Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
279/17.9T8MNC-A.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
PRESSUPOSTOS
NEGLIGÊNCIA
DOLO
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I – A má fé substancial verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º, do CPC, enquanto a má fé instrumental se encontra prevista nas als. c) e d) do mesmo artigo;

II – Em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.

III - A condenação como litigante de má fé assenta num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de Direito.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. A CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO NOROESTE, CRL intentou procedimento cautelar de arresto contra AA, alegando, em síntese, que:

Na ação de que este procedimento é apenso, a autora, ora requerente, pediu a condenação do réu, aqui requerido, no pagamento de € 32.000,00, valor em que computa a indemnização por danos sofridos, em consequência de conduta do demandado.

Sucede que o requerido foi declarado insolvente, sendo que no processo de insolvência foi elaborado o rateio final, esperando-se que o mesmo venha a receber cerca de € 8.000,00.

O requerido não possui outros bens ou rendimentos que possam vir a satisfazer a indemnização reclamada, pelo que entende ser justificado o receio de perda da garantia patrimonial.

Em face disso, pediu se declare o arresto da quantia de cerca de € 8.000,00 que o requerido tem a receber no processo de insolvência.

2. Produzida a prova, foi decretado o arresto sobre o crédito que o requerido tem a receber do processo de insolvência nº 6…5/13.7…, no valor de € 8.000,00.

3. Notificado dessa decisão, o requerido deduziu oposição, a qual foi julgada improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão que ordenou o arresto.

4. O arresto foi executado em 26.1.2018 (cf. fls. 291 a 293).

5. A 17.2.2020, o requerido veio aos autos informar que na ação principal foi absolvido do pedido, por decisão transitada em julgado, pedindo, consequentemente, que se declarasse a caducidade do arresto, nos termos previstos no art. 373º, nº1, al. c), do CPC, e lhe seja fosse devolvida a quantia  arrestada.

6. Notificada a requerente para se pronunciar, veio pedir prorrogação do prazo por 10 dias, alegando nunca ter sido notificada da efetiva apreensão à ordem destes autos do montante referido pelo requerido.

7. Foi-lhe concedida uma prorrogação de prazo por cinco dias. Decorrido esse prazo, a requerente nada disse.

8. Foi então proferido, em 2.4.2020, o seguinte despacho:

“Dispõe o artigo 373º do CPC que “o procedimento cautelar se extingue e, quando decretada, a providência caduca: (…) c) se a ação vier a ser julgada improcedente, por decisão transitada e julgado.”

Ora, o presente procedimento cautelar visou o arresto do crédito que o requerido havia de receber no âmbito do processo de insolvência que corre termos sob o n.º 6…5/13.7…, do valor de € 8.000,00 e para assegurar o pagamento da indemnização de € 50,00/dia que peticionou nos autos principais.

A verdade, porém, é que, depois de a primeira instância ter julgado tal pedido procedente, mas apenas no quantitativo diário de € 25,00, tal trecho decisório foi revogado pelo Tribunal da Relação de …, revogação mantida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Dito de outro modo, no que interessava para o decretamento do presente arresto, a ação principal foi julgada improcedente, com trânsito em julgado.

Foi assegurado o contraditório junto da requerente que, além de solicitar prazo, nada mais veio dizer.

Tendo presente o quadro legal e factual enunciado, cumpre declarar a caducidade do arresto declarado e, consequentemente, determinar o respetivo levantamento, com a subsequente extinção do presente procedimento cautelar.

Notifique e comunique a presente decisão ao Senhor AI do processo 6…5/13.7…, devendo tal processo ser igualmente informado da presente decisão”.

9. Notificada dessa decisão, a requerente veio dizer que, por efeito da declaração do estado de emergência, desde o dia 12 de março se encontravam suspensos todos os prazos, incluindo o de 5 dias que lhe foi concedido para se pronunciar, e que não prescindiu desse prazo. Nessa conformidade, requereu que se aguardasse pelo levantamento da suspensão do prazo.

10. Este requerimento foi indeferido por despacho de 15.4.2020, por se ter considerado que o prazo em causa não fora abrangido pela suspensão prevista na Lei 1-A/20209, de 19 de Março e que, aquando da prolação da decisão que declarou a caducidade do arresto, já se tinha esgotado.

11. Inconformada com a decisão que declarou a caducidade do arresto e com a que negou a sua pretensão de ver suspenso o prazo para se pronunciar sobre a caducidade da providência, a requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de … que proferiu acórdão a julgar improcedente a apelação e ordenou a notificação da requerente para se pronunciar sobre a questão da “má-fé”, suscitada pelo apelado nas contra-alegações.

12. A apelante veio defender que não se mostram verificados os requisitos da litigância de má fé.

13. Foi, então, proferido acórdão que condenou a requerente como litigante de má-fé, na multa de 3 UC e no pagamento de uma indemnização ao requerido de € 553,50.

14.  Inconformada, a requerente interpôs a presente revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - A presente revista é admissível - vd. n.º 3, art.º 542.º CPC.

2.ª - Litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

i) Deduzir pretensão/oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

ii) Alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa;

iii) Praticar omissão grave do dever de cooperação;

iv) Usar, de modo manifestamente reprovável, o processo ou os meios processuais, com o objetivo de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão - vd. n.º 2, art.º 542.º CPC.

3.ª - A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão/oposição sem fundamento, ou com a afirmação de factos de forma distinta, sendo ainda exigível a atuação dolosa, ou com negligência grave, da parte, ou seja, é necessário que a parte conheça a falta de fundamento da sua pretensão - vd. Ac. do STJ de 18.02.2015, proc. n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1.

4.ª - A litigância de má-fé envolve um juízo de censura assente na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa-fé entre as partes - vd. Ac. TR Guimarães de 28.05.2019, proc. n.º 3303/11.5TBLRA-A.C1.

5.ª - A conduta processual da recorrente é desprovida de qualquer atuação dolosa, ou gravemente negligente, não sendo possível formular um qualquer juízo de censura sobre a mesma.

6.ª - O recorrido admite que o fundamento legal invocado pela recorrente padece de erro, pelo que nunca se poderá estar perante uma atuação dolosa ou gravemente negligente - cfr. resposta às alegações do recorrido de 23 de abril de 2020.

7.ª - A recorrente tem direito a interpretar as normas jurídicas que entende serem aplicáveis ao caso, ainda que de forma errónea, e a mesma fundamentou o recurso então interposto, de facto e de direito, pelo que, in casu, não poderá concluir-se que esta conhecia a alegada falta de fundamento da sua pretensão - vd. Ac. do STJ de 18.02.2015, proc. n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1.

8.ª - A recorrente estava legitimamente convicta dos fundamentos legais que entendeu serem aplicáveis ao caso, tendo-se empenhado diligentemente na elaboração do recurso de apelação e tendo pago a taxa de justiça devida - cfr. recurso de apelação de 21 de abril de 2020.

9.ª - Ainda que se considere que a interpretação dos preceitos normativos com base nos quais a recorrente fundou a sua pretensão não sejam aplicáveis ao caso concreto, daí nunca se poderá concluir pela atuação dolosa ou gravemente negligente da recorrente - vd. a contrario sensu n.º 2, art.º 542.º CPC.

10.ª - O tribunal “a quo” deferiu o requerido pela recorrente, concedendo-lhe o prazo de 5 (cinco) dias para o efeito, ou seja, o tribunal “a quo” entendeu haver algo mais a esclarecer junto do administrador de insolvência - cfr. despacho de 17.03.2020.

11.ª - Com a elaboração do requerimento de 12.03.2020, pretendia a recorrente cooperar com o administrador de insolvência, para ser devidamente esclarecida a tal respeito e o dever de cooperação decorre do princípio de boa-fé processual, que se encontra interligado com o instituto jurídico da litigância de má-fé - vd. art.ºs 7.º e 8.º do CPC

12.ª - A recorrente limitou-se a fazer cumprir uma decisão emanada por um órgão jurisdicionalmente legítimo - cfr. despacho de 17.03.2020.

13.ª - A recorrente limitou-se a interpretar e aplicar a lei de forma diferente do Tribunal da Relação de …, sustentando a sua posição com base nos argumentos que, de facto e de direito, considerou aplicáveis in casu - cfr. recurso de apelação de 21.04.2020.

14.ª - A recorrente tem direito a atuar em juízo, obtendo em prazo razoável, uma decisão de mérito que aprecie a sua pretensão e a defesa dos seus direitos e interesses não poderá ser confundida com litigância de má-fé - vd. art.º 2.º CPC e art.º 20.º CRP.

15.ª - A interpretação e aplicação dos preceitos normativos em causa, ainda que feita de forma errónea, não equivalerá a uma conduta dolosa ou gravemente negligente da recorrente, ou, sequer, a um expediente dilatório alegadamente utilizado por forma a prejudicar o recorrido.

16.ª - A recorrente nunca atuou com a consciência da ilicitude do seu comportamento, nem demonstrou a intenção de conseguir um objetivo ilegítimo ou ilegal, pelo que, não é possível formular um juízo de censurabilidade sobre a sua atuação - vd. Ac. TR Coimbra de 28.05.2019, proc. n.º 3303/11.5TBLRA-A.C1.

17.ª - Não se encontram preenchidos, no caso dos presentes autos, os requisitos do n.º 2, do artigo 542.º do CPC e, por tal efeito, nunca poderia a conduta da recorrente ser integradora do conceito jurídico da litigância de má-fé.

18.ª - A lide ousada/temerária, ou a sustentação de teses doutrinárias controvertidas ou de interpretações legais sem grande acolhimento jurídico não configuram uma situação de litigância de má-fé - vd. Ac. TR Lisboa de 30.04.2009, proc. n.º 233/08.1TBRMR-A. L1-8.

19.ª - A defesa de teses doutrinárias e a interpretação legal, ainda que feitas de modo ilusório, não integram o conceito de litigância de má-fé - vd. Ac. Tribunal Constitucional n.º 442/91 de 20.11.1991 - vd. Ac. STJ de 20.07.1982, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 319, págs. 301 e ss;  Ac. Tribunal Constitucional n.º 376/91, in DR, 2.ª Série, de 02.04.1992 - vd. Ac. Tribunal Constitucional n.º 200/94, de 01.03.1994; ABÍLIO NETO, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2.ª Edição Revista e Ampliada, 2014, pág. 579; ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, 2.º Vol., pág. 263.

20.ª - O acórdão recorrido procedeu a uma incorreta subsunção dos factos ao direito e, em consequência interpretou e aplicou incorretamente a lei, pelo que, não poderá a recorrente ser condenada em qualquer multa ou indemnização - vd. al. a), n.º 1, art.º 674.º CPC; a contrario sensu, n.ºs 1 e 2, art.º 542.º CPC e art.º 543.º CPC.

15. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação da decisão impugnada. Por sua vez, o requerido interpôs recurso subordinado, quanto ao segmento que fixou a indemnização, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - A recorrente foi condenada como litigante de má fé, pelo seu comportamento processual na 1ª instância e, depois, no recurso perante o Tribunal da Relação.

2ª - O que nesse comportamento justifica a condenação em litigância de má fé, não é tanto a evidente falta de fundamento para as pretensões deduzidas pela recorrente, mas principalmente porque deitou mão de expedientes processuais sem qualquer utilidade ou influência para a decisão da questão, perfeitamente consciente dessa inutilidade.

3ª - Com tais expedientes provocou atraso no processo e levou à produção de atos processuais que, no final de contas, se vieram a mostrar inúteis e desnecessários.

4ª - A recorrente não podia ignorar que os expedientes processuais que utilizou nunca poderiam levar a que o desfecho da providência fosse diferente, ou seja, nunca poderiam evitar o levamento do arresto (artigo 542º nº 2 d) do C.P.C.).

5ª - O tribunal recorrido esteve bem ao condenar a recorrente como litigante de má fé.

6ª - A decisão recorrida não esteve bem ao não ter atribuído, ao recorrido, a totalidade da indemnização que pediu, no que se refere, em concreto, ao pagamento de uma indemnização ao recorrido no valor mínimo igual ao valor do juro legal sobre o montante arrestado, contado desde o requerimento da recorrente, desde 12/03/2020, até à efetiva entrega do montante ao recorrido.

7ª - O tribunal recorrido justifica, no essencial, tal decisão com o facto de, tendo o recurso efeito meramente devolutivo, o recorrido poderia ter pedido a restituição do montante em causa, sem necessidade de esperar pela prolação do acórdão.

Entendemos que a decisão em crise incorre em dois erros:

8ª - Primeiro, não tem em conta o período de tempo de mediou entre 12/03/2020 e a interposição do recurso.

9ª – Segundo nos termos do artigo 704º nº 3 do C.P.C., o recorrido não poderia receber o montante arrestado sem prestar caução de igual valor; pelo que, mesmo com um recurso com efeito meramente devolutivo, o recorrido não tinha como evitar os danos que sofreu.

10ª – Assim, para além da indemnização correspondente ao valor dos honorários do seu mandatário, o recorrido tem direito, também, a que lhe seja atribuída indemnização dos danos resultantes pela demora na restituição do montante arrestado.

11ª – Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 633º do C.P.C., o recorrido requer que o acórdão em crise seja alterado, no sentido de acrescer, à indemnização atribuída, o valor dos danos sofridos com o atraso na restituição do montante arrestado, que não deverá ser inferior ao valor dos juros legais.

16. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n. º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas.

Sendo assim, as únicas questões de que cumpre conhecer consistem em saber se:

a) – A requerente deve ser condenada como litigante de má-fé;

b) – Deve ser alterada a indemnização arbitrada.


***


II – Fundamentação de facto


17. Os factos a considerar na decisão da revista são os que constam do relatório.

III – Fundamentação de Direito

18. Da má fé

O acórdão recorrido condenou a ora recorrente como litigante de má fé na multa de 3 UC e no pagamento de uma indemnização ao recorrido de € 553,50.

Para assim decidir, considerou a Relação que:

“O comportamento que reputamos de má-fé manifestou-se com a resposta à notificação para se pronunciar sobre o requerimento do requerido, que veio comunicar o trânsito em julgado da decisão do STJ sobre a ação declarativa. (…)

A lei é clara, não pode haver outra interpretação senão aquela que o Tribunal recorrido extraiu: o arresto caducou e tem de ser levantado, para não prejudicar ainda mais o requerido, que teve de suportar um arresto durante cerca de 2 anos, com os inerentes prejuízos, para salvaguardar um alegado crédito que se veio a revelar inexistente. Pois mesmo assim, quando notificada para se pronunciar sobre o inevitável levantamento do arresto (e dizemos inevitável porque a própria recorrente não disse uma palavra nem elaborou um único argumento para se opor substantivamente ao levantamento do arresto, nem então, nem agora ao pronunciar-se no âmbito deste incidente), ela conseguiu pedir prorrogação do prazo de 10 dias para se pronunciar, com o argumento de que precisava de primeiro contactar o administrador da insolvência para saber da “efetiva apreensão à ordem destes autos do montante referido pelo réu”. (…)

A única coisa que a requerente podia fazer para evitar o levantamento da providência seria negar que a decisão do STJ tivesse aquele conteúdo, ou que já tivesse transitado em julgado. Mas não o disse, por não ser fácil negar um facto objetivo. (…)

Mesmo assim, o Juiz a quo concedeu-lhe uma prorrogação de 5 dias (…).

Passou esse prazo e a requerente nada disse.

Seguiu-se a única decisão juridicamente possível, que foi a declaração de caducidade do arresto e o seu levantamento. (…)

E apesar disso, conseguiu vir interpor recurso, com uma argumentação que cai pela base, porque assente na suspensão de um alegado prazo de caducidade da providência, prazo esse totalmente inventado por si, pois nunca existiu nestes autos. A confusão entre um prazo de caducidade e um facto ou evento de caducidade é, com o devido respeito, demasiado forçada e artificial para que possa ser vista como uma defensável, embora errónea, interpretação da lei.

Não vemos outra leitura desta conduta processual que não seja a que o recorrido propugna: um expediente dilatório, e doloso, não meramente negligente, que pretendeu atrasar a entrega do montante arrestado ao seu legítimo titular. E não se vislumbra uma única razão válida para o fazer.

Tem assim de ser condenada em multa (art. 542º,1 CPC), multa essa que oscila entre um mínimo de 2 UC e um máximo de 100 UC (art. 27º,3 RCP).

Atentas às circunstâncias do caso, nomeadamente que a má-fé consistiu apenas em querer a todo o custo retardar o levantamento do arresto, que era inevitável, entendemos adequado fixar o valor da multa em 3 UC.

Quanto à indemnização peticionada: o recorrido manifestou, como vimos, a sua intenção de lhe ser atribuída indemnização, nos termos do art. 542º,1 CPC, que não deverá ser inferior ao juro legal sobre o montante arrestado, contado desde o requerimento da recorrente, de 12/03/2020, até à efetiva entrega do montante ao recorrido e que deverá ser acrescida do montante de honorários devidos ao seu mandatário, pelo patrocínio nestes autos, desde o referido requerimento da recorrente, até à sua resolução final.

a) em primeiro lugar, temos de recordar que o recurso interposto contra a decisão que ordenou o levantamento do arresto foi recebido com efeito meramente devolutivo. O que significa que é possível a execução imediata da decisão (art. 704º,1 CPC), independentemente da tramitação do presente recurso. Logo, no dia seguinte a ter sido notificado da decisão que admitiu o recurso, podia o recorrido ter vindo pedir a execução da decisão, ou seja, a entrega do montante arrestado.

b) quanto aos honorários do Ilustre Mandatário do requerido: a lei (art. 543º,1 CPC) dispõe que a indemnização pode consistir: a) no reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) no reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má-fé.

O Juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má-fé, fixando-a sempre em quantia certa (nº 2 do mesmo artigo).

Em anotação a este artigo, escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipes Pires de Sousa (CPC anotado) que “a situação prevista na alínea a) constitui uma modalidade de indemnização simples, que abarca apenas as despesas diretamente com a conduta maliciosa do litigante. A alínea b) prevê uma modalidade de indemnização agravada, abrangendo prejuízos correspondentes a danos emergentes e lucros cessantes que tenham, direta ou indiretamente por fonte o comportamento doloso ou gravemente negligente, sem exclusão dos danos de natureza não patrimonial, desde que com a litigância tenham o nexo de causalidade exigido por lei”.

E acrescentam: “em qualquer caso, o juiz deve ponderar a gravidade da conduta, não relevando a capacidade económica e financeira do condenado nem tão pouco o valor da ação”.

Ora, fazendo a devida ponderação, estamos perante uma litigância de má-fé cujo objetivo consistiu em fazer atrasar a devolução da quantia arrestada ao seu legítimo titular. Para isso, a requerente requereu prazo para se pronunciar e posteriormente interpôs este recurso. É uma conduta muito simples, e delimitada no tempo e nos atos processuais, dentro de toda a tramitação do presente processo. Por isso, consideramos adequada a indemnização prevista na alínea a) do art. 543º,1 CPC.

Considerando a nota de honorários junta aos autos, referente à parte do litígio decorrente da litigância de má-fé da requerente da providência, e nada havendo a opor à mesma, a indemnização devida ao requerido será então coincidente com o valor que teria de pagar ao seu Ilustre Mandatário, no caso, €553,50. O valor da indemnização, considerando o disposto no art. 543º,4 CPC, deverá ser pago diretamente ao Mandatário.”.

Não vemos razões para não sufragar o mesmo entendimento.

Com efeito:

O modelo processual vigente consagra, como um dos seus princípios fundamentais, o princípio da cooperação, segundo o qual “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” – art. 7º, do CPC que reproduz o anterior art. 266º, nº1, do CPC (apenas com a ressalva da atualização da remissão do seu nº3).

No que respeita às partes, o dever de cooperação vem concretizado no art. 8º, do CPC que impõe às partes o dever de agir de boa fé e cuja violação pode traduzir-se em litigância de má fé.

Por sua vez, de harmonia com o disposto no art. 542º, do CPC diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Distinguem-se claramente, na formulação legal, a má fé substancial - que se verifica quando a atuação da parte se reconduz às práticas aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 542º -  e a má fé instrumental (al. c) e d) do mesmo artigo).

Contudo, em qualquer dessas situações nos encontramos perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva.[1]

Por outras palavras:

A conduta do agente deve apresentar-se como contrária a um padrão de conformidade da ação pessoal do sujeito processual com o dever de agir de acordo com a juridicidade e a lei. "A má fé processual (...) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito".[2]

A condenação como litigante de má fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito.[3]

Feitas estas breves considerações, é patente que no caso em apreciação, a recorrente violou os mais elementares deveres de cooperação e de boa-fé que devem pautar a atuação das partes.

E fê-lo de forma intencional, pois não podia deixar de saber que a decisão judicial de improcedência da ação principal havia transitado em julgado, ocorrência que, por determinação expressa da lei, constitui um facto extintivo da providência.

Nesta conformidade, toda a sua conduta posterior, maxime a interposição de recursos de apelação persistindo na defesa de teses que não tinham o mínimo fundamento, merece o mais veemente juízo de censura, na medida em que representam o uso de expedientes dilatórios, visando, sob pretextos vários, retardar o reembolso ao requerido do valor arestado.

Improcede, pois, o recurso interposto pela requerente.


***


19. Relativamente ao recurso subordinado interposto pelo requerido, em que pugna pela alteração do montante da indemnização arbitrada, dir-se-á que improcede.

Na verdade, importa ter presente que a indemnização em causa não abrange todos os danos que a parte contrária possa ter sofrido em consequência do processo, mas apenas aqueles que, tendo-se produzido, sejam imputáveis à litigância de má fé (e posteriores a essa conduta integradora da má fé).

Por outro lado, a indemnização “mais adequada” é fixada pelo juiz, segundo o seu prudente arbítrio, juízo que, no caso em apreço, e no âmbito dos poderes de escrutínio da decisão impugnada concedidos a este Supremo Tribunal, não é passível de qualquer censura.

IV – Decisão

20. Nestes termos, acorda-se em negar a revista.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa, 12.11.2020


Relatora: Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado

1º Adjunto: Oliveira Abreu

2º Adjunto: Ilídio Sacarrão Martins

Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15º-A, do Decreto-Lei nº 20/2020, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade.

______

[1] Cf. ac. STJ de 23.9.2003, proc. 03B1736, disponível em JusNet 4669/2003 e ECLI: PT: STJ:2003: 03B1736.B6.
[2] Cf. Cecília Silva Ribeiro, "do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil"; ROA, ano 9, págs.83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in "A Litigância de Má Fé", Coimbra Editora, 2008, pág. 389.
[3] Cfr. Ac. do STJ de 13.3.2008, in www.stj.pt.