Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2991/10.4TBSXL.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: COMERCIANTE
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
DÍVIDA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS - DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / EFEITOS DO CASAMENTO QUANTO AOS BENS DOS CONJUGES.
DIREITO COMERCIAL - COMERCIANTES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 513.º, 1691.º, N.º1, ALÍNEA D).
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 15.º.
Sumário :
1 . O Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar a envolvência jurídica que determinou a aquisição factual levada a cabo pelo Tribunal da Relação.

2. Assim, pode sindicar a decisão de eliminação dum ponto da matéria de facto levada a cabo por tal Tribunal, com base em entendimento de que se trata de matéria jurídica.


3. A inclusão da palavra “comerciante”, para mais acompanhada da referência à atividade concreta levada a cabo, não deve ser considerada como integrante de conceito jurídico sendo de censurar a decisão de eliminação de todo este ponto factual.

4. As contas bancárias solidárias caracterizam-se pela solidariedade entre direitos dos vários titulares ao levantamento do depósito.

5. A solidariedade, quanto ao passivo, só emerge da lei ou de acordo nesse sentido.

6 . Sendo o réu comerciante, vale contra ele a presunção do artigo 15.º do Código Comercial.

7 . Preenchidos os requisitos da primeira parte da alínea d) do n.º1 do artigo 1691.º do Código Civil, cabe àqueles contra quem é invocada a solidariedade a prova de que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal ou de que entre os cônjuges vigorava o regime de separação geral de bens.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 . No Tribunal Judicial do Seixal, a CC demandou, nesta ação declarativa, sob a forma ordinária:

AA e sua mulher BB.

Alegou, em síntese, que:

Os réus são casados entre si e titulares de conta de depósito à ordem, em regime de solidariedade acordada com a autora.

Sobre essa conta emitiram um cheque do montante de € 650.000,00, pagável à empresa de que o réu marido é administrador e acionista;

Ela, autora, fez tal pagamento, não obstante a conta de depósito ter somente o saldo de € 314,00.

Os réus não pagaram a diferença em dívida, apesar de instados para o efeito.

A dívida foi contraída em proveito comum do casal, pois que subsistem ambos os dos proventos do réu marido, enquanto administrador e acionista da empresa em referência.

 Ela, autora, pratica a taxa de juro peticionada para os descobertos bancários não negociados previamente.

2 . Os réus contestaram.

Sustentaram que ela, ré, é totalmente alheia à operação bancária em referência, não tendo esta redundado em proveito comum do casal.

Mais alegam que ele, réu, procedeu previamente ao depósito de cheques em valor superior ao sacado e a autora não o alertou da má cobrança destes, desta forma gerando o descoberto em análise.

A conduta da autora causou-lhe prejuízos, pois ficou inibido de administrar a empresa de que era acionista, em razão da consequente comunicação ao Banco de Portugal, o que levou ao encerramento da mesma.

Nessa conformidade, deduziram reconvenção no valor de € 850.000,00.

3 . A ação prosseguiu e, na devida oportunidade, foi proferida sentença que:

A julgou parcialmente procedente, condenando o réu AA no pagamento à CC, S. A. de € 649.686,00 (seiscentos e quarenta e nove mil seiscentos e oitenta e seis euros e zero cêntimos),acrescidos de juros vencidos desde 6 de Julho de 2008 e vincendos, à taxa aplicável às transações comerciais;

Absolveu a ré do pedido;

Julgou a reconvenção improcedente.

4 . Apelou a autora, mas o Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação improcedente.

5 . Ainda inconformada, pede revista, que foi admitida como excecional.

Conclui as alegações do seguinte modo:

1) Na convicção da recorrente a questão que ora pretende ver submetida a revista por parte desse Alto Tribunal enquadra-se nas hipóteses em que o recurso é admissível, hipóteses estas que são as que se encontram previstas no art. 721°-A do CPC n.º 1 alínea c) "O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme".

2) No douto Acórdão aqui em crise entendeu-se que o conceito de comerciante traduz um mero conceito de direito e, consequentemente, nessa medida subvertido à matéria da decisão de facto a elencar pelo respectivo Tribunal de instância nos termos consignados no art. 646° n.º 4 do CPC considerando assim não escrita a respectiva resposta da decisão de facto proferida em primeira instância relativamente ao n.º 2 dos factos provados;

3) Todavia, o douto Acórdão da Relação de Évora de 09.02.2011 proferido por unanimidade, no processo com o n.º convencional 52915/09.4YIPRT.E1, consultável em www.dqsi.pt a respeito desta questão - o conceito de comerciante é um conceito de direito ou é um conceito de facto - decidiu de forma contraditória relativamente à decisão prolatada no aresto aqui sob sindicância, considerando que o conceito de comerciante é um conceito de facto e não só de direito (admitindo portanto que sobre o mesmo seja produzida prova e que tal conceito integre a decisão sobre a matéria de facto);

4) Encontram-se preenchidos os requisitos a que se alude na norma do art. 721-A n.º 1 alínea c) do CPC atendendo a que: Os dois Arestos em causa foram proferidos no domínio da mesma legislação; com efeito a redacção das normas jurídicas em causa quanto a esta questão - artigo 13° do Código Comercial, artigos 646° n° 4 e 712° n.º 4, ambos do CPC, - é exactamente a mesma aquando da prolação dos Acórdão em causa; Por outro lado, o douto Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Évora acima referido encontra-se já transitado em julgado; Por último, a questão fundamental tratada nos dois Arestos em causa é a mesma: O conceito de comerciante é exclusivamente de direito ergo não admite produção de prova nem, obviamente, decisão de facto (perspectiva do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ora sob sindicância), ou, ao invés, o conceito de comerciante é um conceito que também é um conceito de facto e, portanto, admite prova e decisão de facto;

5) O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ao entender que o conceito de comerciante é um conceito exclusivamente jurídico assim decidindo que a matéria constante do n.º 2 dos "Factos Provados" deveria ser expurgada da mesma nos termos e ao abrigo das disposições combinadas dos artigos 646° n.º 4 e 712° n.º 4 ambos do CPC não aplicou correctamente a lei de processo ao caso concreto, sendo a consequência imediata de tal incorrecção a subsequente incorrecta aplicação do direito (material), sendo igualmente certo que constitui matéria de direito - podendo ser conhecida pelo STJ nos termos do art. 722° CPC - a apreciação sobre se determinada matéria provada é conclusiva e integra o thema decidendum e, se assim sendo, deverá ou não ser julgada não escrita;

 6) Não sendo o conceito de comerciante um conceito exclusivamente jurídico a manutenção da matéria de facto constante do n.º 2 implicaria como consequência decisória substantiva que a dívida do cônjuge comerciante no exercício do seu comércio se presume comercial (art. 15° do CódCom.) e, nessa conformidade, gozava da presunção de ter sido contraída em proveito comum do casal (art. 1691° alínea d) do C.C.), com as consequências daí decorrentes para o caso concreto ao nível da responsabilização do património comum do casal;

7) A decisão do TRL de considerar não escrita toda a matéria constante do n.º 2 dos factos provados não tem qualquer cobertura ou previsão nas normas jurídicas que o TRL elenca como fundamentadoras da sua decisão, ou seja os artigos 646° n.º 4 e 712° n ° 4 do CPC; o que o TRL considerou foi tão-somente que o conceito de comerciante constitua um conceito de direito, pelo que se não pode aceitar que toda a restante matéria de facto que integrava o dito n.º 2 tenha sido arrastada para fora do processo por força de tal decisão;

8) Mesmo a aceitar por boa a decisão de que o conceito de comerciante é exclusivamente jurídico e que como tal deve ser considerado não escrito - o que não é a posição da recorrente - o certo é que a correcta aplicação do art. 646° n° 4 do CPC, mesmo nesta perspectiva, apenas determinaria a eliminação do conceito de comerciante (ou até de comerciante/industrial, como consta do n.º 2 dos factos provados) devendo ser mantida toda a restante matéria;

9) Sendo certo que a restante matéria constante desse mesmo n.º 2 é nada mais nada menos do que a concretização fáctica do que é a actividade profissional do réu marido, isto é, nela se considerou provado que o réu marido desenvolve profissionalmente a actividade de fabrico e venda de estruturas e de caixilharias em alumínio (o Que constitui uma actividade de natureza comercial):

10) Assim, mesmo expurgando do n.º 2 dos factos provados o conceito de comerciante o certo é que a restante matéria nele constante - isto é, que o réu marido desenvolve profissionalmente a actividade de fabrico e venda de estruturas e de caixilharias em alumínio - era só por si suficiente para que o TRL tivesse concluído de direito inversamente ao que decidiu:

11) Resulta assim da matéria de facto provada que o R. marido é comerciante (cfr. n.ºs 1 e 2 da fundamentação de facto), que a titular da conta bancária onde foi apresentado este cheque a pagamento é a sociedade comercial DD S.A. (n° 9 dos factos provados), que a quantia titulada nesse cheque se destinou ao pagamento de responsabilidades da sociedade DD S.A. (n.º 10 dos factos provados) e ainda que em 2008 os réus subsistiam com os proventos que recebiam da actividade industrial e comercial da empresa DD S.A. (n.º 13 dos factos provados);

12) O descoberto bancário traduz um mútuo mercantil, nos termos do art. 394° do C. Com., atendendo não só às partes envolvidas (R. marido, que é comerciante, e a DD S.A., que é uma empresa comercial) como também à afectação/destino da quantia sacada da conta bancária (pagamento de responsabilidades desta empresa);

13) A dívida contraída pelo R. marido perante o banco aqui impugnante ao não honrar o pagamento do saldo devedor do descoberto bancário é uma dívida de natureza comercial não só atenta a qualidade do sujeito envolvido como também atenta a afectação/destino da mesma, e, tratando-se de uma dívida de natureza comercial contraída pelo R. marido, que é comerciante, presume-se contraída no exercício do comércio deste nos termos previstos no art. 15° do C. Com., incorrendo sobre o casal o ónus de alegar e provar o contrário, se quisessem afastar a presunção, o que não fizeram;

14) Caberia à R. mulher (ou a ambos os RR.) o ónus de alegar e provar que a dívida contraída pelo R. marido não fora contraída em proveito comum do casal (art. 1691° n.º 1 alínea d) do C.C.), sendo certo que o que ficou demonstrado é precisamente o oposto, isto é, que a quantia em causa (650.000,00 €) foi afectada ao pagamento de responsabilidades da DD SA da qual o R. marido é administrador e acionista e, ainda que ambos os RR. subsistiam com os proventos que recebiam da actividade industrial e comercial da empresa DD S.A. (n° 13 dos factos provados).

Não foram apresentadas contra-alegações.

6 . Os pontos 1 a 4 das conclusões dizem respeito à admissibilidade do recurso como revista excecional, tendo, por isso, sido conhecidos pela formação a que alude o n.º3 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil, na redação, ainda aqui aplicável, emergente do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24.8.

Ficam-nos, assim, as questões consistentes em saber se:

É de revogar totalmente a eliminação do ponto 2 do elenco factual que se vai transcrever, levada a cabo pela Relação;

Não sendo de revogar totalmente, deve ser revogada a eliminação na parte que acresce à palavra “comerciante”.

Consequentemente, impendia sobre os réus o ónus de provarem que a dívida emergente do descoberto bancário não fora contraída em proveito comum do casal.

7 . Na 1.ª instância foi considerado provado o seguinte:

1. No dia 24.07.1996, foi registada na Conservatória de Registo Comercial a sociedade DD (...) S.A., de que o réu é administrador e accionista.

2. O réu é comerciante/industrial desenvolvendo profissionalmente a actividade do fabrico e venda de estruturas e de caixilharias em alumínio.

 3. O réu é titular de uma conta bancária de depósitos à ordem, sediada na agência da autora de ..., com o n° ….

4. A ré também é titular, em regime de solidariedade, da conta referida no n.° 3. (resposta ao n° 1 da base instrutória)

5. No dia 03 de Junho de 2008 o réu apresentou a pagamento para crédito em conta da conta bancária n° … balcão do banco EE agência de ..., o cheque n° ..., sacado sobre aquela sua conta, cheque este com data de emissão de 03.06.2008 e no valor de 650.000,00 €.

6. A 04.06.2008, o cheque foi apresentado à telecompensação. (resposta ao n° 4 da base instrutória)

7. A 04.06.2008, a conta bancária referida no n° 3 apresentava o saldo de € 314,00. (resposta ao n° 5 da base instrutória)

8. A 04.06.2008, a autora, por erro do seu sistema informático, pagou o referido cheque, (resposta ao n° 6 da base instrutória)

9. A titular da conta bancária onde foi apresentado este cheque a pagamento é a sociedade DD (...) SA.

I0. A quantia titulada nesse cheque destinou-se ao pagamento de responsabilidades da sociedade DD (...) S.A.

11. A autora remeteu ao réu as cartas juntas a fls. 13 e 14.

12. A autora remeteu à ré cartas de teor idêntico às referidas no n° 11. (resposta ao n° 3 da base instrutória)

 13. Em 2008, os réus subsistiam com os proventos que recebiam da actividade industrial e comercial da empresa DD (...) S.A.. (resposta ao n° 9 da base instrutória.

Por sua vez, o Tribunal da Relação considerou não escrita a matéria que se transcreveu em 2.

8 . Quanto à questão da condenação ou não condenação da ré, a Sr.ª Juíza da primeira instância, muito em resumo, entendeu que:

O descoberto bancário encerra um segundo contrato relativamente ao contrato de abertura de conta;

Relativamente àquele contrato inexistiu manifestação de vontade da ré;

Por outro lado, não se provaram factos que permitam concluir que a dívida foi contraída no exercício do comércio, pelo que fica afastada a alínea d) do n.º1 do artigo 1691.º do Código Civil;

Não valendo também, por míngua de factos, a solidariedade imposta pelo artigo 100.º do Código Comercial.  

9 . A Relação teve como assente que a qualidade de “comerciante” constitui um conceito de direito e, por isso, eliminou toda a matéria do ponto 2 do elenco factual supra transcrito.

Daí partiu para construção jurídica recusante de todas as hipóteses de vinculação da ré.

……………………………..

10. Como resulta, além do mais, do artigo 722.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (na redação emergente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24.8, ainda aqui aplicável), o Supremo Tribunal da Justiça não tem poderes para sindicar, em recurso de revista, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais, com as ressalvas ali aludidas.

Mas não deixa de ter poderes para sindicar a envolvência jurídica que determinou a aquisição factual. Incluída nessa envolvência está a consideração ou não pela Relação de que determinada matéria constitui ou não matéria de direito e consequentemente de que deve ou não deve ser expurgada da matéria de facto (Assim, o Ac. deste Tribunal de 7.3.2007, processo n.º 06S1824, disponível em www.dgsi.pt).    

11. O artigo 13.º do Código Comercial indica quem é “comerciante”, guindando, logo por aqui, a palavra a conceito jurídico.

Mas o cidadão comum, bem situado fora da cidadela jurídica, não deixa de empregar, até frequentemente, a mesma palavra.

Vale, então, para aqui a referência de Manuel de Andrade (NEPC, 187) de que tais palavras ou expressões, com sentido jurídico e, concomitantemente, vulgar, devem ser evitadas no, então denominado, questionário, mas que, não o sendo, devem ser entendidas no seu sentido vulgar.

O Direito tem uma linguagem própria, podendo até dar-se o caso de a mesma palavra ter vulgarmente um significado e ter um bem diferente, se não mesmo antagónico, em sentido jurídico (v.g. a palavra ”coisa” enquanto abrange animais). Mas a linguagem própria do direito não é estanque relativamente à linguagem vulgar de sorte que há imensas palavras que interpenetram ambos os campos. E, da experiência processual, resulta que é praticamente impossível expurgar das peças processuais relativas a factos todas estas palavras. Deve, pois, a nosso ver, o juiz ser criterioso, sendo-o tanto mais quanto tais palavras constituem o cerne da discussão.

Assim, admitimos menos rigor na Matéria de Facto Assente do que no Questionário, justamente porque além estão os pontos que já não se situam em terreno discutível, pelo menos quanto à sua verificação.

Do que vem sendo exposto resulta que a palavra “comerciante” – que não foi objeto de contestação pela defesa, tendo sido logo inserida na MFA - não deve, por si, implicar eliminação no ponto factual onde se insere. Deve antes ser entendida no seu sentido vulgar e deste, possivelmente conjugado com outros elementos factuais, partir, se necessário for, para a conclusão, já situada em terreno jurídico, sobre se estamos perante um “comerciante” tal como emerge do mencionado artigo 13.º do Código Comercial.

Acresce que, no caso presente e sempre na Matéria de Facto Assente, a palavra “comerciante” não nos aparece isolada. Bem pelo contrário. Ali se refere ser o réu “comerciante/industrial desenvolvendo profissionalmente a atividade do fabrico e venda de estruturas e de caixilharias de alumínio”.

Ou seja, temos uma sucessão de palavras que nos situam manifestamente em campo factual.

Não acolhemos, pois, a eliminação deste ponto do elenco factual levada a cabo pela Relação.

12. A conta referida em 3 do mesmo elenco, donde foi sacado o cheque, tem como titulares solidários o réu e a ré.

Com o pagamento do cheque, ficou “a descoberto” o montante peticionado.

As contas bancárias, com vários titulares, podem ser:

Conjuntas;

Solidárias

As solidárias, ao contrário das outras, caracterizam-se por qualquer dos titulares poder levantar a totalidade da quantia nelas existente.

Esta possibilidade de levantamento não se confunde com a solidariedade relativamente a passivo existente nessa mesma conta.

Esta solidariedade existirá, de acordo com o artigo 513.ºdo Código Civil – aplicável também no âmbito das contas bancárias – se resultar da lei ou da vontade das partes.

Relativamente à vontade das partes nada consta dos factos.

13. A lei que aqui nos importa é a alínea d) do n.º1 do artigo 1691.º do Código Civil:

São da responsabilidade de ambos os cônjuges:

….

As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens. 

Nos termos do artigo 15.º do Código Comercial, as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do comércio.

As dívidas são comerciais se emergirem de atos de comércio.

Estes – de acordo com o artigo 2.º do mesmo código - podem assumir tal natureza, por razões objetivas (se especialmente regulados em tal diploma) ou subjetivas (se forem da autoria de comerciantes, nos casos em que não forem de natureza exclusivamente civil ou o contrário do próprio ato não resultar).

Afastada a eliminação do ponto 2 do elenco factual, não cremos restarem dívidas de que o réu é comerciante, conforme o dito artigo 13.º.

Os atos de comércio aqui referidos não são os que o são por razões subjetivas, porque, de outro modo, mergulharíamos em raciocínio tautológico, considerando comerciante quem profissionalmente pratica atos de comércio e atos de comércio aqueles que são praticados por comerciantes.

Mas ele desenvolve profissionalmente a atividade de fabrico e venda de estruturas e de caixilharias de alumínio. Está aqui a sua profissão, integrada pela prática de atos objetivos de comércio, “in casu” o fabrico para vender e subsequente venda, naturalmente com intenção de revenda, conforme flui ainda do ponto 13.º dos factos provados.

Sendo comerciante vale a presunção legal do artigo 15.º, ainda do Código Comercial.

Ficando logo preenchidos os requisitos daquela alínea d) do n.º1 do artigo 1691.º do Código Civil.

14 – Estando preenchidos tais requisitos, cabia aos réus a alegação e demonstração dos factos integrantes das ressalvas previstas na mesma norma.

Nada disso provaram.

Pelo contrário, o cheque foi apresentado a pagamento na conta da DD SA, destinou-se ao pagamento de responsabilidades desta e os réus subsistiam com os proventos que recebiam da atividade industrial e comercial desta.

Estaria aqui, se necessário fosse, o proveito comum do casal.

A mencionada alínea ressalva ainda os casos em que vigorar entre os cônjuges o regime de separação geral de bens, mas nada disso foi alegado ou demonstrado (tendo antes a autora, no artigo 17.º da p.i., alegado que casaram em regime de comunhão de adquiridos).

15 – Face ao exposto, concede-se a revista, condenando a ré a pagar à autora, solidariamente com o réu, a quantia e respectivos juros objeto já de condenação relativamente a este.

Custas aqui e nas instâncias por ambas as partes considerando o vencimento e decaimento agora firmados.

Lisboa, 26.9.2013

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista