releva é a sua permanência como valor e com a expressão pecuniária no quantitativo global da retribuição. E isso está verificado. Na verdade, vem provado que: - “ A remuneração- base mensal dos vigilantes era, em 1995, de 87.250$00. - 36 – A retribuição do A., em Dezembro/95, foi no montante global de 168.912$00, tendo-lhe sido pago, a título de vencimento, o montante de 117.250$00” – O que significa que a retribuição- base foi aumentado de 30.000$00, precisamente o montante da gratificação eventual ou de risco. Assim, ainda que devesse considerar-se que esse subsídio deveria manter-se depois da transferência do A. do Serviço de Tratamento de Valores para o Serviço de Vigilância Estática – o que não será pacífico – a verdade é que o seu valor foi integrado na retribuição- base e nisso se analisa a essência do princípio da irredutibilidade da retribuição. 4. Por último, importará acrescentar que não tem base legal, nem factual, a condenação constante da sentença da 1.ª instância/ e mantida no acórdão/ no “ quantitativo referente às diferenças de vencimento que deixou de auferir, vezes o factor 10 ( correspondente a 10 anos). A natureza rotativa dos postos de trabalho – Facto 19 – prejudica uma tal posição, que, já de si, teria muito de aleatório, se não mesmo de arbitrário. De resto, a decisão aqui tomada quanto aos subsídios atrás referidos, deixaria sem conteúdo útil este segmento da sentença da 1.ª instância, assumida pelo acórdão recorrido. IV - Na conformidade do que fica exposto se acorda na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, mantendo-se o decidido, já com trânsito por não estar no objecto do recurso. Custas pelo Autor. Lisboa, 28 de Junho de 2001 José Mesquita Vítor Mesquita Azambuja Fonseca |