Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO (CÍVEL) | ||
| Relator: | FERREIRA LOPES | ||
| Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO ADOÇÃO INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE PROCESSUAL | ||
| Data do Acordão: | 01/14/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I - Com a adopção visa-se realizar o superior interesse da criança (art. 1974.º do CC), que prevalece sobre os interesses dos pais biológicos. II - O primado da família biológica não é absoluto; os pais só são dignos de cuidarem e educarem os filhos se tiverem capacidade ou reunirem as condições concretas necessárias ao cumprimento dos correspectivos deveres para com os filhos. III - Num quadro em que o pai, não casado nem convivente com a mãe, nunca se interessou pela filha, a mãe apresenta défice intelectual e várias fragilidades a nível da personalidade, como imaturidade, incapacidade de realizar as tarefas básicas e incompreensão das necessidades da criança, e é de concluir que, relativamente ao pai, não existem os vínculos afectivos próprios da adopção e estão seriamente comprometidos em relação à mãe, verificando-se assim os pressupostos do art. 1978.º, n.º 1, do CC. IV - Se não existe entorno familiar apto a suprir as deficiências da mãe, e a situação de perigo não pode ser removida pelo apoio económico-social à família biológica, mostra-se adequada a medida de promoção e protecção de confiança da menor a instituição com vista a futura adopção prevista no art. 35.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 147/99, de 01-09. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Nos autos de promoção e protecção instaurados no Juízo de Família e Menores de ..., que dizem respeito à menor AA, nascida a .. de ... de 2017, filha de BB e de CC, foi proferida sentença que decidiu: - Nos termos dos arts. 1978º, nº 2 do Cód. Civil, e dos arts. 1º, 3º, 4º, 35º/1, g) e 62º da L.P.C.J.P., decreta-se a favor da criança AA PJ a medida de medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, sendo que nos termos do art. 38º-A, b) da L.P.C.J.P. a criança fica sob a guarda da Associação ... com vista a futura adopção. - Como curador provisório da criança nomeia-se o director ou directora da instituição em que a criança se encontra, em conformidade ao nº3 do e nº 4 do art 62º-A da L.P.C.P., cessando as visitas dos familiares à criança, nos termos do nº 6 do mesmo artigo. Inconformada com tal decisão a mãe da menor, BB, apelou para o Tribunal da Relação de ..., mas sem sucesso, pois que aquele Tribunal confirmou inteiramente a sentença. Ainda inconformada, interpôs recurso de revista excepcional. Neste Supremo, a competente Formação (art. 672º/3 do CPC), admitiu a revista excepcional, atento o relevo social da matéria em causa. Da respectiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões (suprimem-se as I a XII que se referem à admissibilidade da revista excepcional, questão já ultrapassada): XIII) O Tribunal da Relação não se pronunciou como devia sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 2 anos e meio, quase 3 aproximadamente os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar a mãe de competências parentais para receber a sua filha de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil. XIV) Não se pronunciou em concreto sobre o constante do recurso, nomeadamente que deviam ter sido a mãe (e os avós) ora recorrente durante o período de institucionalização acompanhados com vista a ser dotados de técnicas e estratégias relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios paras estas famílias - CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, programa este que consiste num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias. (Portaria n.° 139/2013 de 02 de Abril). XV) Que, de facto, o douto acórdão reconhece que não foi efectuado, como se lê: “Tendo sido providenciado, pelo menos, habitação, rendimentos ao agregado familiar onde se integra a progenitora, formação ao nível das competências mínimas, há que concluir que este agregado tem beneficiado de diversos apoios, desde há vários anos. É certo que não consta dos factos provados, nem resulta dos autos, que tenha sido ministrada à recorrente uma formação específica para a parentalidade. (...)” (sublinhado e negritos nossos) XVI) Como também aliás do probatório não consta qualquer facto a esse respeito. XVII) Se a questão essencial suscitada pela recorrente prende-se com o facto de considerar que desde a institucionalização em ../../2017, os serviços do Estado pouco ou nada fizeram para os preparar para "receber a filha", pois a família após a institucionalização teve cerca de 2 ou 3 acompanhamentos, diga-se visitas por parte da Segurança Social e restantes entidades, durante mais de dois anos e meio, quase três, os quais foram manifestamente insuficientes. Já que o acompanhamento da progenitora e dos avós maternos efectuado pela C... (empresa municipal de habitação) e A.... (Associação para o Desenvolvimento ...) desde 2001, revelou progressos substanciais, conforme consta dos factos provados nos pontos 12, 13, 14, 15 (“Houve progressos substanciais, ao longo dos 18 anos, ao nível das competência de organização de uma casa e de aprendizagem do funcionamento dos utensílios, como fogão e esquentador, sendo que tal processo foi sempre liderado pela avô materno da criança, que é quem assume o papel de gestor e principal cuidador do lar.”) XVIII) Mas após a institucionalização da AA foram muito parcos e escassos, sendo que o A... já não acompanha o agregado familiar materno, conforme facto provado n.º 22. XIX) Consideramos que deviam ter sido a mãe (e os avós) ora recorrente durante o período de institucionalização acompanhados com vista a ser dotados de técnicas e estratégias relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios paras estas famílias - CAFAP - Centro de Apoio Aconselhamento Parental, programa este que consiste num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias. (Portaria n.° 139/2013 de 02 de Abril). XX) In casu, e salvo o devido respeito, nenhuma destas entidades procedeu com a devida diligência, actuando de forma superficial, desconsiderando o principal objetivo que seria dotar os pais, designadamente a mãe e os avós maternos de competências parentais com vista a receber a sua filha após a institucionalização, prestando-lhe os devidos cuidados, estabilidade e segurança, constituindo violação de direitos sociais protegidos constitucionalmente (art.° 67° alínea c) d) e e) da Constituição da República Portuguesa. XXI) Por seu turno, o art. 69°, da CRP, estabelece que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo, o Estado, assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. XXII) Retirar-se as crianças aos pais e colocá-las numa instituição sem que, durante o tempo de "separação" nada ou muito pouco se promova junto da família. XXIII) Questiona a Recorrente: Se o Estado defende que as crianças devem, em princípio estar junto dos Pais, e em casos de perigo pode o mesmo Estado afastá-los, não deverá o Estado durante este período de separação preparar a família para receber a filha? Ou simplesmente esquece-se porque o objectivo sempre foi a adopção? Aqui falhou, claramente o Estado, e a progenitora (e os avós maternos) tendo em consideração os enormes laços afectivos que existem estão dispostos a "ir até às últimas consequências", como sendo recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, bem como ao Tribunal Constitucional. XXIV) Nestes termos, a questão de confiança de menor a instituição com vista à adopção é uma pois uma questão que merece tutela adequada e digna de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois estão em causa interesses de particular relevância social que justificam a revista excepcional. XXV) Acresce que, o Tribunal da Relação não se pronunciou como devia sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 2 anos e meio, quase 3 os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar a mãe de competências parentais para receber a sua filha de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n.° 1 do art. 615.° do Código de Processo Civil. XXVI) É ponto assente que a aplicação da medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adopção, prevista no art.º 35, n.° l, al g) da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos contidos no art.º 1978° do Cod. Civil, impõe que aos pais da criança sejam dadas todas as garantias e direitos de que dispõem. XXVII) Tais garantias e direitos traduzem-se num acompanhamento junto dos progenitores aquando do processo de "separação", e quando as citadas garantias e direitos são feridos, a decisão que aplica a medida de proteção de confiança a pessoa selecionada para adoção ou a instituição com vista a futura adopção é nula, nos termos do art.º195°, n.° 1, do Cod. Proc. Civil. XXVIII) Tal nulidade justifica-se pela violação de garantia e direitos por parte da recorrente influírem no exame e decisão das causas, já que estes não tiveram oportunidade de se restruturar, tendo um acompanhamento digno por parte dos serviços sociais, os quais, mais uma vez apenas fizeram cerca de 3 ou 4 visitas à progenitora durante mais de dois anos e meio. XXIX) Não se coloca em questão a existência e eventual necessidade da instauração de um processo de promoção e protecção no caso em apreço, discute-se e discorda-se, isso sim, da legitimidade e legalidade da medida adoptada. XXX) Acresce que, a situação de risco da criança não é actual ou efectiva ou, ainda que o fosse - o que apenas se concebe por mero dever de raciocínio - é hoje diversa da que ditou a instauração do processo de promoção e protecção, pois todo o Acórdão recorrido olvida esta realidade, centrando-se a decisão no reporte a factos e situações ocorridas há mais de 3 (três) anos; não se relevam nem as diferentes necessidades inerentes ao natural crescimento da menor, nem a evolução das competências parentais relativamente a tais diferenças. XXXI) Considerar que as necessidades actuais da criança e as competências parentais da progenitora e dos avós maternos são as mesmas que ditaram a instauração do processo, constitui um manifesto erro de avaliação da situação de facto. XXXII) O Acórdão recorrido encerra violação de lei, encontrando-se ferido de ilegalidade já que dele não resulta provado que, actualmente, a criança se encontre numa situação de risco, tal qual ela é definida nos termos da Lei n.° 147/99, de 01 de Setembro, nomeadamente no art.° 3º. XXXIII) A ausência de fundamentação e omissão de determinação da situação de risco, identificando, em concreto, o circunstancialismo em que tal situação se traduz hoje, não legitimam, justificam ou validam a existência de um processo de promoção e protecção, nem a decisão judicial que daí resulte, com efeito, a situação de perigo tem que ser actual ou iminente (art.° 5o, al. d) do referido diploma), sendo que as medidas se destinam a a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.° 34°). XXXIV) Ao decidir como decidiu, é patente, manifesta e inaceitável contradição e oposição com os elementos probatórios constantes dos autos, relevando factualidade truncada, não fundamentada, conclusiva e até falseada nos seus pressupostos, bem como ao omitir e desconsiderar factualidade relevante, o Tribunal a quo incorreu em violação de lei, de forma grave e séria, nomeadamente no dever de imparcialidade, dos princípios orientadores do instituto de promoção e protecção e da própria constituição; XXXV) A decisão é ainda violadora de lei, porquanto não é actual no que se refere à aferição das capacidades e competências da progenitora, impunha-se uma avaliação destas em data próxima da decisão, já que as que constam do processo, em manifesto desfavor do sentimento de segurança e de bem estar material e moral que deve ser proporcionado à menor, são têmporas e desactualizadas, datando de há mais de dois anos, já que o relatório de psicologia forense data de 30/10/2018 e a douta decisão da primeira instância foi proferida em Março de 2020. XXXVI) Face aos elementos constantes dos autos, não assiste ao Tribunal matéria para que possa aferir se o défice parental se mantém ou se foi, de todo, dirimido e ao decidir como decidiu, sem curar de aferir as competências actuais da progenitora (e dos avós maternos), e ainda de dotá-los de algumas que considerasse faltar, o Tribunal violou o disposto no art.° 4o, al. e). XXXVII) Viola ainda o mesmo art.° e alínea, no que respeita à proporcionalidade da medida, já que, face aos elementos colhidos nos autos, esta é excessiva, desadequada desproporcional. XXXVIII) Com efeito, a decisão de institucionalização com vista à adopção, tem que surgir como recurso único e último, depois de esgotadas todas as hipóteses previstas no art.° 35°. XXXIX) Não demonstra a decisão que o tenham sido - bem pelo contrário! Atalhou-se caminho, atropelaram-se factos e, sobretudo, obviaram-se alternativas válidas e eficazes, ao decidir-se pela institucionalização da menor com vista à adopção; a decisão prolatada não é proporcional ao risco (tanto mais que o mesmo não se encontra efectivado), nem se encontra demonstrado ser último e único recurso. XL) E é, igualmente, violadora de lei, quando não respeita os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, da responsabilidade parental porque, face a tudo quanto coube exposto, não se encontra demonstrado que os mesmos (progenitora e avós maternos) são, actualmente, incapazes ou ineptos para prover aos cuidados básicos da filha, seja de forma autónoma ou com intervenção e ajuda de terceiros e do princípio da prevalência da família, porquanto quer o avó materno, quer a sua esposa demonstraram ter vontade e condições para acolher a menor ou, eventualmente apoiar a progenitora com a menor. XLI) Não pode o Tribunal, com base em considerações vãs e obsoletas, não sustentadas factual ou documentalmente e que mais não representam do que juízos de prognose falseados na sua génese e motivação, concluir, sem mais, pela ineptidão desses familiares para acolherem a menor. XLII) Tal asserção careceria de fundamentação muito mais densa e de prova irrefutável - o que não se verificou, pois mesmo que se tenha considerado que não se tenha estabelecido um vínculo minimamente seguro e estável, carece de todo e qualquer sentido, já que, seguindo-se este caminho, a criança virá a ser adoptada por quem não terá com ela qualquer vínculo. Entendemos que tal viola a Constituição da República Portuguesa, e os direitos fundamentais nela consagrados, inconstitucionalidade que aqui se invoca para os devidos efeitos legais. XLIII) No caso em apreço, e salvo melhor opinião, os factos enunciados e dados como provados não demonstram que a progenitora da criança, nem os avós maternos foram incapazes de lhes proporcionar as condições mínimas que se querem para qualquer criança, até porque o A… já não acompanha o agregado e as diferentes entidades que faziam visitas domiciliárias ao longos dos anos, depois de a criança ser institucionalizada deixaram de as fazer com a periocidade com que vinha fazendo, limitando-se a duas ou três durante mais de dois anos e meio, quase três. XLIV) Significa que, esta família em determinado momento manifestou sucessos e competências ao nível parental, apresentando progressos substanciais ao longo dos anos (facto 15). XLV) Entendemos que nos presentes autos não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, designadamente o do superior interesse das crianças, segundo o art. 3o n° 1 da Convenção sobre os direitos da Criança e em nosso entender é do interesse desta criança que a sociedade use de todos os meios ao seu alcance na recuperação desta família, cujas falhas não são inultrapassáveis se houver coerência nos métodos de ajuda. XLVI) Dúvidas não restam que não foram esgotadas todos os recursos que o Estado prevê, designadamente o programa CAFAP, indicado para situações como a presente. XLVII) Sempre os pais se demonstraram receptivos aos programas propostos pelos serviços, e nunca recusaram qualquer tipo de apoio, podiam não ter conseguido atingir todos os objectivos propostos, mas tentavam e isso devia ter sido valorizado pelo tribunal (factos 30 e 33) XLVIII) Conclui-se, pois não estarem reunidas as condições para a criança poder ser confiada com vista à adopção, uma vez que não estão verificadas as condições previstas no artigo 1978.°, n.° 1. alíneas d) e e) do Código Civil. XLIX) A aplicação de tal medida provoca o afastamento da menor da família e é o último recurso, apenas possível se outra medida suscetível de ser aplicada não for possível. L) A decisão proferida nos autos não respeita o superior interesse da criança, que a deixa entregue a uma instituição para posterior ou eventual entrega a pessoa/pessoas que ainda não foram determinadas concretamente e com quem a AA não mantém nenhuma relação afetiva, quando tem a mãe e os avós maternos que desejam ficar com ela e com quem mantém vínculos afetivos próprios da filiação e estão na disposição de receber qualquer e todo o apoio por parte do Estado, com o qual contam para melhorar o seu comportamento e condição de mãe e de avós, com mais e melhores competências parentais, conforme resulta dos factos provados (ponto 30): “A progenitora e avós maternos cumprem todas as visitas e horários e se não podem ir remarcam a visita à criança, uma visita semanal à quinta-feira com a duração de uma hora.”; (ponto 31): “segundo as técnicas, é pouco receptiva às pessoas, sendo selectiva mesmo com os cuidadores da Associação ...; o avô é quem interage mais com a criança e quem mais compreende as diferentes fases de desenvolvimento, desde o passar-se do colo à exploração do meio. A progenitora tem uma postura carinhosa e contemplativa.”; (ponto 33): “Nem a mãe nem os pais dela entendem por que razão a criança não pode viver com eles, achando que têm as condições e as capacidades para a terem em casa, verbalizando intensamente que gostam muito dela e fazem por ela aquilo que conseguem. São pessoas educadas, respeitadoras e seguem as orientações.” LI) Acresce que a relação mantida entre a AA, a mãe e os avós maternos, que mantêm as visitas da AA, é de grande amor, afecto, carinho e proximidade e que o afastamento irá provocar enorme prejuízo emocional a todos, não tendo sido considerado o facto n.º 31, no qual ficou provado que a AA é pouco receptiva às pessoas, sendo selectiva mesmo com as cuidadoras da Associação ..., o que não abona a favor da solução preconizada para a adopção. LII) Além do mais, se a criança se encontra numa situação estável na instituição, não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e potencial e mais concretamente trabalhar com a progenitora e os avós maternos vista a receber a criança desta feita com competências parentais reforçadas. LIII) A criança mantendo-se institucionalizada, vê minimizado, senão mesmo afastado, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. LIV) A menor sente-se bem na instituição sendo que a mudança para uma casa distinta, por via da adopção acarreta mais riscos que garantias de salvaguarda dos seus interesses. LV) A institucionalização de crianças tem sido alvo de um novo olhar, no sentido de proporcionar às crianças acolhidas um local de vida mais individualizado, afetivo e estimulante, o que passa pela diminuição do número de crianças internadas por unidade de acolhimento, por maior estabilidade e preparação do pessoal interveniente, pela abertura ao contacto com a família ou outras pessoas ligadas à criança e à boa inserção na comunidade (vide, além dos trabalhos, supra referidos, de Luísa Ribeiro Trigo e Isabel Alberto e de Paulo Delgado, o escrito de Maria de Fátima Fernandes Pereira Líbano Serrano, em/'Acolhimento temporário de crianças e jovens, experiência da CrescerSer - "case study", in "Volume comemorativo dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação ...", citado, pág. 283 e seguintes; essa é, também, a filosofia consagrada na LPCJP: cfr. artigos 53.° e 58.°). LVI) A AA está bem integrada na Associação ..., sita na cidade de …; está em idade pré-escolar e integrada naquela Associação nesse concelho, sendo pois aconselhável que por ora a criança se mantenha na aludida instituição por determinado prazo, sem prejuízo da revisão semestral imposta pelo art.° 62.° n.° 1 da LPCJP, ou de revisão anterior fundada em factos supervenientes que a justifiquem, nos termos previstos no n.° 2 do art.° 62.° da LPCJP, e nesse período sejam os pais referenciados para o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (que nunca lhes foi proporcionado). LVII) Centro este que permitirá à progenitora e aos avós maternos adquirirem e fortalecerem competências parentais nas diversas dimensões da vida familiar e compreenderá níveis diferenciados de intervenção de cariz pedagógico e psicossocial que, de acordo com as características das famílias, integram as modalidades de preservação familiar e reunificação familiar, que visam o regresso da criança ou do jovem ao seu meio familiar, designadamente nos casos de acolhimento em instituição ou em família de acolhimento, através de uma intervenção focalizada e intensiva que pode decorrer em espaço domiciliário e ou comunitário, (Portaria n.° 139/2013 de 2 de Abril - art.° 8o), regresso da AA, a qual apesar de institucionalizada na referida Associação, continua a receber actualmente as visitas semanais da progenitora e dos avós maternos, com as devidas medidas de segurança e de higiene, perante a situação pandémica que se vive. LVIII) Ao contrário do que entenderam as instâncias, com o devido respeito e com a devida vénia, consideramos, – como aliás se extrai do acima exposto -, que os factos provados não revelam com todo o vigor e certeza que a progenitora e os avós maternos puseram em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento de AA, não podendo retirar-se a conclusão de que existe uma estrutural incapacidade, que paulatina e reiteradamente revelaram, para cuidar da filha, até porque NUNCA lhes foi dada essa “benesse”, nem proporcionado o programa CAFAP, indicado para situações como a presente. LIX) Importa, porém, saber se os factos apurados permitem, em consciência e desde já, concluir que a medida em causa, dada a sua particular natureza e caraterísticas, é a que melhor tutela os direitos e interesses da AA. LX) De entre as previstas no dito art. 35º é a que maior e mais expressivo impacto tem na vida e no futuro da criança, desde logo, porque determina a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte da mãe – art. 1978º-A do C. Civil – e a cessação dos laços afetivos eventualmente existentes entre a criança e a sua família biológica, pois põe fim às visitas dos elementos que a compõem à criança, salvo quanto a irmãos, cujos contactos podem ser autorizados, em casos devidamente fundamentados e desde que tal seja reclamado pelo superior interesse do adotando – art. 62º-A, nºs 6 e 7. LXI) E, ainda, porque se trata de medida que, em princípio, perdura, sem lugar a revisão, até ser decretada a adoção, salvo o caso excecional de se vir a revelar manifestamente inviável a sua execução, designadamente por a criança atingir a idade limite para a adoção sem que o projeto adotivo se tenha concretizado – nos 1 e 2 do art. 62º - A. LXII) No caso dos autos, e não perdendo de vista a necessidade de dar prevalência ao superior interesse da criança – que, em nosso entender, apontaria e aponta para a necessidade de percorrer o caminho tendente a obter a inclusão da AA no seio de família biológica materna (onde não esteve desde que nasceu), onde não tenha lugar a violência que nunca conheceu, nem existe qualquer facto provado nesse sentido no seio da família materna e onde possa completar a sua infância e crescer em ambiente familiar gerador de afetos que estruturem de modo saudável, harmonioso e equilibrado a sua personalidade, e onde a sua saúde, bem-estar, conforto, proteção, educação e desenvolvimento integral sejam cabalmente assegurados -, há circunstâncias que se não podem olvidar e de cujo esclarecimento depende a aferição do que melhor satisfaz a proteção dos direitos e interesse da AA. LXIII) Muito tempo é passado desde o início das intervenções que os factos provados atestam e hoje a criança tem 3 anos, idade em que é natural possuir já, não só um grau de discernimento, mas ainda uma vontade própria que necessariamente terão de ser considerados e sopesados, a par dos demais fatores, na aferição do que será o “seu superior interesse”. LXIV) Fica-se, assim, sem saber o que será o “seu querer”, “o seu sentir” em relação à vida no futuro, ao corte de relações com a única família que conheceu e à sua disponibilidade interior para aceitar e se deixar acolher no seio de uma nova família que, não obstante poder vir a dar-lhe as condições de vida, segurança e proteção que naquela outra, as instâncias lhes estão a negar, dado a recorrente possuir uma deficiência intelectual ligeira, para ela (AA) essa hipotética nova família adoptiva representa o desconhecido, com a insegurança e carga negativa que este encerra, bem mais acentuada quando se tem 3 anos de idade e se está em idade de formação de personalidade e atento o facto n.º 31, no qual ficou provado que a AA é pouco receptiva às pessoas, sendo selectiva mesmo com as cuidadoras da Associação ..., o que não abona a favor da solução preconizada para a adopção, salvo o devido respeito, que nos é muito, por melhor opinião. LXV) E a dúvida avoluma-se perante o que consta no probatório, destacando-se o facto nº 30, segundo o qual, “a progenitora e avós maternos cumprem todas as visitas e horários e se não podem ir remarcam a visita à criança, uma visita semanal à quinta-feira com a duração de uma hora (...)”; facto n.º 31: “o avô é quem interage mais com a criança e quem mais compreende as diferentes fases de desenvolvimento, desde o passar-se do colo à exploração do meio. A progenitora tem uma postura carinhosa e contemplativa.”; facto n.º 32: “A criança quando visitada pelos parentes, apenas diz “olá”, reconhecendo-os (quanto ao avô materno diz “vu”) (...)” – LXVI) Ou, ainda, em face do descrito sob o facto nº 33, onde se diz que “Nem a mãe nem os pais dela entendem por que razão a criança não pode viver com eles, achando que têm as condições e as capacidades para terem em casa, verbalizando intensamente que gostam muito dela e fazem por ela aquilo que conseguem. São pessoas educadas, respeitadoras e seguem as orientações.” (negrito nosso). LXVII) Nem se pode retirar a conclusão de que a criança não tem referências afectivas com a mãe e os avós maternos perante o que ficou provado e que as tem mais com as técnicas, já que não se pode olvidar de todo que uma hora de visita semanal daqueles não se sobrepõe às restantes vinte e uma horas diárias que a criança passa com as técnicas, o que justifica essa ocorrência e discrição dos factos provados e não qualquer outra conclusão que queira retirar a ligação afectiva que existe, de facto e de direito, entre a criança e a sua Mãe e os seus Avós. LXVIII) Bem como não se pode concluir que a criança não revela angústia de separação, e que “inicialmente reage mal às visitas mas depois lá fica,” se igualmente foi dado como provado (n.º 31) que “(...) segundo as técnicas, é pouco receptiva às pessoas, sendo seletiva mesmo com os cuidadores da ACC (...)”. LXIX) Logo é uma característica, traço de personalidade da criança, talvez por estar institucionalizada, e nunca uma rejeição da família biológica. LXX) Característica esta com efeitos imprevisíveis se a decisão se mantiver, o que não se concebe, nem concede, a não ser por mero efeito de raciocínio académico. LXXI) Tal só demonstra uma ambivalência que necessariamente traz à criança e à sua Família materna grande sofrimento e que gera inquietude quanto às repercussões que poderá ter, na sua idade, o corte com a família biológica, na qual se integra a progenitora e os avós maternos, com quem, sabidamente, mantém vínculo afetivo – factos provados nºs 30, 31, 32 e 33 -, tanto mais que, como a experiência dita, essa mesma idade funciona já como fator de acrescida dificuldade no projeto da sua adoção; impõe- se então ponderar também a pior das hipóteses em que a criança verá cortados os únicos laços familiares que conhece, sem que, atingida a idade máxima para a adoção, esse projeto se tenha concretizado. LXXII) De tudo isto resulta que, com vista à indispensável aferição de qual será o “superior interesse” da AA, necessário se torna conhecer a sua vontade quanto ao projeto de vida que implicará a medida de confiança com vista à sua futura adoção e, bem assim, as consequências que para uma criança com o seu passado e já com 3 anos de idade poderão advir da total rotura com os elementos que compõem a sua família biológica. LXXIII) Factualidade que poderá ser colhida, em termos práticos, através da presença e eventual “audição”, diga-se visualização e percepção da criança AA com a família biológica materna, ou seja, a Mãe e os Avós maternos e com a realização de perícia psicológica à sua pessoa. LXXIV) Sendo de frisar que o acórdão recorrido refere expressamente que “é certo que não consta dos factos provados, nem resulta dos autos, que tenha sido ministrada à recorrente uma formação específica para a parentalidade. (...)” LXXV) Tendo em vista o mesmo desiderato, um outro ponto necessita de melhor esclarecimento, designadamente que os avós maternos, sobretudo o avô de 57 anos de idade, demonstram ter vontade e condições para acolher a criança ou, eventualmente, apoiar a progenitora com a menor. LXXVI) É certo que a eventual confiança de AA a estes familiares é medida que foi perspetivada nos autos, e a este respeito o acórdão recorrido, em abono da verdade, e corroborando o alegado pela recorrente andou bem ao dizer que “A idade do avô mencionada na decisão recorrida como também um factor a ponderar para a não aplicação de uma medida junto da família natural, não se nos afigura ser relevante. Dada a esperança de vida atual é perfeitamente possível que o avô possa viver, não obstante algumas patologias que o afectam, até à idade em que a criança atinja a maioridade e adquira autonomia (...).” LXXVII) Com suporte nos factos provados, tais como: o n.º 15 “Houve progressos substanciais, ao longo dos 18 anos, ao nível das competências de organização de uma casa e de aprendizagem do funcionamento dos utensílios, como fogão e esquentador, sendo que tal processo foi sempre liderado pela avô materno da criança, que é quem assume o papel de gestor e principal cuidador do lar.” LXXVIII) Não podendo deixar de ser este facto analisado no contexto sócio-económico, peculiar desta família, que conforme provado no facto nº 14 “Há 18 anos viviam miseravelmente, muito pobres e sem quaisquer condições, fruto do acompanhamento resultou o realojamento em habitação social e a intervenção ao nível das competências mínimas de limpeza / organização do espaço habitacional, alimentação e cuidados de saúde e de higiene pessoal. LXXIX) O que – a pobreza e a vida miserável como viviam há 18 anos – que já não vivem, não pode ser justificação, nem fundamento para esta família e em concreto este avô não ser visto como um projecto de vida viável para acolher a sua neta AA, nem o facto de ser o pilar desta Família, o que só lhe reconhece competências e provas de que é capaz de acolher a sua neta e de Tudo proporcionar (conforto, amor, cuidados, educação) a esta neta, que é sangue do seu sangue. LXXX) Na verdade, foram dados ainda como provados, que corroboram tal sustentação e que este Supremo tribunal de Justiça não pode mostrar indiferença, para aquilatar do melhor projeto de vida para a AA, junto do seio da sua Família biológica materna, o facto nº 17 (“Actualmente, a progenitora e os seus pais vivem num apartamento da C... de tipo T4 com condições habitacionais (...)”); facto n.º 21 (“Segundo o avô materno, está de baixa para tomar conta da esposa, que tem problemas de cabeça, pois é ele quem sabe dar-lhe os medicamentos, é ele quem faz as compras da casa e maioritariamente cozinha, (...), orientando o auxílio da filha e da esposa nas lides da casa; assume-se como o cuidador informal da esposa e da filha (...)”; facto 22 (“É o avô materno quem faz todas as compras da casa a gere, vivendo os três só com a pensão de reforma por incapacidade da mãe da progenitora, no montante de 409,64 € mensais, sendo que aos 11/02/2020 apresentavam um saldo positivo na conta de 845,11 Euros. A A... já não acompanha o agregado; quando no passado o avô materno solicitava um cabaz, o pedido era encaminhado para a F....”). LXXXI) São elementos que permitem concluir pela sua idoneidade e disponibilidade para acolher a criança no âmbito de uma medida de promoção e proteção. LXXXII) Sendo um factor primordial, que a lei dá preferência, como se sabe, a soluções que mantenham a criança dentro do círculo da sua família natural, como se vê, designadamente, da primeira parte da alínea h) do art. 4º da LPCJP e do art. 21º alínea c) da Convenção sobre os Direitos da Criança. LXXXIII) Daí que, a decisão a proferir sobre a legalidade da medida que vem aplicada deva pressupor uma prévia exclusão de outras soluções, nomeadamente através da averiguação e do apuramento de factos relativos aos elementos familiares adultos da AA que viabilizem a formulação de conclusão segura sobre se é, ou não, viável a sua participação em medida – nomeadamente a da alíneas b) do nº 1 do art. 35º - que, suprindo alguma incapacidade que possa existir, obste ao rompimento da criança com a sua família natural, LXXXIV) nomeadamente do seu avô materno, identificado nos autos como “Sr. DD” e que, como também deles consta, prestou assinalável assistência à família (cuidou de cinco filhos), de entre os membros que a compõem, à jovem BB. Nestes termos - Impõe-se, pois, a averiguação e apuramento da dita factualidade, para o que se requer designadamente a faculdade estabelecida no nº 3 do art. 682º do CPC. - (…) Ao abrigo do citado dispositivo legal, requer-se a descida dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de providenciar pela ampliação da matéria de facto nos termos sobreditos e novo julgamento em conformidade. - E ainda, sem prescindir, ordenando a revogação do Acórdão recorrido, aplicando à criança medida que melhor salvaguarda o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto da progenitora e dos avós maternos, ou caso, assim não se entenda, substituir-se a medida adoptada de confiança a instituição com vista a futura adopção, pela medida anteriormente aplicada nos autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais, subordinada à progenitora e avós paternos frequentarem durante esse período, o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, criado pela Portaria nº 139/2013 de 02 de Abril. Contra alegou o Ministério Público pugnando pela não admissão do recurso; se assim não se entender, que o mesmo seja julgado improcedente. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. ** Fundamentação. A decisão recorrida assentou no seguinte acervo factual: 1. A criança AA, nascida aos .. de .. de 2017, é filha de BB e de CC - conforme paternidade estabelecida depois, por averbamento de ../06/2017. 2. Antes do nascimento a gravidez da progenitora foi detetada com 21 semanas (primeira consulta), tendo sido depois comunicada ao Hospital à 34.ª semana pela médica de família via P1, por não poder ser enviada pela grávida, (bem como pela técnica da F..., que acompanhava o agregado familiar), que, por sua vez, também comunicou à C.P.C.J., que recebeu depois nova comunicação do Hospital a seguir ao nascimento. 3 - Os autos foram instaurados na C.P.C.J. de ... aos ../04/2017 por sinalização do Hospital ..., tendo sido aplicada aos ../05/2017 a medida de acolhimento residencial na Associação ... . 4 - Na perspetiva do progenitor, nem ela nem a família materna são solução para a criança por não terem capacidades para a criar; apenas gostava que ela fosse batizada e que fosse criada por quem ele conheça, de modo a que de vez em quando pudesse visitá-la. 5 - Assim, apenas no decurso do debate requereu, pela primeira vez, a avaliação das capacidades parentais pela E.M.A.T. e inquirição de um casal, KK e MM, empregados têxteis seus conhecidos, tendo indicado que os mesmos poderiam ser padrinhos e criar a criança porque não têm filhos e gostavam de criar uma criança como padrinhos civis. 6 - O progenitor tem 9 filhos. Quatro são de uma relação anterior, em relação aos quais correu termos também processo de promoção e proteção sob o n.º ......, no extinto .. Juízo do Tribunal Judicial de ..., encontrando-se os menores confiados à guarda da 7 - A duas outras filhas do progenitor, no processo ... do Juízo de Família e Menores de ..., foi aplicada a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, tendo nesse processo sido concluído, entre o mais que “a existência de consumos abusivos de álcool, indícios de perturbação psicológica, envolvimento na prática de delitos e cumprimento de medidas privativas de liberdade, ausência de contactos de qualidade com os filhos da relação anterior, problemas de relacionamento com os irmãos, instabilidade relacional e perpetração de violência doméstica contra a sua atual esposa e minimização e atribuição externa da culpa no que respeita à violência perpetrada, bem como a reduzida rede de suporte familiar e social, a precariedade económica e laboral e a existência de processos de promoção e proteção em relação aos filhos da relação anterior, comprometem o exercício adequado das responsabilidades parentais, do que resulta um parecer reservado quanto às competências parentais do progenitor». 8 - O progenitor tem o certificado de registo criminal constante dos autos, a fls. 369 a 384, cujo teor se dá por reproduzido, contando a prática, reiterada ao longo de anos, de diferentes tipos de ilícitos criminais, desde a condução sem habilitação legal, condução em estado de embriaguez, condução perigosa de veículo rodoviário, falsificação de documento, furto simples, furto qualificado, resistência e coação sobre funcionário e desobediência. 9 - Enquanto esteve em liberdade condicional, entre novembro de 2017 e até meados de 2019 o progenitor nunca procurou ou visitou a filha na Associação ...; está a cumprir o término da pena no E. P. de .... 10. Por consulta do Sistema Informático de Segurança Social, o progenitor, CC, trabalhou de ../11/2017 a ../02/2019 na empresa ....., Unipessoal, lda., e na empresa ..... Construções Sociedade Unipessoal, Lda, de ../02/2019 a ../02/2019, tendo cessado contrato de trabalho em ambas as empresas por iniciativa do trabalhador. 11. Como o próprio progenitor referiu, viu a filha pela primeira vez na semana anterior ao início do debate judicial (no dia ../02/2020), tendo aí ido para conhecer esta criança e uma outra sua filha, recém-nascida de uma outra mãe. O pai nunca telefonou ou escreveu a perguntar pela criança. Nenhuma das pessoas antes indicadas por si para criar a filha considerou que tal fosse o melhor projeto de vida para a criança. 12. O agregado familiar da progenitora é originário de ..... e é acompanhado pelos serviços sociais de ..., nomeadamente pela C... (empresa municipal de habitação) e A..., desde 2001, há 18 anos. 13. Os avós maternos da AA tiveram 5 filhos: a aqui progenitora BB, GG, HH, HH e JJ. Todos os filhos do casal revelaram dificuldades de desenvolvimento intelectual e insucesso escolar, com integração de todos os elementos na G... de forma a garantir a formação/frequência escolar. 14. Há 18 anos viviam miseravelmente, muito pobres e sem quaisquer condições; fruto do acompanhamento resultou o realojamento em habitação social e a intervenção ao nível das competências mínimas de limpeza / organização do espaço habitacional, alimentação e cuidados de saúde e de higiene pessoal. 15. Houve progressos substanciais, ao longo dos 18 anos, ao nível das competências de organização de uma casa e de aprendizagem do funcionamento dos utensílios, como fogão e esquentador, sendo que tal processo foi sempre liderado pelo avô materno da criança, que é quem assume o papel de gestor e principal cuidador do lar. 16. Os jornais que forravam as superfícies junto ao fogão foram removidos, por perigo de incêndio, e já arejam mais a casa; os cuidados de higiene pessoal são deficitários, pois após as visitas da progenitora e seus pais à criança, a sala de visita da Associação ... fica com odor intenso (incluindo a suor) e tem de ser arejada. 17. Atualmente, a progenitora e os seus pais vivem num apartamento da C... de tipo T4 com condições habitacionais; ainda que melhor que no passado, continua a apresentar défice de limpeza, de higiene e de organização. 18. A progenitora possui o ...º ano de escolaridade; frequentou o Centro de Reabilitação e Formação Profissional ..., do qual ressalta a seguinte informação: “aquando da sua admissão foi avaliada cognitivamente, obtendo resultados de um QI global inferior, situando-se nos parâmetros definidos para a deficiência intelectual ligeira”. 19. Entre 2007 e 2010 a progenitora frequentou formação profissional na área de ....... Após 4 anos de formação não conseguiu integração profissional devido ao pouco interesse e motivação demonstrados. Entre ../09/2014 e ../12/2014 frequentou ação de informação para avaliação e orientação para a qualificação e emprego, sendo descrita como “não ter competências de relacionamento interpessoal”. Entre março e agosto de 2015 a G... promoveu a integração da progenitora em estágio numa empresa como ..., mas faltou ao primeiro dia, tendo o seu pai contactado a informar da sua desistência por desinteresse em trabalhar. Houve acompanhamento na medida de apoio à colocação do Centro de Recursos Local da ... desde finais de janeiro de 2018. Entre ..-02-2018 e ..-07-2018 a BB estagiou ao abrigo dessa medida na empresa ... - Industria de ... Lda., sita em ..., a desempenhar tarefas inerentes ao perfil profissional de assistente operacional; as tarefas eram de carácter simples e repetitivo. Segundo a E.M.A.T., durante o estágio a jovem foi sempre assídua e pontual e cumpridora das regras da empresa; contudo, evidenciou um ritmo de trabalho lento e desconcentração regular nas tarefas, poderia efetuar tarefas simples e rotineiras. 20. Segundo os avós maternos declaram, a filha sozinha não poderia tomar conta da criança porque padece de um atraso. 21. Segundo o avô materno está de baixa para tomar conta da esposa, que tem problemas de cabeça, pois é ele quem sabe dar-lhe os medicamentos, é ele quem faz as compras da casa e maioritariamente cozinha, pois a filha não sabe (quando muito ajuda em alguma coisa se a mandarem), orientando o auxílio da filha e da esposa nas lidas da casa; assume-se como o cuidador informal da esposa e da filha. Tem os medicamentos e produtos de limpeza corrosivos guardados para não correr o risco de a esposa ou a filha os ingerirem. 22. É o avô materno quem faz todas as compras da casa e a gere, vivendo os três só com a pensão de reforma por incapacidade da mãe da progenitora, no montante de 409,64 Euros mensais, sendo que aos 11/02/2020 apresentavam um saldo positivo na conta de 845,11 Euros. A A... já não acompanha o agregado; quando no passado o avô materno solicitava um cabaz, o pedido era encaminhado para a F.... 23. Segundo a avó materna, a mãe da criança não sabe arrumar, nem a casa sabe limpar, é lenta e quem lava a roupa é o marido. 24. Quando diferentes entidades faziam, ao longo de anos, visitas domiciliárias era frequente ver-se a casa desarrumada, desorganizada, com restos de comida e suja. 25. A mãe tem um défice intelectual, não tendo suficiente orientação temporal e espacial e não é capaz de se autonomizar do ponto de vista social, laboral e económico; apresenta desmotivação e apatia generalizada, tendo um discurso lentificado mesmo quando estimulado, incluindo em audiência. Acha que uma criança precisa de miminho, entre outras coisas; considera que febre é entre 38.º e 40.º C. 26. Segundo o relatório de psicologia forense de 30/10/2018, entre o mais, a progenitora revela “sinais de cansaço e de impaciência face à avaliação” o que se revela indicador da sua imaturidade comportamental e emocional. QI global [inferior]. Evidencia limitações do ponto de vista cognitivo e dificuldades em enquadrar temporal e contextualmente as diferentes ocorrências passadas. Dificuldades ao nível da orientação espacial e temporal, do pensamento abstracto e em colocar-se perante situações hipotéticas. BB evidencia dependência de terceiros para algumas tarefas e actividades diárias, nomeadamente as questões referentes à gestão económica e deslocações para os principais serviços. BB evidenciou traços de personalidade caracterizados pela imaturidade. Desde logo destaca-se o desfasamento entre a idade cronológica e a idade mental o reduzido conhecimento que esta apresenta sobre si própria e dos outros, nas suas dificuldades em perspectivar planos e projectos de vida para o futuro, e a falta de maturidade afectivas e intelectual. BB evidencia dificuldades ao nível da gestão emocional, baixa tolerância à frustração e dificuldades em lidar e gerir situações de tensão, sendo disso exemplo o episódio ocorrido na ... em que esta terá ingerido sabonete líquido. A título de conclusão destaca-se: 1-«fragilidades ao nível da personalidade, nomeadamente a existência de imaturidade cognitiva, comportamental emocional e afectiva, bem como dificuldades ao nível da gestão emocional, baixa tolerância à frustração e dificuldades no estabelecimento de relacionamentos [interpessoais]. 2 Revelou dificuldades em perspectivas os cuidados básicos a ter com a filha, bem como a reconhecer e identificar necessidades atuais e futuras da filha. Mostrou desconhecimento em relação às características identitárias, modos de funcionamento e desenvolvimento da filha. 3 - dificuldades ao nível das competências didácticas e da correcção de comportamentos desajustados. 4 - Existência de um funcionamento desadaptativo em algumas dimensões da personalidade (i.e., imaturidade cognitiva, emocional e afectiva, baixa tolerância à frustração, dificuldades no estabelecimento de relacionamentos interpessoais); 5 - as vulnerabilidades e fragilidade clínico-desenvolvimentais (i.e., limitações intelectuais; historial de comportamentos autolesivos/tentativas de suicídio da progenitora; precariedade económica do agregado familiar; desestruturação familiar; problemas psiquiátricos da avó materna, aliadas a limitações intelectuais; historial de vulnerabilidades ao nível da higiene pessoal e habitacional e da organização doméstica); 6- ausência de hábitos de trabalho da progenitora; 7 - reduzido suporte familiar e a dependência de BB de terceiros; 8 - ausência de insight da progenitora (e dos restantes elementos do agregado familiar) em relação às suas vulnerabilidades e limitações»” (interpolação nossa e aspas no original). 27. “Respondendo ao quesito colocado por esse tribunal, somos de parecer que os elementos supracitados poderão comprometer o exercício adequado das responsabilidades parentais da progenitora»” (interpolação nossa e itálico no original). 28. Nem a progenitora nem os avós maternos sabem precisar as necessidades de acompanhamento médico da criança. Durante as visitas não fazem perguntas sobre necessidades de acompanhamento médico, quando muito sobre se come e qual o peso e a altura; não pedem esclarecimentos sobre o resultado de consultas a que a criança tenha ido. 29. Segundo as técnicas da Associação ... a progenitora assume uma postura contemplativa, dando o biberão (sob orientação) e mudava a fralda se necessário. Apresenta claras dificuldades em tomar iniciativa, mesmo que necessário. 30. A progenitora e avós maternos cumprem todas as visitas e horários e se não podem ir remarcam a visita à criança, uma visita semanal à quinta-feira com a duração de uma hora; a visita com a periodicidade semanal deveu-se a um estágio da progenitora, mas, uma vez findo, não foi pedida mais que uma. 31. A interação é pouco estimulante dado que a criança não os reconhece como referenciais afetivos e, além disso, segundo as técnicas, é pouco recetiva às pessoas, sendo seletiva mesmo com os cuidadores da Associação ...; o avô é quem interage mais com a criança e quem mais compreende as diferentes fases de desenvolvimento, desde o passar-se do colo à exploração do meio. A progenitora tem uma postura carinhosa e contemplativa. 32.- Segundo as técnicas, a criança inicialmente reage mal às visitas mas depois de incentivada lá fica; no fim das visitas a criança não revela angústia de separação. A criança, quando visitada pelos parentes, apenas diz “olá”, reconhecendo-os (quanto ao avô materno diz 33. Nem a mãe nem os pais dela entendem por que razão a criança não pode viver com eles, achando que têm as condições e as capacidades para a terem em casa, verbalizando intensamente que gostam muito dela e fazem por ela aquilo que conseguem. São pessoas educadas, respeitadoras e seguem as orientações. 34. Em janeiro de 2018 o tio materno GG foi à Associação ... para dizer que a família dele não tinha condições por causa dos défices intelectuais, problemas psíquicos e psiquiátricos, e também por terem mau feitio não seria viável uma solução familiar, pelo que verbalizou que o melhor para a criança seria ser adotada, pois também não mostra condições ou vontade de a acolher, até porque tal implicaria a família materna intrometer-se na sua vida, tal como a paterna. 35. A criança tem atraso de desenvolvimento e foi acompanhada em neonatologia, fisiatria com fisioterapia (que, entretanto, cessou, quando adquiriu a marcha, aos 18 meses), terapia da fala e terapia ocupacional; dados os antecedentes familiares, a criança está em despiste nas especialidades de pedopsiquiatria e em otorrinolaringologia. 36. Segundo as técnicas que a acompanham, o atraso é reversível se a criança for devidamente estimulada, não só ao nível institucional (por exemplo, infantário), mas também ao nível familiar. 37. Segundo o tio materno GG, se a criança ficasse em casa seria o seu pai quem teria de tomar conta da criança, além de já tomar conta da mãe e da irmã, pois esta continua a ser uma criança; considerou que apenas teve a ganhar em autonomizar-se da família, em 2012, para poder evoluir como pessoa. 38. GG é casado, tem uma filha de .. anos, é operário, tal como a esposa, e não se mostra disponível para cuidar da sobrinha porque além da família materna estaria sujeito à figura parental, não querendo problemas e não querendo prejudicar a própria filha; acresce que tenciona ter mais filhos e a esposa ficará desempregada a breve trecho. 39. A esposa de GG, LL, considera que não seria justo para a criança nem para o avô a criança ficar ao seu encargo: para este porque já não é novo e porque seria mais uma criança de quem ele teria de cuidar, e para a sobrinha porque a idade passa e tem direito a ter boas memórias de infância para poder ser boa adulta, porque é importante ter uma família. 40. Os outros irmãos da progenitora da criança também se autonomizaram em 2017, por, afirmou GG, se terem saturado do ambiente familiar em que viviam, em casa dos pais. 41. O avô materno, DD, nasceu aos ../../1962 (tendo 57 anos), tem diabetes e colesterol; em avaliação psicológica foi concluído estar comprometido o adequado exercício das responsabilidades parentais. 42. A avó materna, EE, nasceu aos /../1967 e em avaliação psicológica mostra-se também comprometida a capacidade de um adequado exercício de responsabilidades parentais, revelando-se necessário ser acompanhada em psiquiatria e eventualmente em psicologia. 43. A avó materna registou vários internamentos devido a comportamentos autodestrutivos (por exemplo, ingestão de produtos corrosivos) e atualmente afirma-se incapaz para tomar qualquer decisão ou realizar qualquer tarefa alegando sempre fadiga física e psicológica. 44. Atualmente a mãe da criança namora com o ex-marido, de quem se divorciou em 2017, quando veio para casa dos pais. O atual namorado, FF, tem o …º ano de escolaridade incompleto, não considera importante que uma criança frequente um infantário e acha que apenas deve dormir quando tiver sono; sempre que vai a casa da namorada é o pai dela quem cozinha, aufere 635 Euros e paga 125 Euros de renda. 45. Do C.R.C. da progenitora nada consta. Fundamentação de direito. Nas longas e repetitivas conclusões com que remata a sua alegação, ao arrepio do que dispõe o nº1 do art. 639º do CPC, a Recorrente suscita essencialmente as seguintes questões: - Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia; - A necessidade de ampliação da matéria de facto; - A (in)verificação dos pressupostos da medida de protecção decretada, “confiança a instituição com vista a futura adopção.” Abordemos cada uma delas. A nulidade por omissão de pronúncia – art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC – resulta do facto de a Relação não se ter pronunciado sobre uma questão que levantou nas alegações de recurso para aquele Tribunal, consistente em os Serviços Sociais, durante 2 anos e meio a 3 anos pouco ou nada terem feito “para dotar a mãe das competências parentais para receber a filha de volta, através de um programa próprio para este tipo de situação – CAPAF.” Já no recurso para a Relação a Recorrente havia imputado idêntico vício à sentença, o que foi desatendido, e bem, por aquele Tribunal, além do mais por não se tratar de uma questão, mas de um argumento invocado pela Recorrente. E assim é. Constitui jurisprudência pacífica que a nulidade por omissão de pronúncia a que alude a alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC – “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)” - só se verifica quando o julgador deixa de apreciar as questões não os meros argumentos aduzidos pelas partes em abono da tese que defendem. E as questões são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções. (cf., por todos, o Ac. STJ de 19.05.2010, P.1513/06). A alegação de que à Recorrente não foi prestado o adequado apoio social em ordem a melhorar as suas capacidades parentais, é um argumento, uma razão, que a Recorrente avança para contestar a medida de protecção decretada, não uma verdadeira questão para efeitos do art. 615º/1, d) do CPCivil. Sem embargo, sempre se dirá que a Relação não deixou de referir, a propósito da alegação da Recorrente de não ter lhe sido propiciada uma “formação específica de parentalidade”, que “a incapacidade da mãe da menor não é possível de suprir apenas com essa formação. Trata-se de uma incapacidade intelectual (…).” Não se verifica, pois, a invocada nulidade. Nas conclusões XXVII e XXVIII, a Recorrente diz que a decisão que aplicou a medida de confiança com vista à futura adopção é nula, nos termos do art. 195º/1 do CPC, por “não terem sido dados aos pais da criança todas as garantias e direitos de que dispõem”, nomeadamente o de influírem no exame e decisão das causas. Também aqui sem razão. O art. 195º prevê as chamadas “nulidade processuais”, as irregularidades na tramitação processual, que só constituirão nulidade se a lei assim o determinar ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa, que se distinguem das nulidades da sentença, as quais são apenas as enunciadas nas alíneas a) a e) do nº 1 do art. 615º. Assim, para se concluir pela existência de nulidade processual no âmbito de um processo de promoção e protecção é necessário que se demonstre a prática de um acto que a lei não admite, ou a omissão de acto que a lei prescreve na respectiva tramitação - nos arts. 100º e seguintes da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), (Lei nº 147/99 de 01.09). Não é isso que ocorre com o vício apontado, uma alegação genérica, que não constitui qualquer nulidade processual.
Cumpre apreciar se o acórdão recorrido violou os pressupostos fixados na lei para que possa ser determinada a medida de confiança para a adopção. O vínculo da adopção constitui-se por sentença judicial, visa realizar o superior interesse da criança e será decretada quando apresente reais vantagens para o adoptando – arts. 1973º e 1974º do CCivil. A medida aplicada a favor da menor foi-o no âmbito da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei nº 147/99 de 01.09. Este diploma tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem estar e desenvolvimento integral – art. 1º. A intervenção para promoção dos direitos da criança e do jovem em perigo só é legítima quando os pais, o representante legal ou quem tenha a sua guarda puserem em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento – art. 3º. De acordo com o nº 3 da citada Lei nº 147/99, considera-se que a criança ou jovem se encontra em perigo, quando, designadamente, “não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal” (nº 2, alínea c)). No caso, a legitimidade para a intervenção social não oferece dúvidas, nem é questionada pela progenitora: a situação foi sinalizada pelo Hospital à CPCJ ... logo aos seis dias de vida da menor, e com apenas um mês foi-lhe aplicada a medida de acolhimento residencial na Associação ..., por se verificar a situação de perigo prevista na alínea c) do nº 2 do art. 3º da Lei nº 147/99. As instâncias consideraram que a medida adequada à situação da menor é a prevista na alínea g), art. 35º da LPCJP, confiança a instituição com vista a futura adopção, nos termos do art. 1978º, nº2 do Cód. Civil, por verificados os pressupostos da alínea d) do nº 1 relativamente a ambos os progenitores, e da alínea e), relativamente ao pai. Defende a Recorrente no essencial que a decisão é desproporcionada e que foi decretada sem estarem esgotados todos recursos que a lei prevê, designadamente pela omissão dos serviços sociais de diligenciarem para que ela e os avós da criança, adquirissem as competências parentais necessárias. Vejamos, começando por recordar o que diz o art. 1978º do Cód. Civil: Dispõe o citado art. 1978º: 1. O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e protecção, pode confiar a criança com vista a futura adopção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer uma das seguintes situações: (…); d) Se os pais por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em risco grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; e) Se os pais da criança acolhida por particular, por uma instituição ou família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança. 2. Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança. 3. Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção os direitos das crianças. 4. A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do nº1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela. Como decorre da norma citada, é um pressuposto da medida de confiança com vista a futura adopção, a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos próprios da filiação, que só pode ser decidida nas situações descritas nas diversas alíneas do nº1 (Acórdãos do STJ de 16.03.2017 P. 1203/12, e de 21.05.2020, CJ AcSTJ II, p.74). Ajuizou bem a decisão recorrida ao entender que “os vínculos próprios da filiação” não existem em relação ao pai, e encontram-se seriamente comprometidos no que tange à Recorrente. Relativamente ao pai, que não recorreu do acórdão da Relação, essa ausência revela-se pelo desinteresse que manifesta pela filha, encontrando-se assim preenchida a previsão da alínea e): nunca procurou saber da menor, que viu pela primeira vez aquando do debate judicial, em 4.02.2020; com várias condenações penais, esteve em liberdade condicional entre Novembro de 2017 e meados de 2019, período em que não procurou a menor, nem saber como se encontrava. Além disso, tem nove filhos, de mães diferentes, quatro deles vivem com a progenitora estando ele impedido de os visitar sem vigilância, sendo que dois outros foram já encaminhados para a adopção. O próprio reconhece a sua incapacidade para criar a menor. (cf. factos 4 a 9). Quanto à progenitora/ recorrente, ressalta da matéria de facto de relevante o seguinte: - Vive com os pais num apartamento T4 da C..., com condições habitacionais, que apresenta défice de limpeza, de higiene e de organização; - Têm como rendimento a pensão de reforma por incapacidade da mãe da progenitora, no montante de 409,64 Euros mensais; - A progenitora tem o ...º ano de escolaridade; frequentou o Centro de Reabilitação e Formação Profissional ...., do qual ressalta a seguinte informação: “aquando da sua admissão foi avaliada cognitivamente, obtendo resultados de um QI global inferior, situando-se nos parâmetros definidos para a deficiência intelectual ligeira”. - Entre 2007 e 2010, frequentou formação profissional na área de ....... Após 4 anos de formação não conseguiu integração profissional devido ao pouco interesse e motivação demonstrados. Entre ../09/2014 e ../12/2014 frequentou ação de informação para avaliação e orientação para a qualificação e emprego, sendo descrita como “não ter competências de relacionamento interpessoal”. Entre março e agosto de 2015 a G... promoveu a integração da progenitora em estágio numa empresa como ..., mas faltou ao primeiro dia, tendo o seu pai contactado a informar da sua desistência por desinteresse em trabalhar. Houve acompanhamento na medida de apoio à colocação do Centro de Recursos Local da ... desde finais de janeiro de 2018. Entre ..-02-2018 e ..-07-2018 a BB estagiou ao abrigo dessa medida na empresa ... - Industria de ... Lda., sita em ..., a desempenhar tarefas inerentes ao perfil profissional de assistente operacional; as tarefas eram de carácter simples e repetitivo. Segundo a E.M.A.T., durante o estágio a jovem foi sempre assídua e pontual e cumpridora das regras da empresa; contudo, evidenciou um ritmo de trabalho lento e desconcentração regular nas tarefas, poderia efetuar tarefas simples e rotineiras; - Segundo os avós maternos, a filha sozinha não poderia tomar conta da criança “porque padece de um atraso”; - Revela-se incapaz de executar tarefas básicas, como limpar e arrumar a casa, cozinhar e fazer as compras, tarefas que recaem no seu pai, avô materno, o qual “está de baixa para tomar conta da esposa, que tem problemas de cabeça, pois é ele quem sabe dar-lhe os medicamentos, (…); assume-se como o cuidador informal da esposa e da filha. “Tem os medicamentos e produtos de limpeza corrosivos guardados para não correr o risco de a esposa ou a filha os ingerirem”; - Tem um défice intelectual, não tendo suficiente orientação temporal e espacial; é incapaz de se autonomizar do ponto de vista social, laboral e económico; apresenta desmotivação e apatia generalizada, tendo um discurso lentificado mesmo quando estimulado, incluindo em audiência. Acha que uma criança precisa de miminho, entre outras coisas; considera que febre é entre 38.º e 40.º C. - Segundo o relatório de psicologia forense de 30/10/2018, entre o mais, a progenitora revela “sinais de cansaço e de impaciência face à avaliação” o que se revela indicador da sua imaturidade comportamental e emocional. QI global [inferior]. Evidencia limitações do ponto de vista cognitivo e dificuldades em enquadrar temporal e contextualmente as diferentes ocorrências passadas. Dificuldades ao nível da orientação espacial e temporal, do pensamento abstracto e em colocar-se perante situações hipotéticas. BB evidencia dependência de terceiros para algumas tarefas e actividades diárias, nomeadamente as questões referentes à gestão económica e deslocações para os principais serviços. BB evidenciou traços de personalidade caracterizados pela imaturidade. Desde logo destaca-se o desfasamento entre a idade cronológica e a idade mental, o reduzido conhecimento que esta apresenta sobre si própria e dos[outros, nas suas dificuldades em perspectivar planos e projectos de vida para o futuro, e a falta de maturidade afectivas e intelectual. BB evidencia dificuldades ao nível da gestão emocional, baixa tolerância à frustração e dificuldades em lidar e gerir situações de tensão, sendo disso exemplo o episódio ocorrido na ... em que esta terá ingerido sabonete líquido. A título de conclusão destaca-se: 1-«fragilidades ao nível da personalidade, nomeadamente a existência de imaturidade cognitiva, comportamental emocional e afectiva, bem como dificuldades ao nível da gestão emocional, baixa tolerância à frustração e dificuldades no estabelecimento de relacionamentos [interpessoais]. 2 - Tem fortes limitações intelectuais, vulnerabilidades e fragilidade psicológica, ausência de hábitos de trabalho, revela apatia e incapacidade no relacionamento com a criança, como evidencia os pontos 26 e 27 da matéria de facto; - Atualmente namora com o ex-marido, que não é o pai da menor, de quem se divorciou em 2017, quando veio para casa dos pais. Do quadro factual apurado, resulta que a Recorrente, além de um défice intelectual, apresenta várias fragilidades ao nível da personalidade (imaturidade, apatia, incapacidade para realizar as tarefas básicas e incompreensão das necessidades de uma criança), que revelam a incapacidade para exercer uma maternidade responsável, o que não permite um juízo de prognose favorável, ainda que lhe fosse ministrada a formação específica de parentalidade que reclama. Impossibilidade de prognose favorável também relativamente aos avós maternos, cuja avaliação psicológica revelou “estar comprometido o adequado exercício das responsabilidades parentais (nºs 42 e 43 da matéria de facto). Ainda sobre a avó da menor provou-se que já registou vários internamentos devido a comportamentos autodestrutivos (por exemplo, ingestão de produtos corrosivos), “afirma-se incapaz para tomar qualquer decisão ou realizar qualquer tarefa alegando sempre fadiga física e psicológica dependendo totalmente do marido.” Incapacidade reconhecida pelo tio materno da menor, GG, para quem o melhor para a menor é a adopção, por não ter condições para a acolher no seu agregado familiar, e a incapacidade dos seus pais e irmã para criarem a menor AA. (nº 41). Perante a matéria de facto apurada não pode deixar de concordar-se com a Relação quando, citando a sentença, refere que “as incapacidades existentes na família são insuperáveis. Não é pelo decurso do tempo, maior ou menor, que deixariam de subsistir por mais apoios que houvesse; afigura-se, ao invés, que apenas seria prejudicial para a criança, seria atrasar-lhe a partida para outra vida para lá da instituição ou para lá de um sem fim de contingências na família biológica, que, quase inevitavelmente, daqui a uns anos a atirariam de volta a uma instituição, nos termos da alínea f) do citado artigo 35º, nº 1 da LPCJP.” Isto sem embargo do afecto que a Recorrente e os avós possam ter pela criança, a qual, todavia, não os reconhece como “referenciais afectivos” (nº 23). Como se escreveu no acórdão deste Supremo de 21.05.2020, relatado pelo Conselheiro Nuno Manuel Pinto Oliveira e subscrito pelo relator do presente: “ O Supremo Tribunal de Justiça tem chamado a atenção para que O tribunal deve ter sempre em conta, prioritariamente, superior interesse do menor, pelo que a respectiva aferição deve ser feita objectivamente. O relevo atribuído ao superior interesse do menor significa que deve atender-se à qualidade dos vínculos próprios da filiação, e não às meras intenções ou aos meros esforços dos pais, sempre que tais esforços não se revelem adequados ou suficientes para criar as condições necessárias ao desenvolvimento dos filhos. Em medidas como a confiança com vista a futura adopção não se tem como objectivo punir ou censurar os pais, mas garantir a prossecução do interesse do menor.” Nas conclusões XXX a XXXVI, defende a Recorrente que os factos apurados não permitem concluir que a situação de perigo ainda se mantém, mas sem razão. A Recorrente não apresenta nenhuma razão para se poder pensar que as condições da família da menor se tenham alterado para melhor, pelo contrário o que se sabe sobre o enquadramento familiar da menor e a avaliação psicológica forense realizada à mãe, permite concluir com segurança que a Recorrente e avós maternos não reúnem as condições que permitam assegurar o harmonioso e integral desenvolvimento da menor. A prova foi realizada na altura própria, não havendo elementos concretos que exigissem e possibilitassem nova prova na Relação, nos limites apertados em que tal seria possível (cf. art. 662º/2, b) do CPCivil). Quanto ao argumento da primazia da família biológica, há que dizer o seguinte: O princípio do primado da família biológica não é absoluto, já que a lei (art. 4º, h) da Lei 147/99), se refere expressamente à prevalência da integração em família e esta pode ser obtida também pela promoção da adopção, se a família biológica não puder garantir devidamente a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento são e harmonioso dos filhos (Ac. Relação de Évora de 11.05.2017, P. 426/10.6TBPTH-H.EI). Como afirmado no recente acórdão de STJ de 13.10.2020, P. 1397/16. 6T8CL.G1.S2, “a prevalência (da família biológica) deverá ceder, sem tibiezas, quando se concluir que, por acção ou omissão dos pais, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o são desenvolvimento da criança ou do jovem estejam postos em perigo, a que os próprios pais não se oponham ou que não consigam remover de modo adequado.” É o caso. Quer os pais quer os avós, como os factos demonstram, não reúnem as condições para propiciar à menor um crescimento são e harmonioso, pelo que a defesa do superior interesse da criança - que prevalece sobre outros interesses envolvidos, como é o da Recorrente que, compreensivelmente, deseja manter ligação com a menor – justifica que possa ser determinada a medida de confiança com vista à adopção, como decidiu o acórdão recorrido. A alegação da inconstitucionalidade da decisão, por “a menor ser adoptada por quem não com ela qualquer vínculo” (conclusão XLII), e dela resultar a quebra dos vínculos com a família biológica, é totalmente infundada. Como afirmado no Acórdão deste Tribunal de 16.03.2017, (Maria dos Prazeres Beleza) tais afirmações “não têm sentido no contexto de uma decisão fundada de adopção. A adopção quando se verificam os respectivos pressupostos, é uma forma constitucionalmente adequada de protecção dos interesses das crianças “privadas de um ambiente familiar normal” (nº2 do art. 69º da Constituição). Em suma, a matéria de facto apurada é suficiente para a decisão e esta – confiança da menor a instituição com vista a futura adopção – é a que se afigura adequada para salvaguarda do superior interesse da menor AA. Conclusões: I – Com a adopção visa-se realizar o superior interesse da criança (art. 1974º do CCivil), que prevalece sobre os interesses dos pais biológicos; II – O primado da família biológica não é absoluto; os pais só são dignos de cuidarem e educarem os filhos se tiverem capacidade ou reunirem as condições concretas necessárias ao cumprimento dos correspectivos deveres para com os filhos; III – Num quadro em que o pai, não casado nem convivente com a mãe, nunca se interessou pela filha, a mãe apresenta défice intelectual e várias fragilidades a nível da personalidade, como imaturidade, incapacidade de realizar as tarefas básicas e incompreensão das necessidades da criança, e é de concluir que, relativamente ao pai, não existem os “vínculos afectivos próprios da adopção” e estão “seriamente comprometidos” em relação à mãe, verificando-se assim os pressupostos do art. 1978º, nº 1 do CCivil. IV - Se não existe entorno familiar apto a suprir as deficiências da mãe, e a situação de perigo não pode ser removida pelo apoio económico-social à família biológica, mostra-se adequada a medida de promoção e protecção de confiança da menor a instituição com vista a futura adopção prevista no art. 35º, nº 1, g) da Lei nº 147/99 de 01.09. Decisão. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas (art. 4º, nº 2, f) do Regulamento das Custas Processuais. Lisboa, 14.01.2021 Ferreira Lopes (Relator) Manuel Capelo Tibério Silva |