Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
Descritores: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU OPOSIÇÃO DIREITOS DE DEFESA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO IRREGULARIDADE NULIDADE QUESTÃO NOVA RESPOSTA NOTIFICAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/18/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO EUROPEU - COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL / MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU / EXECUÇÃO DE MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU EMITIDO POR ESTADO MEMBRO ESTRANGEIRO / PROCESSO DE EXECUÇÃO / DIREITOS DO DETIDO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / IRREGULARIDADES - RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 123.º, 258.º, 417.º, N.ºS 1 E 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.°, 27.°, N.º 4, 32.°, N.º 1. LEI N.º 65/2003, DE 23-08: - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 4.º, N.º 2, 7.º, 16.º, 17.º. | ||
Legislação Comunitária: | DECISÃO-QUADRO DO CONSELHO N.º 2002/584/JAI, DE 13 DE JUNHO DE 2002, RELATIVA AO MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU E AOS PROCESSOS DE ENTREGA ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS (TRANSPOSTA PARA A ORDEM JURÍDICA INTERNA PELA LEI N.º 65/2003, DE 23 DE AGOSTO). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13-09-2006 (PROC. N.º 1574/06 – 3.ª SECÇÃO). -DE 10-01-2007 (PROC. N.º 07P002, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ). -DE 22-02-2007 (PROC. N.º 4040/06 – 5.ª SECÇÃO). -DE 21-11-2012 (PROC. N.º 211/12.6YRCBR-A.S1 - 3.ª SECÇÃO), DISPONÍVEL NOS SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - SECÇÕES CRIMINAIS, JANEIRO – DEZEMBRO DE 2012. | ||
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Sumário : | I - O conteúdo e forma do MDE regulados no art. 3.º da Lei 65/2003, de 23-08 impõem a transmissão de um elenco de informações cuja existência é conditio sine qua non de apreciação da sua regularidade formal e substancial em sede de despacho liminar – art. 16.º e pedra angular do exercício dos direitos de defesa do arguido – art. 17.º. O que está em causa é o exercício de um direito de oposição pela pessoa procurada – o recorrente – como manifestação de um dos princípios estruturantes do processo penal que é o princípio do contraditório. II - Ao recorrente foi facultado acesso documental e foi-lhe concedido prazo para a preparação da sua defesa e apresentação de meios de prova com vista à dedução da oposição. Esteve sempre assistido por mandatário judicial. A detenção foi validada pela autoridade judicial. Tendo sido dado conhecimento ao recorrente, aquando da sua audição, da ordem constante do MDE, tendo ele ficado na posse dos elementos necessários para exercer o direito de defesa, tendo-lhe sido concedido, para tal efeito, o prazo de oposição de 10 dias, não se verifica qualquer restrição aos seus direitos de defesa. III - O despacho judicial que validou a detenção do recorrente fez apelo ao próprio MDE, enquanto instrumento legal reconhecido pelo Estado português, bem como aos factos delituosos que determinaram a sua emissão. O recorrente teve ainda oportunidade de reflectir sobre o conteúdo e de ajuizar quando, por escrito e através do seu mandatário, deduziu oposição. Pelo que, nenhuma irregularidade formal afecta o MDE objecto dos autos, tendo-se por não verificada a nulidade insanável invocada pelo recorrente, não estando, pois, violados quaisquer preceitos legais ou princípios constitucionais. IV - A falta de notificação ao recorrente da resposta do MP à oposição, suscitada também por este, constitui questão nova não apreciada na decisão recorrida. Os recursos não se destinam a conhecer de questões novas, antes são remédios jurídicos, destinados a eliminar os erros de apreciação e de julgamento cometidos no tribunal recorrido. É com base no texto da decisão recorrida que o tribunal de recurso julga, pelo que todas as questões que não tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido não podem ser suscitadas ex novo pelo recorrente no tribunal de recurso. V - De todo o modo, a indicada falta de notificação configura uma simples irregularidade e não nulidade, a arguir nos termos e prazo do art. 123.º, do CPP. Assim tem entendido o STJ a propósito do parecer do MP emitido nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 1, do CPP. In casu, não tendo sido arguida a irregularidade no prazo constante do art. 123.º, n.º 1, do CPP, tal vício encontra-se sanado. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I – RELATÓRIO
1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra promoveu o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, doravante MDE, emitido em 11 de Agosto de 2015, por decisão da autoridade judiciária da Alemanha – Juiz do Tribunal de ...., Alemanha – no âmbito do processo 931-Gs-7840 Js 217100/15, que tem por objecto o cometimento, na Alemanha, entre Maio de 2011 e Junho de 2015, de crimes de evasão fiscal e retenção e desvio de remuneração, puníveis com pena de prisão até cinco anos, contra o agora recorrente, AA.
2. Com base nas informações divulgadas pelo Sistema de Informações de Schengen – Registo Schengen ... – o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras comunicou a detenção do visado no MDE, efectuada pelas 16h15 do dia 16 de Novembro de 2015.
Submetido a interrogatório judicial no dia 18 de Novembro de 2015, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, o mesmo declarou não consentir na sua entrega às autoridades alemãs nem renunciar ao benefício do princípio da especialidade. Requereu a concessão de um prazo para deduzir oposição e apresentar meios de prova, o que foi deferido, tendo sido concedido o prazo de 10 dias para o efeito. Por despacho então proferido pelo Ex.mo Desembargador Relator, a detenção efectuada foi julgada legal, sendo «válida por haver sido efectuada com base em instrumento internacional reconhecido pelo Estado Português no âmbito da Lei 65/2003 de 23/08, nomeadamente ao abrigo dos arts. 1.º, 4.º e 39.º da referida Lei». Foi ainda determinada a sujeição do requerido a prestação de TIR e apresentações semanais na autoridade policial competente.
3. O requerido deduziu oposição à execução do MDE, alegando que a cópia do mandado que lhe foi entregue não se encontrava traduzida ou acompanhada de tradução para português pelo que, para além de não se mostrarem respeitados os artigos 3.º, n.º 2 da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, 8.º, n.º 2 da Decisão Quadro e 1.º, n.º 1, 2.º, n.os 7 e 8 e 3.º, n.º 6 da Directiva 2010/64/EU, desconhece sem culpa o teor do mandado de detenção europeu, designadamente, se contém as menções obrigatórias previstas no artigo 3.º da Lei nº 65/2003 – identificação da autoridade judiciária emitente, qualificação e natureza das infracções, pena aplicável, circunstâncias do respectivo cometimento, etc, -, mas sabe que, «lido o mandado de fls. 5 a 20, dele não consta a descrição factual do que lhe é imputado», elemento fundamental ao exercício do direito de recusa, seja obrigatória, seja facultativa e essencial para que a Relação aprecie o mérito da questão, constituindo tudo isto nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º, alínea d), do CPP e desrespeito pelos direitos do arguido, estabelecidos nos artigos. 58.º, 61.º, alínea g), 257.º e 258.º, nº 3 do CPP, ex vi, artigo 16.º, n.º 6 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, acrescendo ainda que o MDE não indica se o seu fim é o cumprimento de pena ou o cumprimento de obrigações processuais, o que constitui igualmente violação das citadas normas e ainda as dos artigos 20.º, 27.º e 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Alegou também que padece de hipertensão, tem hipertrofia concêntrica do ventrículo, padece de depressão e ansiedade, estando medicado, vive com a mãe, pessoa idosa e doente, a quem auxilia, sendo que a sua entrega às autoridades alemãs agravará a sua situação clínica, abalará a sua vida pessoal e familiar e afectará o estado de saúde da sua mãe, que, caso a finalidade do MDE seja a execução de pena ou a aplicação de medida de coacção, deve o cumprimento efectuar-se em Portugal, que só deve ser determinada a entrega se o Estado Alemão garantir a sua devolução a Portugal para cumprimento da pena ou da medida de coacção, e que, na hipótese de o MDE ter sido emitido para procedimento penal, o mesmo poderá efectuar-se por videoconferência, assim se evitando os custos inerentes. E, por tudo isto, concluiu que, nos termos dos artigos 12.º, n.º 1, alínea g) e 13.º, alínea b), da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, deve ser recusada a execução do mandado[1].
4. O Ministério Público respondeu à oposição, afirmando que os argumentos do requerido são insusceptíveis de impedirem a execução do MDE pois que, quando foi ouvido neste tribunal, foi-lhe explicada a razão e o fim da emissão do mandado, bem como a punibilidade da conduta à luz do direito português, que a doença invocada e o auxílio prestado à progenitora não são subsumíveis à previsão dos arts. 11º e 12º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, e que consta já do próprio MDE que o Estado alemão já se comprometeu a que o cumprimento da pena que, eventualmente, venha a ser aplicada, o seja em Portugal.
5. Em 23 de Dezembro de 2015 foi proferido o acórdão recorrido do qual se transcreve a parte relativa à fundamentação e à matéria de facto (capítulo II):
Consta, pois, aí que:
«3. O Mandado de Detenção Europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro – Estado de emissão – com vista à detenção e entrega a outro Estado membro – Estado de execução – de um cidadão procurado, para efeitos de procedimento penal, de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade (art. 1º, nº 1 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, na redacção da Lei nº 35/2015, de 4 de Maio), que é actuado tendo por base o princípio do reconhecimento mútuo (nº 2 do mesmo artigo), cujo núcleo consiste em a decisão da autoridade judiciária competente e em conformidade com o direito do respectivo Estado membro, dever ter efeito directo e pleno em todo o território da União Europeia. Isto significa que as autoridades competentes do Estado membro onde a decisão pode ser executada, devem prestar a sua colaboração à respectiva execução, como se fosse decisão tomada por autoridade deste mesmo Estado. Estamos perante um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados membros da União Europeia – entres os quais se encontram a Alemanha e a República Portuguesa, em substituição do antigo, complexo e menos ágil processo de extradição, para alcançar o mesmo fim.
4. No que respeita ao presente MDE, o requerido iniciou a oposição deduzida, dizendo que desconhece, porque a cópia que lhe foi entregue, não vinha acompanhada de tradução, se aquele contém as menções obrigatórias previstas no art. 3º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto para de seguida acrescentar que, não obstante, lido o mandado – fls. 5 a 20 – dele não consta a base factual que lhe é imputada, assim estando verificada a nulidade insanável do art. 119º, d) do C. Processo Penal. Vejamos.
4.1. Nos termos do disposto no art. 3º, nº 1 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, o MDE deve conter diversas informações, em conformidade com o formulário fixado, a saber: a) identidade e nacionalidade da pessoa procurada, b) Identidade e contactos da autoridade judiciária de emissão; c) Indicação da sentença com força executiva, mandado de detenção ou decisão judicial com a mesma força executiva; d) natureza e qualificação jurídica da infracção; e) descrição das circunstâncias da infracção; f) pena aplicada ou moldura penal aplicável; g) outras consequências da infracção, quando possível. Por sua vez, dispõe o art. 4º, nº 2 da lei citada que a autoridade judiciária de emissão pode, em qualquer caso, decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS), dispondo o nº 4 do mesmo artigo que, uma indicação inserida no SIS produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º.
Como resulta de fls. 5 e ss., que o requerido, como afirma leu, a autoridade judiciária alemã inseriu a identidade daquele no sistema de informação Schengen, estando nos autos o Formulário «A» e a respectiva tradução [esta a fls. 16 a 19]. E basta lê-los para concluir que deles consta, sem margem para qualquer equívoco, a identidade e nacionalidade do requerido, a identidade e contactos da autoridade de emissão, a especificação da decisão com força executiva como mandado de detenção para prisão preventiva, a natureza e qualificação da infracção e a moldura penal aplicável. E no que especificamente respeita ao que o requerido designa por ‘base factual imputada’ ali consta «Desde 15/03/2011 a pessoa acusada tem vindo a desempenhar as funções de director-geral da empresa denominada “Prolex Gebäudereinigungs GMBH”, sediada em Kronberg Im Taunus. No decurso do período relevante, a pessoa não cumpriu as obrigações devidas no que respeita ao pagamento de impostos sobre o volume de negócios e salariais, bem como contribuições à segurança social. No período de 2011 a 2014 a pessoa não pagou o imposto sobre o volume de negócios, cujo valor ascende a 95.272,97 euros. Não obstante, a pessoa evadiu o imposto sobre salários no valor de 49.377,26 no período entre 10/05/2011 e 12/01/2015. Finalmente, a pessoa não cumpriu com o pagamento das contribuições à segurança social no valor de 44.398,25 devidas pelos seus trabalhadores durante os meses de Maio de 2011 a Março de 2015.». Constando da inserção no sistema de informação Schengen todas a informações referidas no nº 1 do art. 3º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, é evidente que nenhuma nulidade foi cometida, nem de forma alguma foram beliscados os direitos de defesa do requerido. Aliás, quando foi ouvido na Relação, o Exmo. Desembargador, primitivo relator, informou-o das razões da sua apresentação em juízo pelo que, com esta informação e dado acesso documental facultado, não se entende a razão da alegação produzida. Com efeito, a leitura da documentação acedida, que presumimos feita, e a informação prestada pelo, então, Exmo. Desembargador relator, não poderiam produzir outro efeito que não o de esclarecer, de forma cabal, o requerido das razões e circunstâncias da sua detenção e da pretensão do Estado alemão.
Em suma, nenhuma irregularidade formal afecta o MDE objecto destes autos, tendo-se por não verificada a invocada nulidade insanável e, por esta via, não violados os arts. 20º, 27º e 32º, nº 1 da Lei Fundamental, 3º e 17º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, e 58º, 61º, g), 257º e 258º do C. Processo Penal.
4.2. A identidade do requerido e a sua nacionalidade estão claramente confirmadas nas informações remetidas pelo Sirene, com base nos documentos divulgados pelo sistema de informação Schengen, bem como se mostram confirmadas no original do MDE e respectiva tradução, a fls. 54 a 94, entrados na Relação a 19 de Novembro de 2015. Assim, tendo em vista os fundamentos de oposição previstos no art. 21º, nº 2 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, dúvidas não se suscitam quanto à identidade do requerido e à sua correspondência com o cidadão procurado e identificado no mandado a executar, sendo certo que tão-pouco é invocado este fundamento de oposição.
5. Na continuação da oposição, alega o requerido que, sendo doente cardíaco e depressivo, por um lado, e sendo o apoio de sua mãe, pessoa idosa e doente, por outro, a sua entrega ao Estado alemão abalará a sua vida pessoal e familiar e fará perigar, quer a sua saúde, quer a de sua mãe. Quanto as estes aspectos, relevando o depoimento da testemunha ...., ouvida por este tribunal no pretérito dia 16 de Dezembro de 2015, e a Informação Clínica e Relatório Médico, juntos a fls. 117 e 118, respectivamente, consideramos provado que: - O requerido tem antecedentes de hipertensão arterial e dislipidemia mista [anomalia quantitativa ou qualitativa dos lípidos circulantes, cfr. Manuel Freitas e Costa, Dicionário de Termos Médicos, Porto Editora, 2012, pág. 353], apresentando a aurícula esquerda de dimensões borderline e ligeira hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, estando controlado, quanto a ambas situações, com terapêutica farmacológica; - O requerido mantém tratamento por quadros graves e limitadores de depressão e ansiedade, causados por problemática profissional e familiar, necessitando de manter, de forma continuada, a medicação prescrita e o processo psicoterapêutico; - O requerido, em Portugal, vive com a mãe, estando reciprocamente preocupados com a possibilidade da deslocação do primeiro para a Alemanha. Posto isto.
Para além do já, supra, referido, é ainda fundamento de oposição previsto no art. 21º, nº 2 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, a existência de causa de recusa de execução do mandado, que se encontram elencadas nos arts. 11º e 12º da mesma lei. No art. 11º encontram-se previstas as causas de recusa obrigatória de execução do mandado. Porém, o requerido nenhuma invoca, e também nenhuma se verifica, in casu. No art. 12º, nº 1 encontram-se previstas as causas de recusa facultativa de execução do mandado, invocando o requerido a prevista na alínea g) deste número, que consiste em poder ser recusada a execução quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.
O MDE cuja execução é requerida não foi emitido para que o requerido cumpra uma pena ou uma medida de segurança já decretada pelo Estado alemão, mas para efeitos de procedimento criminal, concretamente, para a sua sujeição a prisão preventiva no âmbito do processo criminal respectivo. Não está pois, preenchida, a previsão da alínea g), do nº 1 do art. 12º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto. Por outro lado, as concretas razões invocadas pelo requerido – doença do requerido e de sua mãe e perturbação pessoal e familiar com a entrega do primeiro ao Estado de emissão – não preenchem qualquer das restantes alíneas do mesmo nº 1 do art. 12º citado. E também a primeira não será causa de suspensão temporária da entrega, nos termos do art. 29º, nº 4 daquela lei.
Em suma, não se verifica qualquer causa de recusa, seja obrigatória, seja facultativa, de execução do mandado.
6. Deste modo, sendo o requerido procurado pela autoria de crimes cometidos em território alemão, para procedimento criminal movido pela justiça alemã, punível pela lei portuguesa com penas até três anos de prisão – crime de fraude, p. e p. pelo art. 103º do Regime Geral das Infracções Tributárias e crime de fraude contra a segurança social, p. e p. pelo art. 106º do mesmo regime (Lei nº 15/2001, de 5 de Junho) – e não ocorrendo fundamento de recusa obrigatória nem de recusa facultativa, não pode o MDE deixar de ser concedido e cumprido, com a consequente entrega do requerido.
Nos termos do disposto no art. 13º, b) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, a execução do mandado só terá lugar se o Estado de emissão, quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado de execução, garantir a sua devolução, depois de ouvida, ao Estado de execução, para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade em que for condenado no Estado de emissão. O requerido é cidadão português, reside em Portugal e o Estado alemão emitiu o MDE para efeitos de procedimento penal. Porém, resulta da tradução do MDE, a fls. 76, que a autoridade judiciária alemã garantiu que, «no caso de condenação transitada em julgado na República Federal da Alemanha, com base na versão vigente da Decisão-Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008 relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em processo penal que imponham penas ou outras medidas privativas da liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, a pessoa procurada será entregue a Portugal para fins de execução penal.». Assim, face à garantia já dada pelo Estado de emissão, que para os previstos efeitos, se considera válida, não há já que condicionar a execução do MDE à sua prestação.»
E, reproduzindo o dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pelo Tribunal de ...., da República Federal da Alemanha, referente ao cidadão português AA, e ordenar a sua entrega às autoridades alemãs. Sem tributação. Proceda-se às comunicações devidas. Cumpra-se o art. 28º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto. Após trânsito, proceda-se à entrega do requerido, no mais breve prazo possível, sem exceder dez dias (art. 29º, nº 2 da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto).»
6. Inconformado com a decisão proferida, interpôs o requerido o presente recurso, apresentando as seguintes:
«Conclusões: 7. O Ministério Público respondeu ao recurso, dizendo
8. Colhidos os vistos, o processo foi submetido a julgamento, em conferência (artigos 25.º e 34.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto).
Cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. O programa de medidas destinado a dar execução ao princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais, referido no ponto 37 das conclusões do Conselho Europeu de Tampere, de Outubro de 1999, e aprovado pelo Conselho em 30 de Novembro de 2000, aborda a questão da execução mútua de mandados de detenção. Na elaboração da decisão quadro que conduziu à criação do mandado de detenção europeu foi determinante o objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça o que conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. O mandado de detenção europeu previsto na Decisão-Quadro do Conselho n.º 2002/584/JAI, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, transposto para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, «constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de "pedra angular" da cooperação judiciária»[2], sendo o seu mecanismo «baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros», cuja execução só poderá ser suspensa em situações graves, excepcionais e limitadas[3].
A instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até á criação da referida figura prevaleciam entre os Estados-Membros deram lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial, como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça. O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduziu à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas, ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permitiu suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleciam entre Estados-Membros deram lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça. O mandado de detenção europeu previsto na decisão-quadro de 2002 constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de "pedra angular" da cooperação judiciária. Pode-se afirmar que o mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros substituindo, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição, incluindo as disposições nesta matéria do título III da Convenção de aplicação do Acordo de Schengen. O seu núcleo essencial reside em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União». O que significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado.
2. Em termos procedimentais, toda a estrutura de cumprimento do mandado tem subjacente o propósito que de criar um instrumento ágil com base na confiança mútua, e num quadro de respeito por princípios fundamentais, como é o exercício do direito de defesa, que estão inscritos na matriz de criação da EU. Assim, e precisando alguns dos termos de tal procedimento, interpretados dentro daquela teleologia: O mandado de detenção europeu deve compreender toda uma série de informações sobre a identidade da pessoa, a autoridade judiciária de emissão, a decisão judicial definitiva, a natureza da infracção, a pena, etc. (um modelo do formulário encontra-se junto em anexo à decisão-quadro). Em geral, a autoridade de emissão comunica o mandado de detenção europeu directamente à autoridade judiciária de execução. Está prevista a colaboração com o Sistema de Informação de Schengen (SIS), bem como com os serviços da Interpol. Se a autoridade do Estado-Membro de execução não for conhecida, a rede judiciária europeia presta assistência ao Estado-Membro de emissão. Os Estados-Membros podem adoptar as medidas coercivas necessárias e proporcionais contra uma pessoa procurada. Quando uma pessoa procurada for detida, tem o direito a ser informada do conteúdo do mandado, bem como a beneficiar dos serviços de um defensor e de um intérprete. A autoridade de execução tem o direito de decidir manter a pessoa em detenção ou libertá-la sob certas condições. Enquanto se aguarda uma decisão, a autoridade de execução (em conformidade com as disposições nacionais) procede à audição da pessoa em causa. O mais tardar 60 dias após a detenção, a autoridade judiciária de execução deve tomar uma decisão definitiva sobre a execução do mandado de detenção europeu. Em seguida, a autoridade judiciária de execução informa imediatamente a autoridade de emissão da decisão tomada. Todavia, se as informações comunicadas forem consideradas insuficientes, a autoridade de execução pode solicitar à autoridade de emissão informações complementares. O período de detenção relativo ao mandado de detenção europeu deve ser deduzido do período total da pena de privação de liberdade eventualmente aplicada. A pessoa detida pode declarar que consente na sua entrega, de forma irrevogável e em plena consciência das consequências do seu acto. Neste caso, a autoridade judiciária de execução deve tomar uma decisão definitiva sobre a execução do mandado no prazo de dez dias a contar da data do consentimento. Os Estados-Membros podem prever que, sob certas condições, o consentimento seja revogável. Para este efeito, devem fazer uma declaração aquando do acto de adopção da presente decisão-quadro indicando as modalidades práticas que permitem a revogação do consentimento. O Estado-Membro recusa a execução do mandado de detenção europeu se: Tiver sido proferida uma decisão transitada em julgado por um Estado-Membro pelos mesmos factos e contra a mesma pessoa (princípio "ne bis in idem"); A infracção for abrangida por uma amnistia no Estado-Membro de execução; No Estado-Membro de execução, a pessoa em causa não puder, devido à sua idade, ser responsabilizada. A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução do mandado na presença de outras condições (prescrição da acção penal ou da pena nos termos da legislação do Estado-Membro de execução, decisão transitada em julgado pelos mesmos factos por um país terceiro, etc.). A não execução do mandado de detenção europeu deve ser sempre fundamentada. O mandado é traduzido na língua oficial do Estado-Membro de execução. Além disso, é transmitido por quaisquer meios que permitam ter o seu registo escrito e verificar a sua autenticidade pelo Estado-Membro de execução[4].
3. O conteúdo e forma do mandado europeu regulados no artigo 3º da referida lei impõe a transmissão de um elenco de informações cuja existência é “conditio sine qua non” de apreciação da sua regularidade formal e substancial em sede despacho liminar -artigo 16.º e pedra angular do exercício dos direitos de defesa do arguido - artigo 17.º. Na verdade o que está em causa é o exercício de um direito de oposição pela pessoa procurada - o recorrente - como manifestação de um dos princípios estruturantes do processo penal que é o princípio do contraditório. Assim, no caso vertente tudo se reconduz a saber se aqueles elementos essenciais para o exercício do direito de oposição e que consubstanciam o próprio mandado foram, ou não, efectivamente comunicados. O recorrente alega, reproduzindo, no essencial os argumentos apresentados na oposição que oportunamente deduziu, que «não lhe foi entregue cópia do Mandado de Detenção Europeu, quando foi detido pelo SEF nem quando foi ouvido pelo Tribunal da Relação de Coimbra», nem resultando «do auto de audição do arguido que lhe tenha sido exibido ou lido o Mandado de Detenção Europeu o que configura, em seu entendimento, uma «nulidade (omissão de tais requisitos) por violação do disposto no artigo 16°, n.º 6, art. 17° da Lei 65/03, de 23 de Agosto, do artigo 258° do CPP e dos artigos 20°, 27°, n.º 4 e 32°, n.º 1 da Constituição da República, nulidade que foi invocada (cf Pontos 1º a 8°, 20° a 22° da Oposição)», não tendo podido «exercer de forma plena o seu direito de oposição e defesa, tendo sido postergado o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva (art. 20° e 32°, n° 1 da CRP)».
De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 65/2003, a autoridade judiciária de emissão pode decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS), dispondo o nº 4 do mesmo artigo que, uma indicação inserida no SIS produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º. Ora, na situação presente, a autoridade judiciária alemã inseriu a identidade daquele no sistema de informação Schengen, estando nos autos o Formulário «A» e a respectiva tradução. Aí consta, como bem se refere no acórdão recorrido, «a identidade e nacionalidade do requerido, a identidade e contactos da autoridade de emissão, a especificação da decisão com força executiva como mandado de detenção para prisão preventiva, a natureza e qualificação da infracção e a moldura penal aplicável» Consta aí igualmente a facticidade integradora da infracção imputada ao agora recorrente, respeitando-se, sem margem para dúvidas, o preceituado no artigo 3.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003: «Desde 15/03/2011 a pessoa acusada tem vindo a desempenhar as funções de director-geral da empresa denominada “Prolex Gebäudereinigungs GMBH”, sediada em Kronberg Im Taunus. No decurso do período relevante, a pessoa não cumpriu as obrigações devidas no que respeita ao pagamento de impostos sobre o volume de negócios e salariais, bem como contribuições à segurança social. No período de 2011 a 2014 a pessoa não pagou o imposto sobre o volume de negócios, cujo valor ascende a 95.272,97 euros. Não obstante, a pessoa evadiu o imposto sobre salários no valor de 49.377,26 no período entre 10/05/2011 e 12/01/2015. Finalmente, a pessoa não cumpriu com o pagamento das contribuições à segurança social no valor de 44.398,25 devidas pelos seus trabalhadores durante os meses de Maio de 2011 a Março de 2015». Como igualmente se considera na decisão sob recurso, «constando da inserção no sistema de informação Schengen todas a informações referidas no nº 1 do art. 3º da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, é evidente que nenhuma nulidade foi cometida, nem de forma alguma foram beliscados os direitos de defesa do requerido». Acresce que, importa sublinhar, que, quando foi ouvido no Tribunal da Relação, e conforme consta do respectivo auto, o Exmo. Desembargador, primitivo relator, deu conhecimento ao recorrente «das razões pelas quais foi presente a este Tribunal», tendo-lhe sido ainda dito «que lhe assiste o direito de se opor à execução do presente Mandado de Detenção Europeu e os termos em que o pode fazer». Foi, então, «elucidado sobre as consequências de um eventual consentimento à execução do Mandado de Detenção Europeu» e advertido nos termos do disposto no artigo 7.º da Lei n.º 65/2003, tendo o recorrente declarado expressamente não renunciar ao «princípio da especialidade». Ao recorrente foi facultado acesso documental e foi-lhe concedido prazo para a preparação da sua defesa e apresentação de meios de prova com vista à dedução da oposição. Esteve sempre assistido por Mandatário Judicial. A detenção foi validada pela autoridade judicial. Tendo sido dado conhecimento ao recorrente, aquando da sua audição, da ordem constante do Mandado de Detenção Europeu, tendo ele ficado na posse dos elementos necessários para exercer o direito de defesa, tendo-lhe sido concedido, para tal efeito, o prazo de oposição de 10 dias, não se verifica qualquer restrição aos seus direitos de defesa. No caso vertente, o despacho judicial que validou a detenção do recorrente fez necessariamente apelo, para tanto, ao próprio Mandado, enquanto instrumento legal reconhecido pelo Estado Português, bem como aos factos delituosos que determinaram a sua emissão. O recorrente teve ainda oportunidade de reflectir sobre o conteúdo e de o ajuizar quando, por escrito e através do seu Mandatário, deduziu a oposição. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 21-11-2012 (Proc. n.º 211/12.6YRCBR-A.S1 - 3.ª Secção)[5], «atentas as específicas finalidades que o MDE visa prosseguir, detenção e entrega de pessoa procurada, temos pois por certo que a detenção efectuada no âmbito do mesmo e a sua manutenção não se encontram submetidas, em pleno, ao regime jurídico-processual da prisão preventiva, sendo menores as exigências quanto aos requisitos da detenção/prisão e sua manutenção». Certo é que, como se consigna no acórdão recorrido, nenhuma irregularidade formal afecta o MDE objecto destes autos, tendo-se por não verificada a invocada nulidade insanável e, por esta via, não violados qualquer preceito legal ou qualquer princípio constitucional. Em face dos elementos de facto constantes dos autos e presentes na decisão recorrida, é de concluir com segurança que ao recorrente foram facultados todos os meios para exercer o direito de defesa que lhe assiste e que, aliás, foram efectivamente exercitados. O acórdão recorrido afasta, em fundamentação muito bem elaborada e consistente, bem assente na matéria de facto revelada nos autos, a nulidade invocada e a alegada impossibilidade ou diminuição do exercício do direito de oposição e defesa pelo agora recorrente, sem que, em momento algum, tenha sido postergado o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva. Assim, improcede o presente recurso confirmando-se a decisão recorrida.
4. Alega ainda o recorrente que tomou o conhecimento através do acórdão recorrido de ter o Ministério Público respondido à oposição, resposta que não foi notificada ao seu mandatário. Entende «que tem direito a conhecer aquela Resposta, pelo que, tal omissão de notificação configura uma nulidade, pois foram violadas de forma clara as suas garantias de defesa e o princípio do contraditório consagrados nos artigos 20°, n.º 3 e 32°. n.º 1 e 5 da Constituição da República», tendo sido «violadas as garantias constitucionais de defesa em processo penal», «violação que levou a uma grave diminuição dos seus direitos de defesa». O recorrente suscita uma questão nova não apreciada na decisão recorrida. Ora, como é sabido, estando na fase de recurso, os recursos não se destinam a conhecer de questões novas, antes são remédios jurídicos, destinados a eliminar os erros de apreciação e de julgamento cometidos no tribunal recorrido. É com base no texto da decisão recorrida que o tribunal de recurso julga e, assim, todas as questões que não tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido não podem agora, no tribunal de recurso, ser suscitadas ex novo pelo recorrente. De todo o modo, sempre se dirá que a falta de notificação ao agora recorrente da oposição oportunamente deduzida pelo Ministério Público configura uma simples irregularidade e não nulidade, a arguir nos termos e prazo do art. 123.º do CPP. Assim tem entendido este Supremo Tribunal a propósito da ausência da notificação do parecer do Ministério Público emitido nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 1, do CPP (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007 – Proc. 4040/06 – 5.ª Secção), argumentação perfeitamente transponível para a situação presente. No mesmo sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 13.09.2006, proferido no processo n.º 1574/06 – 3.ª Secção, onde se considera que: O que se pretende, no âmbito do objecto do recurso, com a disposição do n.º 2 do art. 417.º do CPP, é garantir o princípio do contraditório, de forma a que os demais interessados possam responder às questões novas suscitadas pelo MP. Não pode, todavia, considerar-se que qualquer tomada de posição do MP aquando da vista do processo envolve a necessidade de proceder a essa notificação para resposta dos interessados, não sendo seguramente o caso (…). E não faz sentido consentir-se uma «oposição» a uma «oposição», sob pena de intolerável retardamento dos processos, num entendimento que já nada tem a ver com o princípio do contraditório. Não se mostrando postergado tal princípio, não se vê como possa considerar-se violado o disposto no art. 32.º da CRP. A ter havido preterição de alguma formalidade, tratar-se-ia de uma mera irregularidade, sanada por falta de oportuna arguição, nos termos do art. 123.º, n.º 1, do CPP». Nos termos do citado artigo 123.º, n.º 1, do CPP, qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. No caso sub judice, constata-se que a oposição foi deduzida pelo Ministério Público em 4 de Dezembro de 2015, sendo que o mandatário do recorrente foi notificado por carta em 9 de Dezembro, e intervieram em diligência realizada no processo – inquirição de testemunha – em 16 de Dezembro de 2015. Nestes termos, não tendo sido arguida a irregularidade traduzida na falta de notificação da oposição do Ministério Público no prazo assinado no citado artigo 123.º, n.º 1, do CPP, tal vício encontra-se sanado. Nestes termos, é extemporânea a sua invocação e, consequentemente, improcedente.
III – DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em:
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 18 de Fevereiro de 2016 (Texto processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
Os Juízes Conselheiros,
MANUEL AUGUSTO DE MATOS
ARMINDO MONTEIRO
PEREIRA MADEIRA ------------------ |