Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
176/06.3EAPRT-B.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
CONEXÃO DE PROCESSOS
NOTÍCIA DO FACTO
Data do Acordão: 01/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUÍDA A COMPETÊNCIA AO 1.º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE GUIMARÃES
Sumário :
I - Estando em causa na acusação, a prática de um crime conexionado com várias áreas territoriais, a competência para julgamento do feito pertence a qualquer dos tribunais dessas áreas territoriais, «preferindo o daquela onde primeiro tiver havido notícia do crime» - art.º 21.º, n.º 1, do CPP.
II - Para tal efeito, notícia do crime, é, apenas e só, o conhecimento que o Ministério Público adquire dos factos, pois que o procedimento criminal só se inicia com um acto do Ministério Público (art.ºs 48.º e 53.º, n.º 2, a), do CPP e art.º 219.º, n.º 1, da Constituição).
III - A participação entretanto feita a entidade diferente do Ministério Público, ainda que se trate de um órgão de polícia criminal, reveste a natureza de acto meramente instrumental relativamente ao momento relevante para desencadeamento da acção penal por quem de direito: o Ministério Público, após a notícia, directa ou indirecta que assuma do mesmo facto.
Decisão Texto Integral:

1

1. O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Guimarães acusou, em processo comum, e com intervenção do tribunal singular, os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, e GG, todos devidamente identificados, imputando-lhes a prática de factos que, segundo o libelo, integrariam a previsão do artigo 322.º, a), do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo Dec. -Lei n.º 36/2003, de 5 de Março.
Porque «a acusação apresenta elementos de conexão territorial com várias comarcas, a saber, Porto, Vila do Conde, Matosinhos e Guimarães, dela resultando, por outro lado, que estamos perante uma situação de conexão de processos, em que vários agentes cometeram diversos crimes, sendo uns causa e efeito dos outros, tendo sido organizado um único processo», e considerando que «a denúncia foi apresentada na Direcção Regional do Norte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, no Porto», conclui o juiz do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, em causa, que «os competentes para conhecer dos crimes que aos arguidos vêm imputados», são os Juízos Criminais do Porto.
Na sequência, excepcionou oficiosamente incompetência territorial do respectivo tribunal.
Remetidos os autos ao Porto, o titular do 3.º Juízo Criminal a quem o processo coube em distribuição, considerando, em suma, que o momento relevante para a aferição da competência territorial em casos como o dos autos é o da notícia do facto pelo Ministério Público e, não, qualquer outro, declinou, por sua vez, a competência para julgamento do feito e, tendo o facto sido noticiado, inicialmente, ao Ministério Público de Guimarães, radica no juiz excepcionante a enjeitada competência para julgamento.
Os despachos respectivos transitaram em julgado.
Surge assim uma situação de conflito entre os dois referidos tribunais, que cumpre resolver.
Cumprido o disposto no artigo 36.º do CPP, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto e a arguida EE, defendem que a competência para julgamento do caso deve ser atribuída ao excepcionante Tribunal Criminal de Guimarães.
Este Supremo Tribunal, na pessoa do Presidente da Secção Criminal, é legalmente, competente para conhecer do presente conflito, por força do disposto na alínea a), do n.º 6 do art.º 11° do C.P.P.

2. Cumpre decidir.
Estando em causa na acusação, a prática de um crime conexionado com várias áreas territoriais, a competência para julgamento do feito pertence a qualquer dos tribunais dessas áreas territoriais, «preferindo o daquela onde primeiro tiver havido notícia do crime» - art.º 21.º, n.º 1, do CPP.
Resta saber onde se verificou tal elemento de conexão.
É certo que a pretensa infracção foi primeiramente referenciada na denúncia feita à Direcção Regional do Norte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, no Porto.
Porém, tal facto é insignificante para a questão que se coloca.
Com efeito, o conceito relevante não é a primeira referência ou mesmo o primeiro momento de conhecimento ou a simples participação dos factos.
O conceito processual e juridicamente relevante é o da «notícia do crime» - art.º 21.º, n.º 1, citado.
Notícia do crime, é, hoc sensu, apenas e só, o conhecimento que o Ministério Público adquire dos factos, pois que o procedimento criminal só se inicia com um acto do Ministério Público (art.ºs 48.º e 53.º, n.º 2, a), do CPP e art.º 219.º, n.º 1, da Constituição).
Quer dizer: a participação feita a um OPC ou entidade diferente do Ministério Público, como aconteceu no caso com a ASAE, reveste a natureza de acto meramente instrumental relativamente ao momento relevante para desencadeamento da acção penal por quem de direito: o Ministério Público, após a notícia, directa ou indirecta que assuma do mesmo facto.
Aliás, foi em Guimarães que se desenvolveu todo o processo de inquérito. Ora, como este Supremo já decidiu (Ac. STJ de 8/10/2002, proc, 2919/02-5 SASTJ, n.º 64, 96), «o tribunal onde primeiro houve notícia do crime, não é aquele que se limita a receber uma denúncia e a remetê-la a outra comarca. Mas já o é aquele que avocou a respectiva investigação quanto à prática do crime. Esse início constitui o elemento relevante de conexão que faz presumir a ligação com o território e unifica o juízo».
Não tem assim base jurídica nem factual a posição assumida pelo magistrado excepcionante de Guimarães.

3. Termos em que, sem necessidade de outros considerandos, decido o conflito negativo assim surgido entre os juízes referidos, atribuindo a competência enjeitada ao 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães.
Notifique via fax (art.º 36.º, n.º 3, do CPP).
Oportunamente remeta os autos.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Janeiro de 2011

O Presidente da 3.ª secção
a) António Pereira Madeira