Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20/16.3GGVNG-I.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
ESPECIAL COMPLEXIDADE
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
INSTRUÇÃO
DESPACHO DE PRONÚNCIA
CO-ARGUIDO
RECURSO
EFEITOS DO RECURSO
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: NEGADA A PROVIDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS / MODOS DE IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL – FASES PRELIMINARES / INSTRUÇÃO / ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS.
Doutrina:
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508;
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343 e 344;
- Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 1.º, ALÍNEA M), 215.º, N.ºS 1, ALÍNEAS A), B) E C), 2 E 3, 219.º, 222.º, N.º 2, ALÍNEA C), 307.º, N.º 4, 399.º E 402.º, N.º 2, ALÍNEA A).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 27.º, 28.º, 31.º E 32.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-01-2019, PROCESSO N.º 589/15.0JALRA-D.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CRIMINAL, JANEIRO 2019, WWW.STJ.PT;
- DE 16-05-2019, PROCESSO N.º 1206/17.9S6LSB-C.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O habeas corpus, constitucionalmente consagrado como direito fundamental contra o abuso de poder, traduz-se processualmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegais, independente do direito ao recurso enquanto garantia do direito de defesa em processo penal (artigos 31.º e 32.º, n.º 1, da Constituição), sendo uma garantia privilegiada do direito à liberdade garantido nos artigos 27.º e 28.º da lei fundamental.

II. No âmbito da providência de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode e deve verificar se a prisão resultou de uma decisão judicial, se a privação da liberdade foi motivada pela prática de um facto que a admite e se foram respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (artigo 222.º, n.º 2, do CPP).

III. As decisões relativas à aplicação e reexame da prisão preventiva podem ser impugnadas por via de recurso, nos termos gerais (artigos 219.º e 399.º e segs. do CPP), sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus por virtude de prisão ilegal, com os fundamentos enumerados no n.º 2 do artigo 222.º do CPP, nomeadamente por a prisão se manter para além dos prazos previstos na lei (artigo 215.º do CPP), findos os quais se extingue.

IV. Estando o arguido acusado da prática de crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de branqueamento, que constituem formas de «criminalidade altamente organizada», na definição do artigo 1.º, al. m), do CPP, e tendo o processo sido declarado de especial complexidade, os prazos máximos de prisão preventiva são de 1 ano sem que tenha sido deduzida acusação, 1 ano e 4 meses até que seja proferida decisão instrutória e de 2 anos e 6 meses até que seja proferida decisão de condenação em 1.ª instância [artigo 215.º, n.º 1, al. a), b) e c), n.º 2 e n.º 3, do CPP.].

V. Interposto recurso de despacho que não admitiu o requerimento de abertura de instrução, por extemporâneo, de um dos co-arguidos e proferido acórdão pelo tribunal da Relação que mandou apreciar tal requerimento já depois de designado dia para julgamento de todos os arguidos, este acórdão não retirou validade e eficácia ao despacho de pronúncia dos co-arguidos não recorrentes no que diz respeito à determinação do prazo de duração máxima da prisão preventiva decorrente da decisão instrutória em processo de especial complexidade judicialmente declarada.

VI. As questões relativas ao dever de o juiz de instrução retirar da instrução requerida por um arguido as consequências legalmente impostas a todos os arguidos (artigo 307.º, n.º 4, do CPP) e ao facto de o recurso interposto por um dos arguidos aproveitar aos restantes, em caso de comparticipação [artigo 402.º, n.º 2, al. a), do CPP], bem como à decisão de separação de processos para cumprimento do acórdão da Relação, não podem ser discutidas no âmbito da providência de habeas corpus.

VII. Não tendo havido declaração de qualquer nulidade, nem se verificando a existência de qualquer acto processual de que decorra tal efeito ope legis, susceptíveis de interferir no prazo de duração da prisão preventiva legalmente fixado em função da acusação e da decisão instrutória, impõe-se concluir que, para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, a prisão preventiva do arguido não recorrente se mantém actualmente dentro do prazo legalmente previsto, não se verificando, por conseguinte, a situação a que este preceito se refere.

Decisão Texto Integral:


ACÓRDÃO

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA, arguido, identificado nos autos, preso preventivamente, apresenta petição de habeas corpus, subscrita pelo seu advogado, com o fundamento previsto no artigo 222.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal (CPP), nos seguintes termos (transcrição):

«O arguido AA vem acusado, como autor material, em concurso efetivo e na forma consumada, na prática de um (1) crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, al. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao citado diploma legal, de um (1) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM por referência ao art. 3.º, n.º 1, do RJAM, e de um (1) crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.º 1 e 3, do Código Penal.

Está em situação de preso preventivo juntamente com BB, CC, DD, EE e FF, este último em GG.

Estão ainda constituídos arguidos outros 16 arguidos que estão em liberdade e que para o caso não são relevantes.

Após a Acusação ter sido proferida, o arguido BB requereu a abertura da fase de instrução nos termos e para os efeitos do artigo 287.º do CPP.

Proferida a decisão instrutória, o Tribunal de Instrução Criminal do Porto decidiu pronunciar para julgamento o arguido BB por todos os crimes pelos quais vinha indiciado, juntamente com todos os restantes arguidos nos exatos termos da acusação.

Todavia, o arguido EE requereu também a abertura de instrução que não foi aceite pelo Mma. Juíza por ser intempestiva.

Ora, inconformado com o despacho do Mma. Juíza que decidia intempestiva a abertura de instrução veio o arguido EE interpor recurso do despacho para os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto.

Nesta sequência, o Tribunal da Relação do Porto, decidiu considerar o requerimento de abertura de instrução tempestivo, julgando parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido EE – cfr. doc. 1 que se junta.

Com efeito, o Tribunal da Relação do Porto determinou, em consequência, a revogação do despacho requerido e, por sua vez, ordenou que “o juízo de instrução criminal, 1.ª secção, juiz 3, do Porto profira novo despacho a apreciar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente tendo por base que:

- o prazo de vinte dias para se pedir a instrução se iniciou em princípio em 27/12/2018 e que o prazo, também em princípio, findou em 16/01/2019, com o acréscimo de três dias úteis acima referido;

tudo sem prejuízo de se poder analisar se a notificação não foi enviada em 24/12/2018 mas sim posteriormente ou se a notificação do advogado do recorrente ocorreu em data posterior a 27/12/2018, sem que nada evidencie que esta última dilação ocorreu por sua responsabilidade.”

Ora, considerando a decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto que determina que o juiz de instrução criminal profira novo despacho a apreciar o requerimento de abertura decisão instrutória e, em consequência, a repetição do debate instrutório e a prolação de nova decisão instrutória, entendemos que o prazo de duração máxima da prisão preventiva, relativamente ao arguido AA, foi excedido.

Neste sentido, sublinhe-se, que à ordem do presente processo o arguido foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido a 15/12/2017.

Saliente-se também que o presente processo foi declarado de especial complexidade.

Ora, na sequência da admissão parcial do recurso interposto pelo arguido EE, a repetição da instrução acarreta a violação do prazo de duração máxima da prisão preventiva do arguido AA.

Senão vejamos:

Nos termos e para os efeitos do artigo 215.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do CPP, o prazo máximo da prisão preventiva é elevado para um ano e quatro meses, uma vez que a instrução é admissível e uma vez que o presente processo é de especial complexidade.

Ora, tal como decorre do art.º 307º, nº 4 do CPP a circunstância de a instrução ter sido apenas requerida por um arguido não prejudica o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos, nomeadamente relativamente ao próprio requerente.

Pese embora tal não esteja consagrado explicitamente na lei, afigura-se-nos que a melhor solução é aplicar neste contexto as normas paralelas às dos recursos, formuladas nos arts. 402.º e 403.º do CPP.

Com efeito, impõe o art.º 402.º, nº 2, a), do CPP que o recurso “interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes”.

Quer isto dizer, que impondo-se a um arguido a repetição da instrução então, por maioria de razão, tem de se admitir essa repetição da instrução a todos os arguidos.

Aliás de acordo com Acórdão de fixação de Jurisprudência do STJ proferido em 19/10/1995 “requerida a instrução por um só ou por algum dos arguidos abrangidos por uma acusação, os efeitos daquela estendem-se aos restantes que por ela possam ser afectados, mesma que a não tenham requerido”.

Impõe-se, pois, que o juiz de instrução retire para esta situação as devidas consequências legais impostas a todos os arguidos promovendo a uniformidade da decisão e o princípio da igualdade.

Está constitucionalmente consagrado, no artigo 13.º da CRP o princípio da igualdade, pelo que todos os arguidos em face do Acórdão proferido pela Relação do Porto têm de ter igual tratamento.

Por outro lado, não se pode negar a existência da compartição a que se refere paralelamente o artigo 402.º do CPP, uma vez que tal resulta fortemente indiciado da douta acusação.

Mas mesmo que assim não se entenda, não podemos esquecer que, sendo a acusação deduzida contra vários sujeitos, existe conexão, para efeitos processuais, entres os ilícios, pelo que in casu não se pode impedir de forma alguma a aplicação paralela do artigo 402.º do CPP.

Quer isto dizer que a admissibilidade de abertura de instrução por um arguido implica necessária e seguramente com a defesa do requerente, pelo que este tem de ver o seu direito de defesa salvaguardado.

Mais acresce que com a abertura de instrução um arguido pode apresentar novos factos, logo, o juiz de instrução terá de apreciar esses factos de acordo com o princípio da vinculação temática.

Com efeito, o princípio da vinculação temática assegura que atuação do juiz de instrução respeite o âmbito da instrução definido pelo requerimento de instrução.

Ora, se um arguido ampliar o âmbito da instrução através do requerimento de abertura de instrução, então o arguido requerente terá obrigatoriamente de se pronunciar sobre esse requerimento.

Acontece que após o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a Mm. Juiz de Instrução proferiu o despacho que se junta como doc. 2.

Ora, salvo devido respeito, não pode A Mm. Juiz de Instrução determinar a separação de processos pois o fundamento invocado para a separação de processos não poderá colher.

De facto, não existe nenhum grave risco para a pretensão punitiva do Estado se não se fizer a separação de processos.

Pelo contrário, para se poder fazer um julgamento justo e em que se assegurem todas as garantias de defesa dos arguidos deverá o processo ser mantido como foi desde a sua génese, uno, como um todo.

É que a abertura da instrução por parte do arguido EE não causa nenhum grave risco para a pretensão punitiva do Estado.

Ela pode é acarretar uma modificação na pronúncia de todos os arguidos.

A separação de processos não pode funcionar como uma válvula de escape para colmatar erros ou vícios ocorridos durante o processo.

A pretendida separação de processos mais não é que uma tentativa de manter presos os arguidos apesar de se ter ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva.

Assim, não se pode aceitar, in casu, a separação de processos

Pelo exposto, a repetição da instrução, nomeadamente do debate instrutório e a prolação de nova decisão instrutória, afeta necessariamente o arguido AA.

Do mesmo modo, a repetição da instrução acarreta a violação do prazo imposto pelo artigo 215º nº 1 al. b) e nº 3 do CPP, de duração máxima da prisão preventiva do arguido AA.

Concluímos, pois, que o prazo de prisão preventiva esgotou-se no dia 15 de Abril de 2019, extinguindo-se deste modo tal medida de coação.

Assim, vem o arguido requerer assim a sua imediata libertação, devendo este ficar sujeito a medida de coação não privativa de liberdade.

Nestes termos e face ao supra exposto vem o arguido, muito respeitosamente, requerer a V.Exa. que se digne a considerar extinta a medida de coação de prisão preventiva por excessiva na sua duração e a ordenar a libertação imediata do arguido AA, devendo este ficar sujeito a medida de coação não privativa de liberdade.»

2. Da informação prestada pela Senhora Juiz do processo, a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a prisão, consta o seguinte (transcrição):

«Os arguidos AA e HH, entre outros arguidos, foram detidos em flagrante delito no dia 14 de Dezembro de 2017, pelas 11.30 horas e 09.00 horas, respectivamente (cfr. fls. 5178 a 5186 e 4989 a 5047) e sujeitos ao interrogatório judicial nos termos do art. 1410 do C.P.P. no dia 15/12/2017 (cfr. fls. 5441, 5442, 5445, 5446, 5463, 5464, 5475, 5482 a 5554).

Na sequência desse 1.º interrogatório judicial, foi-lhes aplicada a medida de coacção da prisão preventiva, pela prática fortemente indiciada e reiterada de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º nº 1 do D.L. n.º 15/93 de 22/1, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, para acautelar o indiciado perigo de continuação da actividade criminosa (cfr. fls. 5499 a 5551).

Os arguidos deram entrada no E.P. do Porto no dia 16/12/2017 (cfr. fls. 5644 e 5668).

Os arguidos AA e BB interpuseram recurso deste despacho para o Tribunal da Relação do Porto.

Por douto Ac. da R.P. proferido em 9/5/2018, foram os ditos recursos julgados improcedentes (cfr. fls. 6916 a 6930 verso).

O inquérito foi declarado de excepcional complexidade em 2/2/2018 - cfr. fls. 5993 e 5994.

Em 12/3/2018 (cfr. fls. 6421 a 6423), 7/9/2018 (cfr. fls. 7635), 18/12/2018 (cfr. fls. 9564 a 9574) e 12/3/2019 (cfr. fls. 10189 a 10191), foram efectuados os reexames dos pressupostos da prisão preventiva, que foi mantida.

Em 14/12/2019» [devendo ler-se 14/12/2018, por se tratar de comprovado mero lapso de escrita], «o M.ºP.º proferiu acusação pública em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo, contra os arguidos, BB, CC, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, AA, FF, DD, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, EE, XX e ZZ, imputando-lhes a prática de factos que em seu entender, integram os crimes melhor indicados a fls. 9444 a 9448 (cfr. fls. 9349 a 9500).

Em 18/12/2018 foi efectuado novo reexame dos pressupostos da prisão preventiva (cfr. fls. 9564 e 9573 in fine e 9574), a qual foi mantida.

Em 14/1/2019, o arguido BB (cfr. fls. 9870 a 9891) e em 17/1/2019, o arguido HH (cfr. fls. 9973 a 998), vieram requerer a abertura da instrução, a qual foi declara aberta, por ter sido admitido apenas o RAI apresentado pelo arguido BB (cfr. fls. 10189, 10192 e 10193).

O RAI apresentado pelo arguido AA [devendo ler-se HH, por se tratar de comprovado lapso de escrita] foi julgado extemporâneo por este tribunal (cfr. fls. 10137 a 10139, 10243 a 19250).

O arguido AA [devendo ler-se HH, por se tratar de comprovado lapso de escrita] interpôs recurso de tal decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

Realizou-se o debate instrutório em 25/03/2019 com a participação dos defensores/mandatários de todos os arguidos acusados pelo M.º P.º, atento o disposto no art. 307.º n.º 4 do C.P.P: BB, CC, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, AA, FF, DD, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, HH, XX e ZZ (cfr. fls. 10256 a 10261, 10264, 10272, , 10273 a 10275, 10277 a 10285 -i).

Em 4/4/2019 foi proferida decisão instrutória de Pronúncia do arguido BB pela prática dos factos descritos na acusação pública -cfr. fls. 10309 a 10333.

Como consta na decisão instrutória, a fls. 10327, "No que respeita à repercussão da presente decisão quanto aos restantes arguidos que, notificados da acusação, não requereram a instrução, não existem consequências a retirar, pelo que, relativamente a estes, o processo transita para a fase de julgamento, nos termos do art. 311.º do C.P.P."

A pronúncia e acusação pública, foram recebidas no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 11, que designou data para a audiência de discussão e julgamento, ao longo de diversas sessões, tendo início a primeira sessão em 17/9/2019 pelas 09.30 horas - cfr. fls. 10389 a 10391.

Por douto Ac. da R.P. proferido em 12/6/2019, foi revogada a decisão da 1 a instância que julgou extemporâneo o RAI apresentado pelo arguido HH, pese embora ainda não tivesse sido remetido a este tribunal, o Apenso do recurso - cfr. fls. 10553 a 10559.

O cumprimento do decidido no referido Acórdão da Relação do Porto terá como consequência que a instrução requerida pelo arguido EE, tenha que ser declarada aberta.

Por estar a decorrer o prazo previsto no art. 215.º n.º 3 do C.P.P., em 28/6/2019, foi ordenada a separação de processos, nos termos do art. 30.º n.º 1 b) do mesmo Código para se conhecer apenas do RAI do arguido HH e ordenada a devolução do processo ao Juízo Central Criminal do Porto, J11 - cfr. fls. 10560 a 10573.

Ainda em 28/6/2019 foi ordenada a imediata restituição do arguido AA [devendo ler-se HH, por se tratar de comprovado lapso de escrita] à liberdade - cfr. fls. 10569 a 10573.

Com o devido respeito por opinião contrária, e que é muito, este tribunal entende que é ao tribunal de instrução criminal que, oficiosamente, compete ordenar a separação de processos, por ter que realizar a instrução requerida pelo arguido EE e já não ao tribunal do julgamento.

Pelo exposto, este tribunal entende ser de manter a sujeição do arguido AA, à medida de coacção da prisão preventiva aplicada.»

3. O processo vem instruído com certidão de documentação dos seguintes actos processuais relevantes:

(a) Despacho de validação da detenção efectuada em 14.12.2017, apresentação ao juiz em 15.12.2017 e de aplicação da medida de prisão preventiva em 16.12.2017;

(b) Despacho de 02.02.2018 que declarou a especial complexidade do processo;

(c) Despachos de reexame dos pressupostos da prisão preventiva;

(d) Despacho de acusação do Ministério Público, de 14.12.2018, contra 22 arguidos, entre os quais o agora peticionante AA, a quem é imputada a prática de factos constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, al. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, anexa este diploma legal, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM por referência ao artigo 3.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações posteriores) e de um (1) crime de branqueamento de capitais, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3, do Código Penal;

(d) Requerimento de abertura de instrução apresentado pelo co-arguido BB, em 14.01.2019;

(e) Requerimento de abertura de instrução apresentado pelo co-arguido HH, em 17.01.2019;

(f) Despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo co-arguido HH;

(g) Despacho de declaração de abertura de instrução a requerimento do co-arguido BB;

(h) Requerimento do co-arguido HH, na sequência da notificação do despacho de rejeição da abertura de instrução, em que este pede a rectificação de tal despacho e, não sendo reconhecido lapso quanto à data considerada, argui irregularidade do mesmo despacho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 123.º do CPP, por alegada violação dos n.ºs 1 e 6 do artigo 287.º e dos n.ºs 2 e 14 do artigo 113.º do mesmo diploma;

(i) Acta do debate instrutório;

(j) Decisão instrutória de 04.04.2019, que pronuncia o co-arguido BB pela prática dos factos descritos na acusação e com a qualificação jurídica dela constante e na qual se declara que não existem consequências a retirar relativamente aos outros arguidos, nos seguintes termos: «No que respeita à repercussão da presente decisão quanto aos restantes arguidos que, notificados da acusação, não requereram a instrução, não existem consequências a retirar, pelo que, relativamente a estes, o processo transita para a fase de julgamento, nos termos do art. 311.º do C.P.P.»;

(k) Despacho de 29.04.2019, de saneamento do processo (artigo 311.º do CPP) e que, considerando o elevado número de testemunhas a inquirir, designou as datas da audiência de julgamento (artigos 312.º e 313.º do CPP), em oito sessões, sendo a primeira marcada para o dia 17.09.2019 e a última para o dia 05.11.2019;

(l) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.06.2019 que, conhecendo do recurso, interposto pelo co-arguido HH, do despacho que indeferiu o seu requerimento de rectificação e arguição de irregularidade do despacho que rejeitou o seu requerimento de abertura de instrução [supra, (e) e (h)] concluiu que o requerimento de abertura de instrução fora apresentado em tempo e, em consequência, determinou que fosse proferido novo despacho «a apreciar o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente»;

(m) Pedido do tribunal de instrução ao tribunal do julgamento para que lhe fossem enviados, a título devolutivo, os volumes do processo a partir da acusação, para dar cumprimento ao decidido pelo Tribunal da Relação;

(n) Despacho do juiz de instrução criminal de 28.06.2019 que, com esta finalidade, ordenou a separação do processo relativamente ao co-arguido HH, a extracção de certidão e a organização de processo autónomo para admissão do requerimento de abertura de instrução

7. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, tudo em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II. Fundamentação

8. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição da República consagra, como direito fundamental, o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal, afectando o direito à liberdade – o direito à liberdade física e ao consequente direito de não ser detido, aprisionado ou confinado a um espaço fora das condições legais.

O habeas corpus, que pode ser requerido pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (n.º 2 do artigo 31.º da Constituição), consiste numa providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão “contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade”, “em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade”, sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 31.º, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, anotação ao artigo 31.º, p. 303, 343-344).

Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança. Exceptua-se desta regra a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, em que se inclui a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos [n.º 3, al. b)].

De acordo com o artigo 28.º, a prisão preventiva tem natureza excepcional e está sujeita aos prazos previstos na lei. A prisão preventiva constitui uma medida de coacção que só pode ser aplicada por um juiz, que, em despacho fundamentado, verifica o preenchimento dos respectivos requisitos e pressupostos legais de admissibilidade, necessidade, adequação e proporcionalidade (artigos 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 5, e 202.º do CPP).

9. A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no artigo 215.º do CPP, a contar do seu início, findos os quais se extingue. Não tendo havido condenação em 1.ª instância, estes prazos são de quatro meses até à dedução de acusação, de oito meses até ser proferida decisão instrutória, se houver instrução, e de um ano e dois meses até à condenação, os quais são elevados para seis meses, dez meses e um ano e seis meses, respectivamente, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de máximo superior a 8 anos ou por um dos crimes indicados nas alíneas do n.º 2 do artigo 215.º. Quando o procedimento se revelar de especial complexidade, por qualquer destes crimes, e estando o processo em 1.ª instância, os prazos são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses e dois anos e seis meses, devendo a complexidade ser judicialmente declarada, por despacho fundamentado do juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvido o arguido e o assistente (n.ºs 3 e 4 do mesmo preceito).

Enquanto a elevação do prazo pelo tipo de crime (n.º 2 do artigo 215.º) decorre directamente da lei, a elevação do prazo por via da excepcional complexidade depende de decisão judicial fundamentada (artigo 97.º, n.º 5, do CPP) que declare verificada, em concreto, essa complexidade, em função do critério material da previsão aberta da parte final do n.º 3 do artigo 215.º do CPP, que a pode justificar, nomeadamente, por razões decorrentes do elevado número de arguidos ou de ofendidos ou do carácter altamente organizado do crime.

Tendo em vista o efectivo controlo da necessidade da prisão preventiva, na consideração das exigências decorrentes do princípio da presunção de inocência e do carácter excepcional da medida, o artigo 213.º do CPP impõe ao juiz o dever de proceder oficiosamente ao reexame dos pressupostos que justificaram a sua aplicação, decidindo se deve ser substituída por outra medida de coacção ou revogada, em qualquer momento e, em todo o caso, no prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame e ainda quando for proferido despacho de acusação ou de pronúncia, sem prejuízo do direito que ao arguido sempre assiste de suscitar tal reexame.

As decisões relativas à aplicação e reexame da prisão preventiva, bem como à declaração da excepcional complexidade do processo, podem ser impugnadas por via de recurso (ordinário), nos termos gerais (artigos 219.º e 399.º e segs. do CPP), designadamente quanto aos pressupostos e às questões processuais que lhes digam respeito, sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus por virtude de prisão ilegal com abuso de poder (artigos 31.º da Constituição e 222.º a 224.º do CPP), com os fundamentos taxativamente enumerados no n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

10. Tratando-se de um caso de alegada prisão ilegal, é aplicável o artigo 222.º do CPP, que dispõe:

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

11. Como tem sido reiteradamente sublinhado na jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, a providência de habeas corpus constitui uma medida extraordinária ou excepcional de urgência (no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de impedir ou reagir contra prisão ou detenção ilegais) perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei; não constitui um recurso tendo por objecto actos do processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs. do CPP). A providência não se destina a apreciar erros de direito nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade [cfr., por todos, o acórdão de 04.01.2017 (Raul Borges), no processo n.º 109/16.9GBMDR-B.S1, e jurisprudência nele citada, e o acórdão de 02.11.2018, no processo n.º 78/16.5PWLSB-B.S1, em www.dgsi.pt].

A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe a actualidade da ilegalidade da prisão reportada ao momento em que é apreciado o pedido, como igualmente tem decidido este Tribunal (assim, por todos, o mencionado acórdão de 02.11.2018 e jurisprudência nele citada).

À luz deste princípio, o que está em causa, neste caso, é a questão da legalidade da actual situação de privação de liberdade do peticionante, tendo em conta o prazo de duração máxima aplicável, de modo a apurar-se da verificação do alegado fundamento do pedido.

12. Como tem sido salientado e resulta actualmente inquestionável face ao n.º 2 do artigo 219.º do CPP, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a providência de habeas corpus, como meio de reacção contra a prisão ilegal, não é incompatível com o recurso ordinário da decisão que aplica ou mantém a prisão preventiva, ou quanto a decisões sobre questões de natureza processual que possam afectar a situação de privação da liberdade, o qual constitui o meio de reacção contra a prisão injustificada, sendo, pois, diferentes os seus pressupostos (assim, Maia Costa, comentário ao artigo 222.º, Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, 2.ª ed., Almedina, 2016, e também, no mesmo sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira e Jorge Miranda/Rui Medeiros, loc. cit.). A diversidade do âmbito de protecção do habeas corpus e do recurso ordinário (garantia do duplo grau de jurisdição) configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, numa relação de complementaridade, em que aquela providência permite preencher um espaço de protecção para além das garantias oferecidas pela validação judicial da detenção e do recurso ordinário.

A densificação e concreta definição do conceito de «ilegalidade da prisão», como fundamento e para efeitos da providência de habeas corpus, encontram expressão exaustiva nas alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa – a prisão será ilegal se tiver sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente, se tiver sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou se se mantiver para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial.

13. É, pois, neste quadro – como se salientou, designadamente, no acórdão de 09.01.2019, Proc. n.º 589/15.0JALRA-D.S1 (sumário em www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_sumarios_janeiro_2019.pdf) –, que, no âmbito da providência de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode e deve verificar se a prisão resultou de uma decisão judicial, se a privação da liberdade foi motivada pela prática de um facto que a admite e se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial. Caberá, porém, ao tribunal de recurso, que é, em regra, o tribunal da Relação, apreciar todas as questões de facto e de direito de que pode conhecer uma decisão objecto de recurso (n.º 1 do artigo 410.º do CPP) – tratando-se de decisão de aplicação ou de manutenção da prisão preventiva, é deste tribunal a competência para reapreciar se existem fortes indícios da prática dos factos imputados ao arguido, bem como a respectiva qualificação jurídica, pelo preenchimento dos elementos do tipo de crime em questão, e para verificar a presença dos fundamentos de necessidade, adequação e proporcionalidade legalmente exigíveis, bem como da persistência dos motivos e pressupostos de legalidade que a justificam (artigos 202.º, 204.º e 213.º do CPP).

A providência de habeas corpus – não condicionada pela via ordinária de recurso – permite ainda que se efective o controlo de situações graves ou grosseiras, imediatamente identificáveis e “clamorosamente ilegais” (na expressão do acórdão deste Tribunal de 3.7.2001, Colectânea, Acórdãos do STJ, II, p. 327), de violação do direito à liberdade.

14. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP, dos documentos juntos e da informação e esclarecimentos complementares solicitados pelo relator resulta esclarecido, em síntese, com relevância para a apreciação e decisão da petição, que:

¾ O arguido, agora peticionante, encontra-se em prisão preventiva em virtude de aplicação desta medida de coacção por despacho do juiz de instrução de 16 de Dezembro de 2017.

¾ Em 14 de Dezembro de 2018, foi proferido despacho de acusação, imputando-lhe a prática, em concurso, de factos constitutivos de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, e 24.º, al. b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C anexa, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao artigo 3.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Armas e Munições (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações posteriores) e de um (1) crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3, do Código Penal.

¾ Houve lugar a instrução, a requerimento do arguido BB, no final da qual foi proferida decisão instrutória que pronunciou este arguido pelos factos e pelos crimes que constam da acusação do Ministério Público.

¾ Foi também apresentado um requerimento de abertura de instrução pelo arguido HH, o qual foi, porém, rejeitado.

¾ O peticionante não requereu instrução.

¾ A decisão instrutória considerou não haver «consequências a retirar» quanto aos outros arguidos, pelo que, quanto a estes, o processo transitou também para a fase de julgamento, nos termos do artigo 311.º do CPP.

¾ Por despacho de 29.04.2009, o presidente do tribunal de julgamento procedeu ao saneamento do processo, pronunciou-se no sentido da inexistência de quaisquer questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito, «recebeu» a pronúncia do arguido BB e a acusação contra os demais arguidos, designou as datas para julgamento e procedeu à revisão das medidas de coacção, mantendo a prisão preventiva dos cinco arguidos sujeitos a esta medida, incluindo o agora requerente AA.

¾ Depois deste despacho, foi proferido o acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto de 12.06.2019, que, dando provimento a um recurso do arguido EE– recurso de decisão da juíza de instrução que, por o considerar extemporâneo, rejeitou o seu requerimento de abertura de instrução –, determinou que fosse proferido novo despacho «a apreciar o requerimento de abertura de instrução» apresentado por este recorrente.

¾ Para cumprir o determinado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a juíza de instrução solicitou o processo ao tribunal de julgamento e determinou a organização de um processo autónomo para conhecer o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido HH, ordenando a separação de processos nos temos do artigo 30.º, n.º 1, al. b), do CPP, em virtude de «a conexão poder representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado».

15. Na petição da presente providência de habeas corpus, alega o peticionante em substância e em síntese, que «a repetição do debate instrutório e a prolação de nova decisão instrutória», na sequência do decidido pelo Tribunal da Relação do Porto quanto ao recurso do arguido HH, tem por consequência a violação do prazo máximo da prisão preventiva a que se encontra sujeito, pois que, «nos termos do art.º 307.º, n.º 4 do CPP a circunstância de a instrução ter sido apenas requerida por um arguido não prejudica o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos, nomeadamente relativamente ao próprio requerente», apesar de entender que «pese embora tal não esteja consagrado explicitamente na lei» se lhe «afigura» que «a melhor solução é aplicar neste contexto as normas paralelas às dos recursos, formuladas nos arts. 402.º e 403.º do CPP». O que, na tese do requerente, significa que «impondo-se a um arguido a repetição da instrução então, por maioria de razão, tem de se admitir essa repetição da instrução a todos os arguidos», por respeito ao «princípio da igualdade» (artigo 13.º da Constituição), pois que se verifica uma situação de «comparticipação», que em recurso implica que os resultados deste aproveitem aos comparticipantes não recorrentes [artigo 402.º, n.º 1, al. a), do CPP] e que determina a conexão de processos a que a juiz de instrução não poderia pôr termo, ordenando a separação, e que não se mostra justificada por grave risco da pretensão punitiva do Estado.

Ou seja, na alegação do requerente, determinada a apreciação do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido EE, o processo deveria, todo ele, regressar à fase de instrução, uma vez que os efeitos desta se devem estender a todos os arguidos, incluindo o requerente, e, assim sendo, mostrar-se-ia ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva a considerar no caso, uma vez que deixaria de haver motivo de elevação dos prazos de 1 ano e de 1 ano e 4 meses para 2 anos e 6 meses [artigo 215.º, n.º 1, al. a), b) e c), n.º 2 e n.º 3, do CPP]. E, assim sendo, estando ultrapassado aquele prazo de prisão preventiva estabelecido por referência às datas da acusação e da decisão instrutória, o requerente encontrar-se-ia em prisão ilegal por excesso do prazo previsto na lei.

16. Estando o arguido acusado da prática de crimes de tráfico de estupefacientes agravado e de branqueamento, que constituem formas de «criminalidade altamente organizada», na definição do artigo 1.º, al. m), do CPP, e tendo o processo sido declarado de especial complexidade, os prazos máximos de prisão preventiva, que se iniciou no dia 16 de Dezembro de 2017, são de 1 ano sem que tenha sido deduzida acusação, 1 ano e 4 meses até que seja proferida decisão instrutória e de 2 anos e 6 meses até que seja proferida decisão de condenação em 1.ª instância [artigo 215.º, n.º 1, al. a), b) e c), n.º 2 e n.º 3, do CPP, cit.].

Tendo sido deduzida acusação em 14.12.2018, dentro do prazo de 1 ano, proferida decisão instrutória em 04.04.2019, dentro do prazo de 1 ano e 4 meses, o prazo máximo a ter em conta passou, pois, a ser o de 2 anos e 6 meses [artigo 215.º, n.º 1, al. c), n.º 2 e n.º 3, do CPP], cujo termo só será atingido em 15.06.2020.

Só assim não seria se a decisão instrutória ficasse desprovida de validade e eficácia, nos termos e por força do acórdão posterior do Tribunal da Relação, caso em que teriam de ser considerados os prazos de 1 ano, e de 1 ano e 4 meses, já ultrapassados. O que não sucede.

17. Na argumentação do requerente, esta (implícita) perda de validade e eficácia da decisão de pronúncia seria uma consequência, que se imporia a todos os arguidos, do acórdão do Tribunal da Relação que mandou apreciar o requerimento de abertura de instrução relativamente a um dos arguidos, fundando o argumento no artigo 307.º, n.º 4, do CPP, que obriga o juiz de instrução a retirar da instrução requerida por um arguido as consequências legalmente impostas a todos os arguidos, e no 402.º, n.º 2, al. a), do mesmo diploma, segundo o qual o recurso interposto por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes.

Estas disposições impõem, em ambos os casos, uma pronúncia do juiz, uma apreciação judicial que reconheça, em concreto, qualquer destas consequências.

O mesmo sucede quanto a questões que possam suscitar-se a propósito da competência e do mérito do despacho que ordenou a separação do processo quanto ao arguido EE, pondo termo à conexão.

Trata-se, em qualquer caso, de questões relativas à validade e eficácia de actos processuais, as quais devem ser analisadas e discutidas no âmbito do processo, com as consequências que deles devam resultar em conformidade com o regime aplicável a esses actos e com as consequências que devam extrair-se em função da concreta verificação da desconformidade com as regras do processo, nomeadamente do disposto nos artigos 118.º a 123.º do CPP.

Assim, qualquer controvérsia a propósito dos temas a que se dirigem as questões suscitadas pelo requerente constitui matéria do âmbito dos recursos ordinários, que não do âmbito dos fundamentos da providência de habeas corpus, que, como anteriormente se recordou, se limitam taxativamente à previsão das alíneas a) a c) do n.º 2 do CPP.

18. No que agora releva, como anteriormente se observou, importa apenas averiguar se ocorre qualquer das situações previstas nesta disposição legal. Subtraídas que se encontram ao regime do habeas corpus, é em sede de recurso, enquanto componente do direito de defesa constitucionalmente assegurado (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), que as questões suscitadas devem debater-se e nele serem extraídas as consequências necessárias quanto ao direito à liberdade (artigo 219.º do CPP).

Como se afirmou no acórdão de 16.05.2019, no processo n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1 (em www.dgsi.pt) «a providência de habeas corpus não é o meio próprio para arguir ou conhecer de eventuais nulidades, insanáveis ou não, ou de irregularidades, cometidas na condução do processo ou em decisões nele proferidas (artigos 118.º a 123.º do CPP)».

19. Considerou-se a este propósito no acórdão de 04.01.2017 (Raul Borges), no processo n.º 109/16.9GBMDR-B.S1 (citado no acórdão de 9 de Janeiro de 2019, processo 589/15.0JALRA-D.S1, acima referido, em www.dgsi.pt): «Como se pode ler no acórdão do STJ, de 16 de Julho de 2003, proferido no processo n.º 2860/03-3.ª, (…) «os fundamentos da providência [de habeas corpus] revelam que a ilegalidade da prisão que lhes está pressuposta se deve configurar como violação directa e substancial e em contrariedade imediata e patente da lei: quer seja a incompetência para ordenar a prisão, a inadmissibilidade substantiva (facto que não admita a privação de liberdade), ou a directa, manifesta e autodeterminável insubsistência de pressupostos, produto de simples e clara verificação material (excesso de prazo)»; «deste controlo estão afastadas todas as condicionantes, procedimentos, avaliação prudencial segundo juízos de facto sobre a verificação de pressupostos, condições, intensidade e disponibilidade de utilização in concreto dos meios de impugnação judicial». Afirmando-se no acórdão de 5 de Maio de 2009, processo n.º 665/08.5JAPRT-A.S1, citado no acórdão de 16-05-2019, processo n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1 (in www.dgsi.pt): «no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas têm de se aceitar os efeitos que os diversos actos produzam num determinado momento – princípio da actualidade – retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados»; a providência de habeas corpus «não pode decidir sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso dos actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos ou dos modos processualmente disponíveis e admissíveis de impugnação; «a medida não pode ser utilizada para impugnar irregularidades processuais ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o processo ou o recurso como modo e lugar próprios para a sua reapreciação». Neste sentido, que constitui jurisprudência reiterada, cfr., para além dos já citados, os acórdãos de 21 de Setembro de 2011, processo n.º 96/11.0YFLSB; de 9 de Fevereiro de 2012, processo n.º 927/1999.0JDLSB-X.S1; de 6 de Fevereiro de 2013, processo n.º 109/11.5SVLSB.S1; de 13 de Fevereiro de 2013, processo n.º 311/10.7TAGRD-A.S1; de 10 de Abril de 2013, processo n.º 992/12.7GCALM-A.L1.S1; de 17 de Abril de 2013, processo n.º 308/10.7JELSB-F.S1; de 19 de Junho de 2013, processo n.º 69/13.8YFLSB.S1; de 2 de Agosto de 2013, processo n.º 82/13.5YFLSB.S1; de 25 de Setembro de 2013, processo n.º 964/07.3JAPRT-B.S1 e de 8 de Novembro de 2013, processo n.º 115/13.3JAPRT-B.S1, todos desta Secção, podendo ler-se neste último:

«Esta providência não constitui, assim, um meio de impugnação de decisões judiciais, uma espécie de sucedâneo “abreviado” dos recursos ordinários, ou mesmo um recurso “subsidiário”, antes um mecanismo expedito que visa pôr fim imediato às situações de privação da liberdade que se comprove serem manifestamente ilegais, por ser a ilegalidade diretamente verificável a partir dos factos documentalmente recolhidos no âmbito da providência. Não é, pois, o habeas corpus o meio próprio de impugnar as decisões processuais ou de arguir nulidades e irregularidades eventualmente cometidas no processo, (…) decisões essas cujo meio adequado de impugnação é o recurso ordinário. O habeas corpus, insiste-se, não pode revogar ou modificar decisões, ou suprir deficiências ou omissões do processo. Pode, sim, e exclusivamente, apreciar se existe, ou não, uma privação ilegal da liberdade motivada por algum dos fundamentos legalmente previstos para a concessão de habeas corpus, e, em consequência, determinar, ou não, a libertação imediata do recluso. O que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso». Igualmente «neste sentido, os acórdãos desta Secção de 30 de Dezembro de 2013, processo n.º 379/13.4TXPRT-G.S1, de 25-06-2014, processo n.º 35/14.6YFLSB.S1, de 08-08-2014, processo n.º 1042/13.1SELSB-B.S1, de 20-11-2014, processo n.º 59/08.2PFBRR-A.S1, de 21-01-2015, processos n.º 9736/08.7TDPRT-3.ª e n.º 9/15.0YFLSB.S1, de 6-05-2015, processo n.º 53/15.7YFLSB.S1, de 17-06-2015, processo n.º 122/13.8TELSB-P.S1-3.ª, de 28-10-2015, processo n.º 95/14.0T9STS-E.A.S2-3.ª, de 5-08-2016, processos n.º 51/16.3YFLSB.S1 e 52/16.1YFLSB.S1-3.ª.»

20. Relembrando os actos do processo com relevância, verifica-se que, tendo sido proferida decisão instrutória e tendo em consideração as formas de criminalidade em causa e a declaração da especial complexidade do processo, a referência que, por força do princípio da actualidade, importa ter presente para efeitos de determinação do prazo máximo de prisão preventiva remete para a previsão da alínea c) do n.º 1, do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 215.º do CPP.

Assim sendo, não tendo havido declaração de qualquer nulidade, nem se verificando a existência de qualquer acto processual de que decorra tal efeito ope legis, susceptíveis de interferir no prazo de duração da prisão preventiva legalmente fixado em função da acusação e da decisão instrutória, que passou a ser de 2 anos e 6 meses a contar de 15 de Dezembro de 2017, está ainda longe de ser atingido o seu termo.

21. Nesta conformidade, impõe-se concluir que, para efeitos da alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, a prisão preventiva do arguido se mantém actualmente dentro do prazo legalmente previsto, não se verificando, por conseguinte, a situação de excesso de prazo a que este preceito se refere. Esta conclusão, como se afirmou, não prejudica o uso das vias processuais próprias de impugnação e recurso quanto às questões processuais que o requerente considere resultarem do acórdão do Tribunal da Relação.

A prisão preventiva foi ordenada e mantida por um juiz e imposta mediante verificação judicial dos pressupostos de que depende a sua aplicação, mostrando-se, assim, também excluída qualquer das situações referidas nas al. a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito.

Em consequência, carece o pedido de fundamento, devendo ser indeferido.

III. Decisão

22. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3 e 4, alínea a), do artigo 223.º do CPP, acordam os juízes da secção criminal em indeferir o pedido por falta de fundamento bastante.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Julho de 2019.

Lopes da Mota (Relator)

Vinício Ribeiro