Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES (RELATOR DE TURNO) | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES APREENSÃO AUTORIDADE JUDICIÁRIA CORREIO DE DROGA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA MEDIDA DA PENA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 08/27/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENO. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. Com a nulidade por excesso de pronúncia proíbe-se que o objeto do processo seja alargado unilateralmente, agravando a responsabilidade penal, apenas na decisão final do tribunal. II. O Tribunal tem de conhecer e decidir sobre todos os factos que conformam o objeto do processo, mas não pode conhecer de factos diversos dos imputados ao arguido. III. No regime processual especial da Lei do Cibercrime, a tradicional busca deu lugar à pesquisa em sistemas informáticos da representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma suscetível de processamento naqueles sistemas, incluindo os programas aptos a faze-lo executar uma função. IV. A pesquisa livremente consentida pelo titular dos dados ou documentos, pode ser efetuada por OPC, sem autorização da autoridade judiciária. V. O consentimento dispensa, salvo disposição em contrário, o controlo e validação posterior da autoridade judiciária, porque, nessas circunstâncias, a intromissão na privacidade ou na correspondência não é abusiva. VI. O facto de se tratar de chats[1] e sms[2], em suma, de comunicações eletrónicas (que podem incluir textos, imagens, vídeos, áudios, etc.) não obsta a que o titular consinta, livremente, na respetiva pesquisa. VII. O OPC pode, no decurso de pesquisa informática, legitimamente executada, - designadamente mediante consentimento documentado -, apreender para os autos dados ou documentos informáticos, em suma, prova eletrónica necessária à demonstração de um crime e do seu agente, também sem prévia autorização da autoridade judiciária – art. 16º n.º 2 da Lei do Cibercrime. VIII. Quando assim suceder, tem sempre de submeter a apreensão efetuada a validação da autoridade judiciária competente no prazo máximo de 72 horas. IX. Quando os dados ou documentos apreendidos tenham conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do titular ou de terceiro são, sob pena de nulidade, apresentados ao juiz, que ponderará da junção aos autos tendo em conta os interesses do caso – art 16º n.º 3. Da citada Lei. X. A nulidade resultante da não apresentação ao juiz de instrução dos dados e documentos apreendidos em suporte ou sistema informático, que tenham aquele conteúdo particular, consubstancia a proibição de obtenção de prova, estatuída nos arts. 32º n.º 8 da Constituição da República e 126º do CPP XI. As provas obtidas com intromissão na vida privada, na correspondência e nas telecomunicações não são nulas se o seu titular nisso consentir, livre e esclarecidamente - art.º 126º n.º 3 do CPP – porque não são obtidas por método proibido, não advindo ao processo por “abusiva intromissão” naqueles direitos fundamentais XII. Nas demais situações a validação da apreensão efetuada pelo OPC em inquérito, compete ao Ministério Público. XIII. A não validação da apreensão de dados ou documentos informáticos que não tenham conteúdo suscetível de respeitar à privacidade ou intimidade, porque obrigatória, configura a nulidade cominada no art.º 120º n.º 2 al.ª d) do CPP. XIV. Nulidade que resulta sanada se não for arguida nos prazos estipulados no seu n.º 3. _______ [1] Conversação, em tempo real | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:
I. RELATÓRIO: a) a condenação: No Juízo Central Cível e Criminal ..... - Juiz .., mediante acusação do Ministério Publico, imputando-lhe a coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, p. e p. pelos arts. 21º n.º 1 e 24º al.ªs b) e c) do DL n.º 15/93 de 22/01, com referência às tabelas I -A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma legal, foi a arguida (e outros): - AA, de 34 anos e os demais sinais dos autos, julgada e, por acórdão de 29 de janeiro de 2021: - absolvida do crime de tráfico agravado; - condenada pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do DL n.º 15/93, de 22 janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão, O Tribunal coletivo decretou a perda em favor do Estado do numerário, da mala de porão, da mala pessoal e dos telemóveis, bem como a perda e destruição dos estupefacientes apreendidos. 2. o recurso: A arguida, inconformada, recorre perante o Supremo Tribunal de Justiça. Remata a alegação com as seguintes conclusões: 1. Nulidade de excesso de pronúncia: foi cometida no recorrido acórdão a nulidade, tipificada no art. 379.º n.º 1 alínea c) do CPP. 2. em várias passagens, especificadas na motivação a pág. 2 a 5, a decisão recorrida enumera situações que se não relacionam com os factos provados, fazendo conjetura sobre provável viagem efetuada pela arguida a 9/09/2019, fazendo alusão à natureza de um determinado bilhete de avião “possivelmente relacionado com o regresso”, viagem não efetuada pela arguida, 3. Aludindo ao facto de a arguida se encontrar profissional e familiarmente desinserida, que “a relação de tipo conjugal com o companheiro não se mostrou suficientemente forte para mantê-la afastada do mundo da droga”, que a colaboração da arguida foi cirúrgica, omitindo deliberadamente factos (que o acórdão não concretiza), e que não alcançou qualquer resultado prático expressivo para além daquele que “a arguida poderá ter equacionado como vantajoso”, o que traduz mera conjetura. 4. Nulidade da busca efetuada ao telemóvel da arguida: – meio de prova enganoso art.º 126.º n.º 2 alínea a) “in fine” do CPP – Violação do art.º 174.º n.º 6 do CPP – Violação do art.º 16.º n.º 4 da Lei 109/2009. Não foi cumprida a obrigação da validação da busca feita ao telemóvel da arguida, uma vez que validada não foi pelo Juiz de Instrução, como manda o disposto no art.º 174.º n.º 6 do CPP. 5. Que seria exigível atento o constante do art.º 16.º n.º 4 na Lei 109/2009. Foi por isso cometida a nulidade insanável e insuprível, - por violação do citado art.º 174.º n.º 6 do CPP e ainda por cair no capítulo das chamadas “provas proibidas” (elencadas no art.º 126.º CPP) escapando ao “catálogo” das predeterminadas nulidades expressamente previstas nos art.º 119.º e 120.º do mesmo diploma legal. 6. Ao efetuar a busca ao telemóvel da arguida e ao não comunicá-la ao JIC, o OPC atuou de modo enganoso, “esquecendo” uma obrigação tendente à validação da busca o que constitui prova proibida prevista no art.º 126.º n.º 2 a) “in fine” do CPP. 7. Sendo declarada nula a apontada busca, as provas através desta obtidas não têm qualquer valor (art.º 122.º n.º 1 do CPP). 8. O douto acórdão deveria ter interpretado a norma constante do mencionado art.º 174.º n.º 6 do CPP em conjunção com o disposto no art.º 16.º n.º 4 da Lei 109/2009 no sentido de não aceitar tal prova desse modo obtida por ser, também ela, nula. 9. Da medida da pena - Violação do art.º 40.º n.º 2 e art.º 71.º 1 e 2 do CP: A pena aplicada à recorrente mostra-se, pelas razões especificadas na Motivação e os considerandos “supra” aduzidos, excessiva e desconforme ultrapassando a medida da culpa – em violação do disposto no art.º 40.º n.º 2 do Código Penal, limite inultrapassável para qualquer condenação em matéria criminal, pelo que a instância violou, por erro interpretativo, o disposto nos arts.º 40.º n.º 2 e 71.º n.º 1 e 2 do CP. 10. Violação do art.º 31.º do DL 15/93 de 22 janeiro O comportamento processual da recorrente – “maxime” a sua postura no decurso dos autos, com especial relevância para a confissão abrangente (a ponto de outras pessoas virem a ser detidas, constituídas arguidos e alvo de prisão preventiva), aliada ao sincero arrependimento manifestado nas declarações lidas em audiência – imporia considerar-se como “arrependida” capaz de beneficiar da norma do art.º 31.º da Lei da Droga. 11. este preceito prevê comportamentos semelhantes aos mantidos pela recorrente. 12. A sua vontade de colaborar com a Justiça traduziu-se na revelação de nomes, identidades concretas e reais, situações e, até, reconhecimento de residências. 13. auxiliou as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis” precisamente uma das exigências contidas no referido art.º 31.º da Lei 15/93 de 22 de Janeiro. 14. Ao não incluir a colaboração da arguida na invocada previsão, o acórdão violou, por erro de interpretação, o citado normativo. 15. Deveria o douto acórdão considerar a colaboração como reunindo os pressupostos de aplicação do citado art.º 31.º da Lei da Droga, condenando-se a arguida em pena de prisão especialmente atenuada e não excedendo 3 anos de prisão. 16. num caso da dimensão humana deste jaez, mesmo que não existisse a norma do art.º 31.º Da Lei da Droga, ainda assim a arguida deveria beneficiar do regime de atenuação especial da pena, nos termos do disposto no art.º 72.º n.º 1 do CP. 17. Da suspensão da pena de prisão: na determinação/gradação da medida da pena, deve o Tribunal atender à conduta anterior do agente. No caso concreto, a arguida, apesar de consumidora de drogas duras, sempre se manteve fiel ao Direito, até ao cometimento do apontado tráfico, sendo isenta de condenações criminais anteriores. 18. o instituto de suspensão se perfila como “um poder/dever” do julgador, de indagar da possibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável para o futuro daquele que delinquiu. 19. Como entende a Jurisprudência, a suspensão da execução da pena de prisão não pode deixar de ser entendida como uma medida pedagógica e reeducativa, com vista à realização das finalidades da punição, isto é, da proteção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (art.º 40.º n.º 1 do Código Penal). 20. A arguida não tem antecedente penais ou processuais criminais pendentes. O que deve significar que este terá sido um acto esporádico no seu percurso de vida. 22. “In casu”, a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro da arguida resulta da sua conduta anterior e as provações porque tem passado. A censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão se mostrariam suficientes para afastá-la da criminalidade. 24. “a capacidade de do arguido se ressocializar em liberdade” é quase um pressuposto na filosofia do nosso Direito Penal, onde a matriz cristã impera e onde a reintegração do agente na sociedade é ela própria, elemento preponderante dos fins das penas. 25. Ao condenar a recorrente em pesada pena de prisão, o recorrido acórdão violou, por erro de interpretação, quer o disposto no art.º 40.º n.º 2 e 71º n.º 1 e 2 do CP, quer o disposto no art.º 31.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, quer ainda o disposto no art.º 50.º n.º 1 e 53.º (Regime de Prova) – do Código Penal. Peticiona a redução da pena, pretendendo ser condenada em 3 anos de prisão com execução suspensa. 3. resposta do Ministério Público: O Procurador da República no tribunal recorrido respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso e a confirmação da condenação.
4. parecer do Ministério Público: O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, pronuncia-se, doutamente, pela improcedência do recurso, argumentando (em síntese): A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, ocorre quando o tribunal se debruça sobre questão de que não podia conhecer («ne procedat judex ex officio»). O tribunal, deve emitir pronúncia sobre todos as questões relevantes, compreendidas no objecto do processo, que constem da acusação/pronúncia, contestação, e bem assim resultantes da discussão contraditória da causa. A leitura do narrado no ponto 9, da acusação pública, permite verificar qua aí se indicam pelo menos doze viagens efectuadas pela recorrente AA, desde data não apurada do ano de 2017 a 1 de Fevereiro de 2020, realizadas entre ….. e ............, pelo que, a não pronúncia sobre as mesmas é que constituiria um vício da sentença, o de omissão de pronúncia, com assento no art.º 379º, n º 1, alínea c) primeira parte, do Código de Processo Penal. Como resulta do acórdão, foram apreendidos à recorrente à chegada em 2 de Fevereiro de 2020, ao aeroporto …, em ......., três telemóveis. Como a própria reconhece na motivação, as pesquisas de que resultaram as apreensões (prova digital) foram antecedidas do seu consentimento voluntário, prestado à PJ (de resto, quer nos documentos referidos no despacho de aplicação de medida de coacção, datado de 3 de Fevereiro de 2020, onde consta a referência a «termos de consentimento de fls.7e 9», quer na acusação pública, na indicação da prova, sob E) - prova documental. Temos assim, que é ponto assente que pesquisa e apreensão de dados informáticos dos telemóveis da recorrente, foi feita com o consentimento voluntário e expresso, reduzido a escrito, daquela que era a titular do seu conteúdo. Acresce que nos termos do n º 3, alínea a), do art.º 15º, n º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), era lícito à Polícia Judiciária, independentemente, de prévia autorização de autoridade judiciária, para tal, proceder à pesquisa de dados informáticos. In casu tais dados eram constituídos por (vídeos, fotografias, chat no Facebook e SMS) inscritos e operando através de sistema informático, pertencentes à arguida/recorrente. No domínio da prova digital, a coexistência do CPP, da Lei n º 32/2008, de 17 de Julho, e da Lei n º 109/2009, de 15 de Setembro, com origem na transposição da Decisão Quadro n º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, veio dar origem a um intrincado complexo normativo com áreas de sobreposição, tornando, por vezes, tarefa difícil a sua hermenêutica. Aqui, radicarão, as diversas correntes interpretativas do regime em causa, como aliás vários obras sobre a matéria tem salientado, e a jurisprudência na sua diversidade, reflecte (…). Haver-se-á, a nosso ver, que concluir que o modus operandi seguido no caso vertente, não releva de qualquer desconformidade processual e muito menos de prova proibida. Da alegada violação do art.º 31º do DL n º 15/93, de 22 de Janeiro e da medida da pena: Sob a epígrafe Atenuação ou dispensa de pena, dispõe o invocado preceito: “Se, nos casos previstos nos artigos 21º, 22 º, 23º, e 28º, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade, afastar ou fizer diminuir por forma considerável o perigo produzido pela sua conduta, impedir ou se esforçar seriamente por impedir que o resultado que a lei quer evitar se verifique, ou auxiliar concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações, pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena.” A jurisprudência tem vindo a acentuar que o inciso supratranscrito não é de aplicação automática não prescindindo de uma ponderação casuística, em ordem a aferir, in concreto se é ou não caso que releve da sua aplicação. O Tribunal Colectivo, pronunciou-se sobre a colaboração da recorrente, consignando, na individualização da medida da pena: “§12.5 Pese embora a arguida tenha prestado alguma colaboração com a Polícia Judiciária em sede de inquérito como a testemunha BB deu nota, não foi de molde à responsabilização dos demais co-arguidos (relativamente aos quais, de resto, não resultou provado o envolvimento na rede, sem prejuízo, naturalmente, de as diligências de investigação lhe serem totalmente alheia). Ademais tal colaboração, foi surgindo a «conta-gotas» (conforme mencionou a citada testemunha) e iniciou-se numa altura em que, cronologicamente, já não era possível orquestrar a «entrega vigiada» ao transporte de 1de Fevereiro de 2020. Por seu turno, tal colaboração foi cirúrgica naquilo que a arguida AA pretendeu dizer e naquilo que deliberadamente pretendeu omitir (basta compaginar as declarações prestadas em sede de 1º interrogatório de arguido detido, comas demais «démarches» do inquérito, não tendo alcançado qualquer resultado prático e expressivo para além daquilo que poderá ter equacionado como vantajoso no contexto do seu estatuto coactivo, E tal apenas surgiu, sublinhamos, por ter sido “apanhada” na traficância e não podendo escapar, à sua responsabilidade, e não por hipótese, anterior e espontaneamente, no contexto de qualquer rebate de consciência relativos aos três transportes de droga anteriores (aí sim, como genuinamente, podia). Deste modo e sem deixar de relevar para a determinação concreta da pena, não se configura de molde à atenuação especial da pena, a que alude o art.º 31º do citado diploma, tal como pugnou nas suas alegações finais.” Itálico introduzido no texto. Ou seja, a «colaboração» da arguida/recorrente, não foi espontânea, reveladora de arrependimento, mas surge, no contexto da sua detenção em flagrante delito, e foi de tal modo faseada no tempo que impediu a PJ de seguir o estupefaciente transportado para ...... até ao seu destino, o que provocaria, naturalmente, diverso resultado final da investigação. Anote-se que, no momento crucial que é da discussão ampla e contraditória da causa, isto é na audiência de julgamento, a recorrente «entrou muda e saiu calada», como é seu direito. Vista a matéria de facto provada, temos que a recorrente cometeu em autoria material um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n º 1, do DL n º 15 /93, de 22 de Janeiro, com referência as suas tabelas anexas I-B (cocaína) e I-C, a que corresponde em sede de moldura penal abstracta pena de prisão de 4 a 12 anos. O Tribunal Colectivo, como se vê da decisão , em conformidade com o art.71º, n º 1 do CP, partindo do binómio culpa/prevenção, e ponderando também os itens do n º 2 do referido inciso penal, teve em conta a provada actuação da arguida enquanto «correio de droga», os estupefacientes apreendidos em 2 de Fevereiro de 2020, a sua natureza e quantidade, aplicou à arguida pena de seis (06) anos de prisão, quantum que se nos afigura respeitar aquele mínimo penal ainda adequado a satisfazer as necessidades de prevenção geral, sem ultrapassar o que a culpa consente. 5. contraditório: Observado o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP, a arguida nada disse. «» Dispensados os vistos, o processo foi à conferência. Cumpre decidir. II - OBJETO DO RECURSO: São as seguintes as questões para julgar: - nulidade por alega omissão de pronúncia; - nulidade da “busca” de dados armazenados no telemóvel - prova eletrónica; - atenuação especial - colaboração; - medida da pena; III – FUNDAMENTAÇÃO:
1. os factos: O Tribunal coletivo julgou provados os seguintes factos: (respeitantes à recorrente): I. Da acusação pública 1. Em data não concretamente apurada do ano de 2017, em 06.09.2019 e em 06.01.2020, a arguida AA, a mando e por conta de terceiros, viajou do aeroporto ......., em ... ao aeroporto ........, em ........, transportando consigo, em cada uma dessas ocasiões, haxixe em quantidades não concretamente apuradas mas próximas de 6Kg., destinado a terceiros nesta ilha ......, ocasiões em que combinava com estes as entregas, deles recebendo a quantia monetária que deveria ser entregue aos terceiros da proveniência. 2. No dia 01.02.2020, a arguida AA transportava na mala/ bagagem de porão, canabis-resina com o peso líquido de 5.887,242 gramas, suscetível de ser dividida em 24.255 doses diárias individuais, e cocaína com o peso líquido de 111,40 gramas, que poderia ser dividida em 325 doses diárias individuais, produto esse destinado a ser entregue a terceiros, o que apenas não sucedeu pois veio a ser detida pela Policia Judiciária na madrugada do dia seguinte, no aeroporto ......., em ...... . 3. No dia 02.02.2020, pelas 1:05h., no aeroporto .........., em ........., a arguida AA tinha os seguintes objetos na bagagem de mão: (i) um cartão de embarque da Sata Azores Airlines relativo a uma viagem ,,,,,/ ............; (ii) um cartão com a denominação Lisboa Viva, titulado por CC; (iii) um cartão com a denominação Lisboa Viva, titulado por DD; (iv) um telemóvel da marca Samsung, modelo Duos, com os IMEI …7/0 e ……….7/8; (v) um telemóvel da marca Wiko com os IMEI …69 e ………..62; (vi) um telemóvel da marca Samsung com os IMEI …17 e …17; (vii) seis notas no BCE com o valor facial de € 20,00, perfazendo o montante total de € 120,00, por conta da realização do transporte. 9. A arguida AA tinha perfeito conhecimento de que os produtos que deteve são considerados, pela sua composição, natureza, características e efeitos, substâncias estupefaciente/psicotrópica, e como tal, que toda a atividade relacionada com ela, designadamente a detenção e o transporte lhe estava vedada, tendo agido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei. II. Mais se provou, das condições pessoais da arguida AA e a sua situação económica e das condutas anteriores aos factos À data dos factos, e desde o verão de 2019, a arguida AA residia com um companheiro num quarto tomado de arrendamento em ......., com o qual mantém o contacto. A arguida tem uma filha fruto de um relacionamento afetivo na sua adolescência, presentemente com 17 anos de idade, a qual se encontra institucionalizada, e tem um filho fruto de uma relação amorosa que durou cerca de seis anos, presentemente com 9 anos de idade, o qual reside com o progenitor. Interrompeu processo de escolarização em Cabo Verde quando da gravidez, ocasião em que emigrou para Portugal, onde residia a sua progenitora. No ano letivo de 2012/2013 frequentou um curso de formação profissional de cozinha, pastelaria e bar que lhe deu equivalência ao 9º ano de escolaridade. Trabalhou pontualmente desde os 17 anos de idade. À data dos factos estava desempregada. Iniciou o consumo de substâncias estupefacientes em finais de 2016 e, desde então, o seu percurso de vida foi determinado pela adição, tendo integrado grupos de pares conotados com o consumo e a comercialização de substâncias ilícitas. Em dezembro de 2019 iniciou um acompanhamento terapêutico no CAT ....., tendo mantido, no entanto, os consumos de cocaína, o que somente terminou com o início da medida de coação aplicada nos autos. Mantém o acompanhamento terapêutico na referida unidade de saúde. Tem cumprido a medida de coação vigente sem incidentes. Nada consta do seu certificado do registo criminal. 2. o direito: a) do excesso de pronúncia A recorrente argui a nulidade do acórdão recorrido imputando-lhe excesso de pronúncia, por, em seu entender, conjeturar, na fundamentação, “sobre provável viagem” em 9/09/2019, aludindo a um bilhete de avião «possivelmente relacionado com o regresso», sem que conste dos factos provados. E também por conjeturar que a sua colaboração “foi cirúrgica, omitindo deliberadamente factos (que o acórdão não concretiza), e que não alcançou qualquer resultado pratico expressivo para além daquele que “a arguida poderá ter equacionado como vantajoso”. Estabelece o art. 379º n.º 1 al.ª c) do CPP que é nula a sentença quando o tribunal “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Formula legal que consagra a nulidade da sentença ou acórdão por excesso de pronúncia. Proíbe-se assim que o objeto do processo seja alargado unilateralmente, agravando a sua responsabilidade penal, apenas na decisão final do tribunal, obstando a que arguido possa ver-se confrontado com factos ou crimes de que não vinha acusado ou pronunciado, nem pôde satisfatoriamente defender-se, por falta de conhecimento atempado. Excesso de pronúncia ocorre, então, quando a sentença extravasa a vinculação temática do tribunal, estabelecida pela acusação ou pronúncia, pela contestação e por questões de conhecimento oficioso convocadas pelos thema probandum e decidendum. Se o Tribunal tem de conhecer e decidir sobre todos os factos que conformam o objeto do processo, não pode conhecer de factos diversos dos imputados ao arguido ou que este tenha alegado na defesa, contanto intercedam diretamente como os factos de que vem acusado. Na jurisprudência do STJ, “excesso de pronúncia significa que o Tribunal conheceu de questão de que não lhe era lícito conhecer porque não compreendida no objeto” do processo. “O conhecimento proibido é o que resulte de decisão não compreendida”[1] pelas concretas questões de facto e de direito submetidas a julgamento. Assente nesta interpretação, adianta-se que a argumentação da recorrente é manifestamente infundada. No acórdão recorrido, da facticidade assente constam 4 viagens aéreas da arguida para ....... transportando estupefaciente/s: uma em data não concretamente apurada do ano de 2017; outra em 06.09.2019; outra em 06.01.2020 e a última em 01.02.2020. Da alínea h) da decisão em matéria de facto consta que o tribunal julgou não provado que a arguida efetuou, “entre outras, viagens ocorridas em 12.02.2018, 12.06.2018, 07.11.2018, 29.12.2018, 29.01.2019, 16.04.2019, 28.06.2019, 10.08.2019 e 23.11.2019 – , transportando consigo, em cada uma dessas ocasiões, cerca de 6 kgs de canabis-resina e/ou pelo menos 120 gramas de cocaína e/ou heroína”. Estas – como as que o tribunal julgou provadas - eram viagens que a acusação do Ministério Público imputava à arguida, nas quais teria transportando estupefacientes entre o continente e ...... Isto é, imputando-lhe em cada uma, concretos e especificados atos de tráfico na modalidade denominada por «correio de drogas». Incontestavelmente que a recorrente não visa a decisão da facticidade julgada provada e não provada. Reporta-se, claramente, ao § 4 da motivação da decisão da matéria de facto na parte em que do mesmo consta: “de todas estas mencionadas viagens – dez, no total, excluindo as viagens de 2017 e de 01.02.2020 – é possível estabelecer, com segurança, a ligação ao transporte de dinheiro (e, com isto, presumidamente ao transporte de droga a montante, conforme o modus operandi descrito pela arguida) em duas dessas ocasiões, atento o vídeo e as imagens de 07.01.2020 (fls. 192 e 193), onde a arguida também surge, e de 09.09.2019, onde se veem garrafas de licores típicos e produzidos na ilha, e que, num caso e noutro, evidenciam uma quantidade avultada de dinheiro, precisamente nas cit. datas em que se encontrava em ..........”. É certo que da acusação não consta que a arguida tenha efetuado, em 09.09.2019. viagem aérea para ............, transportando estupefacientes. Imputou-lhe e resultou provado no acórdão recorrido ter efetuado viagem área …….-............ em 06.09.2019. Como justificar então que, não constando da acusação nem da facticidade provada (e não provada), na motivação da decisão da matéria de facto se dê como assente ter viajado no dia 09.09.2019, “presumidamente” transportando “droga”? Explica-se por duas razões: --------------------- - a primeira, porque a motivação da decisão da matéria de facto não foi tão clara e explicita quanto se lhe exigia. Embora deixe implícito que essa viagem da arguida em 09.09.2019, foi de regresso ao continente, porque tem outra “a montante” (e, complementarmente, porque aparece nas imagens e vídeos com “garrafas de licores típicos e outros produtos da ilha”), deveria ter completado a exposição do raciocínio lógico subjacente, esclarecendo que a viagem de ida, efetuada entre …. e ........, foi, - só poderia ter sido - a realizada três dias antes, em 6.09.2029, na qual a arguida transportou estupefacientes para a ilha de ....... (conforme consta dos factos provados); - a segunda, pela leitura truncada daquele trecho da motivação da decisão recorrida que a recorrente propositadamente faz, olvidando-se da ali mencionada viagem “a montante” para poder invocar excesso de pronúncia, com o fundamento que aduz em primeiro lugar (em síntese: que da acusação não consta viagem de ida a 09.09.2019). Se o Tribunal poderia ter sido mais explicito, enunciando claramente que a viagem daquele dia 9 foi regresso a ….., assim completando o percurso de ida e volta, na qual a ida tinha sido dia 6 (três dias antes), certo é que a recorrente compreendeu bem que subjacente ao expressado no acórdão recorrido está o raciocínio lógico assente na consideração de que nessa viagem a “montante”, transportou estupefacientes para .... . De qualquer modo, mesmo na leitura sincopada da recorrente, a haver algum defeito, não seria, certamente, a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, porque o tribunal não julgou provado que em tal viagem a arguida tivesse transportado estupefacientes. Essa viagem e, sobretudo, os artigos que a arguida trazia (no regresso ao continente), evidenciando possuir “uma quantidade avultada de dinheiro”, levaram ou coadjuvaram o tribunal coletivo a convencer-se que na viagem “a montante” – a efetuada em 06.09.2019 – tinha transportado estupefacientes para ............. Em outro registo, aquela viagem e, sobremaneira, os licores e produtos da ilha que nela trazia (no regresso), - sendo, evidentemente, factos -, serviram aqui de prova indireta ou indiciária para, num raciocínio logicamente razoável, concluir que a arguida tinha, com a mesma, conseguido montante monetário avultado, proveniente do serviço de «correio de droga» levado a cabo na viagem de ida (a tal a montante), realizada no terceiro dia antecedente, em dia 6.09.2019. Não se está, pois, perante factos que tenham sido acrescentados pelo tribunal ao objeto do processo definido pela acusação. A arguida não foi condenada por transportar estupefacientes na viagem de regresso ...... -….. realizada em 09.09.2019. São factos meramente probatórios que influíram, sobremaneira, na formação da convicção do tribunal, motivando a decisão de julgar provado que a arguida, na viagem de ida, entre ….. e ......, havida em 6 de setembro de 2019, transportou estupefacientes. Facto meramente probatório e objeto do processo, são entidades juridicamente distintas. Quanto ao objeto do processo já se disse o suficiente. A prova, de qualquer espécie, visa demonstrar – ou infirmar – o objeto do processo, isto é, os factos que integram os elementos constitutivos de um crime e os pressupostos da responsabilidade do agente. Deste modo, com mais ou menos explicitação da decisão relativamente à prova ou à afirmação de que se comprovaram as viagens efetivamente efetuadas pela arguida para ....., umas sem transportar estupefaciente e outras levando-o nos termos descritos na matéria de facto assente, é incontestável que o acórdão recorrido não alargou o objeto do processo. Na viagem aérea de 9.09.2019, a que se refere a recorrente, de volta ao continente, não se julgou provado que a arguida tenha transportado estupefacientes. Ou seja, da realização dessa viagem - que não consta dos factos julgados provados (nem dos julgados não provados), mas que na motivação da decisão em matéria de facto se conclui ter sido efetuada -, não se extraíram quaisquer consequências jurídicas para a responsabilização e punição da arguida. Serviu simplesmente de dado de facto que influiu na formação da convicção do tribunal. Pelo que a questão colocada pela recorrente só poderia dilucidar-se no âmbito da validade (em sentido amplo) da prova e não, apropriadamente, em termos de excesso de pronúncia. Quanto ao outro segmento desta parte da argumentação da recorrente – respeitante à avaliação da extensão e sinceridade da confissão -, não se compreende em que se poderia consubstanciar excesso de pronúncia. Neste aspeto a recorrente, questiona o exame crítico efetuado pelo Tribunal enunciado no §12.5 da motivação da decisão recorrida, na qual se fundamenta a escolha e medida da pena. A recorrente não ignora, certamente, que a valoração das suas declarações, que não foram prestadas na audiência de julgamento nos termos do art. 344º n.º 2 do CPP, estão submetidas ao regime de valoração probatório consagrado no art.º 127º do mesmo Código. Outro tanto sucede com a valoração da postura processual que decidiu assumir e manter. Pelo que, nada adiante pretender aqui, em recurso restrito à matéria de direito, sobrepor a sua própria e interessada avaliação das próprias declarações e da conduta assumida na audiência, ao juízo que desses mesmos elementos de prova efetuou o tribunal. A discordância da convicção e da avaliação não tem cobertura na norma processual penal convocada pela arguida, nem pode fundamentar recurso perante o STJ. Não enferma, pois, o acórdão recorrido da arguida nulidade por excesso de pronúncia. Assim, por infundada, improcede esta pretensão da recorrente.
b) da nulidade (da prova informática): i. argumentação da recorrente: A recorrente argui a nulidade – que qualifica “insanável e insuprível” - da busca efetuada ao telemóvel que lhe foi apreendido, sem que tenha sido observado o disposto nos arts. 174.º n.º 6 do CPP e 16.º n.º 4 da Lei 109/2009, ainda que radicando em não ter sido validada por juiz de instrução. Argumenta que a valoração, pelo tribunal de julgamento, dos dados assim obtidos, traduziu-se na utilização de prova proibida, catalogada “no art.º 126º n.º 2 a), in fine, do CPP.”. Em síntese, questiona a admissibilidade da prova obtida na pesquisa efetuada nos telemóveis que lhe foram apreendidos, insurgindo-se, não diretamente contra a pesquisa – porque livremente consentida -, mas em razão da não sujeição da apreensão dos dados assim obtidos a validação pelo juiz de instrução. A solução para o caso tem como pressuposto incontornável, o consentimento da arguida, livre e documentado, na pesquisa e, concomitantemente, não configurar uma situação de violação – intolerável e desproporcionada – de direitos fundamentais catalogados na norma do n.º 8 do art. 32º da Constituição da República. Todavia, se bem que não tratadas autonomamente pela recorrente, são duas e diversas as questões suscitadas: - a primeira, consistente na validade da pesquisa (que a recorrente qualifica, impropriamente, de “busca”) nos seus telemóveis; - a segunda, centrada na validação da apreensão, comportando três vertentes distintas consistentes em: determinar: - qual a autoridade judiciaria competente para validar a apreensão efetuada pelo OPC; . saber se a validação pode ocorrer tacitamente; - as consequências processuais da não validação da apreensão.
ii. na decisão recorrida: O acórdão recorrido, apreciando e decidindo a arguição da nulidade, considerou tratar-se da apreensão de dados “inscritos e operando através de sistemas informáticos”, submetidos à disciplina da Lei do Cibercrime. Constatou que “as buscas foram consentidas” pela arguida, sendo, por isso, legais, assim como a apreensão dos telemóveis e a pesquisa de “dados informáticos - no caso, vídeos, fotografias, chat no facebook e sms” -, que armazenavam. Expendendo que “embora devessem ter sido sujeitas a validação pela autoridade judiciária no prazo máximo de 72 horas (…), o que, (…), não teve lugar”, conclui tratar-se de “inobservância de formalidade legal”, considerando ser vício gerador de mera irregularidade, que ficou sanada por não ter sido tempestivamente deduzida. Resultado – que não o entendimento subjacente - que, embora carecendo de aperfeiçoamento terminológico, imposto pelo regime processual especial aplicável. no essencial, - ademais de encontrar apoio jurisprudencial -, se tem por fundado, mas, com a correção de a invalidade resultante da não validação da apreensão dos dados informáticos em causa configurar a nulidade cominada no art. 120º n.º 2 al.ª c) do CPP e não, portanto, mera irregularidade. Todavia, a conclusão no caso é a mesma, tendo resultado sanada por não arguição tempestiva – cfr. art.º 120º n.º 3 al.ª c) do CPP. Vejamos:
iii. regime processual especial: Assinala-se que o próprio legislador entendeu por bem advertir expressamente que “as leis modernas têm que tratar de forma adequada as novas realidades criminógenas, incriminando-as e dotando as entidades competentes das ferramentas necessárias à sua investigação e julgamento”. Por isso, “a adopção, para a investigação de crimes informáticos, de medidas processuais especiais, significa necessariamente uma compressão das liberdades dos cidadãos no ciberespaço”[2]. Como entendeu, corretamente, o Tribunal recorrido, o procedimento da pesquisa e da apreensão de dados armazenados nos telemóveis da arguida é especialmente regulado pela Lei n.º 109/2009 de 15 de setembro, doravante Lei do Cibercrime. Pelo que, a situação concreta em apreço rege-se pelo disposto nas seguintes normas legais (que, de passo, vamos comparando com o regime adjetivo penal geral): - art. 11º n.º 1 al.ª c) – porque o crime em investigação e pelo qual a arguida vem condenada, - tráfico de estupefacientes, cometido na modalidade habitualmente designada por «correio de droga» -, demandava que se procedesse à pesquisa e recolha de prova em suporte eletrónico, concretamente em dados armazenados nos telemóveis (três) que lhe foram apreendidos; - art. 15.º n.ºs 1 e 3 al.ª a) – na parte em que estabelece (sublinha-se para realçar): “quando no decurso do processo se tornar necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático”, “o órgão de polícia criminal pode proceder à pesquisa, sem prévia autorização da autoridade judiciária, quando a mesma for voluntariamente consentida por quem tiver a disponibilidade ou controlo desses dados, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado – e n.º 6 – que manda aplicar à pesquisa, “com as necessárias adaptações, as regras de execução das buscas previstas no Código de Processo Penal” (pautadas nos arts. 176º e 177º); - art. 16.º n.º 2 – na parte que dispõe: “quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade” “o órgão de polícia criminal pode efetuar apreensões, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos termos do artigo anterior” – e n.º 4 – estatuindo “as apreensões efetuadas por órgão de polícia criminal são sempre sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas”; e - art. 17º, dispondo: “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal” - nos arts. 179º e 252º. iv. pesquisa consentida: Na hermenêutica jurídica do regime processual especial – cfr. art.º 1º -, da Lei do Cibercrime, bem assim como na sua própria expressão normativa, a tradicional busca (de coisas, objetos ou animais relacionados com o crime, do arguido ou de outras pessoas – art.º 174º n.º 2) do regime adjetivo penal geral, foi adaptada[3], dando lugar ao instituto etimologicamente mais adequado, mas também mais expedito, que em terminologia cibernética se identifica por pesquisa em sistemas informáticos da representação de factos, informações ou conceitos sob uma forma suscetível de processamento naqueles sistemas, incluindo os programas aptos a faze-lo executar uma função. Pesquisa que mais não é que procurar de dados, específicos e determinados, armazenados num sistema informático. No que releva para a economia da questão sub judicio, a referida pesquisa (não, portanto, “busca”), quando livremente consentida, - consentimento necessariamente documentado - por quem for o titular ou tiver a disponibilidade ou controlo desses dados, pode ser efetuada por OPC, não carecendo de autorização da autoridade judiciária. À semelhança, aliás, da busca do regime processual comum, conforme estatuem os art.º 174º n.º 5 al.ª b), 177º n.º 3 al.ª a) e 251º n.º 1, do CPP. Assim, sempre que seja necessária à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, pode o OPC, obtido consentimento livre - com registo documentado -, de quem tem o respetivo domínio ou disponibilidade, pesquisar dados específicos e determinados armazenados no correspondente suporte informático (incluindo dispositivos como os telemóveis)[4]. Como sucedeu no caso dos autos. O consentimento na pesquisa dispensa, salvo disposição em contrário, o controlo e validação posterior da autoridade judiciária, porque, nessas circunstâncias, a intromissão na privacidade ou na correspondência do titular dos correspondentes direitos fundamentais não é abusiva. Não é diverso o regime processual comum – art.º 174º n.º n.º 5 al.ª b) e n.º 6 (este à contrário) do CPP. A pesquisa consentida não dispensa a elaboração de relatório com a menção, resumida, das pesquisas levadas a cabo, dos resultados obtidos, com a descrição dos factos apurados e a indicação das provas recolhidas – art. 15º n.º 4 al.ª b) da Lei do Cibercrime – e o seu envio à autoridade judiciária competente. Igual procedimento se prescreve para a busca prevista no CPP – cfr art. 253º n.º 1 do CPP. A circunstância de o crime em investigação se incluir no catálogo do art.º 15 n.º 4 al.ª b) da Lei do Cibercrime – no caso criminalidade altamente organizada -, não exclui o consentimento voluntário na pesquisa de dados informáticos. E, consequentemente, não convoca a aplicação do regime consagrado no art.º 15º n.º 4 al.ª a) da lei do Cibercrime. Este regime opera apenas quando a pesquisa não seja consentida e não tenha sido previamente autorizada pela autoridade judiciária competente. Se à pesquisa não consentida de dados informáticos armazenados se aplicam as regras de execução das buscas previstas no CPP, não assim os requisitos. Os pressupostos da pesquisa de dados informáticos estão vertidos no art.º 11º n.º 1 e 15º n.º 1 da Lei do Cibercrime. No caso, a pesquisa de dados, efetuada pelo OPC nos telemóveis da arguida, porque consentida pela própria (mediante consentimento documentado por escrito), foi licitamente executada, não padecendo de qualquer invalidade ou irregularidade. O facto de se tratar de chats[5] e sms[6], em suma, de comunicações eletrónicas (que podem incluir textos, imagens, vídeos, áudios, etc.) não obsta a que o respetivo emissor ou o destinatário, conforme for o caso, consinta, livremente, na respetiva pesquisa. Nada alterando porque, conforme brevemente sinaliza o acórdão recorrido, não se trata da interceção de comunicações que estão ou vão efetuar-se ou de correio eletrónico expedido, mas ainda não aberto. Sem olvidar o consentimento, nota-se que as comunicações eletrónicas são praticamente instantâneas. Logo que redigidas e editadas ou enviadas ficam imediatamente armazenadas no sistema informático operativo utilizado (fornecido pelo servidor) e logo colocadas – e assim recebidas - no endereço eletrónico do utilizador a quem se dirigem. Abrindo o destinatário o sistema respetivo, ficam imediatamente visíveis, audíveis ou legíveis. Acresce que as conversações e publicações em redes sociais são, por regra, públicas porque imediatamente acessíveis a um número mais ou menos amplo de frequentadores (sendo esse, por norma, o seu próprio objetivo). Conforme sustenta Santos Cabral “há uma diferença fundamental entre intromissão nas telecomunicações, a que se destinam os artigos 188º e 189º e o acesso a documentos que estão gravados em computadores e outros meios digitais”. Citando Costa Andrade, expende “a tutela jurídica das comunicações radica na «especifica situação de perigo criada no facto de a comunicação estar exposta ao domínio e à heteronomia de um sistema de telecomunicações (…). Assim, quando a mensagem comunicacional atinge a esfera de domínio do destinatário, este deixa de estar na mencionada situação de perigo (…)». Neste momento, no caso de comunicações eletrónicas, «o destinatário passa a dispor de meios de autotutela (…)». Significa o exposto que a equiparação de regimes se fundamenta no processo de comunicação à distância, pelo que a mesma deve subsistir até ao momento em que a mensagem é recebida e lida pelo destinatário. Quando o e-mail já foi recebido, lido e guardado no computador do destinatário, deixa automaticamente de poder ser entendido como telecomunicação, «passando a valer como um normal escrito», estando assim sujeito ao regime de qualquer ficheiro produzido e arquivado no computador (…)[7]. Concluindo: “estamos em crer que a interpretação mais adequada do normativo em causa, e justificada pela sua razão teleológica, implica a conclusão de que, em relação à comunicação eletrónica que foi aberta, (…) entende-se que toda a correspondência já aberta pelo seu destinatário passa a ter a natureza de documento (…)[8]. No caso, a pesquisa nos telemóveis apreendidos à arguida foi livremente consentida pela própria e não vem alegado nem demonstrado que os dados eletrónicos pesquisados pelo OPC não tivessem sido, anteriormente, expedidos (os que a própria enviou, independentemente de terem ou não sido recebidos pelos destinatários), abertos e lidos. Nada há, pois, a apontar à referida pesquisa assim consentida. Certamente percebendo que assim sucede, a recorrente alega a invalidade da apreensão, com fundamento na não validação pelo juiz de instrução.
v. da apreensão de dados: Rememora-se que na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 157/VII (que esteve na base da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, que alterou o CPP), justificou-se a alteração do “regime de apreensões, enquanto meio de obtenção de prova (…) tendo em vista, por um lado, uma maior eficiência no combate do crime e, por outro lado, a necessidade de reforçar a tutela do direito de propriedade enquanto direito fundamental. Embora sem pôr em causa a sua natureza, permite-se que a medida possa ser levada a efeito por órgãos de polícia criminal no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, conferindo, por esta forma, maior exequibilidade às medidas de polícia; porém, exige-se, neste caso, a sua validação por autoridade judiciária, no prazo de setenta e duas horas”. No regime processual especial da Lei do Cibercrime, o OPC pode, no decurso de pesquisa informática, legitimamente executada, - designadamente mediante consentimento voluntário documentado -, apreender para os autos dados ou documentos informáticos, em suma, prova eletrónica necessária à demonstração de um crime e do seu agente, também sem prévia autorização da autoridade judiciária – art. 16º n.º 2. Quando assim suceder, o OPC tem sempre de submeter a apreensão efetuada a validação da autoridade judiciária competente no prazo máximo de 72 horas. Com a diferença do advérbio sempre, também no regime processual penal comum tem de submeter-se a validação da autoridade judiciária a apreensão de instrumentos, produtos ou vantagens e demais objetos relacionados com a prática do facto ilícito típico, regulada no art.º 178º do CPP - cfr. n.ºs 3 e 6.
vi. autoridade judiciária competente: Na construção da recorrente, competiria exclusivamente ao juiz de instrução validar a apreensão dos dados informáticos pesquisados e apreendidos nos telemóveis que lhe foram encontrados quando detida em flagrante. Considerando os dados apreendidos, não tem razão. O regime processual especial do cibercrime – identicamente ao regime adjetivo criminal geral - prescreve formalidades diferenciadas, cuja inobservância desencadeia consequências jurídico-processuais diversas conforme a especificidade do conteúdo dos dados informáticos apreendidos. Quando são apreendidos dados ou documentos informáticos com conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do titular ou de terceiro são, sob pena de nulidade, apresentados ao juiz, que ponderará da sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso – art 16º n.º 3. Nestas situações, a intervenção do juiz impõe-se pela necessidade de acautelar direitos fundamentais do arguido ou de terceiros, entre os quais avultam a liberdade e a intimidade da vida privada. Consagra-se assim uma reserva absoluta de juiz, justificada pela necessidade de proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, contra a apreensão de dados ou documentos que, atento a especificidade do respetivo conteúdo, os podem aviltar irreparavelmente. Diversamente, estabelece o n.º 4 que apreendendo o OPC dados informáticos cujo conteúdo não “seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro”, tem sempre de submeter a apreensão a validação da autoridade judiciaria competente, no prazo máximo de 72 horas. Autoridades judiciárias são, na definição legal – art.º 1º al.ª b) do CPP -, o juiz, o juiz de instrução, mas também o magistrado do Ministério Público na fase de inquérito, relativamente aos atos processuais que a lei não reserve para o juiz de instrução. Conforme entende este Supremo Tribunal e se acentua no acórdão n-º 387/2019 do Tribunal Constitucional, citando o Acórdão n.º 395/2004, 2.ª Secção, ponto 8.1., «a intervenção do juiz na fase do inquérito preliminar apenas é reclamada para acautelar a defesa dos direitos fundamentais dos sujeitos processuais ou de terceiros relativamente àqueles atos processuais que a podem pôr em causa. Com o rigor de alguma síntese, pode afirmar-se que o juiz de instrução é, na fase do inquérito, um órgão que está vocacionado essencialmente para o acautelamento dos direitos fundamentais, entre os quais avultam a liberdade, a segurança, a reserva de intimidade da vida privada. É o que se poderia apelidar de Juiz das Garantias. Nesta senda, não se vê, na linha de fundamentação expendida, que o juiz de instrução haja de interferir na realização dos atos do inquérito cuja direção está constitucionalmente cometida ao Ministério Público, fora do quadro de atos que são potencialmente lesivos de direitos fundamentais ou do controlo de atos cuja prática a lei processual preveja como obrigatória». A reserva de juiz comprime, portanto, a reserva do Ministério Público na direção do inquérito. Uma tal compressão só encontra, porém, justificação na medida do necessário para a proteção efetiva dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (sobre esta ponderação, vide Acórdão n.º 474/2012, 1.ª Secção, ponto 9.3.2.)”. Doutrina aplicável, evidentemente, ao regime processual estabelecido na lei do cibercrime e, consequentemente, no vertente caso. A letra da lei não deixa margem para diferente leitura: o Ministério Público é, na definição do legislador uma autoridade judiciária no inquérito. Consequentemente, onde a lei manda sujeitar a apreensão efetuada pelo OPC, nessa fase, a validação sem indicar expressamente o juiz, quer dizer que é um ato processual de inquérito da competência do Ministério Público. No caso, porque não vem alegado pela recorrente nem se apura que os dados ou documentos informáticos apreendidos nos seus telemóveis tenham conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam por com causa a sua privacidade ou de terceiro, a validação, obrigatória, da apreensão competia à Procuradora da República que dirigiu o inquérito. A apreensão somente teria, - então necessariamente -, de sujeitar-se a validação do juiz de instrução se os dados ou documentos informáticos apreendidos tivessem conteúdo suscetível de revelar dados pessoais ou íntimos que pudessem respeitar à privacidade da arguida ou de terceiros. A omissão do correspondente ato processual fulminaria a apreensão de nulidade – art. 16º n.º 3 da Lei do Cibercrime – e a correspondente prova seria proibida. Nesta norma disciplina-se a admissão de provas com aquele conteúdo fortemente intrusivo da reserva da intimidade e da privacidade, não apenas a mera validação da apreensão dos dados e documentos informáticos. A intervenção judicial é obrigatória porque indispensável para resolver o conflito entre, por um lado, os referidos direitos fundamentais devassados e, pelo outro lado os interesses da investigação. Quando os dados ou documentos informáticos contiverem qualquer representação de factos, informações ou conceitos com aquele conteúdo somente o juiz de instrução pode, em inquérito, decidir que sejam – ou não - admitidos nos autos. Sem essa ponderação e a decisão judicial de validação da apreensão dos dados pessoais ou íntimos, a intromissão do OPC e do Ministério Publico na vida privada ou na correspondência do arguido, carece de suporte legal e judicial, sendo, por isso abusiva, utilizando a expressão da norma constitucional citada. Pelo que, a prova assim obtida não poderá valorar-se no processo penal, porque proibida. Consequentemente, a nulidade resultante da não apresentação ao juiz de instrução dos dados e documentos apreendidos em suporte ou sistema informático, que tivessem aquele conteúdo particular, consubstanciaria, a proibição de obtenção de prova, estatuída nos arts. 32º n.º 8 da Constituição da República e 126º do CPP. Conforme se entende e sustenta Helena Morão “a proibição de prova em sentido próprio no sistema processual penal português é somente aquela norma probatória proibitiva cuja violação possa redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo eleito no art. 32/8 da Lei Fundamental e que o artigo 126 do Código de Processo Penal manteve, sem alargar. Não basta a mera violação de uma proibição legal em matéria probatória como na lei italiana, nem a violação de um qualquer direito fundamental, como na lei espanhola”. Apontando que “o critério fundamental é o da afectação do núcleo valorativo dos direitos elencados no artigo 32/8 da Lei Fundamental”[9].
v. a apreensão no caso: No caso, a recorrente, repete-se, não alega a pessoalidade ou intimidade dos dados – máxime fotografias, vídeos, chats no facebook e sms - que o OPC apreendeu nos seus telemóveis, nem se extrai da facticidade provada, nem da motivação da decisão em matéria de facto que os dados apreendidos e utilizados como elemento de prova tenham aquele específico conteúdo. Ainda que tivessem, não poderia ignorar-se que a arguida consentiu que o OPC os pesquisasse e os recolhesse como elementos de prova para os autos. A provas obtidas com intromissão na vida privada, na correspondência e nas telecomunicações não são nulas – não são obtidas por método proibido - sempre que o seu titular nisso consinta, livre e esclarecidamente - art.º 126º n.º 3 do CPP. Se o titular os disponibiliza, consentindo na pesquisa, não advêm de “abusiva intromissão” naqueles direitos fundamentais. A mesma norma da Lei Fundamental – art.º 32º n.º 8 - que estabelece a inviolabilidade absoluta e inalienável do direito à integridade pessoal, proibindo as provas obtidas mediante tortura ou ofensa física ou moral e também o direito à liberdade pessoal, fulminando com a mesma consequência as provas obtidas mediante coação, admite, inequivocamente, a possibilidade de intromissão não abusiva na reserva da intimidade da vida privada, no domicilio e na correspondência. Não pode, pois, ter-se por abusiva a intromissão quando seja consentida pelo titular do correspondente direito fundamental, esteja expressamente prevista na lei, seja autorizada pelo juiz ou por autoridade judiciária nos termos legais, contanto se revele necessária e não seja desproporcionada. Conclui-se, por conseguinte, que à apreensão dos dados informáticos nos telemóveis da arguida não se aplica a nulidade cominada no art.º 16º n.º 3 da Lei do Cibercrime e, por conseguinte, não se está perante prova proibida.
vi. nulidade sanável: O n.º 4 do art.º 16º da lei do Cibercrime, diversamente do n.º 3, mas identicamente à norma “paralela” do regime do processo penal - art. 178º n.º 6 do CPP - não comina, expressamente, a nulidade para a omissão da prática do ato processual consistente na não sujeição a validação da apreensão efetuada pelo OPC, de dados apreendidos em pesquisa efetuada em suportes informáticos. A única dissemelhança entre o texto das duas normas é, conforme assinalado. o advérbio “sempre” que consta da primeira e não da segunda. Contudo, a obrigatoriedade de sujeição a validação da apreensão é obrigatória nos dois regimes. Sendo idêntica a consequência jurídica da sua inobservância: a nulidade consagrada no art. 120º n.º 2 al.ª d) do CPP[10]. A validação, pela autoridade judiciária competente, da apreensão de dados ou documentos informáticos é imposta por lei, sendo, por isso um ato obrigatório do inquérito[11]. A omissão da prática de atos legalmente obrigatórios, gera a insuficiência do inquérito. Insuficiência que é sancionada com a nulidade ali consagrada. Essa, como as demais nulidades previstas no art. 120º do CPP, resultará sanada se não for arguida nos termos estabelecidos no respetivo n.º 3 al.ª c), ou seja, até ao 5º dia posterior à notificação da acusação[12].
vii. da (não) validação da apreensão: A recorrente, questionando a não validação (expressa), pela autoridade judiciária, da apreensão dos dados informáticos – dos vídeos, fotografias, chats no facebook e sms[13] - armazenados nos telemóveis que levava consigo e que OPC – no caso a PJ -, pesquisou, com o seu consentimento (documentado), naqueles suportes, qualifica-a de nulidade e ao mesmo tempo, de prova proibida, No § 2.1 da motivação do acórdão recorrido expende-se que aquelas apreensões não foram sujeitas “a validação pela autoridade judiciária no prazo máximo de 72 horas (art. 16º nº 4 do cit. diploma)”. Asserção, todavia, desconforme com a realidade processualmente documentada. (Advertindo-se que ao entrar neste domínio não está o Supremo Tribunal a extravasar os respetivos poderes de cognição porquanto a questão respeita tão-somente à fundamentação, ainda que da decisão em matéria de facto. De outra perspetiva, a facticidade que o tribunal recorrido julgou provada e não provada mantém-se imutável. A visitação à tramitação processual é imprescindível porque demandada pela alegação da recorrente de que uma concreta e determinada prova (eletrónica) não podia ter sido valorado porquanto, na sua perspetiva, foi obtida por meio absolutamente proibido. Saber se um meio de obtenção de prova é – ou não – proibido consubstancia, evidentemente, uma questão de direito). Documentam os autos que as apreensões (todas, ainda que genericamente) efetuadas pelo OPC à arguida aqui recorrente foram sujeitas a validação pela Magistrada do Ministério Público titular do inquérito no prazo legalmente prescrito. Procuradora da República que, por despacho datado de 3.02.2020, com a ref-ª 49281740, validou, “ao abrigo do disposto no artigo 178.º, n.ºs 1, 3 e 5 do Código de Processo Penal, a apreensão do produto estupefaciente e demais objetos, relacionados no auto de apreensão de fls. 10“. Sem dúvida que o Ministério Publico -por razões que se desconhecem - não validou, como se lhe impunha, a apreensão dos dados informáticos apreendidos e nem sequer convocou o regime processual especial da respetiva apreensão e validação. Contudo, no requerimento de apresentação da arguida a 1º interrogatório judicial, o Ministério Público indica como elementos de prova, entre outros, também os termos de consentimento na pesquisa em apreço. Posteriormente, também os inclui como prova arrolada com a acusação. No limite, poderia interpretar-se aquela primeira indicação como validação tácita da apreensão dos dados informáticos, pesquisados e apreendidos em 2.02.2020, cerca de 24 horas antes, nos telemóveis da arguida. Validação tácita, sem dúvida, irregular e, por isso, má prática, contra a qual a arguida e o seu defensor poderiam ter reagido, arguindo, no prazo legalmente estabelecido –art. 120º n.º 3 do CPP -, a nulidade da apreensão dos dados informáticos em causa, perante o juiz de instrução. O que não fizeram. A validação tácita da apreensão, nos termos referidos, colhe amparo em jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no Ac. de 20/09/2006 e no Ac. de 17/05/2007 (ainda que nenhum versando sobre a validação da apreensão de dados informáticos). No segundo destes arestos, versando sobre a validação, 8 dias após ter sido efetuada, «[d]a apreensão da facturação detalhada do telefone móvel do arguido», considerou-se tratar-se de mera irregularidade. Justificando, expendeu-se: “é consabido que para que se verifique uma nulidade processual necessário se torna que a mesma esteja prevista na lei (cf. artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Não o estando, “(…) o acto ilegal é irregular” (cf. n.º 2 do artigo 118.º do referido corpo de leis). Contudo, lido cuidadosamente o artigo 178.º do Código de Processo Penal, verifica-se que a violação de quaisquer dos seus ditames não envolve a nulidade do acto, pelo que, à luz do artigo 118.º, n.º 2 do Código de Processo Penal o acto ilegal seria somente irregular. É isso que se verifica com a situação do prazo das 72 horas, cominado no n.º 5 do referido artigo 178.º do Código de Processo Penal.” Assim sendo, restaria ao recorrente invocar a invalidade do acto com fundamento em irregularidade, nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal, o que, a acontecer, sempre seria manifestamente extemporâneo, atento o regime da arguição em 3 dias, tal como resulta do seu n.º 1”[14]. Também encontra conforto na jurisprudência do Tribunal Constitucional que, no Ac. n.º 278/2007, decidiu “não julgar inconstitucionais as normas constantes do n.º 5 do artigo 174.º e da parte final do n.º 2 do artigo 177.º do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que, efectuada busca domiciliária por órgão de polícia criminal sem precedência de autorização judicial, por se tratar de caso de criminalidade violenta e haver indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa, é de 48 horas o prazo para a comunicação ao juiz de instrução da efectivação da busca e a decisão judicial da sua validação pode resultar, de forma implícita, desde que inequívoca, da decisão de validação da detenção do arguido e de fixação da medida de coacção de prisão preventiva”. Jurisprudência que embora incidente sobre validação da busca domiciliária efetuada pelo OPC, é extensiva, pelas mesmas razões de fundo, à validação da apreensão de dados informáticos apreendidos pelo OPC em pesquisa informática consentida, em que a intervenção, a posteriori, da autoridade judiciária é justificada pela preocupação de controlar a legalidade da diligência, em ordem a garantir direitos fundamentais, designadamente à privacidade, intimidade e à inviolabilidade da correspondência, ou, por outras palavras, em que a intervenção judiciária posterior é essencialmente garantística, visando controlar a restrição ou violação de direitos fundamentais – cfr Ac. n.º 114/95 do Tribunal Constitucional. Reafirma-se que este Supremo Tribunal entende que a não validação, pelo Ministério Público - autoridade judiciária competente em inquérito -, da apreensão de dados ou documentos informáticos que não tenham conteúdo suscetível de respeitar à privacidade ou intimidade, porque obrigatória – o termo legal “sempre” não admite diferente leitura -, configura a nulidade cominada no art.º 120º n.º 2 al.ª d) do CPP. que tinha de ser arguida nos prazos estipulados no n.º 3. No caso, não tendo a arguida deduzido tempestivamente a nulidade resultante da não validação expressa da apreensão dos dados informáticos armazenados nos telemóveis que lhe foram apreendidos, não resta senão conclui que ficou sanada. Improcede, assim, a nulidade probatória arguida pela recorrente.
c) da atenuação especial da pena: i. no art. 31º do DL 15/93: A recorrente reclama a atenuação especial da pena, convocando o regime consagrado no art. 31º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro. Para tanto alega que colaborou com a justiça, revelando “nomes, identidades concretas e reais, situações e, até, reconhecimento de residências”, auxiliando “na recolha de provas decisivas para a identificação ou captura de outros responsáveis”. Em suma, pretende que ficou demonstrada postura processual que, todavia, a facticidade provada não certifica. Da mesma consta que a arguida entregou a terceiros os estupefacientes que transportou de ….. para ............ e que dos mesmos recebeu quantias monetárias que entregou também a (outros) terceiros. Não consta que tenha identificado e fornecido elementos de prova que tenham permitido descobrir, perseguir e, o que era decisivo, condenar os seus fornecedores e “clientes”. Na motivação da decisão recorrida, refere-se que a arguida, na audiência de discussão e julgamento, remeteu-se ao silêncio, conforme era seu direito, assim inviabilizando a possibilidade de valoração das declarações incriminatórias de outros coarguidos que tinha prestado no seu 1º interrogatório judicial. Consta que “alguma colaboração com a Polícia Judiciária em sede de inquérito, (…) não foi de molde à responsabilização criminal dos demais coarguidos””. “Ademais, (…) foi surgindo “a conta gotas” (…) e iniciou-se numa altura em que, cronologicamente, já não era possível orquestrar a “entrega vigiada” relativa ao transporte de 01.02.2020. Por seu turno, tal colaboração foi cirúrgica naquilo que a arguida AA pretendeu dizer e naquilo que deliberadamente pretendeu omitir (…), não tendo alcançado qualquer resultado prático e expressivo para além daquilo que poderá ter equacionado como vantajoso no contexto do seu estatuto coativo”. “Deste modo, e sem deixar de relevar para a determinação concreta da pena, não se configura de molde à atenuação especial da pena a que alude o art. 31º do cit. diploma, tal como pugnou nas suas alegações finais”. Assinala-se que a lei é clara e expressa, condicionando a atenuação da pena a aplicar ao arguido que cometeu um crime de tráfico de estupefacientes, a que o mesmo tenha auxiliado “concretamente as autoridades na recolha de provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis, particularmente tratando-se de grupos, organizações ou associações” – art. 31º do DL 15/93 cit. Sublinha-se “auxiliar concretamente” “na recolha de provas decisivas”. Não constando da decisão recorrida que a arguida tenha prestada colaboração relevante na recolha de provas decisivas para a incriminação dos outros elementos da mesma “rede” de fornecimento, transporte e entrega de estupefacientes, em que serviu de “correio de droga”, falecem os pressupostos indispensáveis para poder beneficiar da atenuação especial da pena consagrada naquela norma legal.
ii. no art. 72º do CP: A recorrente, em duas linhas, termina apelando também à atenuação especial consagrada no art. 72º n.º 1 do Cód. Penal. Contudo não aponta, certamente porque inexistentes nos factos provados, circunstâncias que pudessem configurar o seu como um caso extraordinário, tão diferente do comum tráfico na modalidade de “correio de droga” que, à luz da justiça, escaparia completamente a normal previsão do legislador vertida no art.º 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro. Tem este Supremo Tribunal entendido que a atenuação especial da pena legal, ou com mais propriedade, da moldura penal especialmente atenuada de um crime, é uma “válvula de segurança” para funcionar “quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respetiva[15]. Estabelece o art. 72º n.º 1 do Cód. Penal que, “para além dos casos expressamente previstos”, a substituição da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente por uma moldura especialmente atenuada, só pode dar-se quando, no caso concreto, concorram circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores que ainda não tenham operado e “que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”. Como acentua J. Figueiredo Dias “o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências de prevenção[16]”. Doutrina e jurisprudência coincidem em que não é suficiente a verificação num determinado caso, das circunstâncias indicativamente enunciadas pelo legislador ou outras de igual densidade para que o tribunal deva atenuar especialmente a pena estabelecida na norma citada. Decisiva é “a imagem global do facto, a gravidade do crime como um todo”[17] ou a desnecessidade da pena pela acentuada diminuição das exigências de prevenção geral de integração. Critério decisivo é que essas ou outras circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do tipo de ilícito que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da sua já prevenidamente muito ampla moldura penal Estando fora de cogitação a subsunção do caso a qualquer das circunstâncias enunciadas nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do art.º 72º citado, também não se verifica a situação descrita na restante alínea – a c). A arguida nem tão-pouco foi capaz de, em julgamento, ao menos reafirmar a confissão e de verbalizar arrependimento. Evidentemente que do exercício do seu direito a não prestar declarações não pode resultar qualquer prejuízo, mas também não pode pretender que o tribunal retire do silêncio arrependimento e menos ainda que o pudesse qualificar de sincero. Acresce que o arrependimento sincero não se basta como seca verbalização. Deverá traduzir-se em atos como o exemplificado na lei ou, por exemplo, com o abandono espontâneo da atividade criminosa, complementado com a prestação de informações concretas e relevantes para a apreensão do produto e vantagens do crime ou a descoberta da verdade e, quando existam outros coarguidos, para não só a indicação do nome destes como, sobretudo, para a contribuição decisiva para que sejam descobertos e se reúnam provas decisivas para a sua punição. Somente a comprovada concorrência de circunstâncias concretas pode, em cada caso, demonstrar que aquele se afasta extraordinariamente do comum dos casos abrangidos pela previsão do tipo legal. Que punir o crime cometido pelo arguido com pena a fixar dentro da moldura penal estabelecida pelo legislador – tão ampla no tráfico que os limites da respetiva moldura distam entre si 8 anos, sendo o máximo o triplo do mínimo – seria fortemente injusto porque a ilicitude do facto, ou a culpa do agente são consideravelmente diminuídas ou porque a pena se revela desnecessária. Pressupostos da aplicação do instituto em apreço são a acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa ou da necessidade da pena, designadamente por as circunstâncias especiais do caso revelarem forte abrandamento das exigências de prevenção. Na facticidade provada – e bem assim o que consta da decisão recorrida sobre a motivação atinente à escolha e determinação da pena – não se encontram circunstâncias “extraordinárias” que pudessem configuram os pressupostos exigidos na lei para que pudesse operar a peticionada atenuação especial da moldura penal do crime de tráfico p. e p. no art.º 21º n.º 1 do DL 15/93 de 22 de janeiro. Ao invés, a concreta atuação da arguida – agiu com dolo direto e intenso, com plena consciência da ilicitude dos factos -, o crime e o modo como foi cometido demandam fortes necessidades de prevenção. Consiste num vulgar caso de tráfico na modalidade de «correio de droga», em que se alguma anormalidade se pode apontar até seria agravante, resultando da sua repetição (quatro transportes) e do longo período de tempo em que foi exercido (mais de 2 anos). Por outro lado, tem-se por muito difícil que nos crimes de tráfico possa atenuar-se especialmente a pena. Sumariamente pela própria “arquitetura” do regime unitivo. O crime definido no tipo base, qualifica-se pela verificação de factos que exponenciam a ilicitude do facto. Desqualifica quando a ilicitude da “atividade global” se apresentar consideravelmente diminuída. Também porque na qualificação bem como na desqualificação não intervêm considerações atinentes à culpa do agente. Ainda porque a necessidade de exercer um efeito dissuasor da prática de tais infrações, isto é, as necessidades de prevenção especial positiva, são muito vivas. E, finalmente, porque o legislador previu expressamente as situações em que a pena pode ser especialmente atenuada – cfr. art. 31º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro. Improcede, pois, por manifesta falta de fundamento factual e jurídico, a pretendida atenuação especial da pena.
d) medida da pena: A recorrente, alega a excessividade da pena de 6 anos de prisão em que está condenada no acórdão recorrido, visando a sua redução através da atenuação especial (como vem de tratar-se) de modo a fixar-se em 3 anos de prisão e, a final, a aplicação de pena suspensa. Vejamos: i. finalidade da pena A moldura penal do crime de crime de tráfico (de estupefacientes e substâncias psicotrópicas) previsto no artigo 21º, nº 1, do DL. nº 15/93, de 22/01, pelo qual a arguida vem condenado é de 4 a 12 anos de prisão Encontrada a moldura penal (abstrata), o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena é a finalidade da punição, firmada no art. 40.º do Código Penal: a aplicação da pena visa a proteção do bem jurídico violado e a ressocialização do agente (n.º 1); e tem como limite inultrapassável “a medida da culpa” –n.º 2. No Código Penal de 1982 não existia uma norma que direta e autonomamente estatui-se sobre as “finalidades das penas”. Via-se então, resumidamente, “a culpa como fundamento da pena”. Na introdução ao referido Código Penal, ao mesmo tempo que se refutava a doutrina que conferia “uma maior tónica à prevenção geral” porque, afinal, acabava aceitando “inequivocamente a culpa como limite de pena”, afirmava-se que “um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.” Paradigma que o legislador do Código Penal de 1995 inverteu. Agora, “a encimar o acervo de finalidades das penas que enuncia, coloca o artigo 40.º a proteção de bens jurídicos”. Norma que o Presidente da Comissão Revisora qualificou como paradigmático e que segundo o então deputado Costa Andrade é marcante, “só ele a valer como um programa de política criminal”. Ao princípio da vinculação à defesa de bens jurídicos aqui consagrado, subjaz “a ideia de limitar o poder punitivo do Estado, na linha, também, do n.°2 do artigo 12.º da Constituição, segundo o qual as restrições a direitos, liberdades e garantias se limitarão «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A Assembleia da República autorizou – Lei de autorização legislativa n.º 35/94 de 15 de setembro -,o Governo a alterar o Código Penal de 1982 de modo a, além do mais, “introduzir como finalidades da aplicação das penas e medidas de segurança a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, bem como estabelecer, quanto à medida de segurança, a proporcionalidade à gravidade do facto e subordinar a sua aplicação à perigosidade do agente; e, quanto à pena, consagrar o critério de que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa”. Cumprindo esta incumbência, o legislador, na exposição de motivos do DL n.º 48/95 de 15 de março, plasmou clara e inequivocamente aquela solução, nos seguintes termos: «Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental. De destacar, a este propósito, a inovação constante do artigo 40.º ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é "a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade". Sem pretender invadir um domínio que à doutrina pertence - a questão dogmática do fim das penas -, não prescinde o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa». Como bem sintetiza jurisprudência deste Supremo Tribunal: “Está subjacente ao artigo 40.º uma conceção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa”[18]. Não há, pois, razões plausíveis para discordar que no vigente regime penal, a função primordial do direito penal é a de tutelar os bens jurídicos tipificados, de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos. Em consonância, “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena”[19]. Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar ou, noutra expressão, não satisfaz a necessidade de reafirmação estabilizadora das normas, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração[20]”. Sendo que “à proteção jurídico-penal há-de reportar-se àquilo que se entenda relevante para a subsistência da comunidade ou, dito por outras palavras, há-de reconhecer a natureza social do bem jurídico. Ele tem indefetível conexão com a ideia de que nada é tão desvalioso como praticar «lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem»[21]. Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena judicial é também a culpa na execução do facto[22], estabelecendo o “teto” ou limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando à «paz» comunitária a dignidade humana do agente. À culpa comete-se agora uma “função politico-criminal de garantia dos cidadãos e não mais do que isso. Entende-se que a pena não pode exorbitar a culpa, do mesmo passo que não pode privar-se dela, como seu pressuposto”. Ou, nas sapientes palavras de Costa Andrade: “por último, o terceiro axioma diz-nos que a culpa deve persistir como pressuposto irrenunciável e como limite intransponível da pena. A culpa não deve dar a medida da pena. A pena pode ficar aquém da culpa, o que não pode é ultrapassá-la, até porque esta, (…) constitui um «axioma antropológico» da ordem jurídico-constitucional portuguesa. Tem de valer como limite, como barreira à instrumentalização do homem, em nome de fins próprios da sociedade. Como garantia de que a racionalidade instrumental, de que falava Max Weber, não vai dominar, absorver e sacrificar inteiramente a racionalidade de valores de uma sociedade democrática. Por respeito à exigência da culpa, o Código e o legislador penal português faz eco daquela sábia advertência de Schiller, que já dizia ao príncipe: «Desconfiai, nobre senhor, nem tudo aquilo que é útil ao Estado é necessariamente justo». É o limite da culpa que garante que a prossecução de tarefas e de metas legítimas, através do instrumento de conformação social que é o Direito Penal, se faça com respeito pelas exigências inultrapassáveis da justiça”. Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de determinação da medida da pena completa-se com a finalidade de reintegração do agente na sociedade, ou finalidade de prevenção especial de socialização. ii. outros fatores: O modelo define as linhas mestras ou parâmetros nos quais devem atuar as “circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e a prevenção”. Por isso, o Código Penal, no art. 71.º estabelece que: “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo o tribunal “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando” as circunstâncias que enuncia, exemplificativamente, nas alíneas do n.º 2, e que se reportam à culpa ou à prevenção, às quais a doutrina adiciona outros fatores, designadamente relativos à vitima[23]. Proibindo-se a valoração, nesta sede, de quaisquer circunstâncias que façam parte do tipo de crime cometido pelo agente (proibição da dupla valoração). O que “não obsta a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento do tipo”[24]. Fatores enunciados no art. 71.º n.º 2 que, grosso modo, podem respeitar: - à execução do concreto facto cometido pelo agente, agrupando circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídico-penal cometida, que servem para caracterizar a medida da censurabilidade, e (quando for o caso) o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - à personalidade do agente revelada no facto, agrupando as condições pessoais, sociais e económicas, a sensibilidade à pena e à influência que esta pode exercer, as qualidades da personalidade comparadas com as do «homem fiel ao direito». - à conduta anterior e posterior ao facto, agrupando a história vivencial e criminal do agente e o comportamento posterior empreendido no sentido de assumir as consequências do crime cometido e, estando ao seu alcance, contribuir para que os comparticipantes não restem impunes e a “governar-se” com o proventos ilícitos assim obtidos. A jurisprudência deste Supremo Tribunal sustenta que “para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (…), estando vinculado aos módulos-critérios de escolha da pena constantes do preceito”. Sustenta também que tais critérios e circunstâncias “devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”[25]. Por outro lado, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada»”. No mesmo sentido conclui Souto de Moura[26]: “sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”. O que bem se compreende, porque a fixação do quantum da pena concreta aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os fatores a ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração tabelada. iii. no caso: A arguida cometeu um crime de tráfico de estupefacientes – de canábis e cocaína - que é legalmente definido como criminalidade altamente organizada –art. 1º al.ª m) do CPP. O legislador entende que essa fenomenologia criminal provoca grave danosidade social e forte alarme coletivo, demandando uma resposta jurídica e judicial clarificadora e contundente. O tráfico de estupefacientes põe em causa pilares essenciais da sociedade entre eles a ordem pública e a segurança dos cidadãos. Concita uma necessidade ingente de combate permanente. Do preambulo da Convenção de 1961 consta que “a toxicomania é um flagelo para o indivíduo e constitui um perigo económico e social para a humanidade”. O tráfico de “drogas” representa não só uma grave ameaça para a saúde e bem-estar dos indivíduos, provocando efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade, como também se interrelaciona com outras atividades criminosas organizadas conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados. É, muitas vezes uma atividade criminosa internacional, dirigia por organizações criminosas transnacionais que visam obter avultados lucros ilícitos e que diretamente ou no branqueamento, acabam invadindo, contaminando e corrompendo as estruturas do Estado cuja eliminação exige uma atenção permanente e a maior prioridade – Convenção de 1991. O crime de tráfico é uma das infrações catalogadas no artigo 83.º do TFUE (ex-artigo 31.º TUE) como “criminalidade particularmente grave com dimensão transfronteiriça” que há “especial necessidade de combater, assente em bases comuns”. É, pois, um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidade de proteção dos bens jurídicos tutelados, isto é, de prevenção geral de integração. É uma atividade que reúne a quase universal postura de punição e perseguição, como refletem diversas Convenções e Instrumentos internacionais visando a sua repressão. O sentimento jurídico da comunidade apela ao combate incessante e sem tréguas do tráfico de estupefacientes, pela sua elevada frequência, por corromper, por vezes irreparavelmente, a saúde mental e física dos próprios consumidores, com implicações graves ao nível dos serviços de saúde pública e de assistência social, degradar a dignidade humana dos consumo-dependentes, propiciar a propagação de doenças infetocontagiosas graves ou incuráveis (hepatite, SIDA, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis), destruir a sua vivência socialmente útil e laboralmente responsável, arruinar o sossego e harmonia das respetivas famílias e, muitas vezes, também o património, fomentar fortemente a criminalidade associada (furto, roubo, recetação, lenocínio, etc.). Para determinar o grau da ilicitude e também a censurabilidade da conduta, deve ponderar-se desde logo a quantidade e a qualidade do estupefaciente traficado por refletirem o maior ou menor desvalor da conduta reprimida, ilustrando bem a dimensão populacional dos potenciais compradores e consumidores afetados e a maior potencialidade para afetação da saúde pública. O resultado é irrelevante para a ilicitude na medida em que se trata de um crime de mera atividade que se basta com o simples perigo abstrato. Importando também o engenho e ousadia aplicados no processo executivo do crime cometido. Assim importa desde logo ponderar que a arguida traficou estupefacientes – essencialmente canaábis mas também cocaína - em quantidades com dimensão (transportava em cada viagem cerca de 6 quilogramas de canábis), inserida em atividade organizada de tráfico, consistente em recolher o estupefaciente, transporta-lo (de avião), para a região autónoma …, aí a entregando a outros traficantes para a introdução e disseminação no “mercado” daquela região. A maior ou menor ousadia e sofisticação das referidas «operações», incluindo as técnicas de «disfarce» para ocultar o transporte aéreo do estupefaciente está, regra geral, conexionada com a preparação e eficiência da estrutura da organização que o comanda ou, se exercida a título individual, com o lastro económica do agente, de modo a não suscitar suspeitas. Em regra, trata-se de estupefacientes de elevado valor de mercado (como é o caso da cocaína) e de grande pureza e, consequentemente, de potente toxicidade, que podem suportar a adição de substâncias (de “corte”) destinadas a aumentar a quantidade e exponenciar as vantagens económicas ilícitas. Pelo outro lado, não é espetável que os denominados «correios de droga» logrem transportar em avião, com partida e chegada a aeroportos internacionais, quantidades que não seja possível ocultar no próprio corpo ou em sítios recônditos da bagagem, de modo a poder passar indetetáveis nos controlos de RX da segurança. Neste contexto, 6 Kgs de cada vez (na última 5.887,242gr de canabis+111,40gr de cocaína) é uma quantidade importante para o transporte numa viagem de avião em linha regular de passageiros. Os denominados “correios de droga” desempenham um papel cada vez mais relevante no tráfico, executando uma das atividades de mais elevado risco de ser descoberta como é o transporte aéreo dos estupefacientes, razão pela qual os “donos do negócio” a eles frequentemente recorrem com vantagem sobre os grandes carregamentos (cada vez mais frequentemente detetáveis através dos sistemas de vigilância e georreferenciação dos navios), por mais facilmente iludirem a fiscalização das autoridades e, sobretudo, para evitarem elevados prejuízos que pudessem advir da apreensão de grandes quantidades. Sustenta-se no Ac. de 26-2-2020, deste Supremo Tribunal que “os chamados correios de droga, embora sejam meros agentes de transporte de estupefacientes, por conta de outrem, não são vítimas do sistema criminoso, outrossim, assumem uma função preponderante na violação do bem jurídico, permitindo e incrementando o negócio do tráfico, uma vez que de forma consciente e, intencional, transportam a droga, do fornecedor ao destinatário, permitindo assim o escoamento do produto, sendo que sem consumo, sem escoamento, a produtividade emperra, o produto estupefaciente fica em stock, a produção não dá lucro, e o negócio do tráfico fica sem viabilidade.[27]” O tráfico de estupefacientes ademais de atentar gravemente contra a saúde pública, com particular virulência na saúde e na inserção e realização familiar, social e laboral dos consumo-dependentes, é fortemente censurado pela comunidade, também porque pode propiciar elevados lucros ilícitos, permitindo um modo de vida parasitário. Está também fortemente associado ao branqueamento de capitais e, através da «lavagem» dos avultados lucros ilícitos, à distorção das regras de funcionamento do mercado, particularmente sensível em alguns sectores da economia produtiva (as offshore, a construção civil, a hotelaria, o nicho dos bens de luxo, etc.). Já ao nível da culpa resulta dos factos provados que a arguida quis e tinha consciência plena da ilicitude e da forte censurabilidade desta sua conduta, tendo agido com dolo direto de intensidade acima da media (a inerente à atividade de transporte aéreo dos estupefacientes). A sua atividade delituosa foi comandada pela intenção de obter compensação monetária imediata, como contraprestação pela a prática do crime de tráfico na modalidade descrita (recolha, transporte e entrega). Indiferente às consequências que adviessem para a saúde dos consumidores, a quem sabia bem destinarem-se os estupefacientes que aerotransportou para os ........ Ao nível da prevenção especial de socialização, destinada a prevenir a reincidência, verifica-se que a arguida empreendeu atos de tráfico ousadamente e repetidamente entre 2017 e fevereiro de 2020. Circunstancialismo que revela tendência, ou início de uma carreira criminosa neste tipo específico de criminalidade rendosa e altamente prejudicial para a saúde pública e para a economia licita. A circunstância de não ter condenações anotadas no registo criminal, ademais de corresponder ao que se espera de qualquer cidadã comum é frequente nesta modalidade do tráfico porquanto, segundo as regras da experiência, os «correios de droga» sem histórico criminal registado são mais apelativos para as organizações criminais e, por isso, mais rapidamente recrutados porque não suscitam, normalmente, suspeitas e controles mais apertados das autoridades que vigiam a circulação de estrangeiros. Ainda quanto às exigências de prevenção especial sobressai o desapego laboral – sem qualquer atividade profissional estruturada - e um “percurso de vida foi determinado pela adição, tendo integrado grupos de pares conotados com o consumo e a comercialização de substâncias ilícitas”. O “acompanhamento terapêutico” que iniciou em dezembro de 2019 não obstou a que mantivesse “consumos de cocaína”. A postura processual que apontava no sentido de uma colaboração relevante, não foi mantida no lugar e momento decisivo, assim inviabilizando a descoberta e punição dos “donos do negócio”, de quem lhe encomendou o “serviço”, pagando as viagens e estadia, quem lhe entregou o estupefaciente, e a quem o ia entregar. Que, assim, com certeza a a perspetivam como colaboradora confiável. Circunstancialismo que aponta claramente no sentido de serem prementes as necessidades de prevenção da reincidência que no caso se fazem sentir. Em conformidade com a que supra se assinalou, ou seja, que a fixação da medida concreta da pena judicial tem como pilares essenciais: por um lado, a quantidade e a qualidade do estupefaciente traficado, por refletirem objetivamente o maior ou menor desvalor da respetiva ação, pelo alto número de potenciais compradores e a consequente maior capacidade para afetar mais intensa e gravemente a saúde de um maior ou menor número de consumidores; pelo outro lado o modo de execução do crimes, isto é, o conhecer bem e querer a atividade criminosa, levada a cabo com intensidade e arrojo (no caso, consistente no transporte aéreo de canábis e cocaína, servindo como “correio de droga”, mediante compensação monetária que não revelou); e a necessidade da pena com determinada medida decorrente da menor sensibilidade da arguida para reconhecer, em audiência, a gravidade do crime cometido. Por isso, pena de prisão em medida inferior àquela que lhe foi aplicada não sortiria o efeito de adequada advertência individual ou intimidação (da arguida) e de intimidação dos candidatos a «correio de droga». Num breve bosquejo pela jurisprudência deste Supremo Tribunal incidindo sobre situações idênticas, constata-se que a pena mais frequentemente aplicada variou entre os 4 anos e 6 meses e os 8 anos de prisão, sendo que no âmbito desta escala avançou perante apreensões maiores e compensações mais chorudas ou baixou perante a apreensão de quantidades menores ou qualidades de estupefaciente menos “corrosivas” da saúde dos consumidores. O vertente caso enquadra-se nessa média, sem que o processo executivo evidencie especial arrojo na dissimulação dos estupefacientes. Conclui-se do exposto que o procedimento judicial de fixação do quantum da pena aplicada à arguida por ter cometido o crime de tráfico de estupefacientes que resultou provado nos autos, respeita as finalidades da punição e, em geral, os critérios legais de determinação da medida da pena, sem que afete excessiva e desproporcionadamente a dignidade pessoal da condenada, pelo que não merece censura. Improcede, por conseguinte, a pretensão do recorrente de ver reduzida a medida da pena de 6 anos prisão que lhe foi aplicada no acórdão recorrido.
e) da pena suspensa: A recorrente visava, essencialmente, que não lhe fosse imposta pena efetiva de prisão, pretendo a aplicação de pena de substituição. Nos termos do art. 50º n.º 1 do Cód. Penal, pressuposto formal da suspensão da execução da pena judicialmente aplicada é que tenha sido fixada em medida não superior a 5 anos de prisão. Mantendo-se a pena de 6 anos de prisão que o Tribunal de 1ª instância aplicou à arguida resulta imediatamente evidente que não se verifica o assinalado pressuposto. Pelo que falece de sentido esta pretensão da recorrente. IV. DECISÃO Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, decide: a) julgar improcedente o recurso da arguida. b) Condenar a arguida nas custas fixando-se a taxa de justiça em 6UCs (arts. 513º n.º 1 do CPP, 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais). * Supremo Tribunal de Justiça, 27 de agosto de 2021 Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator) (Atesto o voto de conformidade do Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[28] . Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto) _____ [1] Ac. STJ . 3ª sec. -, de 27/10/2010, proc. 70/07.0JBLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt. |