Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
859/12.9GESLV.E!.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: RECURSO PENAL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
PENA DE PRISÃO
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
LEI APLICÁVEL
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
REJEIÇÃO DE RECURSO
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
AQUISIÇÃO DE MOEDA FALSA
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
ILICITUDE
CULPA
PLURIOCASIONALIDADE
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 02/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:
PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO - RECURSOS.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, 290-292.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1 E 2, 400.º, N.º1, AL. F), 414.º, N.ºS 1, 2 E 3, 417.º, N.ºS 2 E 6, AL. B), 420.º, N.º1, AL. B), 427.º, 432.º, N.º1, ALS. B) E C), 433.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 71.º, 77.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º1.
Referências Internacionais:
CEDH: - ARTIGO 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 17.12.69 IN BMJ 192, 192, E DE 10.12.1986, IN BMJ 362, 474.
-DE 11.10.2006 E DE 15.11.2006, PROC. N.º 1795/06 E PROC. N.º 3268/04 - 3ª SECÇÃO.
-08.11.2006, PROC. N. 3113/06 - 3.ª SECÇÃO.
-DE 11.07.2007, PROC. N.º 2427/07 - 3.ª SECÇÃO,
-PROC. Nº 9/07.3GAPTM.S1, WWW.DGSI.PT
-DE 06.02.2008, PROC. N.º 4454/07
-DE 29.05.2008, PROC. Nº 1313 - 5.ª SECÇÃO.
-DE 18.06.2008, PROC. N.º 1624/08 - 3.ª SECÇÃO.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 14/2013, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA Nº 219, SÉRIE I ,DE 12 DE NOVEMBRO DE 2013.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-DE 14.08.2009, Nº 424/2009; DE 15.12. 2009; DE 04.04.2013, N.º 543/12.
Sumário :
I - Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais da Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para o STJ, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.

II - O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, que não demanda o seu exercício em mais de um grau, satisfazendo-se com a reapreciação, em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e estabelecido na lei, situado num plano superior àquele de que se recorre, como também resulta do art. 13.º da CEDH. A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável ao arguido.

III - Houve uma confirmação in mellius das penas parcelares, que sendo já na 1.ª instância inferiores a 8 anos de prisão, ainda foram reduzidas pela Relação. Perante as penas parcelares aplicadas, todas inferiores a 8 anos de prisão, e atenta a confirmação in mellius pela Relação, o recurso quanto às penas parcelares é inadmissível.

IV - Sendo um acórdão irrecorrível, no âmbito das penas parcelares, as questões que lhe subjazem, sejam elas de inconstitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, quer referentes às ilicitudes, responsabilidade criminal ou medida das penas, enfim das questões referentes às razões de facto e de direito da condenação em termos penais, não poderá o STJ conhecer.

V - Importante na determinação concreta da pena conjunta é a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permite aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.

VI - São intensas as exigências de prevenção geral, face à natureza dos bens jurídicos atingidos (crimes de tráfico de estupefacientes, aquisição de moeda falsa e detenção de arma proibida), a elevada gravidade dos mesmos, e modo de execução e tempo de actuação no domínio dos estupefacientes, a quantidade de notas falsas apreendidas, reportadas a valor numérico facial elevado, que o arguido pretendia colocar em circulação, a natureza e variedade de armas apreendidas que detinha irregularmente.

VII - As exigências de prevenção especial e a culpa são intensas, contudo a dinâmica relacional e familiar é pautada por consistentes laços afectivos e sentimentos de ajuda e no decurso da reclusão o arguido tem protagonizado um comportamento globalmente positivo. Afigura-se ajustada a pena única de 8 anos de prisão, em substituição da pena de 8 anos e 6 meses aplicada pelo Tribunal da Relação.
Decisão Texto Integral:

 

       Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


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            No processo comum nº 859-12.9GESLV.do extinto 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves foram julgados em tribunal colectivo os arguidos AA e BB, nos autos identificados, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21 do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.1, um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 86 da Lei n.º 5/2006, e de um crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, p. e p. pela alínea a) do n.º 1 do artº 266 do Código Penal, na sequência de acusação formulada pelo Ministério Público, vindo a final, a ser proferido acórdão que decidiu:

1) Absolver o arguido BB da prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 86 da Lei n.º 5/2006, e de um crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, p. e p. pela alínea a) do n.º 1 do art.º 266 do Código Penal;

2) Condenar o arguido BB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21 do Dec.- Lei n.º 15/93, de 22.1, na pena de 5 anos de prisão;

3) Condenar o arguido AA:

- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21 do Dec.¬Lei n.º 15/93, de 22.1, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela alínea c) do nº 1 do art.º 86 da Lei n.º 5/2006, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

- pela prática de um crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, p. e p. pela alínea a) do n.º 1 do art;º 266 do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão;

 - e, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 anos de prisão;

4) Ordenar a expulsão do arguido de AA de Portugal por 10 anos.”


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            Recorreram então os arguidos para o Tribunal da Relação de Évora, que, por decisão de 30 de Setembro de 2014, da sua 1ª Subsecção Criminal, acordou:

“1) em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido Jorge Quitéria e, consequentemente, confirmar, quanto a ele, o acórdão recorrido;

2) em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente:

- em reduzir a pena aplicada relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes para seis anos e seis meses de prisão;

- em reduzir a pena aplica relativamente ao crime de detenção de arma proibida para dois anos e seis meses de prisão;

- em reduzir a pena aplicada relativamente ao crime de aquisição de moeda falsa para um ano e três meses de prisão;

- em reduzir a pena aplicada a este arguido, em cúmulo, para oito anos e seis meses de prisão;

- em revogar a pena acessória de expulsão decretada quanto a este arguido;

3) Em manter, quanto ao mais, o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido BB,[…]”


-

            Ainda inconformado, recorreu o arguido AA para este Supremo Tribunal, apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

           

“1. Incorreu o douto acórdão recorrido em omissão de pronúncia ao ter apreciado as questões apresentadas pelo recorrente em sede de  resposta ao parecer do MP junto do TRE, nos termos conjugados da alínea b) do n.ºl do artigo 379º e n.º4 do artigo 425º, ambos do CPP, ou seja, deixou de conhecer de questões que devia ter apreciado.

2. O recorrente apontou ao acórdão da 1ª instancia a violação do n.º2 do artigo 374º do CPP, ou seja, a falta ou insuficiência de critico.

3. Questão que o douto acórdão recorrido não apreciou.

4. Colocou ainda o recorrente na sua resposta ao parecer do MP junto do Tribunal recorrido a questão da proibição da valoração da prova por declarações de arguido em sede de 1º interrogatório judicial em sede de inquérito.

5. Sempre se dirá, que o acórdão da 1ª instância não procedeu ao necessário e exigente critico como determina o n.º 2 do artigo 374º do  CPP;

6. Na verdade, quanto aos factos ocorridos no período que vai do Verão de 2012 a 5.6.2013 não se explica como se surpreendeu o ora recorrente num qualquer ato de tráfico.

7. Acresce, que o tribunal não indicou, resumiu ou examinou criticamente o depoimento de várias testemunhas de acusação.

8. É assim nulo o douto acórdão proferido pela l' instância, nos termos da alínea a), do nº l, do artigo 379º e nº2 do art. 374º do CPP.

9. É proibida a valoração das declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito e no âmbito do 1º interrogatório judicial.

10. É que não obstante o cumprimento da alínea b) do n:º4 do artigo 141º do CPP, não se cumpriram também os artigo 355º e alínea b) do n.º 1 do artigo 357º do CPP.

11.A pena única deve ficar pelos 7 anos de prisão.

12.Aplicando antes um coeficiente de compressão de cerca de 1/6 dos 45 meses remanescentes.

NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO.

VEXAS FARÃO SEMPRE JUSTIÇA!


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Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público à motivação de recurso sintetizando em conclusão, que

“- o recurso interposto pelo recorrente AA deverá, no que tange às nulidades que ao acórdão aponta, ser julgado manifestamente improcedente e, como tal, deve ser rejeitado - Código de Processo Penal, artigo 420°, n.º 1, alínea a), e

- quanto à medida da pena única, o acórdão recorrido deverá ser confirmado, por não violar nenhum dos normativos invocados pelo recorrente, antes comportando uma decisão justa, equilibrada e proporcional, a resposta que a comunidade tem por adequada aos factos cometidos, sua gravidade e consequências.

Vossas Excelências, porém, decidirão como for de Justiça!”


-.         

Neste Supremo, a Digma Magistrada do Ministério Público emitiu douto Parecer onde, além do mais refere:.

“Às questões que o recorrente levou às conclusões de recurso, o tribunal ora recorrido apreciou-as, na sua integralidade, decidiu-as e concedeu parcial provimento a algumas delas. Não podia, era tomar em consideração as matérias que o recorrente levou, inovatoriamente, à resposta dada ao parecer do MºPº, nos termos e para os efeitos do art. 417.º, n.º 2 do CPP, sob pena de incorrer na nulidade de excesso de pronúncia.

Aliás, o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação não é passível de modificação, nos termos e para os efeitos dos n.º s 3 e 4 do mesmo preceito.

Mutatis mutandis, a mesma regra tem de aplicar-se à resposta do recorrente ao parecer emitido pelo MºPº.

Ora, a problemática que o recorrente traz agora à decisão deste Supremo Tribunal foi introduzida, não na motivação do recurso e respectivas conclusões, mas sim num aproveitamento expúrio e inadmissível da oportunidade concedida pela lei para responder e contestar o conteúdo do parecer do MºPº e nada mais.

            O Acórdão recorrido procedeu bem, de acordo com as regras processuais penais, supra referidas, não tomando conhecimento de matéria trazida de novo pelo recorrente na resposta ao parecer do MºPº, matéria não contemplada nem na motivação nem nas respectivas conclusões do recurso por si interposto, sob pena de nulidade por excesso de pronúncia.

            Por outro lado, é manifestamente irrelevante a matéria levada às conclusões 5ª a 8ª, inclusive, relativa a pretensas nulidades de que padeceria o acórdão proferido na 1ª instância.

            O STJ aprecia e decide do recurso interposto pelo arguido do Acórdão do Tribunal da Relação ora sub judice e não das invocadas nulidades da decisão da 1ª instância, objecto já de apreciação e decisão por aquele referido Acórdão, do Tribunal da Relação de Évora.

            O recorrente não optou pelo recurso per saltum para o Supremo Tribunal mas, sim, decidiu sujeitar ao crivo do Tribunal da Relação a decisão da 1ª instância e, por isso, é apenas e tão só sobre este Acórdão da Relação de Évora que o STJ deve e tem de se pronunciar.

            É manifestamente improcedente a matéria levada pelo recorrente às conclusões 1ª a 10ª, inclusive, da respectiva motivação, pelo que deve o recurso, nesta parte, ser rejeitado, nos termos dos arts. 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP.

            4.2. Quanto à medida da pena única aplicada, ela foi já objecto de adequação e proporcionalidade à sua personalidade, gravidade dos factos cometidos e à sua elevada ilicitude, não se captando, na decisão recorrida, factos que diminuam relevantemente a culpa intensa com que actuou.

            Aderindo, inteiramente, à fundamentação exposta no Acórdão ora recorrido, dela se regista, com a devida vénia:

            “Tomando em consideração, por um lado, os factos — apreciados na sua globalidade, enquanto reveladores da dimensão e gravidade global do comportamento do arguido, ou seja, a natureza e o número de crimes praticados, a sua gravidade e a conexão que existe entre eles, circunstâncias que bem revelam a tendência criminosa do arguido (veja-se o período durante o qual praticou tais crimes e a ausência de qualquer outra fonte de rendimentos que lhe garanta subsistência) — por outro, a personalidade do arguido, que se afere pelo modo como organiza a actividade de tráfico (chegando ao ponto de contratar um terceiro como empregado para uma loja de peças de automóvel para desse modo dar uma aparência lícita à atividade que desenvolvia) e pela postura que assumiu perante tais condutas, cuja gravidade não interiorizou, impõe-se a aplicação de uma pena que, pela sua severidade, faça sentir ao arguido a gravidade das suas condutas e, consequentemente, seja suficientemente dissuasora da prática, no futuro, de idênticos comportamentos, pena que — perante o que se deixa exposto — se fixa em oito anos e seis meses de prisão”.

            A pena única aplicada é muito favorável, tendo em consideração toda a factualidade fixada no Acórdão recorrido e as necessidades prementes de prevenção geral e especial, devendo manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

            5. Pelo exposto, emite-se Parecer no sentido da rejeição liminar do recurso quanto às matérias levadas às conclusões 1ª a 10ª, inclusive, nos termos dos arts. 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP, e do não provimento do recurso quanto à pretensão de diminuição da pena única aplicada, de 8 anos e 6 meses de prisão.,”


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            Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, tendo o arguido AA,  apresentado resposta onde, além do mais, refere que:

“Conforme resulta da motivação de recurso e respetivas conclusões, o ora recorrente coloca em crise o douto acórdão recorrido por não ter conhecido da nulidade prevista no disposto na al. a) do n.º1 do art.º 379º do CPP e de uma proibição de valoração de declarações prestadas em sede de inquérito fora das condições previstas nos artigos 355º e 357º do CPP.

[…]Facto que configura, salvo o devido respeito por outra posição, a nulidade por omissão de pronúncia prevista da alínea b) do n.º1 do artigo 379º e n.º4 do artigo 425º, ambos do CPP.

Esse dever de conhecimento, também se impunha, salvo sempre o devido respeito por outra posição, quanto à proibição de valoração de prova alegada pelo recorrente.

Na verdade, o acórdão de 1ª instância  levou à sua fundamentação de facto declarações prestadas pelos arguidos em sede de 1º interrogatório sem que fosse cumprido o disposto no art.º 357º do CPP.

[…]

Assim se conclui, que o douto acórdão recorrido não podia deixar de conhecer da questão que lhe foi colocada ainda que fora do âmbito do recurso.

Defende o douto parecer a que agora se responde a manutenção da decisão recorrida quanto à pedida diminuição da pena única aplicada pelo acórdão recorrida.

A pena única aplicada resulta da adição à maior das penas parcelares de metade da soma das restantes.

Entende o recorrente, que essa compressão deve ser bem superior, ou, em qualquer caso, nunca inferior a 1/3.

Nestes termos, mantendo a motivação de recurso e respetivas conclusões, deve o recurso merecer provimento.”


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            Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após os vistos legais.

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            Consta do acórdão da Relação:

“6. No acórdão recorrido deram-se como provados os seguintes factos:

1. Desde finais do verão de 2012, e até 5.6.2013, os arguidos dedicaram-se à venda de liamba e haxixe, na zona de Armação de Pêra, fazendo-o o arguido BB com estupefacientes fornecidos pelo arguido AA, o qual vendia haxixe em placas de 50 e 100 gramas e tinha montada uma estufa com plantação de liamba na casa que ambos ocupavam, tal como já havia anteriormente feito numa outra casa.

2. O arguido AA, por fim, movimentava e tinha consigo para venda mais de 5 quilogramas de haxixe em placas de 100 gramas, bem como 315 pés de liamba na estufa.

3. O arguido BB habitava aquela casa, tratava da plantação e era empregado na loja de venda de peças de automóvel do arguido AA, dividindo em menores quantidades e vendendo os estupefacientes que lhe tinha adquirido, bem como pequenas quantidades de cocaína.

4. Os arguidos sabiam que a plantação de liamba, bem como a sua venda, tal como a do haxixe e da cocaína, são proibidas; não obstante, agiram de forma livre, deliberada e consciente, querendo proceder àquela plantação e vendas.

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5. No dia 5.6.2013, na residência situada na Rua ..., o arguido AA tinha consigo 143 notas de 200 euros, idênticas às genuinamente emitidas pelo Banco Central Europeu, mas que haviam sido fabricadas por impressão offset por outra entidade ou pessoa.

6. O arguido AA pretendia colocar as imitações das notas de 200 euros em circulação, para assim auferir o benefício correspondente, e ainda que soubesse tal conduta proibida, agiu de forma livre, deliberada e consciente.

7. Ainda nas mesmas circunstâncias (de local e ocasião), o arguido AA tinha consigo três espingardas caçadeiras, calibre 12, uma das quais com os canos e a coronha serrados, bem como uma pistola de alarme de 9 mm, transformada para disparar projéteis de calibre 7,65 mm, municiada com 7 munições, um revólver calibre 32, municiado com 6 munições, duas pistolas de alarme de 8 mm, transformadas para disparar projéteis de calibre 6,35 mm, municiadas, uma com 7 munições e a outra com 6, para além de 74 cartuchos de caçadeira, calibre 12, 46 munições de calibre 7,65 mm, 6 de calibre 32 longo e 40 de calibre 6,35 mm.

8. O arguido AA não tinha qualquer licença para uso e porte de armas de fogo, sabia que as não podia ter, mas agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo a sua conduta proibida.

9. O arguido AA negou em audiência o que fez.

10. Foi condenado em 30.10.2010 em pena única de multa, pela prática de crimes de detenção de arma proibida, ofensa à integridade física e furto, cometidos em 31.5.2010.

11. De origem moldava, encontra-se a residir em Portugal há cerca de 7 anos, à data dos factos subjacentes ao presente processo integrava o agregado familiar de origem, do qual nunca se autonomizou, constituído pelos pais.

O grupo familiar reside em apartamento arrendado, de tipologia TI, descrito como detentor de satisfatórias condições de habitabilidade.

O pai trabalha na construção civil e a mãe como empregada doméstica, sendo a situação económica estável e equilibrada.

A dinâmica relacional familiar é pautada por consistentes laços afetivos e sentimentos de ajuda, extensíveis à namorada do arguido AA e ao irmão, ainda que residente no país de origem, onde exerce a profissão de médico, percecionando-se neste contexto, contudo, um postura de alguma sobreproteção da mãe e de desculpabilização dos comportamentos menos ajustados do filho.

Em termos escolares/formativos o arguido AA concluiu o equivalente ao 10.º ano de escolaridade, frequentando à data da reclusão, e desde 1.10.200, curso técnico de seguros, com a duração de 2 anos e meio, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade.

Neste contexto, o arguido AA foi assíduo e encontrava-se na fase final da formação/creditação aquando da sua reclusão, diligenciando-se atualmente pela possibilidade do arguido vir a realizar prova final no Estabelecimento Prisional, já tendo já obtido autorização do Centro de Emprego para o efeito.

O arguido AA constituiu-se como empresário no final de 2012, passando a ter um estabelecimento venda de peças auto, com o apoio económico dos pais e do irmão.

Em contexto comunitário, o arguido AA surge referenciado pela GNR local como associado a grupo de pares detentor de um padrão comportamental tendencialmente delinquencial, nomeadamente, ligados ao tráfico de drogas.

No decurso da reclusão o arguido AA tem protagonizado um comportamento globalmente positivo, usufruindo de suporte de retaguarda dos pais e da namorada.

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12. O arguido BB, em audiência, reconheceu a veracidade de parte dos factos que cometeu.

13. Provém de uma família de fracos recursos socioeconómicos, embora não carenciada.

Nasceu em Quarteira, sendo o mais novo de uma fratria de quatro.

Seus pais separaram-se era ainda criança, dando azo a um percurso de vida instável, ora vivendo com o pai, ora com a mãe, entre Quarteira, Albufeira e Armação de Pêra.

Aos 14 anos registou-se o falecimento súbito do progenitor, determinando que ficasse definitivamente junto da mãe, com quem o relacionamento foi difícil.

Ultimamente vivia sozinho.

Na idade própria estudou apenas até ao 6.° ano. 

A morte do pai foi coincidente com outros problemas organizativos do arguido, tendo deixado a escola e iniciado hábitos aditivos de haxixe.

Houve lugar a iniciativas de trabalho, mas o percurso profissional foi basicamente instável.

Passou por enquadramentos diversificados, com contratos de trabalho em estabelecimentos de restauração, construção civil, parque de diversões e vendas, quase sempre sem continuidade.

O trabalho que teve mais prolongado foi cerca de 3 anos, como vendedor numa empresa de telecomunicações, mas o decair do volume de vendas e o coincidente conflito e afastamento da progenitora terá contribuído para uma fase de maior desorganização pessoal nos dois anos que antecederam a prisão, recorrendo à ajuda de amigos e contraindo dívidas.

É nesta fase que se situa o relacionamento mais próximo com oco-arguido AA, que o empregou e lhe proporcionou que ficasse alojado nas casas que o incumbiu de tratar do arrendamento.

O arguido BB assume hábitos de consumo regular de haxixe e ocasional de cocaína, agravados nas fases de maior desorganização pessoal.

Nunca considerou dever haver lugar a um pedido de ajuda terapêutica, ainda que já tenha sido detido por consumo e sujeito à obrigação de consulta na Comissão de Dissuasão da Toxicodependência.

Outros confrontos com o sistema de justiça penal reportam-se a um crime rodoviário, aos 18 anos, resolvido com pena de multa.

Pese embora a fragilidade dos recursos, em particular, o isolamento social que marcou os últimos dois anos, o arguido BB conta com a disponibilidade do apoio familiar, designadamente, a mãe e uma namorada, cujo relacionamento havia terminado e retomou no presente.

Os projetos de futuro passam, portanto, por voltar a integrar o agregado da progenitora, atualmente em Quarteira.

Em prisão preventiva desde 6.6.2013, revela-se um indivíduo basicamente cumpridor das regras instituídas. Conta com apoio do exterior, traduzido em visitas regulares da mãe, namorada e uma irmã.

Face ao atual envolvimento jurídico-penal, o arguido BB tende a desresponsabilizar-se e a vitimizar-se, atribuindo à influência negativa do co-arguido o seu envolvimento na situação, expressando, nomeadamente, alguns receios pela pressão que o mesmo sempre exerceu sobre si, empolando o fator criminógeno da vulnerabilidade pessoal e social em que se encontrava à data dos factos.

14. No dia 12 de dezembro de 2012, cerca das 21 horas, na localidade de Poço Frito, em Alcantarilha Gare, os arguidos AA e BB transportavam no interior de um veículo automóvel de marca BMW, de cor preta, 15,1 gramas de "liamba".

15. No dia 17 de maio de 2013, cerca das OOhIOm, na EN 269-1, em Armação de Pêra, o arguido BB fazia-se transportar no interior do veículo de matrícula ...-GO, quando foi abordado por militares da GNR; nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido BB detinha 11,4 gramas de haxixe e dez sementes de canábis.

16. No dia 5 de junho de 2013, pelas 07hOOm, estava no interior da casa que os arguidos ocupavam, sita na Rua dos Corticeiros, s/n, na localidade de Amorosa, em São Bartolomeu de Messines, mais concretamente:

a) No quarto ocupado pelo arguido AA:

1. um saco de plástico, contendo no seu interior 143 notas de 200 euros do Banco Central Europeu, perfazendo um valor total de vinte e oito mil e seiscentos euros (€ 28,600,00);

2. uma caixa de papelão, contendo no seu interior 30 placas de haxixe, com o peso total de 3.042,1 gramas;

3. cinco sacos de plásticos, contendo no seu interior 19 placas de haxixe, com o peso total de 2.008,9 gramas;

4. um pedaço de haxixe, embrulhado numa pequena prata, com o peso total de 1,7 gramas;

5. duas "muchas" de cocaína, no estado sólido, com o peso total de 1,2 gramas;

6. uma bandeja em inox, contendo várias sementes de canábis já germinadas, embrulhadas em papel de guardanapo, com o peso total de 0,9 gramas;

7. uma espingarda caçadeira de marca Fabarm, com o 11.° KGI460, calibre 12, com dois canos serrados e coronha serrada, em bom estado de funcionamento;

8. uma pistola de marca Star Ekol Lady, com o número raspado, de calibre 7.65, em bom estado de conservação e funcionamento, e um carregador municiado com 7 munições de calibre 7.659. uma pistola de marca RECH, P800, calibre 8mm, supostamente transformada para calibre 6.35, com o respetivo carregador introduzido, municiado com 7 munições de calibre 6.35, em bom estado de conservação e funcionamento;

10. dois coletes balísticos, dois coletes de caçador, camuflados e uma cartucheira;

11.uma caixa de papelão, contendo no seu interior 74 cartuchos de várias marcas, todos de calibre 12mm, e uma caixa contendo 40 munições de calibre 6.35;

12. uma caixa com 46 munições de calibre 7,65mm, não deflagradas;

13. um suporte com 6 munições de calibre .32 longo, não deflagradas.

b) Na sala situada no rés-do-chão:

1. uma pistola de marca STAR, made in Spain, calibre 6.35, em bom estado de conservação e funcionamento, com o respetivo carregador, municiado com seis munições de calibre 6.35;

2. um revólver de marca Ruby, calibre 7.65, em bom estado de conservação e funcionamento, municiado com seis munições de calibre 7.65 e respetivo coldre, em pele;

3. uma pistola de alarme de marca BBM 815 Auto, desmontada, com o respetivo carregador municiado com cinco munições de salva;

4. uma caixa de madeira, contendo no seu interior vários pedaços de haxixe, com o peso total de 15 gramas;

5. um frasco de plástico, de cor amarelo, com tampa vermelha, contendo no seu interior vários pedaços de haxixe, com o peso total de 28,2 gramas;

6. uma pequena carteira de tecido, contendo no seu interior duas "muchas" de cocaína, com o peso total de 1, I gramas;

7. 3,4 gramas de cocaína, que se encontrava embrulhada num boletim do euromilhões, no interior de uma mala de viagem de cor vermelha, propriedade do arguido BB;

8. uma revista "Canamo ", com instruções sobre cultivação de plantas de canábis;

9. seis candeeiros para lâmpadas de luz fotossíntese para as plantas de canábis;

10. uma lâmpada de vapor de sódio de alta pressão de 600W;

11. um filtro de carvão, com estrutura metálica, para extração de ar e eliminação de cheiros, com uma união metálica em forma de T;

12. três caixas de papelão, contendo no interior três peças de protecção de ventoinhas e três bases, e uma caixa de papelão, contendo no seu interior quatro tubos de extensão, em . alumínio, para extração de ar;

13. uma caixa de papelão, contendo no seu interior um termostato e um controlador de ar;

14. uma pasta de cor preta, com várias facturas/recibos respeitantes à compra de equipamentos utilizados na construção da estufa de canábis existente no primeiro andar;

15. um telemóvel de marca Samsung, modelo GT-EI200, com o IMEI 351861052722915, pertencente o arguido BB;

16. um telemóvel de marca Nokia, modelo 2330C-2, com o IMEI 355947044229329, pertencente ao arguido BB.

c) Na cozinha:

1. uma caixa de madeira, contendo no seu interior várias sementes e folhas de canábis, com o peso total de 21,1 gramas;

2. uma lata de tabaco de enrolar de marca Chesterfield, contendo no seu interior três placas de haxixe e diversos pedaços de placas cortadas de haxixe, com o peso total de 523,6 gramas;

3. uma caixa de plástico de cor verde, contendo no interior vários pedaços de haxixe, com o peso total de 6,8 gramas, e uma faca de cozinha com resíduos de haxixe;

4. uma pequena caixa de madeira, contendo no seu interior várias sementes de canábis, com o peso total de 12,2 gramas;

5. três balanças de precisão, uma das quais contendo no respetivo prato diversas sementes de canábis, com o peso total de 245 gramas;

6. dois frascos em vidro, de grandes dimensões, contendo resíduos de canábis;

7. um moinho para moer folhas de canábis;

8. cinco temporizadores elétricos e um 1'0]0 de película aderente transparente;

9. um telemóvel de marca Samsung, modelo GT-Ell 00, com o IMEI 357650044839117;

10. um telemóvel de marca Nokia, modelo 1616, com O IMEI 352709045382314, e respetivo cartão da operadora Simtravel.

17. No primeiro andar da referida residência, os arguidos instalaram e mantinham uma estufa dotada dos equipamentos e produtos necessários para potenciar o crescimento e a produção de plantas de canábis, desde o nascimento até à sua colheita, e que ocupava duas divisões:

a) Um compartimento destinado às fases de germinação, plantação e vegetação das plantas, contendo no seu interior:

1. duzentos e noventa vasos de cor preta, contendo, cada um deles, uma planta de canábis na sua fase de vegetação;

2. onze lâmpadas de vapor de sódio de alta pressão, de 600W, instaladas em refletores horizontais, dotados de um equipamento para regular a sua altura;

3. quinze estabilizadores de corrente/transformadores;

4. quatro ventoinhas rotativas;

5. quatro extratores de ar;

6. dois sacos de substrato de 50 litros;

7. três frascos de fertilizante de crescimento líquido de um litro;

8. doze vasos de cor preta;

9. um filtro de carvão cilíndrico, para eliminação de odores;

10. uma caixa de cartão, contendo no seu interior: dois tubos flexíveis e extensíveis de alumínio, com 152mm e 252mm de diâmetro; um frasco de fertilizante líquido bio-estimulador metabólico; um frasco de fertilizante de crescimento líquido de um litro; um pulverizador de quatro litros; um temporizador; um rolo de sacos do lixo de cor preta; uma faca de cozinha com cabo em madeira e lâmina com o comprimento de 20 cm; uma faca de cozinha com cabo metálico e lâmina com o comprimento de 20 cm;

11. um rolo de tela de alumínio refletor.

b) Um compartimento destinado à fase de floração e secagem das plantas, contendo no seu interior:

1. cento e vinte e cinco vasos de cor preta, contendo, cada um deles, uma planta de canábis na sua fase de floração;

2. cinco lâmpadas de vapor de sódio de alta pressão, de 600W, instaladas em refletores horizontais, dotados de um equipamento para regular a sua altura e ligadas entre si por tubos flexíveis de alumínio extensíveis para refrigeração;

3. cinco estabilizadores de corrente/transformadores;

4. duas ventoinhas rotativas;

5. três extratores de ar;

6. um saco de substrato de 50 litros;

7. um filtro de purificação de ar, cilíndrico, de carbono, para eliminação de odores;

8. diversos tubos flexíveis de alumínio, extensíveis, para refrigeração;

9. um medidor de níveis de humidade e temperatura (Thermo Hygro & Clock);

10. um pulverizador de cinco litros;

11. tela de alumínio reflector, que se encontrava a revestir todas as paredes;

12. quatro temporizadores;

13. 26,4 gramas de planta de canábis em fase de secagem.

18. O arguido AA detinha, ainda, no interior do mesmo quarto:

a) uma espingarda caçadeira de marca Browning B80, com o n.º 421PV58768, patente PB Italy-3420140, de calibre 12, com um cano, em bom estado de conservação e funcionamento, propriedade de Lesley Joan Kirtley, a qual havia sido furtada da sua residência entre os dias 3 e 7 de dezembro de 2012 (NUIPC 240/12.0GBABF).

b) uma espingarda caçadeira de marca Browning B80SL, com o n.o 42IPX1445l, calibre 12, de um cano, em bom estado de conservação e funcionamento, propriedade de CC, a qual havia sido furtada da residência no dia 14 de dezembro de 2012 (NU/PC 896/12.3GBSLV).

19. Os arguidos não são titulares de licença de uso e porte de arma ou qualquer outra que os habilitasse a ter em seu poder quer as armas de fogo quer as munições supra referidas.

20. Sabiam os arguidos que para deter as referidas armas e munições necessitavam de apresentar os livretes das respetivas armas e que não as podiam deter nas circunstâncias descritas.

21. Não obstante, agiu o arguido AA com o propósito concretizado de ter em seu poder as referidas armas de fogo e munições, conhecendo a natureza e as caraterísticas das mesmas, bem sabendo que não era titular de licença de uso e porte de armas e que, assim, não as podia deter.

22. Os arguidos conheciam a natureza e carateristicas estupefacientes das substâncias detidas e das plantas que cultivavam, secavam e preparavam, e que destinavam à venda.

23. Para o efeito utilizavam os aludidos moinhos e película aderente para acondicionar o haxixe que vendiam, bem como as referidas balanças de precisão para proceder à respetiva pesagem.

24. Aliás, aos arguidos não é conhecida qualquer outra fonte de rendimentos que lhes garanta a subsistência.

25. Os arguidos conheciam as caraterísticas de tais produtos estupefacientes e tinham consciência de que a detenção e cedência a qualquer título, bem como o consumo de tal tipo de substâncias, são atas ilícitos.

26. Acresce que, as notas de duzentos em"os supra referidas não foram emitidas pelo Banco Central Europeu, porquanto, foram fabricadas por impressão offset, às quais foi atribuído pelo Laboratório Central do BCE o indicativo de classe comum EUA0200 P00003a.

27. Tais notas eram idênticas às legalmente emitidas pelo Banco Central Europeu, no tamanho, na cor e no grafismo, sendo aptas a serem confundidas com as originais.

28. O arguido AA detinha as notas supra referidas com o propósito de as colocar em circulação, como se fossem notas emitidas pelo Banco Central Europeu, e, assim, alcançar proveitos económicos, bem sabendo que não possuía autorização para tal, sabendo o caráter contrafeito das mesmas.

29. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

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7. E não se provou:

- Que o arguido BB fosse detentor de alguma das armas de fogo ou notas contrafeitas apreendidas;

- Que os arguidos procedessem à venda de haxixe ao preço de cinco euros por uma grama de canábis e de dez euros por uma tira de placa de haxixe;

- Que os arguidos alguma vez tivessem refletido sobre os conceitos de pessoas indiferenciadas ou acerca da credibilidade do dinheiro legitimamente emitido. “


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            Cumpre apreciar e decidir

À dosimetria penal das penas parcelares

Perante as penas parcelares aplicadas, todas inferiores a 8 anos de prisão, e atenta a confirmação – aliás in mellius , pela Relação, surge a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso, pois que, cumpre dizer:

            1- Por efeito da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 art. 400.º do CPP –, quando no domínio da versão pré-vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos. 

É certo que o artº 5º nº 1 do CPP, estabelece:

 A lei processual é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior (nº 1)

E, dispõe o nº 2 do preceito:

A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:

a)Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou

b)) Quebra da harmonia e unidade dos vários actos do processo.

Porém, a excepção constante do nº 2 do artº 5º do CPP, não tem campo de aplicação no caso concreto, mesmo que se entenda que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, uma vez que a decisão da 1º instância de que foi interposto recurso para a Relação, e, que motivou a decisão da Relação ora em questão, foi proferida em 2014, muito posteriormente à vigência da referida Lei (artº 5º nº 1 do CPP)

2- O direito ao recurso inscreve-se numa manifestação fundamental do direito de defesa, no direito a um processo justo, que não demanda o seu exercício em mais de um grau, satisfazendo-se com a reapreciação, em tempo razoável, por um tribunal independente, imparcial e estabelecido por lei, situado num plano superior àquele de que se recorre, como também resulta do art. 13.º da CEDH.

Conforme jurisprudência pacífica deste Supremo, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre. (v, entre outros v. g. ac.s de 17.12.69 in BMJ 192,p 192 e de 10.12.1986 in BMJ 362, p. 474)

De harmonia com o acórdão de 29 de Maio de 2008 in proc. nº 1313 da 5ª Secção, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.

A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).

Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.

É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.

A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

            A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será assim, a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido. – v. Ac. deste STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 - 3.ª.

            A decisão final da 1ª instância, de que foi interposto recurso e que originou a decisão ora recorrida, deu início à fase de recurso, possibilitando ao arguido a inscrição nas suas prerrogativas de defesa do direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

            3- O limite do quantum concreto da pena aplicada é critério legal do pressuposto do direito ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça

Como se escreveu no acórdão de fixação de jurisprudência nº 14/2013, deste Supremo Tribunal, publicado no Diário da República nº 219, SÉRIE I ,de 12 de Novembro de 2013:

“1- A nível da “dupla conforme”

O artigo 400º do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei nº 48/2007, referindo-se às “decisões que não admitem recurso”, estabelecia:

“1. Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes de livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa:

d) De acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3.

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções;

g) Nos demais casos previstos na lei.

Por sua vez, o artº 432º do mesmo diploma adjectivo, referindo-se ao “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, determinava:

“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em primeira instância;

            b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;

            c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri;

            d) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito;

            e) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

Com a revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei nº 48/2007 de 24 de Setembro de 2007, o artigo 400º passou a estabelecer:

1. Não é admissível recurso:

a) De despachos de mero expediente;

b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal;

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo;

d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância;

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

g) Nos demais casos previstos na lei.

            Por sua vez, de harmonia com o disposto no artigo 432º nº1 do CPP:

 Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

            a) De decisões das relações proferidas em 1ª instância;

            b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artº 400º

            c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.

            d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

            Somente é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos casos contemplados no artigo 432º e, sem prejuízo do artº 433º, do CPP.

           

No que aqui importa, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º” (artº 432º nº 1 al. b) do CPP)

Face ao art. 400., n.1, f) do Código de Processo Penal na redacção anterior à lei 48/2007 de 29 de Agosto, era jurisprudência concordante do Supremo (v. Ac. de 08-11-2006, Proc. n. 3113/06 - desta Secção, entre outros - que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada "dupla conforme".

Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão havendo identidade de condenação nas instâncias.

Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável, independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a oito anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, entendia que na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a oito anos.

Com a revisão do Código de Processo Penal operada pela referida Lei 48/2007. a al. f) do artº 400º passou a dispor:

“ De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Deixou de subsistir o critério do “crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos”, para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos.

Daí que se eliminasse a expressão “mesmo no caso de concurso de infracções.”

Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada, não ultrapassar 8 anos de prisão.

Ao invés se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo e restrito então o recurso à pena conjunta.

Há que ter como abrangida na expressão legal "confirmem decisão de primeira instância", constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum  (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância. 

Como se decidiu no Ac. deste Supremo, de 11-07-2007, Proc. n.º 2427/07, 3ªsecção, se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão.

            É maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.

           

De qualquer modo a jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional antes e depois de Setembro de 2007 é no sentido de não considerar ser inconstitucional a circunstância de haver dupla conforme depois de ter havido redução da pena num acórdão da relação, nos termos do art. 400° n° 1, aI. f) do CPP e por isso não poder haver recurso para o STJ em terceiro grau de jurisdição em matéria penal 

Aliás, também o acórdão de 15 de Dezembro de 2009, do Tribunal Constitucional decidiu:

“a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

b) Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”

Por acórdão de 4 de Abril de 2013, proferido no processo nº 543/12, da 1ª Secção, o Tribunal Constitucional decidiu:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão

O critério da gravidade da pena aplicada é, pois, determinante na conformação da competência do STJ, o qual intervirá apenas se e quando tiver sido aplicada pena superior àquele limite.”

4- As posteriores leis de alteração do Código de Processo Penal, a Lei  nº 26/2010, de 30 de Agosto, e a Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro,. não alteraram esse entendimento, o qual não é inconstitucional, uma vez que o artº 32º nº 1 da Constituição da República ao garantir o direito ao recurso, garante o duplo grau de jurisdição mas não duplo grau de recurso, sendo este determinado pela forma prevista no diploma legal adjectivo (v. aliás preâmbulo – 1.III. c) - do Código de Processo Penal)

            5- A situação jurídica exposta não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, ou limita o exercício do direito ao recurso, pela recorrente, uma vez que a referida Lei ao não ampliar o direito ao recurso, também o não restringiu, mantendo-se o âmbito legal do direito ao recurso, como vinha sendo entendido.

O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.

As legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2ª instância, o tribunal da Relação, por força da conjugação do artº 432º nº 1 al. c) e 427º, ambos do CPP, e o contraditório inerente, quer por força do disposto no artº 414º nº 1 do CPP, quer por força do artº 417º nº2, ambos do CPP.

Não há qualquer violação de normas constitucionais.

Parafraseando o Acórdão nº 424/2009, do Tribunal Constitucional, de 14 de Agosto:

“ Não se pode, assim, considerar infringido o nº 1 do artigo 32º da Constituição pela norma que constitui o objecto do presente recurso, já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

6. A concluir, refira-se o artigo 2º do protocolo nº 7 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 22/90, 27 de Setembro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 51/90, da mesma data), cujo texto é o seguinte:

Artigo 2º

1 – Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados por lei.

2 – Este direito pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição..”

6. O arguido foi condenado em 1ª instância:

- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21 do Dec.¬Lei n.º 15/93, de 22.1, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;

- pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela alínea c) do nº 1 do art.º 86 da Lei n.º 5/2006, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

- pela prática de um crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação, p. e p. pela alínea a) do n.º 1 do art;º 266 do Código Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; - e, em cúmulo jurídico, na pena única de 11 anos de prisão;

Foi ordenada a expulsão do arguido de AA de Portugal por 10 anos.

O acórdão da Relação de Évora acordou:

 Em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente:

- em reduzir a pena aplicada relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes para seis anos e seis meses de prisão;

- em reduzir a pena aplicada relativamente ao crime de detenção de arma proibida para dois anos e seis meses de prisão;

- em reduzir a pena aplicada relativamente ao crime de aquisição de moeda falsa para um ano e três meses de prisão;

- em reduzir a pena aplicada a este arguido, em cúmulo, para oito anos e seis meses de prisão;

- em revogar a pena acessória de expulsão decretada quanto a este arguido;

3) Em manter, quanto ao mais, o acórdão recorrido.

Houve assim confirmação in mellius das penas parcelares, que sendo já na 1ª instância inferiores a oito anso anos de prisão ainda foram reduzidas pela Relação.

Apenas a pena única, apesar de reduzida, é superior a oito anos de prisão

Donde o acórdão da Relação de que foi interposto o presente recurso é, pelo exposto, irrecorrível, no âmbito da s penas parcelares, pelo que não devia ter sido admitido (artº 414º nº2 do CPP) e, por isso, é de rejeitar (artº 420º nº 1 b) do mesmo diploma)

Sendo um acórdão irrecorrível, no âmbito das penas parcelares, óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de inconstitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, quer referentes às ilicitudes, responsabilidade criminal ou medida das penas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá por isso o Supremo conhecer.

A admissibilidade ou não de determinado recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo.

Só pode conhecer-se de qualquer recurso depois de ser admitido no tribunal a quo e o tribunal ad quem considerar que essa admissão é válida

Donde, sendo o recurso inadmissível, obviamente que tudo se passa como se não tivesse sido admitido, apesar de ter sido admitido na 1ª instância,

Na verdade a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior (nº 3 do artº 414º do CPP)

            Sendo irrecorrível a decisão, o tribunal competente para o conhecimento das nulidades invocadas é o tribunal da condenação incluindo o conhecimento das invocadas questões novas,


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Na situação concreta apenas o recurso sobre a pena única se situa no âmbito de cognição do Supremo Tribunal

E quanto à pena única, embora o recorrente se limite a dizer na conclusão 11 que a pena única deve ficar-se pelos 7 anos de prisão, alega, porém, na motivação do recurso:

“IV - PENA ÚNICA       

Entende-se que a compressão a operar deve ser superior à julgada correta pelo acórdão recorrido. o cúmulo jurídico tem como limite mínimo a pena de 6 anos e 6 meses de prisão e como limite máximo a pena de 10 anos e 3 meses de prisão.

Verifica-se que o douto acórdão recorrido adicionou à pena mínima mais 2 anos de prisão, isto é, perante um total de 3 anos e 9 meses - 45 meses - aplicou um fator de compressão de cerca de 1/2 .”

Cita o acórdão deste Supremo no proc. nº 9/07.3GAPTM.S1, wwwdgsi.pt, e que

“Não existe, salvo o devido respeito por outra posição} razão para não considerar neste caso concreto um fator de compressão de cerca de 1/6.” E aduz que

“São relevantes os seguintes factos:

• Ausência de qualquer ato de tráfico até ao dia 5.6.2013;

• A juventude do arguido;

• Apoio familiar consistente;

• Projeto escolar que persiste em execução na prisão.

 

A pena única não deve assim ultrapassar os 7 anos de prisão.”


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Cumpre apreciar, uma vez que se deduz da motivação o sentido da conclusão,

Da mesma forma que os factos advindos da valoração da prova produzida e da fundamentação sobre ela considerada, determinaram a procedência das ilicitudes criminais que motivaram a condenação nas penas parcelares, estas fixam legal e necessariamente os limites da medida concreta da pena única, a aplicar em cúmulo.

            Como se sabe, dispõe o artº 40º do C.Penal

1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O artigo 71° nº 1 do Código Penal, estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo no nº 1 que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção..

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Como se sabe, o artigo 77º do Código Penal, estabelece as regras da punição do concurso, em que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.

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A segunda parte do nº 1 do artº 77º do CP determina que "na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente".

E, de harmonia com o nº 2 do preceito, “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassa 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

Os critérios legais são apenas os supradescritos..

 

A jurisprudência não pode sobrepor-se à lei, e o alegado critério da compressão de penas como suscitado pelo recorrente não tem apoio legal.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. – v.Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, Proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993,; . Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e 3ª Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.


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     Volvendo ao caso concreto, fundamentou a decisão recorrida:

“A alteração das penas parcelares impõe e formulação de novo cúmulo jurídico, tomando em consideração as penas agora aplicadas, cúmulo que tem como limite mínimo a pena de seis anos e seis meses de prisão e como limite máximo a pena de dez anos e três de meses de prisão (art.º 77 n.º 2 do CP).

Tomando em consideração, por um lado, os factos - apreciados na sua globalidade, enquanto reveladores da dimensão e gravidade global do comportamento do arguido, ou seja, a natureza e o número de crimes praticados, a sua gravidade e a conexão que existe entre eles, circunstâncias que bem revelam a tendência criminosa do arguido (veja-se o período durante o qual praticou tais crimes e a ausência de qualquer outra fonte de rendimentos que lhe garanta subsistência) - por outro, a personalidade do arguido, que se afere pelo modo como organiza a atividade de tráfico (chegando ao ponto de contratar um terceiro como empregado para uma loja de peças de automóvel para desse modo dar uma aparência lícita à atividade que desenvolvia) e pela postura que assumiu perante tais condutas, cuja gravidade não interiorizou, impõe-se a aplicação de uma pena que, pela sua severidade, faça sentir ao arguido a gravidade das suas condutas e, consequentemente, seja suficientemente dissuasora da prática, no futuro, de idênticos comportamentos, pena que - perante o que se deixa exposto - se fixa em oito anos e seis meses de prisão”

Com base na fundamentação exposta para a determinação da medida concreta da pena do cúmulo, face à factualidade provada, tendo em conta que:

As exigências de prevenção geral são intensas face à natureza dos bens jurídicos atingidos, e a elevada gravidade dos mesmos, e modo de execução e tempo de actuação do arguido no domínio dos estupefacientes, a quantidade de notas falsas apreendidas, reportadas a valor numérico facial elevado, que o arguido pretendia colocar em circulação, a natureza e variedade da armas apreendidas que detinha irregularmente

As exigências de prevenção especial, nomeadamente na prevenção da reincidência, e o efeito previsível da pena no comportamento futuro do arguido, sendo que a culpa, limite da pena, é intensa, face ao dolo específico, e que, como vem provado:

. Foi condenado em 30.10.2010 em pena única de multa, pela prática de crimes de detenção de arma proibida, ofensa à integridade física e furto, cometidos em 31.5.2010.

De origem moldava, encontra-se a residir em Portugal há cerca de 7 anos, à data dos factos subjacentes ao presente processo integrava o agregado familiar de origem, do qual

nunca se autonomizou, constituído pelos pais.

O grupo familiar reside em apartamento arrendado, de tipologia TI, descrito como detentor de satisfatórias condições de habitabilidade.

O pai trabalha na construção civil e a mãe como empregada doméstica, sendo a situação económica estável e equilibrada.

A dinâmica relacional familiar é pautada por consistentes laços afetivos e sentimentos de ajuda, extensíveis à namorada do arguido AA e ao irmão, ainda que residente no país de origem, onde exerce a profissão de médico, percecionando-se neste contexto, contudo, um postura de alguma sobreproteção da mãe e de desculpabilização dos comportamentos menos ajustados do filho.

Em termos escolares/formativos o arguido AA concluiu o equivalente ao 10.º ano de  escolaridade, frequentando à data da reclusão, e desde 1.10.2010, curso técnico de seguros,  com a duração de 2 anos e meio, com equivalência ao 12.0 ano de escolaridade.

Neste contexto, o arguido AA foi assíduo e encontrava-se na fase final da formação/creditação aquando da sua reclusão, diligenciando-se atualmente pela possibilidade do arguido vir a realizar prova final no Estabelecimento Prisional, já tendo já obtido autorização do Centro de Emprego para o efeito.

O arguido AA constituiu-se como empresário no final de 2012, passando a ter um estabelecimento venda de peças auto, com o apoio económico dos pais e do irmão.

Em contexto comunitário, o arguido AA surge referenciado pela GNR local como associado a grupo de pares detentor de um padrão comportamental tendencialmente delinquencial, nomeadamente, ligados ao tráfico de drogas.

No decurso da reclusão o arguido AA tem protagonizado um comportamento globalmente positivo, usufruindo de suporte de retaguarda dos pais e da namorada.

Tendo ainda em conta que pelo exposto inexistem elementos bastantes para se concluir que os factos provêm de tendência criminosa do arguido e que como fundamenta o acórdão recorrido (a propósito da revogação da pena de expulsão) “perante o quadro descrito não se pode afirmar que existam razões – sérias e fundadas – para duvidar da sua capacidade de reinserção findo o cumprimento da pena”,

Valorando, pois, o ilícito global perpetrado na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido, face os limites abstractos da pena conjunta aplicável –6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão como limite mínimo, e 10 (dez) anos e 3 três) meses, de prisão, como limite máximo, conclui-se que se revela adequada a pena de 8 (oito) anos de prisão

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           Termos em que, decidindo

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – -. em rejeitar o recurso interposto, de harmonia com o disposto nos artigos 417º nº 6 al. b) e 420º nº 1 al. b), do CPP. relativamente às questão subjacentes ou prévias à aplicação das penas parcelares, por irrecorribilidade nessa matéria ,do acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça

           

Dar parcial provimento ao recurso quanto à pena única aplicada em cúmulo, que reduzem para oito anos de prisão.
         
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                             Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Fevereiro de 2015
                                                           Elaborado e revisto pelo relator,
                                                           Pires da Graça
                                                           Raul Borges