Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
Relator: | ABRANTES GERALDES | ||
Descritores: | AGENTE DE EXECUÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL SOLICITADOR DE EXECUÇÃO REGIME APLICÁVEL | ||
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Data do Acordão: | 04/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE EXECUÇÃO. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS - SOLICITADORES. | ||
Doutrina: | - Alves de Brito, Scientia Iuridica, n.º 317º, p. 165. - Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª ed., p. 133. - Barata Figueira, “O solicitador de execução. O agente de execução”, em Maia Jurídica, ano I, n.º 2, p. 77 e segs. - Carvalho Fernandes e João Labareda, “CIRE”, anot., p. 274. - Catarina Pires Cordeiro, “A responsabilidade do exequente na nova acção executiva: fundamentos e limites”, em Cadernos de Direito Privado, nº 10, p. 27. - Eduardo Paiva e Helena Cabrita, O Processo Executivo e o Agente de Execução, p. 15. - Elizabeth Fernandez, “A (pretensa) forma da acção executiva”, em Cadernos de Direito Privado, n.º 26, p. 27. - Lebre de Freitas, Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., pp. 27 e 28; - Lopes do Rego, “As funções e o estatuto processual do agente de execução”, em Themis, n.º 9, p. 44; Comentários ao CPC, 2ª ed., p. 17. - Maria da Glória Garcia, A Responsabilidade do Exequente e de Outros Intervenientes Processuais, pp. 36 e 38. - Maria Glória Garcia, A Responsabilidade do Exequente e de Outros Intervenientes Processuais, pp. 19 e 20, 35, 49. - Mariana França Gouveia, “A Reforma da acção executiva: ponto da situação”, na obra ed. do CSM “Balanço da Reforma da Acção executiva”, p. 54; “Poder Geral de Controlo”, em Sub Judice, n.º 29, p. 11. - Orlando Rebelo, “O juiz no processo de execução”, em Julgar n.º 18, p. 142. - Paulo Pimenta, “Reflexões sobre a nova acção Executiva”, em Sub Judice, n.º 29, p. 96. - Paulo Pimenta, “Reflexões sobre a nova acção executiva”, em Sub Judice, n.º 29, p. 81 e segs., - Teixeira de Sousa, “Aspectos gerais da reforma da acção executiva”, Cadernos de Direito Privado, n.º 4, p. 8; em Cadernos de Direito Privado, Especial n.º 1, p. 9. - Tomé Gomes, “Balanço da reforma da acção executiva”, em Sub Judice, n.º 29º, pp. 31 e 32. - Virgínio Ribeiro, As Funções do Agente de Execução, pp. 51, 54; “O poder geral de controlo na acção executiva”, em Julgar, n.º 18, p. 149. “Código de Processo Civil”, anot., vol. III, p. 270. | ||
Legislação Nacional: | CIRE: - ARTIGOS 52.º, N.º1, 56.º, 59.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 501.º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 239.º, N.º6, 672.º, 808.º, 809.º, N.º1, 812.º-C, 818.º, N.º1, 824.º, N.ºS 4 A 7, 842.º-A, 843.º, N.º3, 864.º, N.º1, 882.º, N.º1, 886.º-C. DEC. LEI N.º 28/00, DE 13-3, REFORÇADO PELO DEC. LEI N.º 237/01, DE 30-8. DEC. LEI Nº 48.051, DE 21-11-1967 (ENTRETANTO SUBSTITUÍDO PELA LEI Nº 67/07, DE 31-12). ESTATUTO DA CÂMARA DOS SOLICITADORES (ECM), DEC. LEI N.º 88/03, DE 10-9: - ARTIGOS 69º-B, 123º, N.º 1, AL. N), 127º-A, 128.º, 131.º, N.º1. LEI N.º 22/13, DE 26-2: - ARTIGOS 11º, AL. A), 12º, Nº 8. PORTARIA N.º 331-B/09, 30-3. PORTARIA N.º 708/03, DE 4-8. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 6-7-11, EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | 1. Embora as atribuições do agente de execução não se circunscrevam às que são típicas de uma profissão liberal, envolvendo também actos próprios de oficial público, para efeitos de responsabilidade civil emergem os aspectos de ordem privatística que resultam, nomeadamente, da forma de designação, do grau de autonomia perante o juiz, do regime de honorários, das regras de substituição e de destituição, da obrigatoriedade de seguro ou do facto de o recrutamento, a nomeação, a inspecção e a acção disciplinar serem da competência de uma entidade que não integra a Administração. 2. A responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto no Dec. Lei nº 48.051, de 21-11-1967 (entretanto substituído pela Lei nº 67/07, de 31-12). 3. Assim acontece com a responsabilidade decorrente da realização indevida de uma penhora, numa ocasião em que a execução se encontrava suspensa por decisão judicial, nos termos do art. 818º, nº 1, do CPC, depois de o executado, que deduzira oposição, ter prestado caução. A.G. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Houve contra-alegações. Cumpre decidir. Naquela primeira iniciativa, a regulação da actividade, quer na vertente inspectiva, quer disciplinar, foi confiada exclusivamente a órgãos internos da Câmara de Solicitadores, sem distinção relativamente aos demais solicitadores (art. 131º, n.º 1, do Estatuto). Já ao nível da intervenção na acção executiva, para além da atribuição de competência para a prática da generalidade dos actos executivos, ficou previsto que a sua destituição, por decisão judicial, ficaria reservada para casos de actuação dolosa ou negligente ou para situações que configurassem violação grave de deveres estatutários (art. 808º, n.º 4, do CPC). Ainda assim, as consequências estritamente disciplinares continuaram a ser um exclusivo da Câmara de Solicitadores.[7] Submetidos a um estatuto híbrido, no qual surgem aspectos ligados à cooperação na Administração da Justiça cível, acaba por prevalecer a vertente liberal da sua actividade, a qual é revelada designadamente através do modo de recrutamento, da forma de designação (art. 808º, n.ºs 3 e 4), do grau de autonomia relativamente ao juiz (n.º 1), a par do grau de dependência em relação ao exequente (n.º 6), da faculdade de delegar a execução de actos (art. 128º do Estatuto), do regime de honorários, com indexação aos resultados (Portaria n.º 708/03, de 4-8), ou da atribuição da função inspectiva e disciplinar a órgãos autónomos que não se confundem com órgãos da Administração.[10] Tal demanda a integração no regime geral da responsabilidade civil. Com efeito, a submissão dos agentes de execução ao regime de responsabilidade civil prescrito para os servidores do Estado e de outras entidades públicas exigiria um grau de interferência externa e a elevação do nível de controlo a um ponto que acabaria por descaracterizar o perfil estatutário que o legislador inequivocamente pretendeu assumir. 2.5. Não se ignora que aos agentes de execução foram conferidos poderes que interferem com a esfera de terceiros, designadamente do executado, de início, sob o “poder geral de controlo” atribuído ao juiz e, agora, sujeitos à apreciação judicial mediante iniciativa externa (art. 809º, nº 1, do CPC). Esses e outros aspectos têm levado alguns autores a concluir que se aplica aos agentes de execução o regime da responsabilidade próprio dos agentes administrativos. Alves de Brito, depois de observar uma forte tendência para a qualificação do vínculo entre o exequente e o agente de execução como “mandato e, em particular, como mandato sem representação, em que o mandatário/agente de execução agiria em nome próprio, conquanto por conta de outrem”, acaba por concluir que, exercendo “verdadeiros poderes de autoridade”, “parece ser possível a hipótese de um novo auxiliar da justiça”, observando em nota de rodapé que “a responsabilização do agente de execução pode constituir o Estado numa obrigação de indemnizar” (Scientia Iuridica, n.º 317º, pág. 165). Teixeira de Sousa, em “Aspectos gerais da reforma da acção executiva” (Cadernos de Direito Privado, n.º 4), conclui que “o solicitador, apesar de ser uma entidade privada, exerce funções públicas, pelo que se está perante um dos casos de exercício privado de funções públicas” (pág. 8). Já em Cadernos de Direito Privado, Especial n.º 1, num trabalho sobre o novo regime de 2008, afirma que o agente de execução responde ao abrigo do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, sendo o Estado “exclusivamente responsável pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelo agente de execução” (pág. 9). Também Lebre de Freitas, depois de afastar a integração da relação estabelecida entre o exequente e o agente de execução (ao abrigo do regime de 2003) nos quadros do contrato de serviços de direito privado, considerando que releva a vertente pública da sua actividade (“O agente de execução e poder jurisdicional”, na revista Themis, n.º 7, pág. 26), conclui que, “havendo responsabilidade do solicitador perante as partes ou terceiro, o Estado pode, por sua vez, responder nos termos gerais da responsabilidade do Estado por actos dos seus agentes”(CPC anot., vol. III, pág. 270). Observa ainda que “não impede a responsabilidade do Estado pelos actos ilícitos que o solicitador de execução pratique no exercício da função, nos termos gerais da responsabilidade do Estado pelos actos dos seus funcionários e agentes” (Acção Executiva Depois da Reforma, 4ª ed., págs. 27 e 28).[11] 2.6. Discordamos da solução apontada, assumindo, ao invés, entendimento semelhante ao que este Supremo Tribunal já expressou no aludido acórdão de 6-7-2011 (www.dgsi.pt). Na maior parte das diligências (penhora, venda, arrecadação de dinheiros, pagamentos, notificações, etc.) os agentes de execução agem com uma autonomia praticamente total, fora dos limites da secretaria judicial, nos respectivos escritórios. Por isso não se compreenderia que, apesar desse grau de autonomia e do facto de não suportarem os ónus inerentes a um controlo externo e efectivo de entidades públicas, acabassem por ser submetidos ao regime específico da responsabilidade que a estas se aplica, com a inerente assunção, em determinadas circunstâncias, da responsabilidade civil exclusiva do Estado. Sem pretender esgotar o leque de intervenções, na actividade dos agentes de execução são abarcados os seguintes actos (cuja regulamentação consta da Portaria n.º 331-B/09, 30-3): Alguns dos actos são de natureza intrusiva na esfera jurídica de terceiros, maxime do executado, como acontece com a penhora ou com a sua venda. Outros actos são de natureza para-jurisdicional, podendo envolver a ponderação de certas circunstâncias de contornos variáveis, como ocorre com a apreciação de pretensões atinentes a determinadas isenções temporárias de penhora ou à redução da penhora de salários (art. 824º, n.ºs 4 a 7), com o fraccionamento de imóvel ou levantamento de penhora (art. 842º-A), com o deferimento do pagamento em prestações (art. 882º, n.º 1) ou com a venda antecipada (art. 886º-C). Mas a opção pela desjudicialização e desjurisdicionalização (que alguns chegam a apelidar de “privatização”) de alguns actos da acção executiva não pode ter como consequência automática, nem a manutenção da responsabilidade do Estado, em regime de solidariedade, nem a aplicação aos membros das diversas classes profissionais a quem foi atribuída a sua prática do regime de responsabilidade prescrita para os actos da Administração. Com efeito, na falta de uma clara directriz do legislador noutro sentido, outras características que já foram escalpelizadas no mencionado acórdão do STJ reclamam a submissão dos agentes de execução ao regime de responsabilidade civil aplicável à generalidade dos profissionais liberais, sem embargo de os pressupostos materiais ou substanciais serem aferidos em função do contexto específico de um processo de execução. Não se compreenderia efectivamente que, transferida para terceiros a competência para a prática de determinados actos, o Estado continuasse a suportar a responsabilidade, por vezes em regime de exclusividade. A não ser que o legislador o assuma inequivocamente, não devem exponenciar-se, por via interpretativa, as situações em que a um certo afastamento do Estado do exercício de determinadas tarefas continue a corresponder igual ou superior risco da actividade, acabando por arcar com os encargos emergentes. Risco ainda mais agravado em situações como a que estamos apreciando, em que o poder disciplinar, regulador e inspectivo se encontra confiado exclusivamente a entidades externas (agora a CPEE e, antes, a Câmara de Solicitadores).
2.7. Solução contrária à daqueles autores foi assumida no referido aresto e encontra ainda conforto na análise feita por diversos autores. Segundo Lopes do Rego, para quem o solicitador de execução é um “profissional liberal independente” (“As funções e o estatuto processual do agente de execução”, em Themis, n.º 9, pág. 44), é bem ténue o vínculo do solicitador de execução relativamente ao juiz do processo de execução, apenas sujeito a um poder de controlo genérico que não coloca em crise o facto de exercer a actividade com autonomia própria semelhante à de quem exerce uma profissão liberal (Comentários ao CPC, 2ª ed., pág. 17).[12] A submissão prioritária ao regime de responsabilidade civil em geral é igualmente defendida, com múltiplos argumentos (v.g., poder de delegação noutro solicitador, dever de observar determinadas instruções do exequente), por Virgínio Ribeiro, observando que, “na prática, a Reforma de 2003, transformou um profissional liberal num funcionário público, remunerado pelas partes” (“O poder geral de controlo na acção executiva”, em Julgar, n.º 18, pág. 149). Noutro local conclui, essencialmente a partir do actual regime, que a actividade do agente de execução se rege fundamentalmente pelas regras do “contrato de prestação de serviços de direito privado, ainda que na respectiva execução devam ser observadas maioritariamente regras de natureza pública” (As Funções do Agente de Execução, pág. 54), à semelhança do que ocorre com os notários (pág. 51). Mais preciso é Tomé Gomes que, sem deixar de assinalar a “deficiente definição dos termos da responsabilidade civil, mormente do Estado, por uma eventual actuação danosa do solicitador de execução”, conclui que, nada de específico se prevendo, há que “recorrer aos meios de tutela comuns, tendo em linha de conta que se trata do exercício de uma profissão independente, mas pautada por deveres estatutários específicos, aliás, postulados pela natureza pública da função da administração da justiça em que se inscrevem”, pondo em destaque a obrigatoriedade legal de existência de seguro de responsabilidade civil (“Balanço da reforma da acção executiva”, em Sub Judice, n.º 29º, págs. 31 e 32). A mesma conclusão advoga Maria da Glória Garcia, para quem a actuação dolosa ou negligente do agente de execução na fase de realização da penhora (e não só) fá-lo incorrer em “responsabilidade civil, nos termos gerais, quando se encontrem preenchidos os requisitos do art. 483º do CC” (A Responsabilidade do Exequente e de Outros Intervenientes Processuais, págs. 36 e 38).[13] 2.8. A justificação para esta solução encontra no sistema apoios suficientes, ainda que de natureza difusa. Para além de a excepcionalidade do regime de responsabilidade civil dos agentes do Estado impulsionar a restrição da sua aplicação a casos que com ele mantenham um forte paralelismo, certas medidas legislativas que acompanharam a criação da figura do solicitador ou do agente de execução apenas se compreendem num sistema em que a respectiva responsabilidade civil se enquadre no regime geral. Assim, em termos não exaustivos: a) O agente de execução pode delegar a prática de actos processuais noutros agentes, nas circunstâncias previstas no art. 808º, n.º 8, sendo que uma tal delegação é feita, segundo a lei, “sob a sua responsabilidade”;[14] b) O agente de execução pode ter ao seu serviço funcionários a quem, “sob sua responsabilidade”, encarregue da prática de certos actos (art. 808º, n.º 10), responsabilidade que também está expressamente prevista para os casos em que o agente de execução utilize colaboradores na administração dos bens penhorados, nos termos do art. 843º, n.º 3, ou para realização de citações (art. 239º, n.º 6);[15] c) No art. 864º, n.º 1, in fine, está expressamente prevista para a falta de citação de credores privilegiados a responsabilidade do agente de execução “nos termos gerais”, o que nos remete obviamente para o regime geral da responsabilidade extracontratual; d) As circunstâncias anteriores e outras que demandam a responsabilidade directa e imediata do agente de execução justificam a previsão da obrigatoriedade de celebração de contrato de seguro de responsabilidade civil profissional (art. 123º, n.º 1, al. n), do ECS), medida destinada a garantir efectivamente a tutela de terceiros que sejam lesados pela prática de factos ilícitos;[16] e) Semelhante objectivo é prosseguido pelo Fundo de Garantia (art. 127º-A do ECS) destinado a proteger os interessados contra a dissipação das quantias que tenham sido depositadas à ordem do agente de execução; f) Dos actos praticados pelo solicitador é legítimo reclamar para o juiz, assim como pode o interessado deduzir a competente impugnação perante o juiz (art. 809º, n.º 1, al. c)), mecanismos processuais que, por um lado, visam impedir a consumação de danos e, por outro, permitem que a actuação do agente de execução acabe por ser respaldada numa decisão judicial, a partir da qual a questão da eventual indemnização por danos causados passa a estar ao abrigo do regime específico ligado à prática de actos judiciais. Neste contexto, uma solução que admitisse que a actuação do agente de execução se repercutiria imediata e directamente na esfera do Estado, submetida ao regime específico, não prescindiria de uma sólida base que, sem risco de incoerências quanto a outras soluções, permitisse sair dos quadros da responsabilidade civil em geral para o campo específico, submetido a regras próprias. Somos assim impelidos para a integração da responsabilidade civil dos agentes de execução nas regras gerais que constam do Código Civil. 2.9. O modo como foram reguladas outras situações paralelas pode servir para filtrar ainda mais a solução que se revela mais adequada no contexto de um sistema jurídico que se pretende coerente. Vejamos: a) A transferência de competências para os agentes de execução não é substancialmente diversa da possibilidade que, em geral, é conferida aos solicitadores ou aos advogados de atestarem o reconhecimento de assinaturas e a conformidade de cópias de documentos, nos termos que estão previstos no Dec. Lei n.º 28/00, de 13-3, reforçado pelo Dec. Lei n.º 237/01, de 30-8.[17] A tais actos de reconhecimento e de atestação é atribuído valor probatório idêntico ao que decorre de semelhantes actos que eram praticados por Cartórios Notariais que praticamente detinham o monopólio da atribuição de fé pública documental. Tratando-se de uma opção que não é isenta de riscos e que também é susceptível de afectar, por negligência ou dolo, interesses de terceiros, apesar disso, está afastada naturalmente a responsabilização do Estado por actos que, na realidade, se inscrevem no âmbito do puro exercício de uma profissão liberal, demandando em exclusivo a aplicação das normas especificamente relacionadas com as actividades e os estatutos profissionais em causa. Tal como à criação da figura do agente de execução presidiu o objectivo de tornar mais eficazes e ágeis os procedimentos executivos, também naquela iniciativa se entrevê a ideia de facilitar o quotidiano dos cidadãos e das empresas, sem que uma tal opção tenha de conviver necessariamente com a responsabilização ou co-responsabilização do Estado pelos danos que sejam imputados aos que actuam ilicitamente na prática de actos de reconhecimento e de atestação. b) Mais evidente se mostra o argumento que se extrai do paralelismo que existe entre os agentes de execução e o administrador de insolvência, sendo de notar, desde logo, que o art. 11º, al. a), da recente Lei n.º 22/13, de 26-2, que reviu o estatuto profissional do administrador de insolvência, estabelece, para determinados efeitos, a equiparação entre ambas as profissões. A actividade do administrador de insolvência envolve um elevado grau de intervenção na administração e na liquidação do património dos insolventes, podendo envolver, além do mais, a representação do insolvente, a gestão de empresas ou de estabelecimentos, a verificação do passivo, a liquidação de todo o património, a venda de bens, a efectivação de pagamentos, etc. Mas apesar da amplitude das competências do administrador de insolvência e da manutenção de um vínculo funcional relativamente ao juiz (sendo este que, em regra, designa o administrador, nos termos do art. 52º, n.º 1, do CIRE, podendo destituí-lo com justa causa - art. 56º do CIRE), por expressa opção do legislador, a eventual responsabilidade civil em que incorra perante os credores ou devedores obedece ao travejamento da responsabilidade civil extracontratual, com as especificidades constantes do art. 59º do CIRE. Correspondentemente a imputação dessa responsabilidade e a reclamação de alguma indemnização é feita nos quadros do processo de insolvência, não havendo sinal algum de que a sua actuação seja submetida ao regime ao regime jurídico especificamente previsto para a responsabilidade extracontratual do Estado, com atribuição de competência material aos tribunais administrativos.[18] Foi, aliás, para responder a eventuais indemnizações decorrentes da prática de actos ilícitos no exercício das funções que o art. 12º, nº 8, do actual estatuto, aprovado pela Lei nº 22/13, de 26-2, tal como já ocorria com os agentes de execução, também veio prescrevera obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir “o risco inerente ao exercício das suas funções”, sinal claro de que não se pretende a (co-) responsabilização do Estado, nem a abrigo do regime especial, nem do art. 501º do CC. 3. Perante os factos que foram imputados à R. A. e que se encontram provados (efectivação de uma penhora numa ocasião em que a execução se encontrava suspensa, depois de o executado, ora Autor ter prestado caução), não existe motivo para os sujeitar a um regime diverso do que é aplicável à generalidade dos profissionais liberais. Impõe-se, assim, a confirmação do acórdão recorrido, concluindo, como no Ac. deste STJ, de 6-7-11, que a “componente, diríamos, privada da sua nomeação e o modo de responsabilidade da sua actuação, sobreleve a vertente da actuação para-administrativa”. O suficiente para se lhe aplicar o regime do direito privado. E uma vez que nas alegações da revista apenas foram suscitadas questões atinentes à identificação do regime jurídico aplicável, abstendo-se a recorrente de impugnar os efeitos que em concreto foram extraídos de tal regime, nem sequer se mostra viável sindicar os fundamentos e os limites da condenação que foi decretada no acórdão recorrido, ainda que substancialmente tal pudesse justificar-se em face das circunstâncias em que pontua o reduzido grau de culpa, a pouca gravidade dos factos e um ténue nexo de causalidade entre a actuação da R. e a frustração do negócio que o A. pretendia celebrar. IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas da revista a cargo da recorrente. Notifique. Lisboa, 11 de Abril de 2013 Abrantes Geraldes (Relator) Bettencourt de Faria Pereira da Silva ------------------------- [10] Amâncio Ferreira evidencia a natureza híbrida da figura, a meio caminho entre a qualidade de mandatário do credor e de oficial público, acabando por concluir que a entrada no sistema do agente de execução revela um “apelo a uma entidade para-judicial para a prática de diversos actos materialmente administrativos que ocorrem no processo de execução” (Curso de Processo de Execução, 13ª ed., pág. 133). Mariana França Gouveia refere que se trata de um “oficial semi-público” (“A Reforma da acção executiva: ponto da situação”, na obra ed. do CSM “Balanço da Reforma da Acção executiva”, pág. 54), sobrelevando, ainda assim, a função de “profissional liberal” (“Poder Geral de Controlo”, em Sub Judice, n.º 29, pág. 11). Orlando Rebelo assinala que o agente de execução age como “mandatário do credor exequente (apesar de continuar a manter um estatuto híbrido, já que ainda tocado pela natureza pública de alguns dos seus poderes …)” (“O juiz no processo de execução”, em Julgar n.º 18, pág. 142). Elizabeth Fernandez, reportando-se ao regime de 2008, conclui que “foi claramente reforçada a natureza de mandato da relação entre o exequente e o agente de execução, na medida em que este último pode ser livremente escolhido e substituído por aquele” (“A (pretensa) forma da acção executiva”, em Cadernos de Direito Privado, n.º 26, pág. 27). Cfr. ainda sobre a matéria Paulo Pimenta, “Reflexões sobre a nova acção executiva”, em Sub Judice, n.º 29, págs. 81 e segs., Eduardo Paiva e Helena Cabrita, O Processo Executivo e o Agente de Execução, pág. 15, e Barata Figueira, “O solicitador de execução. O agente de execução”, em Maia Jurídica, ano I, n.º 2, págs. 77 e segs. [14] Além disso, a actividade de agente de execução pode ser exercida não apenas por solicitadores ou advogados em prática individual, mas também por sociedades (art. 119º-A do Estatuto), saindo dos quadros de uma “profissão liberal” para o de uma “actividade liberal” que tornaria ainda mais complexa a submissão a regras que visam explicitamente os agentes da Administração. [18] Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE anot., pág. 274, a questão da competência material, em face do art. 59º do CIRE, apenas se coloca no âmbito dos tribunais judiciais (tribunal de comércio ou juízo cível), não se colocando o confronto com os tribunais administrativos que seriam os competentes se acaso a responsabilidade obedecesse ao regime especial aplicável aos agentes administrativos (cfr. a este propósito o Ac. da Rel. de Guimarães, de 29-11-11, www.dgsi.pt). |