Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANTÓNIO AUGUSTO MANSO | ||
| Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO ABUSO DE CONFIANÇA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL CITAÇÃO MORA MORA DO DEVEDOR JUROS VENCIMENTO IMPROCEDÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : |
I - A regra geral de que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, comporta excepções, previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 805º do Código Civil. II - Derivando a responsabilidade civil do devedor da prática de facto ilícito, o vencimento da obrigação é contemporâneo do momento do respectivo facto constitutivo - al. b). III - Só a falta de liquidez do crédito pode alterar este momento, de acordo com a regra illiquidis non fit mora, relevando neste caso, apenas, a iliquidez objectiva, motivada por razões não imputáveis ao devedor. IV - Tem-se como líquido o crédito de 48.650,00 euros correspondente às quantias de que o arguido indevidamente se apropriou e que foi condenado a pagar à ofendida/demandante cível. V - Correspondendo o crédito às quantias de que indevidamente o arguido se apropriou e por este conhecidas, são devidos juros de mora computados desde o momento da apropriação indevida. VI - E não desde a citação, hipótese, apenas admissível, nas situações de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco em que o crédito seja ilíquido. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1. No Juízo Local Criminal de Valongo, a 11.04.2024, no âmbito do processo comum singular supra referenciado, em que é assistente/demandante cível União Ciclista ... e arguido AA, foi proferida sentença que, além do mais, julgou: A. Procedente, por provada, a acusação pública deduzida contra o arguido AA, em consequência do que decido condená-lo, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo art.º 205.º, n.º 1 e 4, al. b), por referência ao disposto no art.º 202.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto nos art.º 50.º, 53.º e 54.º do mesmo Código, se suspende por igual período de tempo subordinada a regime de prova, para efeito devendo os serviços da DGRSP elaborar o PRS a que alude o art.º 494.º, n.º 3 do Código do Processo Penal. B. Parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pela “União Ciclista ...”, enquanto demandante cível, contra AA, enquanto demandado cível, em consequência do que decido condená-lo no pagamento àquela do valor global de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), acrescido de juros moratórios vincendos, a contabilizar à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. (…) 1.2. Inconformados, arguido e assistente/demandante cível, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 15.01.2025, decidiu: 1º, -negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido AA do despacho proferido em 26/09/2023 (refª citius .......58). Custas da responsabilidade do recorrente/arguido, fixando-se em 3 (três) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º/1 do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último). 2º, conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pelo arguido AA, e, em conformidade decide–se: i. alterar os pontos 20., 36. e 40. da matéria de facto provada considerada na sentença recorrida, nos termos decididos a final do ponto 1. da presente decisão; ii. confirmar a sentença recorrida, sem prejuízo do infra determinada alteração relativa aos juros de mora devidos com a indemnização fixada. Custas da responsabilidade do recorrente/arguido – considerando que o provimento parcial do recurso não reveste qualquer influência na decisão, em particular não determinando a procedência sequer parcelar de qualquer das pretensões do mesmo recorrente –, fixando-se em 5 (cinco) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º/1 do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último). 3º, conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pela assistente/demandante “União Ciclista ...”, e, em conformidade decide–se: i. revogar a sentença recorrida no segmento relativo aos juros de mora devidos com a indemnização fixada, substituindo–se o ali decido pela decisão de condenar o arguido AA no pagamento à demandante “União Ciclista ...” do valor global de €48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, a contabilizar à taxa legal desde 01/01/2014 (inclusive) até efectivo e integral pagamento; ii. confirmar no mais a sentença recorrida. Custas (na parte criminal) da responsabilidade da recorrente/assistente, fixando-se em 3 (três) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 515º/1/b) do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último). As custas na parte cível serão repartidas entre demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento. 1.3. Não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, vem agora, o arguido AA, interpor o presente recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao momento a partir do qual são devidos juros de mora, tendo, a final, extraido as seguintes, “conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida nos autos à margem referenciados que julgou parcialmente procedente o Recurso da Demandante e, como tal, alterou a decisão proferida pelo tribunal a quo, condenando, assim o Arguido, ora Recorrente, no pagamento de juros moratórios vencidos e vincendos, a contabilizar à taxa legal desde 01/01/2014 (inclusive) até efectivo e integral pagamento. B. Por decisão proferida pelo Tribunal a quo, agora nesta parte revogada, havia sido o arguido condenado no pagamento de juros vincendos até efectivo e integral pagamento. C. No entanto, como acima se referiu por decisão do Douto Tribunal da Relação do Porto foi tal decisão revogada e substituída por outra que o condenou no pagamento de juros moratórios vencidos e vincendos, a contabilizar à taxa legal desde 01/01/2014 (inclusive) até efectivo e integral pagamento. D. Não se conforma o Recorrente com tal decisão porquanto a mesma sufraga que os juros são devidos desde a data dos factos, o que não encontra amparo no texto legal nem na jurisprudência sobre esta matéria. E. Em bom rigor, O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/02 veio fixar a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art.º 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos art.ºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”. F. Neste desiderato, os juros nascem apenas na data da decisão, i.e., da sentença uma vez que atribuir juros desde a data dos factos consubstanciaria um enriquecimento ilícito do lesado. G. Destarte, deve ser revogado o acórdão recorrido nessa parte, mantendo-se a decisão de 1ª instância que havia condenado o arguido apenas no pagamento de juros vincendos após a decisão final. Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concede, H. Reconhece o recorrente que existe divergência jurisprudencial quanto ao momento a partir do qual são devidos juros em situações como a dos autos. I. Pese embora se considere que tal divergência ficou dirimida pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/02, a verdade, é que nenhuma tese sustentava a interpretação agora veiculada no acórdão recorrido. J. Querendo com isto dizer que a discussão se prendia com os juros serem devidos desde a data da decisão ou desde a data da citação, e nunca sob a data dos factos. K. Aliás, o Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão de 28.01.2025, afirma que “(...) juros apenas se constitui coma citação/notificação do devedor demandado(...)e não desde a data dos factos” L. No mesmo sentido pronunciou-se, por Acórdão, de 26.10.1999, o Tribunal da Relação de Coimbra, e o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 09.04.1997 in CJ/STJ, 2.o, p. 177, de 23.05.2002, in JSTJ000329/ITIJ/Net e de 03.12.1998, BMJ, 482.o, p. 2). M. Face ao exposto, no limite, apenas seriam devidos juros desde a data da citação para contestação do pedido de indemnização civil e nunca desde a data dos factos, impondo-se a revogação do acórdão recorrida nessa parte. Nestes termos, e nos melhores de direito que v. exas. doutamente suprirão, deverá ser julgado procedente o presente recurso, e por consequência, ser revogado o Acórdão na parte em que condena o Arguido ao pagamento de juros vencidos desde 01.01.2014, mantendo-se, nesta parte a decisão proferida em 1ª instância, nos termos supra requeridos, ou caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concede, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine que são devidos juros apenas após a citação para contestação do pedido de indemnização civil. 1.4. A assistente/demandante cível União Ciclista ... apresentou resposta ao recurso interposto concluindo, a final que: 1. Ao invés da posição assumida pelo Recorrente, entende a Recorrida ser justo, adequado e legalmente fundamentado o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual entendeu condenar o Arguido, ora Recorrente, no que respeita ao pedido de indemnização cível, no pagamento de juros vencidos e vincendos desde 01/01/2014, até efetivo e integral pagamento do pedido cível em que foi condenado. 2. Com efeito, o Recorrente apresenta a sua motivação de Recurso, no que apenas ao Pedido de Indemnização Cível respeita, uma vez que não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto à data de contagem dos juros de mora. 3. Porém, discordamos em absoluto da posição defendida pelo Recorrente, entendendo a Recorrida que a decisão recorrida respeita a Lei e está absolutamente conforme com a realidade. 4. Em face do vertido no art.º 805.º do Código Civil, designadamente na al. b) do n.º 2, ocorre constituição em mora do devedor, independentemente de interpelação, quando a obrigação provier de facto ilícito. 5. Ora, nos presentes autos, estamos perante um processo penal em que a prática pelo Arguido, ora Recorrente, de um crime de abuso de confiança qualificado causou danos à Recorrida, suscetíveis de serem indemnizados. 6. Como tal, foi o Arguido, ora Recorrente, condenado no pagamento da quantia de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), correspondente à soma de quantias das quais este se apropriou, bem sabendo não lhe pertencerem, reportando-se o montante indemnizatório a essas mesmas quantias. 7. Ora, o Arguido, ora Recorrente, aquando da apropriação indevida que fez das quantias, tomou imediatamente conhecimento da quantia devida, pelo que, nunca foi necessária qualquer liquidação da quantia para que o mesmo tivesse a perceção da quantia por ele devida. 8. Como tal, é claro que se o devedor de indemnização emergente de conduta que foi penalmente punida sabia, desde o início, qual o montante da indemnização a que estava obrigado, não haverá lugar à aplicação do n.º 3 do art.º 805.º do C.C., operando, desde logo, o que se encontra previsto na alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo. 9. Assim, e determinado que o Arguido está obrigado a restituir a quantia em causa, a origem da obrigação de pagamento de juros apenas se poderá filiar numa constituição em mora relevante nos termos do artigo 805.º do CC, pois que os juros moratórios exercem a função de indemnização pelo retardamento de uma prestação pecuniária (artigo 806.º, n.º 1 do C.C.), sendo, assim, devidos juros de mora a título de indemnização. 10. Efetivamente, tal como se refere no Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 2 de Maio de 2002, invocado pelo Arguido nas suas alegações de recurso, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 200-C/80, aos juros moratórios passou a estar cometida não só a função específica de indemnizar os danos decorrentes do intempestivo cumprimento da obrigação, mas também a de contrabalançar a desvalorização monetária, numa indireta reação contra o princípio nominalista consagrado no artigo 550.º do C.C.. 11. No caso vertente a quantia devida não foi objeto de qualquer atualização, pelo que, de igual modo, desde já se entende que os juros se vencem imediatamente após a apropriação indevida das quantias monetárias pelo Arguido. 12. No que concerne à liquidez ou iliquidez da obrigação, devemos ter em atenção que, a indeterminação do valor da obrigação– sendo, por isso, uma obrigação ilíquida – não se pode confundir com o desacordo sobre tal valor, já que a essência do conceito de iliquidez é a circunstância de as partes – ou pelo menos o devedor – desconhecerem esse valor por não disporem ainda de todos os elementos que são necessários ao seu apuramento. 13. Efetivamente, se o valor da obrigação é determinado e determinável em função de critérios, factos ou circunstâncias previamente definidos, que são do conhecimento das partes, não existirá qualquer obrigação ilíquida e a mera circunstância de inexistir acordo acerca desse valor – porquanto não estão de acordo quanto à verificação (ou não) dos factos (pré-existentes) que servem de base ao apuramento daquele valor– não é suficiente para alterar para ilíquida uma obrigação cujo valor não depende de quaisquer outros factos (que ainda não tenham ocorrido ou não sejam do conhecimento de alguma ou de ambas as partes) ou de operações que ainda não tenham sido efetuadas. 14. Consequentemente, não sendo o valor da obrigação ilíquido, sempre será de se aplicar o preceituado no artigo 805.º n.º 2 alínea b) do Código Civil, em detrimento da posição defendida pelo Arguido, mormente a invocação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/02, porque não se aplica à situação em apreço, devendo improceder o recurso apresentado pelo Arguido. 15. Assim, estando em causa, no âmbito dos presentes autos, a obrigação de indemnizar o lesado pela ilícita violação de um seu direito, concretamente por diversas subtrações de dinheiro da Recorrida, os juros devidos pela mora na reparação desse dano líquido contam-se da data de cada subtração de dinheiro em relação ao respetivo montante. 16. Face ao exposto, entende-se que o Tribunal a quo decidiu bem ao considerar os juros moratórios devidos desde a data de 01/01/2014, pelo que deverá o Recurso apresentado pelo Arguido, ora Recorrente, ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências, o que se requer. Termos em que deve o Acórdão recorrido objeto de recurso pelo Arguido, ora Recorrente, ser confirmado, no que concerne ao objeto do recurso pelo mesmo ora interposto, negando-se, assim, provimento ao recurso interposto pelo Arguido, aqui Recorrente, mantendo-se o acórdão recorrido, em conformidade com o supra explanado e nos termos supra expostos, fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça. 1.5. O Ministério Público não emitiu parecer, atendendo a que o recurso versa apenas sobre matéria de natureza cível. 1.6. Colhidos os vistos, foi o processo presente à conferência, Decidindo, 2. Fundamentação. 2.1. Factos: Resulta da decisão recorrida que “[d]a discussão resultaram provados os seguintes factos, que doravante se elencam por referência às peças processuais de referência nos autos, expurgadas de factualidade repetida e / ou irrelevante para a descoberta da verdade material, tal qual delimitada pelo libelo acusatório, bem como de juízos conclusivos ou de Direito: 1. Desde data não concretamente apurada, mas que se sabe pelo menos desde 10/05/12, que o arguido exerceu funções de Secretário da Direcção da Associação designada por “União Ciclista ...” (doravante, UC...). 2. Em 15/11/12, BB, na qualidade de Presidente da UC..., outorgou uma procuração ao arguido, concedendo-lhe poderes para, em sua representação, praticar todos os actos necessários à constituição da equipa profissional continental de ciclismo do clube designado “OFM/Quinta da Lixa /Goldentime’s” para a época de 2013. 3. Incluindo esses poderes, entre outros, os necessários para a assinatura de contratos com patrocinadores, atletas e colaboradores, a instrução e assinatura de toda a documentação necessária junto da UVP/FPC para inscrição da equipa junto da UCI, a inscrição e a representação da equipa em todas as provas em que participasse e toda a direcção da referida equipa profissional de ciclismo. 4. Assim tendo procedido BB, entre o mais, dado participar em competições de ciclismo, como atleta de uma outra equipa. 5. Tendo tais poderes sido exercidos pelo arguido até Julho de 2014. 6. Aquela procuração não lhe permitindo a gestão da conta bancária do Montepio n.º ...........47-2, titulada pela UC.... 7. Ao longo do ano de 2013, o arguido transferiu da conta bancária titulada pela assistente no Banco “Montepio” com o n.º ...........47-2, para a sua conta bancária pessoal com o n.º ...........58-2, o montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros), nos seguintes termos: a. Em 01/02/13: a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); b. Em 06/02/13: a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros); c. Em 08/02/13: a quantia de € 600,00 (seiscentos euros); d. Em 13/02/13: € 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros); e. Em 22/03/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); f. Em 27/03/13: a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros); g. Em 17/05/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); h. Em 13/06/13: a quantia de € 110,00 (cento e dez euros); i. Em 19/06/13: a quantia de € 75,00 (setenta e cinco euros); j. Em 21/06/13: a quantia de € 160,00 (cento e sessenta euros); k. Em 19/07/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); l. Em 22/07/13: a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros); m. Em 26/07/13: a quantia de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros); n. Em 23/08/13: a quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros); o. Em 09/09/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); p. Em 10/09/13: a quantia de € 700,00 (setecentos euros); q. Em 12/09/13: a quantia de € 3.000,00 (três mil euros); r. Em 18/09/13: a quantia de € 440,00 (quatrocentos e quarenta euros); s. Em 25/09/13: a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros); t. Em 09/10/13: a quantia de € 500,00 (quinhentos euros); u. Em 11/10/13: a quantia de € 1.650,00 (mil, seiscentos e cinquenta euros); v. Em 15/10/13: a quantia de € 130,00 (cento e trinta euros); w. Em 17/10/13: a quantia de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros); x. Em 27/11/13: a quantia de € 3.750,00 (três mil, setecentos e cinquenta euros). 8. Em Janeiro de 2013, BB, na qualidade de Presidente da UC..., preencheu, assinou e entregou três cheques ao arguido para o pagamento de despesas referentes à gestão daquela, no montante global de € 23.050,00 (vinte e três mil e cinquenta euros), nos seguintes termos: a. Em 04/01/13, o cheque com n.º ........53, no montante de € 20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros), sacado sobre o Banco “Montepio”, da referida conta titulada pela UC...; b. Em 08/01/13, o cheque com n.º ........42, no montante de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), sacado sobre o Banco “Montepio”, da referida conta titulada pela UC...; c. Em 17/01/13, o cheque com n.º ........55, no montante de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), sacado sobre o Banco “Montepio”, da referida conta titulada pela UC.... 9. O primeiro dos quais foi apresentado a pagamento por CC a pedido do arguido e tendo-lhe entregue a respectiva quantia e os demais depositados na conta bancária pessoal do arguido. 10. Entre a UC... e “OFM, SA” foi celebrado um contrato de patrocínio para a época velocipédica de 2014. 11. Sabia o arguido que as quantias que transferiu da conta bancária da assistente para a sua conta bancária pessoal, no montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros), lhe não pertenciam. 12. Assim como que as quantias tituladas pelo cheque apresentado a pagamento por CC, seu primo, e pelos cheques que depositou na sua conta bancária pessoal, no montante global de € 23.050,00 (vinte e três mil e cinquenta euros). 13. Sendo pertença da UC..., em cuja conta bancária se encontravam depositados, destinando-se exclusivamente a serem utilizados em proveito daquela e de acordo com a respectiva vontade. 14. Logrando efectuar as referidas transferências por virtude da consideração de que a UC... e o próprio arguido beneficiavam junto dos responsáveis do Banco “Montepio”, no que contava com o auxílio de DD, gerente da conta bancária titulada pela primeira. 15. E os mencionados depósitos por dispor de cheques da conta titulada pela UC... assinados por BB. 16. Fazendo seu aquele montante global de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), que destinou conforme lhe aprouve, ciente de que causava à UC... um prejuízo pelo menos equivalente a esse valor. 17. Não ignorava que tal conduta era proibida e punida por lei. 18. Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente. 19. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais. Com relevo, mais se apurou: 20. BB, na qualidade de Presidente da UC..., outorgou ao arguido a procuração datada de 15/11/12, por forma a evitar constrangimentos pessoais e institucionais, aquando do seu desiderato de constituir uma equipa profissional continental de ciclismo daquela para a época de 2013/14, sendo ciclista profissional que competia em equipa rival. 21. As datas em que foram efectuadas as transferências da conta bancária da assistente para a conta bancária pessoal do arguido são coincidentes com os períodos antecedentes e contemporâneos das provas em que a equipa de ciclismo da assistente se inscreveu. 22. As quantias transferidas da conta bancária da assistente para a conta bancária pessoal do arguido foram utilizadas no próprio dia ou nos dias seguintes a essas transferências. 23. Anteriormente ao ano de 2013, a assistente não dispunha de uma equipa profissional continental de ciclismo. 24. O arguido fazia as vezes de director desportivo da equipa de ciclismo da assistente, nessa medida lhe cabendo a sua gestão no quotidiano. 25. Tendo sido contratado pela assistente para a prestação desses serviços e o seu salário fixado em € 500,00 (quinhentos euros) mensais. 26. Não obstante o que o próprio ou alguém a seu mando, no seu interesse e com o seu conhecimento, celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a “Generali – Companhia de Seguros, SA”, em que a assistente figurava como tomadora e, de entre as pessoas seguras, constava o arguido, como ciclista profissional e cujo salário ascendia a € 1.071,43 (mil, setenta e um euros e quarenta e três cêntimos). 27. Para o pagamento das despesas relacionadas com a mencionada gestão da equipa de ciclismo da assistente, o arguido dispunha do cartão de débito associado à conta bancária da assistente e de cheques assinados por BB. 28. Nas vésperas da Volta a Portugal de 2014, agendada para o período compreendido entre 30/07/14 e 10/08/14, houve lugar a uma reunião entre os ciclistas e o staff da equipa de ciclismo da assistente, os primeiros se tendo insurgido contra o arguido por falta de pagamento dos seus salários e exigindo que o mesmo abandonasse a respectiva direcção desportiva, sob pena de se não apresentarem para competir naquela prova. 29. Ao que o arguido acedeu, tendo os referidos ciclistas recebido quantias que lhes eram devidas no âmbito de um contrato de patrocínio nessa ocasião celebrado com a “W52” e competido na Volta a Portugal de 2014, da qual saíram vitoriosos. 30. Posteriormente ao abandono de funções por parte do arguido, a assistente, na pessoa de BB, contratou os serviços de um contabilista, o mesmo se tendo deparado com a inexistência de contabilidade organizada e de diversas dívidas. 31. O reconhecimento da assinatura aposta na declaração datada de 22/01/14 como sendo do arguido apenas conheceu formalização em 22/10/14, dada a circunstância de, naquela primeira data, a assistente ignorar a exacta medida das suas dívidas.32. Essa assinatura pode ter sido produzida pelo seu punho. 33. A assistente, enquanto autora, intentou contra a “OFM, SA”, enquanto ré, acção declarativa de condenação que, com o n.º 12655/14.4T8PRT, correu termos no Juízo (J6) Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 34. Na respectiva petição inicial alegando o incumprimento de um contrato de patrocínio celebrado para a época velocipédica de 2014, peticionando a sua condenação no pagamento do montante global de € 225.087,68 (duzentos e vinte e cinco euros, oitenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos). 35. Vindo a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré no pagamento do montante global de € 147.600,00 (cento e quarenta e sete mil e seiscentos euros), acrescido de juros moratórios), e, interposto recurso pela ré, acórdão que julgou parcialmente a apelação, condenando a ré no pagamento do montante global de € 72.000,00 (setenta e dois mil euros), acrescido de IVA à taxa legal e de juros moratórios. 36. A assistente, enquanto autora, intentou contra o arguido e EE, enquanto, respectivamente, 1.º e 2.º réus, acção declarativa de condenação, que, com o n.º 12655/14.4T8PRT, corre termos no Juízo (J3) Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 37. Na respectiva petição inicial alegando danos na sua esfera jurídica causados por aquele primeiro, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração outorgada, em 15/11/12, por BB, na qualidade de Presidente da UC..., sem o conhecimento e o consentimento do mesmo. 38. E, por aquele segundo, enquanto prestador de serviços de contabilidade àquela no período compreendido entre 12/02/12 a 20/10/14, sem o conhecimento e o consentimento de BB, na qualidade de Presidente da UC.... 39. Peticionado a condenação do arguido, enquanto 1.º réu, no pagamento das seguintes quantias: individualmente e por danos patrimoniais, a quantia de € 297.004,07 (duzentos e noventa e sete mil, quatro euros e sete cêntimos), acrescida de juros moratórios; individualmente e por danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros moratórios; solidariamente e por danos patrimoniais, de € 15.395,85 (quinze mil, trezentos e noventa e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios. 40. Nessa demanda, concretizou os danos imputados ao arguido como: o levantamento de quantias e transferências bancárias da conta bancária da assistente para a sua conta pessoal, no montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros); a falta de pagamento de salários devidos aos funcionários da assistente, no montante global de € 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros); a falta de pagamento de portagens e scuts, no montante global de € 45.797,48 (quarenta e sete mil, setecentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos); o recebimento de IVA não entregue ao Estado, no montante global de € 1.847,77 (mil, oitocentos e quarenta e sete euros e setenta e sete cêntimos). 41. Assim como, com o conhecimento e o auxílio do 2.º réu, a falta de apresentação de declarações periódicas de impostos junto da AT, geradora de uma dívida por parte da assistente, no montante global de € 15.395,85 (quinze mil, trezentos e noventa e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos). Do relatório social elaborado acerca das suas condições de vida, resulta que: 42. À data dos factos, tal como no presente, mantém como referência do seu agregado familiar de origem, os pais (octogenários, reformados, residentes em ...) dos quais praticamente nunca se autonomizou; refere pernoitar quer em casa dos pais, quer na casa da namorada ou mesmo no apartamento que tem arrendado, há cerca de quatro a cinco anos, em .... 43. Descreve a dinâmica intrafamiliar, quer no passado, quer no presente, como coesa e suportiva, existindo estreita ligação entre os seus membros (pais e três descendentes, dos quais o arguido é o mais novo); refere ter estabelecido várias relações de namoro, mais ou menos duradouras, mas sem vivência em comum assumida; tem um filho, nascido de uma dessas relações, que terá aproximadamente vinte e sete anos, mas com o qual nunca teve contactos, apenas cumprido com o pagamento da pensão de alimentos que lhe era devida. 44. Concluiu o 6.º ano de escolaridade e abandonou os estudos no decurso da frequência do 7.º ano de escolaridade, contando com várias retenções; descreve-se como um aluno pouco investido nos estudos, canalizando toda a sua motivação para a prática do ciclismo, modalidade em que se iniciou aos nove anos de idade. 45. Ao nível profissional e até à idade dos vinte e nove anos, foi atleta da modalidade, à qual se dedicou exclusivamente, a partir de então mantendo a ligação ao ciclismo através das funções que exerceu junto de várias associações e clubes, como director desportivo; simultaneamente apoiava os pais no trabalho que estes desenvolviam na agricultura. 46. Desde Maio de 2020, começou a trabalhar na empresa “Ga...”, sedeada em Braga, paralelamente ao que exerce, em regime de part-time, funções de director desportivo da equipa de ciclismo “G...Associação...”, em ...; está ainda colectado em nome individual, como prestador de serviços indiferenciados. 47. Dispõe de uma condição económica que considera estável, auferindo vencimento mensal na ordem dos € 1.300,00 (mil e trezentos euros), fazendo referência a outros dois rendimentos, que não quantificou, provenientes da actividade que exerce como director desportivo e por outros serviços prestados em nome individual. 48. No capitulo das despesas, paga € 200,00 (duzentos euros) de renda de casa; € 25,00 (vinte e cinco euros) de consumos de água e luz; € 27,00 (vinte e sete euros) de gás; cerca de € 100,00 (cem euros) com combustível e portagens; € 150,00 (cento e cinquenta euros) de pagamento em atraso da pensão de alimentos devida ao filho; € 50,00 (cinquenta euros) com medicação; anualmente tem encargos com pagamento do seguro do veículo automóvel que utiliza (refere que está registado em nome do seu pai) em € 300,00 (trezentos euros); do IUC em € 200,00 (duzentos euros); licença e seguro de caça em € 100,00 (cem euros); € 20,00 (vinte euros) com a quota que contribui para a Associação “Aliados Futebol Clube de Lordelo”. 49. Para além da modalidade do ciclismo, a que desde sempre esteve ligado, tem como hobby a caça; ao nível da interacção social, dispõe de um vasto leque de conhecidos, na zona de ..., sua área comunitária de referência, onde é considerado uma “figura” de referência, pelo seu percurso como atleta, a par da conduta isenta de reparos que sempre norteou a sua conduta; está ainda referenciado pela pertença a uma família idónea e estimada pela comunidade; em ..., não estabelece interacções significativas, não sendo conhecido na freguesia. 50. Face à natureza dos factos pelos quais está acusado no presente processo, verbaliza em abstracto reconhecimento da sua ilicitude, bem como a existência de vítimas e danos, mas não se revê na prática dos factos, tais como descritos na acusação, responsabilizando terceiros, motivo pelo qual a sua expectativa é a de um desfecho processual favorável; a situação processual do arguido é acompanhada pela família, que lhe presta um apoio incondicional, não identificando qualquer implicação da mesma ao nível da confiança que o arguido lhes merece. Não se demonstrou que: A. No âmbito do contrato de patrocínio celebrado entre a UC... e “OFM, SA” para a época velocipédica de 2014, esta sociedade, ao longo do ano de 2013 e no período compreendido entre os meses de Janeiro e Julho de 2014, através do seu legal representante, entregasse ao arguido o montante global de € 88.516,82 (oitenta e oito mil, quinhentos e dezasseis euros e oitenta e dois cêntimos) e aquele assinasse pelo seu punho a correspondente declaração de recebimento. B. Como consequência directa e necessária das condutas perpetradas pelo arguido, a UC... visse perigar a sua situação financeira. C. Assim como experimentasse constrangimento com a “OFM, SA” com a instauração, enquanto autora, contra a mesma, enquanto ré, da acção declarativa de condenação que, com o n.º 12655/14.4T8PRT correu termos no Juízo (J6) Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. D. BB estivesse ao corrente de todas as despesas efectuadas pelo arguido e as autorizasse. E. As transferências bancárias efectuadas a partir da conta da assistente para a conta bancária do arguido o fossem ao balcão, por BB ou pelo arguido com a autorização prévia daquele. F. Essas transferências bancárias se destinassem a fazer face às despesas tidas com a equipa profissional continental de ciclismo da assistente. G. Fossem avultadas essas despesas dada a mobilização, por altura de cada uma das competições, de três veículos, que importavam gastos com o combustível, portagens e respectivo desgaste. H. O arguido usasse de cada uma das quantias transferidas da conta bancária da assistente para a sua conta bancária pessoal quando a antecedente se esgotasse. I. Os cheques entregues ao arguido por BB, na qualidade de Presidente da UC..., no início de 2013, fossem insuficientes para o pagamento de despesas referentes à gestão da equipa profissional continental de ciclismo da assistente. J. O arguido fosse remunerado pela assistente com um salário mensal de € 1.071,43 (mil, setenta e um euros e quarenta e três cêntimos) através de transferências bancárias, não o tendo recebido. * Com interesse para a discussão da causa, não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos.» 2.2. Direito 2.2.1. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação dos recorrentes (artigo 412.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal superior quanto a vícios da decisão recorrida. Tendo por referência as conclusões apresentadas, verifica-se que, a questão invocada pelo recorrente se resume a determinar o momento da constituição em mora, a decidir se a data a partir da qual são devidos juros de mora sobre a quantia de 48.865,00 euros (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), deverá ser a de 01.01.2014, como decidido no acórdão recorrido, se a da decisão condenatória, como decidido em 1ª instância, como defende o arguido recorrente, ou a data em que foi notificado para contestar o pedido de indemnização civil, o que, em alternativa, também defende o arguido recorrente. 2.2.2. Constituição em mora a. A determinação do momento de constituição em mora é de capital importância, pois faz surgir as consequências que lhe estão associadas e que dela dependem. A determinação deste momento, “depende da natureza da prestação debitória” no que ao tempo do seu vencimento diz respeito1. Distingue a lei, entre aquelas situações em que a constituição em mora não opera por si, estando, antes, dependente de iniciativa do credor (mora ex persona), e aquelas situações em que a “mora debitoris” emerge independentemente dessa iniciativa (mora ex re)2. Às primeiras, constituindo a regra geral, refere-se o n.º 1 do art.º 805º do Código Civil – C.C.. As segundas, constituindo excepções a esta regra geral, vêm previstas nas alíneas a) a c) do n.º 2, do citado artigo 805º e correspondem às situações de mora ex re, ou seja, em que esta nasce independentemente de interpelação. E, na alínea b) deste n.º 2 do art.º 805º preveem-se as obrigações que têm a sua fonte na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, sempre em mora, a partir do facto danoso. Aqui se diz que “há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito.” Trata-se de uma excepção admitida sem quaisquer reservas, como ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela3, e que vai ao encontro da regra geral contida no art.º 483º, segundo a qual aquele que viola ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos causados resultantes da violação, e com o estabelecido no artigo 566º n.º 2 do CC, do qual decorre que a quantificação dos danos é fixada temporalmente a montante pela data da prática do facto ilícito4. Em consequência deve aquele que viola ilicitamente o direito de outrem, indemnizar o lesado de todo o prejuízo por ele sofrido desde o momento da violação e não desde a data de qualquer acto posterior5. Sendo que, os juros moratórios exercem, também eles, função de indemnização pelo atraso no cumprimento, pela mora de uma prestação. São, assim, devidos a título de indemnização. Na verdade, o objectivo deveria ser o de repor a situação existente à data do facto ilícito, como se não tivesse existido, e a situação actual sem a verificação do acto lesivo6. O que é dizer que derivando a responsabilidade civil do devedor de facto ilícito, o momento de vencimento da obrigação é contemporâneo do momento do respectivo facto constitutivo. Porém se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido; só a falta de liquidez do crédito devido/da presação pode alterar este momento de acordo com esta regra in illiquidis non fit mora. Na verdade, determina o n.º 3 do art.º 805º do C.C., que se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número. Esta regra, (in illiquidis non fit mora), que a primeira parte do n.º 3 consagra, comporta duas excepções: sendo (i)uma no caso de a falta de liquidez for imputável ao devedor, caso em que este se considera constituído em mora a partir do momento em que, com a sua conduta tenha impedido a determinação do montante da prestação, e, (ii)outra nos casos em que tratando-se de uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, se considera que existe mora, apesar da iliquidez, desde a citação. b.No caso, o arguido recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo art.º 205.º, n.º 1 e 4, al. b), por referência ao disposto no art.º 202.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto nos art.º 50.º, 53.º e 54.º do mesmo Código, se suspende por igual período de tempo subordinada a regime de prova, para efeito devendo os serviços da DGRSP elaborar o PRS a que alude o art.º 494.º, n.º 3 do Código do Processo Penal. Na procedência parcial do pedido de indemnização civil formulado pela “União Ciclista ...”, enquanto demandante cível, contra AA, enquanto demandado cível, foi este, em consequência, condenado no pagamento àquela do valor global de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, a contabilizar à taxa legal desde 01/01/2014 (inclusive) até efectivo e integral pagamento. A condenação do arguido recorrente assentou, no que aqui mais interessa, na seguinte realidade factual: Ao longo do ano de 2013, o arguido transferiu da conta bancária titulada pela assistente no Banco “Montepio” com o n.º ...........47-2, para a sua conta bancária pessoal com o n.º ...........58-2, o montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros), nos seguintes termos: a. Em 01/02/13: a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); b. Em 06/02/13: a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros); c. Em 08/02/13: a quantia de € 600,00 (seiscentos euros); d. Em 13/02/13: € 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros); e. Em 22/03/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); f. Em 27/03/13: a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros); g. Em 17/05/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); h. Em 13/06/13: a quantia de € 110,00 (cento e dez euros); i. Em 19/06/13: a quantia de € 75,00 (setenta e cinco euros); j. Em 21/06/13: a quantia de € 160,00 (cento e sessenta euros); k. Em 19/07/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); l. Em 22/07/13: a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros); m. Em 26/07/13: a quantia de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros); n. Em 23/08/13: a quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros); o. Em 09/09/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); p. Em 10/09/13: a quantia de € 700,00 (setecentos euros); q. Em 12/09/13: a quantia de € 3.000,00 (três mil euros); r. Em 18/09/13: a quantia de € 440,00 (quatrocentos e quarenta euros); s. Em 25/09/13: a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros); t. Em 09/10/13: a quantia de € 500,00 (quinhentos euros); u. Em 11/10/13: a quantia de € 1.650,00 (mil, seiscentos e cinquenta euros); v. Em 15/10/13: a quantia de € 130,00 (cento e trinta euros); w. Em 17/10/13: a quantia de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros); x. Em 27/11/13: a quantia de € 3.750,00 (três mil, setecentos e cinquenta euros). 8. Em Janeiro de 2013, BB, na qualidade de Presidente da UC..., preencheu, assinou e entregou três cheques ao arguido para o pagamento de despesas referentes à gestão daquela, no montante global de € 23.050,00 (vinte e três mil e cinquenta euros), nos seguintes termos: a. Em 04/01/13, o cheque com n.º ........53, no montante de € 20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros), sacado sobre o Banco “Montepio”, da referida conta titulada pela UC...; b. Em 08/01/13, o cheque com n.º ........42, no montante de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), sacado sobre o Banco “Montepio”, da referida conta titulada pela UC...; c. Em 17/01/13, o cheque com n.º ........55, no montante de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), sacado sobre o Banco “Montepio”, da referida conta titulada pela UC.... (…) 16. Fazendo seu aquele montante global de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), que destinou conforme lhe aprouve, ciente de que causava à UC... um prejuízo pelo menos equivalente a esse valor. (…) Não é questionada a prática pelo arguido recorrente de um facto ilícito, de um crime de abuso de confiança qualificado, pelo que, como referido supra, há mora do devedor, do arguido recorrente, independentemente de interpelação (mora ex re), caindo, este caso, na previsão da al. b) do n.º 2 do art.º 805º do C.C. Só assim não seria se o crédito fosse ilíquido. Com efeito, levando em conta o disposto no n.º 3 do art.º 805º do CC, supra transcrito, não há mora enquanto se não tornar líquido o crédito ilíquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número. Consagra-se, na primeira parte deste preceito, a regra ou princípio in illiquidis non fit mora, ou seja, que, enquanto se não apurar o objecto da prestação, não poderá o devedor cumprir. Estar-se-á perante uma obrigação ilíquida, “quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor”7. Ou seja, é ilíquida a obrigação que sendo certa a sua existência, não está quantificado o montante da prestação, do crédito devido. Assim, não estando apurado o valor da prestação, e se por razões não imputáveis ao devedor, não poderá haver mora, por não haver culpa deste na demora do que for devido. No caso, como provado, o arguido recorrente apropriou-se da quantia de 48.650,00 euros, pertencente à demandante civil União Ciclista ... – UCS -, e foi nessa quantia que foi condenado por sentença em 1ª instância, confirmada pela Relação, no acórdão recorrido. O que é dizer que o arguido recorrente sabe desde a data da prática dos factos, da data da apropriação, do valor exacto da quantia devida de 48.650,00 euros, tendo-se como líquido o crédito desde este momento. Se o devedor está em condições de saber o que deve, quanto deve e a quem deve, não há motivos para se isentar de culpa na determinação do valor do crédito devido, da prestação. Não pode invocar a iliquidez pois esta é apenas aparente ou subjectiva. E esta não está coberta pela regra ou princípio in illiquidis non fit mora, apenas válida e invocável em relação a situações que configurem iliquidez objetiva ou real, dependente de acontecimentos ainda não verificados ou que sejam desconhecidos, em suma, por razões alheias ao devedor. Para o efeito da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº 3 do art.º 805º C.C. só releva a iliquidez objectiva, e esta só se verifica quando e enquanto o devedor não estiver em condições de saber quanto deve. “O princípio referido não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, quando ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjectiva.”8 No caso, provindo a responsabilidade do arguido duma obrigação pecuniária ligada exclusivamente a quantias certas e determinadas de que indevidamente se apropriou e não podia apropriar-se, inexiste qualquer situação de indeterminabilidade. Pelo contrário, tal como ressalta da matéria de facto dada como provada, o arguido sabia, desde a prática dos factos, que se tinha apropriado de várias quantias monetárias que não lhe eram devidas, sabendo do seu valor exacto individual e global. Pelo que, o momento da constituição em mora, dependendo este da natureza da prestação debitória no que respeita ao tempo do seu vencimento, é neste caso, o da prática do facto que a lei prevê e pune como crime, o momento em que é cometido. Os juros devem, assim, ser computados desde o momento em que o recorrente se apropriou das quantias identificadas e as colocou na sua esfera patrimonial, na sua disponibilidade, e não desde a data em que foi notificado para contestar o pedido de indemnização civil respeitante àqueles danos.9 Esta hipótese é admissível, apenas, nas situações em que, tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o crédito seja ilíquido, o que, como se disse, não é o caso. Acresce que, não tem aqui aplicação o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/02,a que se refere o recorrente e fixou jurisprudência no sentido de que, “[s]empre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art.º 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos art.ºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”. Com efeito no caso o montante global de 48.650,00 euros corresponde aos valores exactos de que o recorrente se “apropriou”, e só esses. O montante da indemnização não considerou quaisquer outros elementos de que pudesse depender aquele valor. Nada mais acresceu ao montante singelo das quantias “apropriadas”. E, nunca estes valores, quer os individuais, quer o montante global, foram actualizados ou acrescidos de qualquer quantia. Pelo que, não tendo a indemnização pecuniária sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art.º 566º do Código Civil, não tem aqui aplicação a doutrina daquele acórdão. Conclui-se, assim, que o momento da constituição em mora neste caso, de prática de um crime de abuso de confiança qualificado, em que o arguido se apropriou indevidamente de quantias que ascendem a 48.650,00 euros, é o momento da prática dos factos, o momento em que o crime é cometido e não o a data em que foi notificado para contestar o pedido de indemnização civil respeitante àqueles danos e muito menos o da data da sentença condenatória. Improcede, deste modo o recurso do arguido recorrente AA. 3. Decisão Nestes termos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em, -negar provimento ao recurso interposto pelo arguido-recorrente AA e confirmar, antes, o acórdão recorrido; -condenar o recorrente no pagamento das custas processuais (art.º 523.º do CPP). * Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Novembro de 2025 António Augusto Manso (Relator) Antero Luis (Adjunto) Maria Margarida Almeida (Adjunta) _________
1. Maria da Graça Trigo e Mariana Nunes Martins, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora-UCE, 2018, pág. 1128. 2. Brandão Proença e Ac.do STJ de 23.11.2010, citados por Maria da Graça Trigo e Mariana Antunes Martins, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, 2018, pág. 1129. 3. V. Código Civil anotado, vol. II, 2ª edição, 1981, Coimbra Editora, pág. 57. 4. 4Maria da Graça Trigo e Mariana Antunes Martins, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, UCE, 2018, pág. 1130. 5. 5v.Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 57. 6. 6Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2ª edição, 1973, Coimbra Editora, pág. 733. 7. Como se decidiu no Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo n.º 621/06.8TAPRG.P1.S1, in www.dgsi.pt. 8. Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo n.º 621/06.8TAPRG.P1.S1, in www.dgsi.pt. 9. v. Acórdão do STJ citado de 21/01/2016, proferido no processo n.º 621/06.8TAPRG.P1.S1, in www.dgsi.pt. |