Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11768/19.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
MEDIADOR
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
COMISSÃO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
BEM IMÓVEL
NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
PROPRIETÁRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Sumário : I - No contrato de mediação imobiliária, para a obrigação do pagamento da remuneração pelo comitente é hoje incontroversa a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.
II - No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade simples, o comitente não está impedido de proceder ele próprio à angariação de interessado.

III - O direito de remuneração do mediador no âmbito de um contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade em que o contrato visado não se concluiu pressupõe que a causa da não conclusão seja imputável ao comitente.

IV - Não tem direito à remuneração a mediadora que angariou um interessado para a compra e venda de um prédio urbano, pertencente ao proprietário/comitente, demonstrando-se que o negócio não se realizou por perda de interesse do terceiro.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO



1.1.- A Autora - Porta da Frente – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. - instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra o Réu - AA.

Alegou, em resumo:

A Autora ( mediadora) celebrou com o Réu ( comitente ) um contrato de mediação imobiliária  com cláusula de exclusividade, para a venda de um prédio urbano pertencente ao comitente. por não ter sido paga a devida remuneração à ora autora, no âmbito do exercício do seu objecto social.

Tendo a Autora angariado interessado, o Réu não cumpriu, sendo devida a remuneração.

Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a comissão devida no valor de 63.037,50 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal até integral pagamento.


1.2. - O Réu contestou, dizendo, em síntese, que cumpriu o contrato de mediação já que o negócio visado (contrato de compra e venda) não ocorreu por causa que lhe seja imputável, mas porque  o terceiro se desinteressou, e não quis concretizar o negócio.


1.3. – Realizada audiência de julgamento, foi proferida ( 20/4/2022) sentença a julgar a acção totalmente procedente e  condenar o Réu a pagar à Autora a quantia de 63.037,50 euros, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento, bem como nas custas do processo.


1.4.- O Réu recorreu de apelação e a Relação de Lisboa, por acórdão de-25/10/2022 decidiu pela procedência do recurso e revogou a sentença, absolvendo o Réu do pedido.


1.5.- Inconformada, a Autora recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1)A Relação de Lisboa  concluiu, em síntese que a Autora/recorrente “não tem direito à remuneração por força do artigo 19º,nºg 1 da Lei n° 15/2013, de 8 de fevereiro, sendo que também não terá direito à mesma nos termos do n.g 2 do mesmo preceito, porque não se provou que o negócio angariado pela empresa mediadora, no quadro do contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, não se consumou por razões, exclusiva ou principalmente, imputáveis ao R., proprietário do imóvel.»

2)  Sustenta a sua decisão no facto de considerar que o comportamento do R. de recusa da celebração do contrato-promessa apenas determinou o seu adiamento e que «se o contrato-promessa não foi efetivamente assinado, foi porque o cliente angariado pela A. não quis, porque nisso perdeu interesse (subjetivo), por se mostrar desagrado e não aceitar as desculpas pelo atraso apresentadas pelo R.»

3)Duas questões sobressaem da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa: a primeira, pacífica, num primeiro momento, é saber qual o " ius" do regime do contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade, e uma segunda, como opera o juízo de culpa previsto pelo nº2 do artigo 19 da Lei n.15/2013, de 8 de Fevereiro. Isto é, como se afere que causas são ou não imputáveis ao cliente proprietário que justificam que a empresa de mediação tenha o direito a remuneração acordada, mesmo que o negócio visado não se realize.

4) Na previsão da norma do artigo 19 nº 2, conforme escreve Higina Orvalho Castelo, «Está em causa o contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade e não o contrato visado celebrado em regime de exclusividade. (...) «No regime geral, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar. Tendo sido estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação celebrado com o proprietário ou arrendatário trespassante o panorama altera-se. Neste caso a remuneração não depende do evento futuro ou incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este não se realize por causa imputável ao cliente. (...) A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar um interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)».

5)Note-se que o Tribunal da Relação de Lisboa usou na sua fundamentação uma versão ultrapassada do livro "Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária", Higina Orvalho Castelo, de 2015, que foi em 2020, revista, atualizada e aumentada.

6) A justiça do caso concreto obriga à manutenção da sentença do Tribunal Judicial da Comarca ...- Juízo Central Cível ... - Juiz ..., quer porque se tem de atender a todos os factos descritos em A] a S) da matéria provada.

7) Quer fundamentalmente, ao cumprimento dos pressupostos do direito à remuneração do regime do contrato de mediação em regime de exclusividade, (1) que a mediadora diligencie no sentido de encontrar um interessado e a apresentação do interessado ao cliente proprietário e (2) que o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário, impõe-se uma maior justiça na decisão do tribunal que determine, assim como o Tribunal de 1ª instância, que a mediadora tem direito à remuneração quando o negócio visado não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário.

8)A complexidade das tarefas desenvolvidas, a multidisciplinaridade das intervenções efetuadas - reunião dos documentos necessários à celebração do contrato de compra e venda, fotorreportagem, gestão e realização das visitas a potenciais interessados, angariação de cliente interessado, mediação entre cliente proprietário e interessado, promoção e apoio na celebração do negócio desde o contrato-promessa à escritura de compra e venda - para desde logo considerar que, perante a factualidade provada a mediadora não teria direito à remuneração não só seria desajustado, como seria profundamente injusto.

9) A consideração pela não existência do direito a remuneração do trabalho e serviços efetuados pela Recorrente é profundamente injusta e contrária à realização da justiça criando a convicção futura nos clientes proprietários, que a celebração do contrato de mediação em regime de exclusividade lhes permite a todo o tempo recusar a celebração do negócio visado com os interessados angariados pela mediadora.

10) A decisão da Relação viola o princípio da livre apreciação de prova da primeira instância, denunciando a sentença recorrida a utilização desse princípio para arbitrariamente julgar os factos sem prova e contra as provas.

11) A Recorrente diligenciou no sentido de angariar um interessado, que apresentou ao cliente proprietário, que por sua vez aceitou vender pelas condições propostas pelo interessado.

12) O Recorrido voltou com a sua palavra atras, e decidiu não vender para avaliar outra proposta. Proposta essa que não tinha sido sequer angariada pela empresa mediadora. Estando o alegado negócio a ser mediado por outra empresa de mediação imobiliária, tal como resulta da prova gravada. O cliente angariado pela empresa mediadora deixou de ter interesse na celebração do negócio.

13)A única razão pela qual o negócio não se celebrou, foi porque o Recorrido veio comunicar que tinha uma alegada proposta de um potencial comprador que queria explorar, tendo desistido do negócio.

14)Não se alcança a razão pela qual o Venerando Tribunal da Relação veio continuadamente considerar que ainda se estava na pendência da concretização do negócio visado com o cliente interessado, visto que o Recorrido já tinha aceitado as condições, e veio posteriormente a desistir e a cortar o contacto com a Recorrente. Tanto assim é que após ver frustradas as expetativas em relação à alega proposta de valor superior, veio o Recorrido pedir desculpas pela sua conduta de desistência e tentar reatar o negócio.

15)A justiça no caso concreto não depende da aferição do prejuízo que o interessado angariado possa ou não ter sofrido, mas sim na determinação da causa que impediu a celebração do negócio. E essa causa, só pode ser imputável ao cliente proprietário que voltou atrás na sua palavra, desistindo do negócio já aceite.


1.6.- O Autor contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso, alegando, em síntese:

a) Verificando a matéria de facto provada, fazendo tábua rasa da argumentação factual da Recorrente, constata-se que consta do facto provado R) que “O negócio com o cliente angariado pela A. não se realizou por desinteresse deste em face do comportamento do R., apesar do R. pretender concretizar o negócio”, ou seja, o negócio não se realizou por desinteresse do cliente angariado, apesar do Recorrido pretender concretizar o negócio,

b)Conforme nos ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2021,processo n.s 5722/18.7T8LSB.L1.S1, “A atividade desenvolvida pela mediadora, com vista à angariação de interessados para o negócio objeto da mediação, sem que esse negócio se concretize, não sendo a ausência de resultado imputável ao cliente, não é considerada uma atividade que, só por si, aporte alguma vantagem ou benefício para o cliente”.

c) Conforme se infere do facto provado L), foi o potencial comprador que não mostrou interesse na celebração do negócio, não tendo ficado provado que foi por facto imputável ao Recorrido que o negócio com a Recorrente não se verificou, mas apenas porque o cliente angariado pela Recorrente não manifestou interesse em avançar com as negociações.

d) O mediador, num contrato com exclusividade, não fica desonerado de praticar os atos de mediação adequados a promover e facilitar a concretização do negócio, sendo que o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, nomeadamente a prática dos atos adequados a conseguir que seja atingido o objetivo do contrato – a concretização e perfeição do negócio visado com a mediação – e que tal objetivo só não seja atingido por conduta impeditiva do cliente.

e) Não ficou provado que a mediadora tivesse empregado actos adequados a conseguir alcançar o objetivo de concretizar o contrato, não existindo comunicações posteriores a respeito deste negócio após 8 de Novembro de 2019, não tendo sido juntos ao processo quaisquer documentos comprovativos dos atos do mediador no sentido de concretizar o negócio e contactar o Recorrido para se discutir o contrato promessa de compra e venda.

f) Compete à mediadora, como elemento constitutivo do seu direito à remuneração, nos termos do artigo 342º n.º 1 do Código Civil, alegar e provar esse nexo de causalidade entre a sua atividade e a conclusão do negócio, não sendo ao Recorrido que incumbe provar que não foi por sua culpa que o negócio não se realizou, mas sim à Recorrente que incumbe provar que o negócio não se realizou por facto imputável ao Recorrido, por estar em causa a delimitação do nexo de causalidade e não a culpa.

g) A Recorrente não logrou, demonstrar que a conclusão do negócio visado pela mediação, e como já se salientou, tenha resultado - de forma causal - de qualquer facto imputável ao Recorrido, pelo que não tem direito à remuneração que reclama.

h) O desinteresse do potencial comprador não se inclui no escopo da previsão do art. 19.º, n.º 2 da Lei n.º 15/2013, pelo que nenhuma outra consequência pode ser retirada da não conclusão deste negócio.



II – FUNDAMENTAÇÃO



2.1.- Delimitação do objecto do recurso


A questão submetida a revista, delimitada pelas conclusões, consiste em saber se assiste à Autora ( mediadora ) o direito à remuneração devida pelo contrato de mediação imobiliária, com cláusula de exclusividade, celebrado com a Ré ( comitente ).


2.2. – Os factos provados


A) A A. é uma sociedade comercial por quotas, que desenvolve atividade no sector da mediação imobiliária – atividade comercial de mediação na compra e venda de bens imóveis.

B) No exercício da sua atividade, a A. celebrou o contrato de mediação imobiliária número L-2418, com o ora R. em 22 de Março de 2018, em regime de exclusividade.

C) Nos termos desse contrato – Cláusula 1ª - a A. obrigava-se a promover a venda do imóvel correspondente à fração autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Rua ..., número 32, 1.º andar, ... ..., composto por habitação no piso um (1.º andar) de tipologia T-três, um arrumo com o n.º 2 e dois estacionamentos com os n.ºs 14 e 15, ambos no piso menos quatro, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...49 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...21, pelo preço de 1.800.000,00 euros.

D) Mais ficou acordado que pela prestação dos serviços descritos nessa cláusula 1ª o R. obrigava-se a pagar à A., a título de comissão, 5% do valor da transação, acrescida de IVA à taxa legal, aliás tudo como melhor consta do documento junto a fls.29 e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.

E) O preço referido em C), o “asking price”, foi alterado inicialmente para €1.650.000,00 (um milhão seiscentos e cinquenta mil euros) e, posteriormente, para €1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros), mantendo-se, no entanto, todo o clausulado do contrato celebrado, inclusive o regime de exclusividade.

F) A A. angariou um comprador com proposta final pelo preço de €1.025.000,00 (um milhão e vinte e cinco mil euros), tendo informado o R. da mesma em 28/10/2018, que a aceitou, tudo como melhor consta do documento junto a fls. 50 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.

G) A A., com vista à formalização da negociação, diligenciou junto do Mandatário do R., o envio de toda a documentação em falta, tendo este ficado responsável pela elaboração da minuta do Contrato Promessa de Compra e Venda, com vista à assinatura do mesmo, pelas partes, conforme se alcança do teor dos documentos juntos a fls. 32 a 43 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.

H) Entretanto veio o R. informar que tinha proposta de um potencial comprador por preço mais elevado do que €1.025.000,00 (um milhão e vinte e cinco mil euros).

I) Tal proposta não se veio a consumar.

J) A 4 de Dezembro de 2018, o R. mostra-se disponível para celebrar o contrato promessa de compra e venda com o Cliente angariado pela A. conforme inicialmente acordado e pelo preço e condições anteriormente acordadas.

L) O cliente angariado pela A. não mostrou interesse na celebração do negócio.

M) Por carta, datada de 15 de Fevereiro de 2019, o R. comunicou à A. a cessação do contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes, com termo a 21 de Março de 2019, tudo como melhor consta do documento junto a fls. 44 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido.

N) A 22 de Fevereiro de 2019, a A. enviou carta ao R. solicitando o pagamento da quantia de 90.000,00 euros a título de comissão devida, tudo como melhor consta do documento junto a fls. 45 e 46 cujo teor se dá por reproduzido.

O) O R. não respondeu a esta comunicação.

P) A A. apresentou ao R., a 21.10.2018, uma proposta no valor de €975.000,00.

Q) E no dia seguinte, 22.10.2018, apresentou nova proposta no valor de €1.100.000,00;

R) O negócio com o cliente angariado pela A. não se realizou por desinteresse deste em face do comportamento do R., apesar do R. pretender concretizar o negócio.

S) Após a não concretização do negócio com o cliente angariado pela A., situação ocorreu no início de Dezembro de 2018, e até à cessação do contrato de mediação imobiliária, em 21.03.2019, a A. não apresentou qualquer outra proposta.


2.3. – Os factos não provados


1- O R. celebrou o contrato referido em B) para venda do imóvel por 1.800.000,00 euros por a A. o ter convencido de que era possível vender o imóvel por esse preço;

2- O R. baixou o asking price nos termos referidos em E) por conselho da A.;

3- O R. solicitou à A. que baixasse o asking price nos termos referidos em E);

4- O R. anuiu à proposta referida em F) face à pressão exercida pela A.;

5- O R. deu conhecimento à A. de que havia recebido duas propostas melhores que a referida em F) – uma proposta no valor de €1.050.000,00, apresentada por uns vizinhos seus, e uma proposta de €1.100.000,00, apresentada por uma imobiliária com quem a A. se disponibilizou inclusive para realizar parceria, a “A...”;

6- Estando previsto, para todas as opções, que a A. recebesse comissão;

7- Visto existir proposta melhor o R. solicitou que se aguardasse para ver se a outra proposta de valor superior avançava;

8- Sendo que, durante o mês de Novembro de 2018, as três propostas estavam a ser apreciadas pelo R., e encontravam-se a seguir os seus trâmites normais de negociação entre as partes envolvidas;

9- Após a não concretização do negócio com o cliente angariado pela A. esta tentou contactar o R., sem sucesso;

10- A A. nem desenvolveu qualquer outra atividade com vista a conseguir interessado para a compra do imóvel.


2.4.- O contrato de mediação imobiliária e o direito à remuneração da Autora


Não se problematiza a qualificação do contrato como de mediação imobiliária celebrado, em 22 de Março de 2018, entre Autora (mediadora) e Réu ( comitente) com cláusula de exclusividade, tendo por objecto a venda de prédio urbano, pertencente ao Réu, aplicando-se o regime instituído pela Lei nº 15/2013 de 8/2 ( RJAMI).

O contrato de mediação pressupõe, essencialmente, a incumbência a uma pessoa de conseguir interessado para certo negócio, feita pelo mediador, entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio, entre estes, como consequência adequada da actividade do mediador.

A obrigação principal do mediador é a de aproximar diferentes pessoas, através da sua intermediação, na busca comum e convergente para a celebração de um contrato entre ambas ( obrigação de fazer ), numa relação de causa/efeito ( obrigação de resultado ).

Por seu turno, a obrigação principal do comitente é a de remunerar os serviços prestados, através de uma comissão, sendo, por isso, um contrato oneroso, já que tanto o mediador ( que é remunerado ), como o comitente ( que encontra no terceiro interessado aproximado pelo mediador a possibilidade concreta de realização do negócio visado ), auferem vantagens ou benefícios patrimoniais.

Neste contexto, o contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente ( que contratou previamente com o mediador ) e terceiro interessado ( identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).

Na vigência do DL nº285/92 de 25/9, havia dúvidas sobre o momento em que emerge a obrigação de o cliente remunerar o mediador, e a jurisprudência sustentava ser necessário uma relação de causa/efeito entre a actividade do mediador e o negócio realizado, exigindo-se que o negócio se concluísse como consequência adequada da actividade do mediador. Por isso, o DL nº77/99, entre cujas motivações esteve – como se afirma no Preâmbulo -  a de “clarificar o momento e estabelecer as condições em que é devida a remuneração pela actividade de imediação imobiliária” plasmou  no seu art. 19, nº1 que “a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, e que passou para o art. 18 nº1 do DL nº 211/2004 de 20/10 e agora para a norma do art. 19 nº1 da Lei nº 15/2013.

Sendo assim, é hoje incontroversa a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.

No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade a remuneração é devida não só com a conclusão e perfeição do contrato visado ( art.19 nº1 ), nos termos gerais,  mas também quando o negócio visado não se realize, desde que seja por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

Dispõe o art.19 nº2 da Lei nº 15/2013:

“2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.


Considerando que o contrato de mediação imobiliária foi celebrado com cláusula de exclusividade e comprovando-se que a Autora angariou interessado e que o negócio visado - a compra e venda do prédio urbano pertencente ao Réu - não se realizou no período de vigência do contrato de mediação imobiliária, coloca-se a questão de saber se, perante a factualidade apurada, tal não se concretizou “por causa imputável ao cliente”, sendo este verdadeiramente o enfoque do recurso.

A sentença da 1ª instância concluiu que “a autora cumpriu a prestação a que se obrigara e logrou fazer a prova da essencialidade dos factos constitutivos do seu direito alegado, nos termos gerais aplicáveis (art. 342º nº 1 do C. Civil), ao passo que o réu não conseguiu elidir a presunção de culpa prevista no n.º 1 do artigo 799.º do mesmo diploma legal, como lhe competia se pretendia eximir-se ao pagamento da remuneração acordada”.

Parece depreender-se que a sentença se baseou numa “presunção de imputabilidade”, que o Réu não elidiu, muito embora também tenha dito que “Efectivamente o negócio suspendeu-se por intervenção do réu, não se estranhando a falta de interesse demonstrada pelo comprador nessa situação”.

Já a Relação decidiu que a não concretização do negócio visado não se deveu a causa imputável ao Réu, mas por desinteresse do terceiro, com base nos seguintes tópicos:

(i)A lei não fala em causa “exclusivamente” imputável ao cliente proprietário, sendo certo que na prática podem existir situações em que pode haver concorrência de causas para a não consumação do negócio concretamente angariado pela empresa mediadora, pelo que na situação do art.19 nº2 o proprietário só responde por essa obrigação se for “o principal responsável” pela não concretização do negócio angariado com êxito pela mediadora.

(ii)O contrato promessa de compra e venda não foi assinado “ porque o cliente angariado pela A. não quis, porque nisso perdeu interesse (subjetivo), por se mostrar desagrado e não aceitar as desculpas pelo atraso apresentadas pelo R. Ora isso, do ponto de vista da objetividade estrita dos interesses económicos na realização deste negócio (cfr. Art. 808.º n.º 2 do C.C.) não releva para por termo ao acordo, porque o contrato ainda era possível e não foram apresentadas outras razões atendíveis para não ser concretizado (…)”.

Importa saber em que consiste a “causa imputável”. A lei não o define, mas trata-se de uma expressão utilizada no âmbito do direito civil das obrigações ( cf., por ex., arts.432 nº2, 505, 520, 790 nº1, 801 nº1 CC).

A interpretação remete-nos para a teoria da imputação no âmbito do incumprimento das obrigações e mais especificamente com incidência no contrato de mediação imobiliária. Desde logo a imputação objectiva entre o comportamento do comitente e a frustração do contrato visado, angariado pela empresa mediadora, implicando um juízo de causalidade adequada entre o facto do comitente e o resultado (impossibilidade da realização da prestação do contrato visado). Mas também o nexo de imputação subjectiva, a culpa, enquanto juízo de censura ético-jurídica, aferida segundo o padrão de conduta exigível.

No contrato de mediação simples a mediadora o direito à remuneração está dependente da conclusão e perfeição do negócio visado, exigindo o nexo de causalidade adequada entre a actividade da mediadora e tal conclusão.

No contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, em que o contrato visado não se concluiu, o direito à remuneração pressupõe a comprovação de que a falta de conclusão do negócio se deveu a “causa imputável” do cliente.

A propósito da interpretação do art.19 nº2 da Lei nº 15/2013, refere Higina Orvalho Castelo que a mediadora terá apenas demonstrar que cumpriu a sua obrigação, ou seja, que diligenciou quanto à obtenção e um interessado “genuinamente interessado”  e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi acordado, pelo que “Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, poderá o cliente eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável ( porque por exemplo, recebeu entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio ou desistiu por qualquer outra razão “ ( O Contrato de Mediação, pág. 432).

Como é sabido, sobre a carga probatória em sede de responsabilidade contratual, ao credor incumbe a prova da existência da obrigação e ao devedor a prova do cumprimento ou a impossibilidade da prestação por causa que não lhe seja imputável  ( cf., por ex., Vaz Serra, BMJ 47, pág.98 e segs., Galvão Telles , Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 254, Nuno Oliveira, “ Ónus da Prova e Não Cumprimento das Obrigações”; Scientia Jurídica, XLIX, 2000, nº283/285, pág.174 e segs. ).

Na situação dos autos, o contrato de mediação imobiliária foi estabelecido pelo prazo de 6 meses ( cláusula 10ª), em regime de exclusividade ( cláusula 2ª), convencionando-se que a comissão de 5%, do valor da transacção acrescida de IVA legal ( cláusula 3ª) e o pagamento da remuneração pago em 50% com a celebração do contrato promessa e o remanescente de 50% na celebração do contrato de compra e venda ou conclusão do negócio ( cláusula 5ª).

O contrato vigorou desde 22 de Março de 2018 até à data da sua denúncia pelo R., por carta de 15 de fevereiro de 2019, com efeitos a partir de 21 de março de 2019.

A Autora (mediadora) angariou um comprador com a proposta final de € 1.025.000,00, comunicando-a ao Réu em 28/10/2018, que a aceitou, tendo ele ficado responsável pela elaboração da minuta do contrato promessa.

Como o Réu informou que tinha uma proposta de um potencial comprador por preço mais elevado, que não se consumou, em 4/12/2018 o Réu disponibilizou-se para a outorga do contrato promessa de compra e venda com o cliente angariado pela Autora, nos termos em que havia aceite.

Posto isto, a circunstância de o Réu haver diligenciado para vender o prédio por preço superior não foi a causa imputável para a não conclusão do negócio visado, angariado pela Autora.

Na verdade, conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade apenas posterga a intervenção de outros mediadores, mas não impede o comitente de ele próprio angariar interessados ( cf., por todos, Ac STJ de 17/6/2021 ( proc nº 8373/19), em www dgsi).

E tal facto também não significou qualquer revogação ou desistência por parte do Réu do contrato de mediação imobiliária celebrado com a Autora., tanto mais que este se manteve em vigor até 21/3/2019 e o Réu não chegou sequer a consumar a proposta que ele próprio havia diligenciado, e muito menos se recusou a celebração do negócio angariado pela Autora.

Na verdade, comprovou-se que o contrato de compra e venda não se realizou por desinteresse do cliente angariado pela Autora ( cf pontos L) e R) dos factos provados ).

E como bem se justificou no acórdão recorrido, a não concretização do contrato visado em função da perda de interesse do comprador deve ser aferida segundo um “critério objectivo”.

Nele consta a seguinte fundamentação:

“No caso, não temos dúvidas em afirmar que o R. foi o responsável pela não assinatura, num mais curto espaço de tempo, do contrato-promessa nos termos já delineados e acordados entre as partes interessadas. No entanto, também temos de reconhecer que esse negócio ainda era realizável, nos precisos mesmos termos, e ainda em tempo, quando em 4 de dezembro o R. se dispôs a assinar o mesmo contrato-promessa, pedindo desculpa pelo seu atraso à contraparte.

Veja-se que, dos termos do contrato-promessa junto aos autos (cfr. doc. defls. 36 a 43), o preço acordado seria pago no ato da escritura (cfr. Cláusula terceira al. b) do documento n.º 8 junto com a petição inicial a fls. 38), embora se previsse um sinal de €300.000,00 a pagar no ato da assinatura do contrato- promessa (cfr. cláusula terceira a) do cit. doc. n.º 8 a fls. 37) que, por força do comportamento do R., foi apenas protelada no tempo. Mas, diga-se que esse adiamento só constituiu um benefício económico para o comprador, que assim não ficou obrigado a pagar a soma do sinal tão cedo.

Por outro lado, ainda dos termos desse contrato, ficou convencionado que a escritura seria outorgada até 19 de janeiro de 2019 (cfr. cláusula quinta n.º 1 dodoc. n.º 8 a fls. 39). Pelo que, se em 4 de dezembro de 2018, o R. estava disposto a assinar o contrato-promessa (cfr. doc. a fls. 52), ainda estava muito em tempo para a escritura vir a ser celebrada no prazo inicialmente acordado.

Em suma, o motivo que justificou a perda de interesse do cliente angariado pela A. parece assumir-se como meramente subjetivo, por na aparência se ter fundado numa hipotética apreciação sobre a “ética comercial” do comportamento do R., que não quis deixar de ver se conseguia vender o imóvel por um valor superior, o que terá desagradado aos olhos do comprador, que não deve ter aceito o pedido de desculpas constante da comunicação «remetida pelo R., via “WhatsApp”, a 4 de dezembro de 2018 (cfr. doc. n.º 5junto com a petição inicial – cfr. fls. 51 e 52).

(…)

Concluímos assim que, na aparência, o problema do comprador foi apenas“não ter gostado” do comportamento do R.. O que se trata de razão meramente subjetiva. Pelo que, se o contrato-promessa acabou por não ser efetivamente assinado, foi porque o cliente angariado pela A. não quis, porque nisso perdeu interesse (subjetivo), por se mostrar desagrado e não aceitar as desculpas pelo atraso apresentadas pelo R.. Ora isso, do ponto de vista da objetividade estrita dos interesses económicos na realização deste negócio (cfr. Art. 808.º n.º 2 do C.C.) não releva para por termo ao acordo, porque o contrato ainda era possível e não foram apresentadas outras razões atendíveis para não ser concretizado nos mesmos termos”.

Concorda-se com a argumentação, por se revelar pertinente ao caso em apreço. Na verdade, não ficou demonstrado que a não formalização do contrato promessa seja imputável ao Réu, sendo certo que não se provou que houvesse sido convencionado um prazo fixo para a sua assinatura ou que tanto o promitente comprador, como a Autora o interpelassem para o efeito.


2.5. – Síntese conclusiva


a)No contrato de mediação imobiliária, para a obrigação do pagamento da remuneração pelo comitente é hoje incontroversa a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.

b)No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade simples, o comitente não está impedido de proceder ele próprio à angariação de interessado.

c)O direito de remuneração do mediador no âmbito de um contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade em que o contrato visado não se concluiu pressupõe que a causa da não conclusão seja imputável ao comitente.

d)Não tem direito à remuneração a mediadora que angariou um interessado para a compra e venda de um prédio urbano, pertencente ao proprietário/comitente, demonstrando-se que o negócio não se realizou por perda de interesse do terceiro.



III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar improcedente a revista e confirmar o douto acórdão recorrido.

2)


Condenar a Recorrente nas custas.



Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Abril de 2023.


Jorge Arcanjo ( Relator )

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira