Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | REIS FIGUEIRA | ||
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Nº do Documento: | SJ200210080019311 | ||
Data do Acordão: | 10/08/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 3180/01 | ||
Data: | 01/22/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A e seus filhos B e C, ambos ..... instauraram acção com processo ordinário contra "D", pedindo a condenação desta a pagar/devolver-lhes o sinal em dobro, ou seja, no montante de 18.000.000 escudos, por se ter colocado em situação de não ter cumprido nem poder vir a cumprir o contrato promessa referido na petição, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 10%, desde a citação. Contestada, a acção foi julgada procedente na primeira instância e a ré condenada a pagar aos AA. a quantia indicada, com juros, às taxas de 10% e de 7%, nos termos do art. 559 do CC e das Portarias n.ºs 1171/95 e 263/99. Recorreu de apelação a Ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, que confirmou a sentença. Recorre de novo a Ré, agora de revista para este Supremo Tribunal. Nas instâncias deu-se como provado: A) Em 10-07-1995 foi celebrado entre a ré e E um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual aquela prometeu vender a este, que prometeu comprar, um apartamento T3, nº 2º andar direito, incluindo garagem na cave e arrumos no sótão, designado pela letra E, sito no lote nº 2 do loteamento da Compul, localizado na Cova da Raposa, em Santiago, freguesia de S. José, Viseu. B) O preço estipulado e reciprocamente aceite para a compra e venda foi de 12.400.000$00. C) Algum tempo antes, o E celebrara com a ré um outro negócio de compra de um apartamento, titulado por contrato promessa, sendo que a respectiva escritura pública não viria a ser efectivada ao dito E porquanto, com a concordância deste, a ré, após a conclusão do imóvel, vendeu-o a terceiro. D) A ré celebraria a escritura ao promitente comprador ou a quem este designasse até ao dia 31-9-96, podendo prorrogar o prazo de celebração se as condições atmosféricas não permitissem a conclusão da obra; a ré marcaria e avisaria verbalmente ou por carta registada com A/R o promitente comprador para a celebração da escritura com 15 dias de antecedência. E) Em- 22-12-95 o E entregou à ré 1.000.000$00 e em 2-2-96 entregou-lhe mais 1.000.000$00, tendo a ré emitido o recibo nº 0035, datado de 2-2-96, no montante de 2.000.000$00. F) Em 29-11-96 faleceu o referido E, tendo-lhe sucedido, como únicos e universais herdeiros, os autores. G) Em meados de Agosto de 1997 a ré, alegando dificuldades de tesouraria, solicitou aos autores que lhe pagassem mais 3.000.000$00, tendo estes concordado e entregue à ré tal quantia. H) Pelo menos em Março de 1997, a ré já havia concluído o prédio dito em A), tendo sido emitida pela Câmara Municipal de Viseu a licença de habitabilidade com o nº 399 datada de 5-8-97. I) A ré vendeu a fracção mencionada em A) a um tal F, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca lavrada no 2º Cartório Notarial de Viseu, de 31-12-97. J) Na referida escritura, a ré declarou ter recebido do comprador a quantia de 10.700.000$00, a título de preço. L) O E sempre disse aos representantes da ré para venderem o apartamento dito em A), se aparecesse alguém que o quisesse. M) Na cláusula 9ª do contrato promessa referido em A) ficou exarado que a escritura seria outorgada a favor do promitente comprador ou a que ele indicasse. 1º- A ré reteve 4.000.000$00 do preço do apartamento aludido em C), acordando com o E que essa importância constituiria o "sinal" mencionado na cláusula 5ª do contrato referido em A). 2º- As quantias aludidas em E) e G) foram entregues à ré para "reforço" do dito sinal. 4º- O falecido E, ao outorgar no contrato promessa dito em A) pretendia apenas obter um ganho com a revenda desse apartamento, sem que o mesmo entrasse no seu património e o nome dele promitente comprador figurasse em qualquer documento como proprietário do mesmo. 12º- A ré sempre esteve disposta a devolver aos autores a quantia de 5.000.000$00, correspondentes às quantias referidas em E) e G). Convirá especificar como ficou acordado no contrato promessa de 10/07/95 que seria pago o preço: a) 4.000 contos, como sinal e princípio de pagamento, com o contrato promessa, ali declarados recebidos b) 1.000 contos até 15/10/95 c) 1.000 contos até 15/12/95 d) os restantes 6.400 contos com a escritura. No recurso de revista para este STJ, alegando, a Ré concluiu: 1) O apartamento referenciado no contrato promessa junto com a petição e descrito na alínea A) da especificação não é o mesmo que foi vendido pela escritura de compra e venda de 31/12/97 2) As fracções referidas nas alíneas A) e H), da especificação, não são as mesmas. 3) Nem as mesmas são as fracções referidas nas alíneas A) e I) da mesma especificação. 4) A recorrente impugnou a testemunha G e a carta que este enviou à Autora, por aquele se encontrar incompatibilizado com os actuais sócios da recorrente. 5) Dessa carta constata-se que do apartamento anteriormente negociado, referido na alínea C) da especificação, não houve qualquer saldo. 6) Não se provou a existência do saldo de 4.000.000 escudos, resultante do negócio anterior, nem a entrega dessa quantia para servir de sinal no contrato promessa em que se funda esta acção. 7) Do documento junto pelos AA, Recibo 0035, constata-se que a importância de 2.000.000 escudos, a que se reporta aquele Recibo, não foi entregue como reforço de sinal, antes para pagamento das 2º e 3ª prestações da Fracção E do Lote 2 da Quinta da Raposa. 8) Do documento junto pelos AA, Recibo 0075, constata-se que a importância de 3.000.000 escudos, a que se refere aquele Recibo, não foi entregue como reforço de sinal, antes para liquidação de parte da Fracção E do Lote 1B da Quinta da Raposa. 9) Na data em que foi vendida a Fracção E do Lote 1B da Quinta da Raposa, a Ré apenas tinha em seu poder a quantia de 5.000.000 escudos, que sempre esteve disposta a devolver aos AA. 10) Pelo que não houve incumprimento da sua parte do contrato promessa referido na alínea A) da especificação. 11) As quantias que a ré reconhece ter recebido (5.000.000 escudos) não podem ser consideradas como sinal, não podendo aplicar-se, quanto a elas, a presunção do art. 441 do CC, na medida em que os documentos nºs 3 e 6 juntos (referidos Recibos 0035 e 0075) afastam essa presunção, esclarecendo que tais quantias não foram entregues a título de sinal. 12) Na correcta interpretação do contrato promessa em causa apenas se pode considerar como sinal a quantia de 4.000.000 escudos, sinal esse que apenas poderia ser considerado se efectivamente tal quantia tivesse sido entregue, o que não sucedeu. 13) A Ré sempre esteve disposta a negociar com os AA. 14) Estes é que nunca se dispuseram a negociar com ela, nem quiseram receber a quantia de 5.000.000 escudos, que esta sempre se prontificou a devolver. 15) Esclarece que 2.000.000 escudos foram entregues para o apartamento a que se refere o contrato promessa, mas a quantia de 3.000.000 escudos nada tem a ver com esse contrato. 16) O apartamento vendido através da escritura é no Lote 1B e o apartamento a que se refere o contrato promessa era no Lote 2. 17) Os AA sempre fizeram letra morta do contrato promessa e nunca se prontificaram a entregar as quantias necessárias para perfazer a quantia de 12.400.000 escudos, que era o preço acordado na cláusula 4ª do contrato promessa. 18) Foram violadas as normas constantes dos art. 441, 442 e 559 do CC, pelo que a acção deve ser julgada improcedente. Os AA contra-alegaram em apoio do decidido. Conhecendo. Com tem sido incessantemente acentuado, este Tribunal não conhece de facto fora dos casos excepcionais dos art.ºs 722, nº2 e 729, nº2 do CPC. Isto posto, analisemos as conclusões das alegações da recorrente, pois que são elas que delimitam o objecto do recurso. Está dado como provado que o apartamento referenciado no contrato promessa de compra e venda da alínea A) da especificação é o mesmo que foi depois vendido pela escritura de 31/12/97 (alínea I) da especificação: "a Ré vendeu a fracção mencionada em A) a um tal Augusto..."), sendo as fracções referidas na alíneas A) e H), e nas alíneas A) e I), a mesma fracção (confrontar alíneas A), H) e I) da mesma especificação. Esta questão foi colocada à Relação, que entendeu não se justificar a alteração da matéria de facto. Assim se responde às três primeiras conclusões. Em relação à conclusão quarta: a Ré disse da testemunha G e da carta que lhe foi atribuída pelos AA o que consta de fls. 89; mas a testemunha não foi impugnada (art. 637 do CPC), nem contraditada (art. 640 do CPC). A prova respectiva era livre (art. 396 do CC) e o Tribunal da primeira instância respondeu, legitimamente, à matéria de facto de acordo com a sua livre convicção. Aliás, nem foi só esta testemunha que depôs àquela matéria de facto, nem foi a carta o único documento que fundamentou as respostas, como bem se vê do despacho de fls. 136. No tocante às conclusões quinta e sexta, provou-se que o saldo de 4.000 contos, do contrato promessa anterior, dado sem efeito pelas partes, foi retido pela Ré, constituindo o sinal e princípio de pagamento referido na cláusula 5ª do contrato promessa de 10/07/95: resposta ao quesito 1º. Portanto, esses 4.000 contos, saldo do primeiro contrato promessa, serviram de sinal e princípio de pagamento no contrato promessa que nos ocupa. As conclusões sétima e oitava merecem mais detalhada análise. Do documento junto (Recibo 0035) consta que os 2.000 contos foram entregues (pelo E) "para pagamento das 2ª e 3ª prestações da fracção E do Lote 2 da Quinta da Raposa". Os 2.000 contos deste Recibo são os 1.000 pagos em 22/12/95 (recibo provisório a fls. 9), mais os 1.000 pagos em 02/06/96, data em que se passou o Recibo (definitivo) 0035, pelos 2.000: alínea E) da especificação. Do documento junto (Recibo 0075) consta que os 3.000 contos foram entregues (pelos agora AA) "para liquidação de parte (do preço) da fracção E do Lote 1B, em Quinta da Raposa". Está provado que "em meados de Agosto de 1997 a Ré, alegando dificuldades de tesouraria, pediu aos AA que lhe pagassem mais 3.000 contos, tendo estes concordado e entregue à Ré tal quantia". Como à data o E era já falecido (consta da escritura de habilitação que faleceu em 29/11/96) e se diz que a Ré "pediu aos AA que lhe pagassem mais 3.000 contos", temos como fora de dúvida que tal pagamento se reporta à sequência de pagamentos que se descrevem nas alíneas anteriores àquela (portanto, sempre ao contrato promessa de 10/07/95, pois que o anterior já havia sido dado sem efeito), tanto assim que o primitivo promitente comprador, E já falecera na data. Doutra forma, a Ré pediria os 3.000 contos ao E, não aos AA. Portanto, os 3.000 pedidos aos AA em meados de Agosto de 1997, referem-se ao contrato de compra e venda da alínea A) (o de 10/07/95), e não ao anterior (o alínea C), que o titular E dera sem efeito (dita alínea C), portanto necessariamente que em sua vida. (Em breve parêntesis, notaremos que na carta de fls. 81 diz-se que o E celebrou dois contratos promessa com a Ré, um relativo a um apartamento em S. João de Lameiras, outro em Cova da Raposa!... Donde parecerá resultar que o anterior contrato promessa, dado sem efeito, não era relativo ao apartamento da Quinta da Raposa, mas a outro: o de S. João de Lameiras. Tratando-se aqui de matéria de facto, apenas anotamos este pormenor para evidenciar que não há qualquer incongruência na matéria de facto dada como provada nas instâncias). Em consequência do que aquela importância foi em reforço do pagamento parcial já feito, presumindo-se, por isso, que com a natureza de sinal: art. 441 do CC. De facto, o objecto de um contrato promessa de compra e venda não é o preço, nem a coisa vendida, mas a celebração do contrato prometido. Trata-se de uma obrigação recíproca de prestação de facto: celebrar o contrato prometido. Daí que o pagamento de parte do preço, num contrato promessa de compra e venda, não seja começo do cumprimento do contrato promessa, presumindo a lei que se trata de sinal: "no contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço" (art. 441 do CC). Assim, "a mera declaração da antecipação (do preço) não tira à quantia entregue a natureza de sinal" (Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado, I, 4ª edição, 418). Tal presunção é ilidível (opinião aliás não uniforme). Todavia, a Ré não ilidiu essa presunção, que não resulta elidida pelo teor dos recibos, como acabámos de demonstrar. Por outro lado, fala-se naquele Recibo 0075, de 19/08/97, e depois na escritura de venda de 31/12/97, no Lote 1B - diferentemente do que se dissera, tanto no contrato promessa de 10/07/95, como no recibo provisório de 22/12/95, a fls. 9, como depois no recibo 0035, de 02/02/96, lugares todos onde se fala no Lote 2. Além do que já dissemos a propósito, a divergência não é relevante, nem leva a concluir que se trata de apartamentos diferentes. Basta confrontar as datas desses documentos com a data de falecimento do E (29/11/96) para se concluir que a diferença de Lotes nada significa: trata-se sempre do mesmo apartamento, no mesmo Lote, que (supõe-se) primeiro se designaria Lote 2 e depois Lote 1B. Não podemos esquecer-nos que os apartamentos eram prometidos vender e comprar antes de construídos, não sendo impossível admitir que o primitivamente designado Lote 2 passasse, depois de construído ou depois de constituída a propriedade horizontal, a designar-se Lote 1B. Aliás, está provado que o prédio onde se insere o apartamento em causa já estava construído pelo menos em Março de 1997 (alínea H). Ora, a designação Lote 2 aparece em documentos anteriores a essa data, ao passo que a designação lote 1B aparece em documentos posteriores. Mas, assim ou não, isso é irrelevante, pois que está provado que se trata do mesmo apartamento. O contrato promessa e os Recibos são todos eles documentos particulares, e o Tribunal de todos eles (e dos depoimentos das testemunhas) se serviu para, em regime de liberdade de convicção, dar como provado que se trata do mesmo apartamento. Assim, não resulta do recibo 0075, nem que os 3.000 contos não foram entregues como reforço de sinal, nem que se tratasse de contrato promessa diferente do de 10/07/95. Desta forma se responde às questões sétima e oitava. No que toca às conclusões nona e décima, diremos apenas que na data em que foi vendida a fracção, a Ré tinha em seu poder, não 5.000 contos que ela diz, mas 9.000 contos: 4.000+1.000+1.000+3.000. Sendo: a) os primeiros 4.000 são os 4.000 que a Ré reteve do anterior contrato promessa dado sem efeito, para servir de sinal e princípio de pagamento no novo contrato promessa, onde tal quantia foi pela ré declarada recebida; b) mais 1.000, recebidos (ainda do E) em 22/12/95 (recibo provisório de fls. 9), c) mais 1.000, recebidos (já dos AA) em 19/08/97 (passando então a Ré o recibo 0075, pelo valor de 2.000), d) mais 3.000, novamente dos AA, em meados de Agosto de 97 (alínea G), passando então a Ré o Recibo 0075, de 19/08/97, pelo valor de 3.000. Se a Ré sempre esteve, como ela diz, disposta a devolver 5.000, decerto que boas razões têm os AA para o não aceitar. Consequentemente, houve incumprimento, culposo, do contrato promessa por parte da Ré, e incumprimento definitivo, pois que a Ré vendeu a terceiro a fracção prometida vender ao antecessor dos AA, pelo que já nem pode cumprir o contrato promessa. Passemos às conclusões onze a quinze. Já se disse a este propósito o essencial: criando o contrato promessa (neste caso, de compra e venda) para as partes uma obrigação de prestação de facto, todos os pagamentos feitos por conta do preço se presumem com a natureza de sinal, mesmo que designados como antecipação ou princípio de pagamento do preço: art. 441 do CC. Consequentemente, e renovando considerações já feitas a propósito de conclusões anteriores, a Ré recebeu, com a natureza de sinal, um quantitativo global de 9.000 contos. Também sobre o dito na conclusão dezasseis já dissemos acima o bastante. Não foram violadas as disposições legais indicadas no recurso. A solução dada nas instâncias adequa-se perfeitamente ao dispositivo do art. 442, nº2 do CC. Remete-se em geral para a fundamentação de direito feita na Relação (fls. 187). Sendo fora de razão pretender que os AA paguem mais o que ainda faltaria do contratado, quando a Ré já vendeu a terceiro o apartamento prometido vender ao falecido E. Pelo exposto, acordam em negar a revista, condenado a recorrente nas custas. Lisboa, 8 de Outubro de 2002 Reis Figueira Barros Caldeira Faria Antunes |