Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | LEOPOLDO SOARES | ||
| Descritores: | CRÉDITO LABORAL PRESCRIÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I – A prescrição interrompe-se , nos termos do disposto no nº 2 do artigo 323º do Código Civil, desde que tenha sido requerida a citação do réu cinco dias antes do termo do prazo prescricional. II - O disposto na alínea b ) do artigo 279º do Código Civil logra aplicação ao prazo contemplado no nº 2 do artigo 323º por força do estatuído do artigo 296º ambos do referido diploma. III – Assim, o prazo de interrupção da prescrição contemplado no nº 2º do artigo 323º do Código Civil opera pelas 24 h do quinto dia subsequente ao da proposição da acção. | ||
| Decisão Texto Integral: | Revista n.º 474/24.4T8TVD.L1.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça AA intentou acção , com processo comum, contra Lusopor - Importação, Exportação e Comércio Lda., e Sicasa - Sociedade Industrial, Lda. Solicita que : a) Seja reconhecida a existência de relação de grupo entre a R. LUSOPOR e a R. SICASA e consequentemente sejam condenadas no pagamento de 46.563.27 €, a título das diferenças salariais entre Abril 2020 e Agosto de 2021, data em que cessou o contrato com a SICASA; b) Seja reconhecida a existência de justa causa, com os fundamentos de facto e de direito que invoca para a resolução do seu contrato de trabalho que efectivou , através de carta datada de 3 de Março de 2023, tendo a resolução operado efeitos em 6 de Março de 2023. c) Em consequência do reconhecimento da invocada justa causa a R. LUSOPOR seja condenada a pagar-lhe: a. 127.200,00€ a título de indemnização pela cessação do contrato, nos termos do artigo 396.º do CT; b. 8.000€ a título de indemnização por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 28.º do CT; c. Juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Alegou, em suma, que: - no âmbito de contrato de trabalho celebrado verbalmente exerceu funções para a Ré Lusopor de Agosto de 2007 a 6 de Março de 2023; - começou por auferir uma retribuição mensal de € 800,00, aumentada para € 1.300,00 em 2009; - em 2011 assinou o seu primeiro contrato com a Sicasa, empresa que mantinha relações de grupo com a Lusopor, auferindo um salário mensal médio de € 4.000,00, desempenhando funções para a Sicasa, em Angola, a pedido da Ré Lusopor; - em Abril de 2020, por decisão unilateral, a Ré Sicasa reduziu o salário mensal que lhe pagava em cerca de 50%, através da imputação de faltas justificadas que não existiram; - a situação manteve-se até à cessação da sua relação laboral ocorrida em Agosto de 2021; - são-lhe devidas diferenças salariais relativas a tal período no valor de € 46.563.27; - após a cessação da relação com a Ré Sicasa passou a auferir apenas os € 1.300,00 pagos pela Ré Lusopor, quando ao longo de vários anos tinha auferido € 5.300,00, face ao que teve de pedir dinheiro emprestado a familiares e resgatar PPR´s; - em 2021 , a Lusopor não aprovou as suas férias na totalidade nem afixou o mapa de férias, o que o impediu do gozo de alguns dias de férias e gerou incerteza sobre as que teria para gozar; - desde que regressou a Portugal foi vítima de assédio laboral por parte da Lusopor, nomeadamente discussões provocadas pelo seu gerente , em tom de voz alto, na presença de colegas de trabalho, impedimento do acesso ao e-mail, retirada de funções, perseguição e controlo abusivo quanto ao seu horário de entrada e saída do local de trabalho, uso abusivo do poder disciplinar e alteração de procedimentos de comunicação, factos que o levaram a resolver o contrato de trabalho; - a cessação da sua relação com a Ré Lusopor consumou- se em 6 de Março de 2023 através de rescisão do contrato de trabalho da sua parte , com invocação de justa causa, o que lhe confere direito a uma indemnização no valor de € 127.200,00; - em consequência do assédio sofreu danos não patrimoniais pelos quais reclama indemnização não inferior a € 8.000,00. Em 24 de Maio de 2024 , o Autor desistiu da instância no tocante à Sicasa . A desistiu da instância foi homologada por despacho de 28 de Maio de 2024. A Ré Lusopor contestou. Excepcionou a prescrição dos créditos do Autor. Invocou , em síntese, que : - o Autor resolveu o contrato de trabalho com efeitos reportados a 6 de Março de 2023; - o prazo prescricional de um ano ,contemplado no nº 1º artigo 337º do Código do Trabalho , terminou em 6 de Março de 2024; - a acção foi instaurada em 2 de Março de 2024 , um sábado, pelas 23:35 horas ; - foi requerida a citação urgente das Rés face à iminência da prescrição dos créditos reclamados; - em 4 de Março de 2024, o Tribunal ordenou a citação urgente; - a Ré Lusopor foi citada em 12 de Março de 2024 quando o prazo prescricional já decorrera; - a Sicasa nunca foi citada; - a propositura da acção não cumpriu os requisitos que subjazem à interrupção da prescrição, face ao disposto no n.º 2 do artigo 323º do Código Civil, ao propor a acção no dia 2 de Março, um Sábado, dia em que os tribunais estão encerrados, não é legítimo supor ou dizer que a citação poderia ter sido efectuada nos 5 dias subsequentes e com isso beneficiar do disposto na supracitada norma; - a lei considera a prescrição interrompida logo que decorram cinco dias, apenas no quinto dia se dá a interrupção; - no caso concreto , a acção deu entrada em juízo em 2 de Março de 2024, iniciando-se o prazo de cinco dias apenas em 3 de Março de 2024; - os cinco dias ocorreram após 6 de Março de 2024, data em que o direito já tinha prescrito; - ainda que se entendesse - o que não concede – que a lei angolana se aplicava ao contrato de trabalho entre o Autor e a Sicasa, também a Lei Geral do Trabalho Angolana prevê no artigo 302.º que todos os créditos, direitos e obrigações do trabalhador ou do empregador, resultante da celebração e execução do contrato de trabalho, da sua violação ou da cessação, extinguem-se, por prescrição, decorrido um ano contado do dia seguinte àquele em que o contrato cesse, pelo que tendo o contrato de trabalho entre ambos cessado em Agosto de 2021, estariam , de qualquer de qualquer forma , prescritos os alegados créditos laborais emergentes desse contrato. O Autor respondeu. Alegou , em suma, que: - intentou a acção em 2 de Março de 2024, requerendo a citação urgente da Ré nos termos do art. 561.º do Código de Processo Civil, a qual foi expedida em 4 de Março 2024; - verificou-se uma tentativa de entrega à Ré em 5 de Março de 2024 que não foi rececionada por motivos a que é alheio; - o envio ficou disponível para levantamento no CTT até 12 de Março de 2024, data em que a carta foi levantada; - o contrato de trabalho cessou em 6 de Março de 2023, pelo que o prazo de um ano de prescrição iniciou-se em 7 de Março de 2023 e terminou às 24 horas de 7 de Março de 2024, pelo que os créditos laborais estariam prescritos em 8 de Março de 2024; - assim sendo, nessa data a prescrição já havia sido interrompida, por força do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, não obstante a citação ainda não tivesse sido recebida; - as Rés tinham a mesma gestão e integravam uma única relação laboral com o Autor, tendo o contrato de trabalho com a Sicasa sido decidido pela Lusopor , sendo esta que planeava o seu trabalho para a Sicasa; - o trabalho era prestado em benefício de ambas as Rés, pelo que a relação laboral com a Sicasa também terminou para todos os efeitos apenas em 6 de Março de 2023; - consequentemente, também esses créditos não prescreveram. Foi dispensada a realização de audiência prévia. Em sede de saneador, foi proferida decisão que julgou verificada a excepção peremptória de prescrição dos créditos peticionados e absolveu a Ré Lusopor - Importação, Exportação e Comércio Lda., dos pedidos contra ela deduzidos. Ali se fixou o valor da causa em € 181.763,27. O Autor apelou. Em 28 de Fevereiro de 2024, foi proferida decisão singular que logrou o seguinte dispositivo: « Em face do exposto, conclui-se no sentido de que o retardamento da citação para lá dos cinco dias referidos no art. 323º, n.º 2 do CC não pode objetivamente imputar-se a qualquer comportamento culposo do autor. Consequentemente, impõe-se a revogação da sentença recorrida. VI – Responsabilidade pelas custas As custas serão da responsabilidade da recorrida por ter ficado vencida, art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC » - fim de transcrição. Nessa decisão consignou-se: « A 1ª instância não elencou os factos provados relevantes para a decisão da causa como lhe impunha o art. 607, n.º 4 do CPC. Considerando, no entanto que, a factualidade relevante para a decisão da causa é referida na decisão recorrida, mostra-se aceite pelas partes e, visto o disposto no art. 665º, n.º1 do CPC, fixam-se como provados os seguintes factos: a) O autor propôs a presente ação a 02.03.2024. b) A ré Lusopor foi citada a 12.03.2024. c) O contrato de trabalho em causa nos autos terminou em 06.03.2024. d) A carta de citação da ré foi remetida pelos serviços da secretaria em 04.03.2024». A Ré Lusopor reclamou para a conferência. Em 28 de Maio de 2025, a Relação proferiu acórdão que finalizou nos seguintes moldes: «Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação: - em proceder à retificação do erro de escrita e em conformidade que passa a constar da alínea c) da fundamentação de facto que o contrato de trabalho em causa nos autos cessou a 06.03.2023 ; - e em não atender a reclamação, mantendo, a decisão singular na qual se determinou que os direitos dos créditos salariais do autor não estavam prescritos e se revogou a decisão recorrida. Custas da reclamação a cargo da reclamante ». As notificações do acórdão foram expedidas em 28 de Maio de 2025. Em 7 de Julho de 2025, a Lusopor recorreu de revista. Concluiu da seguinte forma: « 1. O acórdão ora recorrido foi proferido na sequência de reclamação apresentada pela ora Recorrente, que não foi atendida, contra a decisão singular que determinou que os créditos salariais do Autor, ora Recorrido, não estavam prescritos, revogando, assim, a sentença de primeira instância. 2. A sentença de primeira instância fundamentou-se no facto de a interrupção da prescrição, por via da citação ficta, não se ter concretizado antes do termo do prazo de prescrição dos créditos laborais, e não – como o acórdão recorrido pretende fazer crer – no facto de a citação da Recorrida não se ter concretizado dentro daquele prazo por causa imputável ao Autor, ora Recorrido. 3. O acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação do artigo 323.º, n.º 2, ao entender que a interrupção da prescrição se verifica sempre que a ação seja intentada cinco dias antes do termo do prazo prescricional, o que não corresponde ao regime legal aplicável. 4. Aquela norma prevê que a prescrição só se considera interrompida após o decurso de cinco dias completos, contados a partir do dia seguinte à propositura da ação, excluindo o próprio dia da propositura, nos termos do artigo 279.º, alínea b), do Código Civil. 5. Considerando que a presente ação foi proposta a 02.03.2024, o quinto dia completo corresponde ao dia 07.03.2024, pelo que a interrupção da prescrição só poderia operar no dia 08.03.2024, data em que a prescrição dos créditos laborais já se havia consumado. 6. Com efeito, tendo a cessação do contrato de trabalho ocorrido a 06.03.2023, o prazo de prescrição de um ano mais um dia iniciou-se a 07.03.2023 e terminou às 24:00 horas do dia 07.03.2024, nos termos do artigo 337º, n.º 1, do Código do Trabalho, conjugado com o artigo 279º, alínea c), do Código Civil. 7. Por isso, não é correto afirmar, como fez o Tribunal da Relação de Lisboa, que no dia 07.03.2024 já teriam decorrido cinco dias completos desde 03.03.2024, pois esse período apenas se completou às 00:01 horas do dia 08.03.2024, dia em que a prescrição dos créditos laborais já havia ocorrido. 8. A prescrição só pode considerar-se interrompida após o decurso integral dos cinco dias posteriores à propositura da ação (nos termos da expressão legal: “logo que decorram os cinco dias”), pelo que a interrupção só opera ao sexto dia subsequente à instauração da ação. 9. Tal interrupção depende ainda de que o prazo prescricional não esteja já esgotado no referido sexto dia, e de que a ausência de citação nesse prazo não seja imputável ao Autor. 10. No caso dos presentes autos, o Autor, ora Recorrido, não pode beneficiar da interrupção da prescrição prevista no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, por não ter proposto a ação com uma antecedência superior a cinco dias relativamente ao termo do prazo de prescrição estabelecido no artigo 337º, n.º 1, do Código do Trabalho, que terminou às 24:00 horas do dia 07.03.2024.10. 11. A jurisprudência reiterada confirma que a interrupção prevista no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil opera ao sexto dia subsequente ao da propositura da ação, caso não haja citação dentro dos cinco dias, desde que o prazo prescricional ainda não tenha expirado (vide Acórdãos do TRG de 04.08.2021- processo n.º 2371/19.6T8VRL.G1, TRC de 25.05.2018 - processo n.º 2448/16.0T8LRA.C1, TRL de 17.01.2007 – processo n.º 9401/2006-4 e TRE de 16.02.2017 - processo n.º 1191/15.1T8TMR.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt). 12. Assim, a jurisprudência maioritária é pacífica ao afirmar que, para que opere a interrupção da prescrição nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, é necessário que o prazo prescricional se complete integralmente, sendo insuficiente a propositura da ação apenas cinco dias antes do seu termo, uma vez que é legalmente exigido um intervalo mínimo de seis dias para que opere a interrupção. 13. A doutrina é clara e coerente no mesmo sentido, ao afirmar que: “O dia em que começa a prescrição conta-se por inteiro, ainda que não seja completo, mas o dia em que a prescrição finda deve ser completo (562.º).” (cfr. Cordeiro, António Menezes, Código Civil Comentado, I - Parte Geral, Edições Almedina, Abril de 2023, 805-806). 14. Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado procedente, por erro na interpretação e aplicação da norma da citação ficta constante do n.º 2 do artigo 323º do CC, e o acórdão recorrido revogado. 15. Por consequência, deve o Supremo Tribunal de Justiça declarar a prescrição dos créditos laborais reclamados pelo Recorrido e absolver a Recorrente dos pedidos formulados». Finaliza solicitando que o recurso seja julgado procedente, com a revogação do acórdão recorrido, e, em consequência, se declare verificada a excepção peremptória de prescrição dos créditos laborais peticionados absolvendo-se, em conformidade, a Recorrente de todos os pedidos contra si deduzidos. Não foram deduzidas contra alegações. O recurso foi admitido. O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer em que finalizou nos seguintes termos: « O Ministério Público é, assim, de parecer que o recurso de revista deverá ser julgado improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido.» - fim de transcrição. A Lusopor veio responder. Sustenta que o prazo é contado do seguinte modo: ➢Data da instauração da ação (que não se inclui na contagem): dia 02.03.2024; ➢1.º dia - início da contagem do prazo: 03.03.2024 ➢2.º dia: 04.03.2024 ➢3.º dia: 05.03.2024 ➢4.º dia: 06.03.2024 ➢5.º dia – prescrição do direito: 07.03.2024 ➢6º dia - interrupção da prescrição: 08.03.2024 6) A interrupção ficta da prescrição só poderia operar a partir das 00:00 horas do dia 08.03.2024 - ou, com maior precisão, às 00h00m01s desse mesmo dia 08.03.2024, momento em que o prazo de prescrição dos alegados créditos laborais já se encontrava totalmente decorrido. 7) Assim, o Autor, ora Recorrido, não pode beneficiar do regime de interrupção previsto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, por não ter instaurado a ação com antecedência suficiente relativamente ao termo do prazo de prescrição. 8) Em consequência, deve concluir-se que, quando a interrupção poderia, em tese, operar, já os créditos do Autor estavam prescritos, não havendo prazo em curso suscetível de ser interrompido. Entende que deve ser julgada procedente por provada a exceção perentória de prescrição dos créditos laborais peticionados pelo Autor, ora Recorrido, e invocada pela Recorrente, e como tal deve ser julgado procedente o recurso e revogado o acórdão recorrido, e, em consequência, absolver a Recorrente dos pedidos contra si deduzidos. O projecto de acórdão foi , previamente, remetido aos Exmºs Adjuntos , tendo-se observado o disposto na segunda parte do nº 2º do artigo 657º do CPC .1 Nada obsta ao conhecimento. **** A matéria de facto apurada relevante para a decisão2 é a seguinte: a) O autor propôs a presente acção a 2 de Março de 2024.3 b) A ré Lusopor foi citada a 12 de Março de 2024. c) O contrato de trabalho em causa nos autos terminou em 6 de Março de 2023. d) A carta de citação da Ré foi remetida pelos serviços da secretaria em 4 de Março de 2024. *** A questão a dirimir consiste em saber se os créditos do Autor se mostram prescritos. Segundo o artigo 337º do CT/20094: Prescrição e prova de crédito 1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho. 2 - O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo. 3 - O crédito de trabalhador, referido no n.º 1, não é suscetível de extinção por meio de remissão abdicativa, salvo através de transação judicial. A prescrição pode definir-se como « a extinção de direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, o que significa , em outros termos que , uma vez completada a prescrição, tem o sujeito passivo , por ela beneficiado , a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou se opor , por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artigo 304º - 1».5 Nas palavras de Ana Filipa M. Antunes «invocada com êxito, a prescrição determina a paralisação dos direitos, sempre que os mesmos não sejam exercidos, sem uma justificação legítima, durante um certo lapso de tempo fixado por lei. Confere-se, assim, ao beneficiário da prescrição, o poder ou a faculdade de recusar de modo lícito, a realização da prestação devida (cfr. n.º 1 do artigo 304.º - “tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito»6. A referida autora salienta ainda que «a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, pois, uma só razão justificativa. Os principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) a exigência de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a promoção do exercício oportuno dos direitos. A prescrição justifica-se , assim, em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas também , em nome do interesse particular do devedor , funcionando como reacção à inércia do titular do direito , fundado num imperativo de justiça ».78 O contrato de trabalho em causa cessou em 6 de Março de 2023 [ facto c]. Assim, os créditos do Autor prescreviam em 7 de Março de 2024, pelas 24 horas 9 10 11 12. A acção foi intentada em 2 de Março de 2024 [ facto a], sendo certo que a Ré só foi citada em 12 de Março de 2024 quando tal prazo já decorrerá [ facto c]. Todavia , o artigo 323º do Código Civil regula: (Interrupção promovida pelo titular) 1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores. 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido. O nº 2 deste preceito contempla uma ficção legal . O legislador reputou o prazo de cinco dias como normal e razoavelmente suficiente para a realização dos actos de citação ou notificação, sendo que a interrupção se verifica logo que decorram esses cinco dias.1314 Nas palavras de Antunes Varela , J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora15 a ratio legis dessa norma intenta proteger o credor contra a negligência do tribunal ou do funcionário, o dolo do devedor , a acumulação de serviço, a entrada em férias judiciais ou outras circunstâncias anómalas do juízo. Assim, se a citação não for levada a cabo dentro dos cinco dias posteriores ao ingresso da petição em juízo , por facto não imputável ao autor [ sendo que a tal título nada foi sustentado na revista] , tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram esses cinco dias. Tal como referido em aresto do STJ , de 27-07-2001: « Esta norma alterou o regime até então vigente, estabelecido nos artigos 253º do Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961 (este antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 47690, de 11 de Maio de 1967), segundo o qual no «que respeita à interrupção da prescrição, o efeito da citação demorada por facto não imputável ao autor retrotrai-se à data em que a acção foi proposta». Com efeito, aquando da elaboração do Código Civil vigente, considerou-se deslocada esta estatuição, por não ser ao Código de Processo Civil, mas antes ao Código Civil, que compete regular a interrupção da prescrição, e, por outro lado, por tal norma ter sido fonte de muitas dúvidas e de divergências no que toca à interpretação do conceito de «citação demorada»; por isso se julgou preferível dispor que a prescrição se interrompe com a citação judicial e que, se a citação não tiver lugar dentro de cinco dias, por causa não imputável ao autor, se considera interrompida a prescrição passados esses cinco dias (cfr. Vaz Serra, "Prescrição extintiva e caducidade", Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, págs. 190 a 192. O regime actualmente em vigor é, pois, o seguinte: (i) se a citação se realiza dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição: atende-se, em tal hipótese, ao momento efectivo da citação; (ii) se é feita posteriormente por causa não imputável ao requerente, considera-se a prescrição interrompida logo que decorram cinco dias; (iii) existindo, porém, culpa da demora por parte do requerente, atende-se ao momento em que a citação é de facto concretizada. Deste modo, o autor somente tem de cumprir duas condições, a fim de poder beneficiar do regime consagrado no n.º 2 do mencionado artigo 323º: (i) requerer a citação do réu cinco dias antes do termo do prazo prescricional; e (ii) evitar que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável ».16 No caso concreto , será que a interrupção do prazo prescricional operou em 7 de Março de 2024 ou em 8 de Março( quando o prazo prescricional já se mostrava integralmente decorrido, como sustenta a recorrente) ? Argumentar-se-á que a alínea b ) do artigo 279º do Código Civil17 , que se refere ao início da contagem do termo , determina a não contabilização do momento (dia ou hora) a partir do qual o prazo começa a correr»18, por força do estatuído no artigo 296º do mesmo diploma19. Na realidade, « o artigo 279º dá solução a um problema de enorme relevância prática nas várias áreas do Direito : o do cômputo ou contagem do termo . Contudo , é uma norma prevista em matéria do negócio jurídico, tendo, por isso , a sua vocação primária de aplicação voltada para aqueles . O mesmo é dizer que , ex vi do artigo 296º, são as regras supletivas constantes do artigo 279º aplicáveis a prazos e termos quer do Direito Privado , quer de Direito Público (…) Faz, diga-se , todo o sentido a previsão deste artigo 296º porquanto as regras supletivas previstas no artigo 279º têm efetiva e substancialmente , vocação de aplicação a termos e prazos legais , judiciais ou de outra natureza e autoridade».20 Cumpre , pois, ter em conta o disposto na alínea b ) do artigo 279º do Código Civil. Neste sentido decidiu , aliás , o aresto deste Tribunal , de 29 de Outubro de 2025 , proferido no âmbito da Revista nº 10057/23.0T8PRT.P1.S1 , Relator Conselheiro Domingos José de Morais, acessível em www.dgsi.pt.21 Todavia, tal como se refere no Parecer do Exmº Procurador Geral Adjunto: «Como se disse, no caso dos autos a ação deu entrada no dia 02-03-2024, pelo que o quinto dia posterior àquele em que a ação foi instaurada é o dia 07-03-2024. Com efeito, ao referido dia 2 seguem-se os dias 3, 4, 5, 6 e 7. Assim de acordo com a interpretação do texto legal do citado n.º 2 do art.º 323.º do CC não se vislumbra com que outros elementos da interpretação da lei se possa sustentar outra interpretação. Atente-se nos termos do texto da lei: se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida. Ora, a preposição «depois», no contexto da norma, refere-se ao período temporal após o momento em que foi requerida a citação. E a expressão «dentro de cinco dias» significa que não sendo a citação feita nos cinco dias posteriores ao daquele em que foi requerida ocorre a interrupção da prescrição. Pelo que, dado que a lei considera a prescrição interrompida logo que decorram os cinco dias, essa interrupção ocorre no 5º dia após a instauração da ação»- fim de transcrição. Conjugando os nºs 1 e 2 da norma em apreço , sendo certo que ao intentar a acção , em 2 de Março de 2024 , o Autor exprimiu a intenção de exercer o seu direito, afigura-se-nos que se deve considerar que a interrupção ocorreu pelas 24 h de 7 de Março de 2024.22 É que a norma a aplicar refere “logo” ou seja sem demora.23 Tendo em conta a ratio legis do nº 2 do preceito em causa , que nas palavras de Ana Filipa Morais Antunes 24estabelece um mecanismo de acautelamento da posição do titular do direito, operando a sua interpretação teleológica afigura-se-nos ser esse o sentido adequado a conferir à referida norma. Recorde-se o disposto no artigo 9º do Código Civil25 26, sendo que a interpretação aqui perfilhada afigura-se como a mais consentânea à finalidade da norma. E nem se venha esgrimir com o disposto no artigo 562º do Código Civil de 1867[ o denominado de Código de Seabra27 28] . Não se detecta que o estatuído nessa norma tenha sido transposto para o Código Civil de 196629, sendo certo que caso na interpretação do actual artigo 323º se pretenda ter em conta o então estatuído na última parte dessa norma [o dia em que prescrição finda deve ser completo…] então , por maioria de razão , também se devia ter em conta a sua primeira parte [ o dia em que começa a correr a prescrição conta-se por inteiro] o que na situação em exame implicaria que o quinto dia após a propositura da acção fosse o dia 6 de Março de 2024. Assim, uma vez que a Ré foi citada em 12 de Março de 2024 e que a acção foi intentada em 2 de Março de 2024 cumpre considerar que a citação foi requerida cinco dias antes do termo do prazo prescricional [ 7 de Março de 2024] . Cumpre , pois, negar a revista. *** Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Notifique. Lisboa, 10 de Dezembro de 2025 Leopoldo Soares (Relator) Antero Dinis Ramos Veiga Júlio Gomes _____________________________________________ 1. Atento o disposto no artigo 679º do CPC ex vi do nº 1º do artigo 87º do CPT.↩︎ |