Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
245/07.2TBSBG.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO PROMESSA
ACTUAÇÃO DE TERCEIRO
EFICÁCIA EXTERNA DAS OBRIGAÇÕES
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 09/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, I Volume, 7ª edição, págs.591, 885; in “ Das Obrigações em Geral”, 6ª edição 1º, pág.536; RLJ, 102.°, págs. 58, 59.
- Almeida Costa, in RLJ, Ano 135, nº3936, págs. 130 a 136.
- Galvão Telles, “Manual de Direito das Obrigações”, pág.229.
- Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª edição, Coimbra, 1963, págs. 51/52
– Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações-Apontamentos” – 2ªedição – pág. 35
- Santos Júnior, “Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito”, Almedina, Colecção Teses, 2003, págs. 416, 436, 446, 447.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342º, Nº1, 410.º, 470.º, N.º1, 483.º, N.º1, 562.º, 563.º, 1305.º, 1311.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 661.º, N.º2
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.4.1994, CJSTJ, 1994, II, 63.
- DE 20.6.2006, IN CJSTJ, 2006, II, 119:
Sumário :

I) É tradicional e prevalente na doutrina portuguesa a teoria que nega a eficácia externa das obrigações, assente na clássica concepção da relatividade dos direitos de crédito que, no contexto contratual, apenas podem ser violados pelas partes, em contraposição com os direitos reais que são oponíveis erga omnes.

II) Não sendo de acolher, em regra, a teoria da eficácia externa das obrigações ao abrigo da qual se poderá imputar a terceiro a violação do direito de crédito do Autor, no apertado circunstancialismo dos requisitos da responsabilidade delitual, só se poderia concluir pela culpa de terceiro, na frustração contratual do direito do Autor se se puder afirmar que a sua actuação foi dolosa, visando deliberadamente a frustração desse interesse.

III) Tendo o Autor celebrado com entidade terceira um contrato-promessa de arrendamento para instalação de equipamentos de energia eólica a que pôs termo, considerando que deixara de produzir efeitos pelo facto de a Ré ter considerado que o terreno em questão era seu, mesmo depois de avisada pelo Autor de que a este pertencia, não existe fundamento legal para considerar sem efeito tal contrato-promessa e exigir da Ré indemnização por danos advenientes da não celebração daquele contrato-promessa.

            IV) A “não produção de efeitos” para gerar a obrigação de indemnizar, teria de ser consequência adequada da actuação culposa da Ré, ou seja, a existência de culpa que, no caso, não se presume por se tratar de responsabilidade extracontratual, teria de ser provada pelo Autor.

V) Sem a prova de factos que revelem a existência de nexo de causalidade adequada entre o facto voluntário ilícito e culposo não se pode considerar a existência da obrigação de indemnizar – art. 483º, nº1, do Código Civil – já que os requisitos aí previstos são cumulativos.

            VI) Não se podendo factualmente afirmar uma relação de causalidade adequada entre a actuação da Ré e a cessação ou ruptura do contrato que o Autor celebrou com terceiro, nem que a conduta da Ré foi dolosa ou sequer interferente na execução do contrato-promessa, não se pode concluir que os danos pela frustração do contrato-promessa, que se considerou terem sido sofridos pelo Autor, tivessem sido causados pela actuação da recorrente.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 AA, intentou em 17.12.2007, pelo Tribunal Judicial da Comarca do Sabugal, acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra:

 BB, S.A.

Pedindo a condenação da Ré a reconhecer que:

1) O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Aldeia de St. António, concelho de Sabugal, sob o artigo 2971 que corresponde ao somatório de duas fracções de ¼ do prédio inscrito sob o ex-artigo 1402 da freguesia de Aldeia de ........ concelho de Sabugal que lhe foi doado por CC, viúva, DD e marido EE e FF e mulher GG, ¼ e que recebeu por sucessão hereditária dos pais – ¼ por justos e legais títulos, nele exercendo actos de posse ao longo dos anos e há mais de vinte, de boa fé, pacífica, publicamente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercer direito próprio pelo que também, pelo instituto de usucapião o adquiriu.

2) Que o prédio tem a composição e confrontações constantes da matriz da freguesia de Aldeia de Stº. António - Sabugal.

3) Que é o sito no concelho de Sabugal.

4) Que a Ré BB S.A. nenhum direito de propriedade tem no prédio do Autor identificado no art. 1º da p.i. e na alínea 1) do pedido.

5) Ser a Ré BB, ..................., S.A., ora Ré condenada a reconhecer que o prédio da Ré é distinto do Autor e que há lapso de delimitação do cadastro do concelho de Penamacor por englobar uma parcela única, prédios da titularidade do Autor e da Ré BB.

6) E caso tenha havido alteração no limite dos limites dos concelhos de Sabugal e Penamacor seja definido em que concelho se situa o prédio do Autor ordenando as rectificações necessárias matricial e predialmente a legalização do prédio.

7) Ser a Ré BB S.A., condenada a pagar ao Autor indemnização pelos prejuízos verificados para o Autor, decorrentes da não celebração do contrato com Empresa T................. S.A., de valor a apurar em liquidação de sentença.

Para tanto, alegou que a Ré se arroga dona e senhora do prédio descrito no seu pedido, que o teria adquirido à P......, tendo-o registado a seu favor.

Ora, o autor é o legítimo proprietário de tal imóvel, tendo chegado à sua posse, através de doação – 26.9.1984 – e, posteriormente, através de herança de seus pais.

Só por erro na elaboração do cadastro do concelho de Penamacor é que este prédio foi englobado em tal concelho, sempre tendo pertencido ao concelho do Sabugal.

De todo o modo, sempre foi o autor e seus antecessores que, ao longo dos anos, têm cultivado e tratado de tal terreno, sempre com a convicção de que o mesmo lhes pertencia, sem estorvo ou reclamação de quem quer que seja.

Em virtude da posição da Ré, o Autor viu quebrado o contrato celebrado com a empresa TT................S.A., para instalação e exploração de antenas eólicas.

Na contestação, a Ré defende-se por excepção, protestando a ineptidão da petição inicial, a legitimidade dos autores e o erro na forma de processo – decididas por despacho de fls. 69 a 72 – e impugnação, dizendo que o autor chegou a entrar abusivamente numa área da parte norte do prédio da ré, tendo aí iniciado alguns trabalhos de terraplanagem; tem a seu favor a presunção do registo predial.

No despacho de fls. 70 a 74 foi decidido que a petição inicial não era inepta e que não existia erro na forma do processo. De tal decisão agravou a Ré.

No despacho saneador foi indeferida a excepção de ilegitimidade do Autor, seleccionada a matéria assente e a da base instrutória.

 A final foi proferida sentença que decretou:

Procedente, por provada, a acção e, em consequência, condenamos a ré, BB, SA, com sede na Rua ........... nº...... -..... - ......, Lisboa, a reconhecer que:

a) O Autor é dono e legítimo possuidor do prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Aldeia de ........., concelho de Sabugal, sob o artigo 2971º que corresponde ao somatório de duas fracções de ¼ do prédio inscrito sob o ex-artigo 1402º da freguesia de Aldeia de ........ concelho de Sabugal que lhe foi doado por CC, viúva, DD e marido EE e FF e mulher GG, ¼ e que recebeu por sucessão hereditária dos pais – ¼ por justos e legais títulos, nele exercendo actos de posse ao longo dos anos e há mais de vinte, de boa fé, pacifica, publicamente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercer direito próprio pelo que também, pelo instituto de usucapião o adquiriu.

b) Que o prédio tem a composição e confrontações constantes da matriz da freguesia de Aldeia de Stº. António - Sabugal.

c) Que é o sito no concelho de Sabugal.

d) Que a ré nenhum direito de propriedade tem no prédio do Autor identificado no art. 1º da p.i. e na alínea 1) do pedido.

e) Que o prédio da Ré é distinto do Autor e que há lapso de delimitação do cadastro do concelho de Penamacor por englobar uma parcela única, prédios da titularidade do Autor e da Ré BB.

f) Condenamos a Ré pagar ao Autor indemnização pelos prejuízos verificados para este, decorrentes da não celebração do contrato com Empresa T...............S.A. , de valor a apurar em liquidação de sentença.” (destaque e sublinhados nossos).

Inconformada, a Ré recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por Acórdão de 25.11.2011 – fls. 340 a 372 –, negou provimento ao recurso de agravo, e julgou improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.

            De novo inconformada a Ré recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

            1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão, na parte em que nega provimento ao Recurso de Apelação interposto da sentença proferida em primeira instância quanto à sua nulidade da mesma no que concerne à condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Autor/Recorrido de montante a liquidar em execução de sentença.

2. A indemnização em que a douta sentença proferida em primeira instância condena o ora Recorrente, e que foi confirmada pelo douto Acórdão ora recorrido tem fundamento em responsabilidade civil extra contratual.

3. A responsabilidade civil extracontratual encontra-se prevista no art. 483º do Civil. Dispõe  a referida disposição legal que: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

4. Dispõe, ainda, o art. 487º do Código Civil que: “1. E ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. 2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.

5. Ora, o douto Acórdão que confirma a sentença proferida pela primeira instância, refere que a mesma se encontra devidamente fundamentada dado que resulta dos factos provados a existência de danos provenientes das alegadas vantagens que o Recorrido não pode retirar da parcela de terreno objecto de reivindicação, dada a actuação da Recorrente.

6. Fundamenta, ainda, que a condenação se funda na prova da “existência de danos e a responsabilidade das rés por eles bem como a relação directa e causal entre esses prejuízos”.

7. Contudo é, completamente omissa quanto à existência de culpa.

8. Conforme prevê a mencionada disposição legal, a referida condenação exige o pressuposto essencial da responsabilidade civil, designadamente da aquiliana, que é a existência de comportamento ilícito e culposo (com dolo ou negligência), carece de ser alegado e provado em juízo.

9. Não basta, assim, a simples alegação e prova de que o contrato celebrado com a T................ não produziu efeitos pelo facto de a Recorrente a ter informado que a parcela de terreno onde se encontravam a decorrer os trabalhos de abertura dos alicerces para instalação do equipamento dos equipamentos de energia eólica era seu.

10. Será necessário alegar e provar os demais pressupostos de tal responsabilidade, nomeadamente, a ilicitude e a culpa.

11. Caberia ao lesado, ora Recorrido, a alegação e prova de tais factos.

12. O que não aconteceu na situação em apreço!

13. Na verdade, tal como resulta dos factos dados como provados, a ora Recorrente, apenas, teve conhecimento da situação apreciada na presente acção na data em que verificou a realização por parte da T................ dos trabalhos de colocação de alicerces para instalação do equipamento dos equipamentos de energia eólica na parcela de terreno em causa.

14. Ou seja, no decurso no ano de 2005!

15. Não foi alegado, nem provado pelo Autor, ora Recorrido, que a ora Recorrente tivesse conhecimento do “lapso” de cadastro e que aquela parcela de terreno não faria parte do imóvel, cuja propriedade adquiriu em 2004 por entrada de capital em espécie em momento anterior.

16. Com efeito, não há nos autos qualquer alegação ou prova de que a ora Recorrente tenha agido com dolo ou mera culpa.

17. Pelo contrário, a posse que exercia sobre aquela parcela de terreno encontra-se devidamente titulada e desconhecia em absoluto o alegado lapso cadastral.

18. Tinha a seu favor a o registo de aquisição do imóvel melhor identificado na alínea C) da Matéria Assente, o qual na sua convicção incluía a parcela de terreno objecto de reivindicação do Autor, ora Recorrido.

19. Pelo que agiu de boa fé, convencida de estar a diligenciar na defesa do seu direito de propriedade.

20. Face ao exposto e aos factos dados como provados não existe qualquer comportamento doloso ou culposo que fundamente os alegados danos e/ou prejuízos do ora Recorrido.

21. Nem a sentença proferida pela primeira instância, nem o douto Acórdão em apreciação que a confirma, fundamentam a condenação no pagamento da indemnização na existência de comportamentos culposos por parte da recorrente.

22. Pelo que, sendo a culpa um pressuposto cuja verificação é essencial em cumulação com os demais pressupostos (ilicitude e nexo causal entre o acto ilícito e o dano), para que se verifique uma situação de responsabilidade civil extracontratual, não há duvida que a douta sentença se encontra ferida de nulidade por falta de fundamentação na parte em que condena a Recorrente no pagamento de uma indemnização.

23. Nesse sentido e pelo exposto, o douto Acórdão fez uma incorrecta interpretação da lei, nomeadamente dos arts. 483º e 487º do Código Civil, ao confirmar a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância na parte em que condena a Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Recorrido.

Termos em que, deve ser dado provimento ao recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que confirma a condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Autor Recorrido.

            O Autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

            Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

            A) Na matriz rústica da freguesia de Aldeia de Santo António, concelho de Sabugal, está inscrito o prédio rústico, composto de terra de centeio e palha a confrontar do Norte com Caminho, do Sul com Limite do Meimão, do Nascente com Caminho e do Poente com Herdades de HH, sob o artigo matricial nº 2971.

B) Por escritura pública de 26 de Setembro de 1984, CC, DD e marido, EE, FF e mulher, GG declararam doar na proporção de metade indivisa, um quarto indiviso e um quarto indiviso, respectivamente, um quarto indiviso de uma terra centeeira com mato e criação de Aldeia de Santo António, a confrontar do nascente e norte com o caminho, do poente com herdeiros de HH e do sul com o limite do Meimão, inscrito no seu todo na matriz respectiva, sob o artigo 1402, tendo AA declarado aceitar a doação.

C) Encontra-se descrito na conservatória do Registo Predial de Penamacor, a favor da Ré, desde 09.03.2004, sob o n°0000000000, na Freguesia de Meimão, um prédio rústico – V......... – composto de terra de mato e pinhal, com área de 9.732 hectares, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 6°, secção A, com as seguintes confrontações: a norte com o limite do concelho do Sabugal; a sul com II; a nascente com caminho e a poente com JJ.

D) O prédio referido em C) foi descrito em 16.03.1989, com inscrição a favor de CC, FF c.c. GG, EE, por dissolução da comunhão conjugal quanto à primeira e sucessão hereditária quanto ao segundo KK, que foi casado com a primeira em comunhão geral e por sucessão hereditária de DD quanto ao terceiro que foi casado com esta em comunhão de adquiridos.

E) Em 20.07.1990 foi inscrita a aquisição do prédio referido em C) a favor de “P..........,E.P.”, por compra.

F) Em 07.05.2001 foi inscrita a transmissão do prédio referido em C) a favor da “P.................., S.A.”, por transferência de património a abranger 22 prédios.

G) Em 09.03.2004 foi inscrita a aquisição do prédio referido em C) a favor da Ré por entrada em espécie em aumento de capital.

H) O sítio denominado Alcaide é área e concelho do Sabugal.

I) O sítio denominado V......... é área e concelho de Penamacor.

J) Os prédios A) e C) são distintos.

L) O Autor contactou a Ré pessoalmente e por escrito, tendo esta informado que a área integrante do prédio do Autor era dela própria e integrava o prédio rústico da freguesia do Meimão, concelho de Penamacor.

B. Resultantes da Base Instrutória:

1º O prédio identificado em A) e inscrito na matriz rústica sob o artigo matricial nº 2971 proveio do artigo 1402° da anterior matriz da freguesia de Aldeia de Santo António, concelho de Sabugal.

2º O prédio constante do artigo 1402° da anterior matriz estava aí inscrito, pelo menos, desde 1950.

3º O prédio constante do artigo 1402° da anterior matriz estruturava-se em quatro parcelas que os titulares inscritos delimitaram.

4º (...) correspondentes à fracção de ¼ cada.

5º (...) e da titularidade, sequencialmente de nascente para poente, a primeira fracção de LL.

6º (... ) a seguir e para poente de MM, pai do Autor.

7º (...) a seguir e para poente de CC, DD e marido, EE, FF e mulher, GG.

8º (...) sendo a área mais a poente de NN.

9º A fracção identificada em 8° – escreveu-se na Base Instrutória, por manifesto lapso, 6º - veio à posse do Autor por força da doação referida em B).

10º A fracção identificada em 7° – escreveu-se na Base Instrutória por lapso manifesto 6º – veio à posse do Autor aquando do óbito dos seus pais, com base em processo de imposto sucessório.

11º No prédio inscrito sob o artigo 1402° da anterior matriz sempre os respectivos titulares/proprietários, na área correspondente a cada uma fracção, cultivaram e colheram os produtos agrícolas, designadamente centeio.

12º (...) limparam silvas e matos.

13º (...) velaram pela sua conservação.

14º (...) pagaram os impostos devidos.

15º (...) à vista de toda a gente.

16º (...) sem oposição de quem quer que fosse.

17º (...) e no convencimento de exercício do direito de propriedade.

18º O Autor desde, pelo menos, 1977, que cultiva o prédio resultante do somatório das fracções 7° e 8°.

19º (...) que corresponde ao prédio descrito em A).

20º (...) que nele tem semeado centeio e cortado mato.

21º (...) pastoreado animais.

22º (...) com respeito pelas estremas.

23º (...) pagando os encargos fiscais devidos.

24º (...) à vista de toda gente.

25º (...) sem oposição ou estorvo de quem quer que seja até ao ano de 2007.

26º O Autor foi contactado pela empresa T..........., S.A. a fim de instalar no prédio identificado em A) e correspondente ao descrito em 19° equipamentos para produção de energia eólica.

27º (...) que celebraram o contrato que está a fls. 24 a 28, que aqui se dá por reproduzido.

28º Em face do contrato celebrado, a empresa T............, S.A. procedeu à abertura dos alicerces para instalação do equipamento referido em 28°.

29º No decurso dos trabalhos de implantação e equipamento a empresa T..........., S.A. informou o Autor que a Ré lhe havia informado que o prédio não era propriedade do, autor mas antes dela própria.

30º (...) não tendo o contrato celebrado produzido efeitos.

31º Aquando da elaboração do cadastro do concelho de Penamacor englobou-se o prédio do Autor naquele concelho.

32º Com a elaboração do cadastro da freguesia do Meimão, concelho de Penamacor, pelas comissões de elaboração de cadastro, o prédio do Autor identificado em A) e correspondente ao descrito em 19°, sito em Alcaide, foi englobado no artigo 6°, secção A), da Ré, sito em Arrebentão.

33º O prédio da Ré referido em C) foi comprado a CC, FF e mulher, GG e EE, englobando a parcela descrita em 8º.

34º Na sequência da avaliação matricial ao concelho do Sabugal o prédio referido em A) foi avaliado como integrando a área do concelho do Sabugal.

35º CC, DD e marido, EE, FF e mulher, GG bem sabiam que a área do prédio do Autor é prédio distinto daquele que venderam à Ré.

36º Nos termos do contrato referido em 29°, a empresa T..........., S.A. acordou pagar ao Autor a quantia de € 2.750,00 por ano, durante 20 anos.

37º Em cumprimento do contrato a empresa T................, S.A. abriu implantação de aero-geradores do parque eólico.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a Ré deveria ter sido condenada a indemnizar o Autor por danos a liquidar – causados por se ter arrogado dona do prédio do recorrido e pela cessação do contrato-promessa que o recorrido tinha celebrado com entidade terceira.

O Autor, invocando ser titular do direito de propriedade do imóvel identificado nos pontos 1) a 3) do pedido, formula, além de outros, o pedido de condenação da Ré a indemnizá-lo pelos danos sofridos pelo facto da Ré se ter arrogado dona desse imóvel o que, alega, frustrou a celebração de contrato com a empresa T.............., S.A, com quem o Autor havia celebrado, em 3.10.2005, um denominado “Contrato-Promessa de Arrendamento de Prédio Rústico para o Exercício de Actividade Industrial” (fls. 24 a 27).

Segundo esse contrato, o Autor prometeu arrendar a T................, S.A. uma parcela de terreno identificado no contrato para a implantação de um parque eólico.

Mais precisamente acordam na Cláusula 3ª, - “1. O arrendamento prometido destina-se exclusivamente à instalação e exploração, pela Segunda Outorgante, no prédio citado, de aerogeradores de produção de energia eólica, com os respectivos equipamentos e acessórios, nas formas e condições que para esse efeito vierem a constar do Projecto Definitivo a ser desenvolvido pela Segunda Outorgante e aprovado pelas entidades administrativas competentes.”

O arrendamento valeria pelo prazo de 20 anos renováveis – cláusula 4ª.

Na Cláusula 6ª acordaram os outorgantes – “1. A Segunda Outorgante entrega, no prazo de dez dias da data do presente Contrato, aos Primeiros outorgantes € 500,00 (quinhentos Euros), a título de sinal, de que estes dão, pelo presente contrato, cabal quitação. 2. A quantia ora entregue a título de sinal não constitui princípio de pagamento, pelo que considera perdida a favor dos Primeiros Outorgantes, mesmo em caso de celebração do contrato prometido.”.

Na Cláusula 7ª acordaram – “1. Com vencimento no primeiro dia do mês seguinte à montagem dos aerogeradores do parque eólico, a Segunda Outorgante pagará aos Primeiros Outorgantes uma renda anual de € 2.750,00 (dois mil, setecentos e cinquenta e euros) por cada aerogerador instalado no referido prédio rústico.

2. As rendas referidas nos números anteririores serão actualizadas anualmente, em função da aplicação do coeficiente aprovado pelo Governo para os arrendamentos não habitacionais.”.

O contrato prometido seria outorgado no período de três anos a contar da data da celebração do contrato-promessa – cláusula 11ª, nº2.

Quando já decorriam trabalhos realizados pela “TT................”, a Ré informou-a que o prédio onde decorriam essas obras lhe pertencia e não ao Autor.

Alegou o demandante que “O contrato celebrado não produziu efeitos para o Autor” e que contactou a Ré pessoalmente, e por escrito, que informou que a área integrante do prédio do Autor era dela própria e integrava prédio rústico da freguesia de Meimão, concelho de Penamacor.

As instâncias deram como provado que o prédio era do Autor e que a pretensão da Ré não tinha fundamento legal, já que os prédios rústicos do Autor e da Ré eram distintos, situando-se em localidades diversas, pelo que reconheceu o direito de propriedade reivindicado pelo recorrido – art. 1311º do Código Civil.

A fls. 73, a Ex.ma Juíza convidou o Autor a aperfeiçoar a petição inicial para “descrever e quantificar os danos que fundamentam o seu pedido de condenação da Ré no pagamento de indemnização”.

O Autor, a fls. 77/78, esclareceu que a “TT................” lhe pagaria a “quantia de € 2.750,00 por ano, durante vinte anos, o que perfaz a quantia de € 55.000.00, a que acresceriam em cada ano e após o recebimento de cada quantia, os rendimentos de capital que de momento não se podem quantificar.

Nos termos do contrato a referida empresa procedeu ao corte de cerca de 8 pinheiros de grande porte, abriu caixa para implantação de aerogeradores do parque eólico, em cerca de 50 m2 com três metros de profundidade, revolvendo o solo arável, que foi inutilizado, bem como danos no terreno pela passagem de máquinas que contabiliza em € 2.500.00.

Teve os seus prejuízos de natureza patrimonial com o presente processo, com custos documentais, de deslocação, taxas judiciais e também morais pelos aborrecimentos e arrelias que contabiliza em € l.500,00.

Contabiliza assim, os prejuízos num total de € 59.000,00, a que devem acrescer os rendimentos de capital que os valores a receber gerariam.

Termos que contabiliza no montante de € 59.000.00 a danos causados pela Ré.”.

A Ré impugnou a liquidação dos danos, referindo desconhecer o contrato-promessa.

Provou-se – respostas aos pontos 40º a 42º da base instrutória – que, nos termos do contrato celebrado com a “T................ S.A.”, esta acordou pagar ao autor € 2.750,00, por ano, durante 20 anos e que essa empresa abriu implantação de aerogares do parque eólico, não tendo ficado provado que tal tenha causado danos no terreno.

            Na sentença recorrida, depois de se afirmar que a Ré provocou danos, explicitando-se que a causa foi o facto do contrato com a T................ “não ter produzido efeitos”, ligando-se essa não produção de efeitos ao facto da Ré ter alegado ser a dona do terreno que o Autor prometera dar de arrendamento para implantação dos aerogeradores do parque eólico, condenou-se a ora recorrente em indemnização a liquidar em execução de sentença – art. 661º, nº2, do Código de Processo Civil.

            A sentença no que respeita ao “quantum” indemnizatório, relegou o apuramento para liquidação em execução de sentença, afirmando que o comportamento da Ré provocou danos – pontos 27 a 30 dos factos provados[1] – considerando que o Autor deixou de fruir a coisa objecto do direito de propriedade – art. 1305º do Código Civil.

A Relação corroborou esse entendimento.

            Vejamos.

            A acção intentada pelo Autor, atenta a causa de pedir e o pedido, é uma acção de reivindicação, podendo o Autor, comprovada a ilicitude, cumular o pedido de reconhecimento do direito real e a restituição da coisa, com a indemnização dos prejuízos causados – art. 470º, nº1, do Código de Processo Civil.

            Dispõe o art. 1311º do Código Civil:  

         “1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”.

 “A acção de reivindicação desdobra-se em dois pedidos: um, o do reconhecimento do direito de propriedade; o outro, o da restituição da coisa.

 Demonstrado pelo autor o seu direito de propriedade, o réu só pode evitar a restituição da coisa desde que demonstre que tem sobre ela outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou que a detém por virtude de direito pessoal bastante.” – cfr. inter alia Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26.4.1994, CJSTJ, 1994, II, 63.           

Dispõe o art. 483º do Código Civil:

1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação

 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.”

A regra geral é a de que, para que se possa responsabilizar outrem pelos prejuízos causados, se exige um nexo de imputação causal, de um facto ilícito ao agente, cometido culposamente, dolo ou negligência, gerador de danos.

 Sem culpa, em princípio, não existe responsabilidade civil no campo da responsabilidade extracontratual, a não quando a lei prescinde de tal nexo de imputação, casos em que a responsabilidade civil se funda em razões objectivas – responsabilidade pelo risco –, com base na consideração de quem extrai vantagens de uma actividade deve arcar com os prejuízos dela resultantes.

Condição primordial para que haja obrigação de indemnizar é a prática culposa de um facto ilícito, gerador de danos – citado art. 483º, nº1, do Código Civil.

A culpa exprime um juízo de censura ético-jurídica ao agente, pelo facto de no caso concreto, poder e dever ter agido de outro modo, comportamento e actuação que deviam pautar-se pela diligência que uma pessoa, medianamente prudente e cautelosa, teria adoptado – o padrão do “bonus paterfamilias”.

Dispõe o art. 563º do Código Civil:

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

“A obrigação de reparar um dano supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo; o facto, lícito ou ilícito, causador da obrigação de indemnizar deve ser a causa do dano, tomada esta expressão agora no sentido preciso de dano real e não de mero dano de cálculo.

 A disposição deste artigo, pondo a solução do problema na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, mostra que se aceitou a doutrina mais generalizada entre os autores – a doutrina da causalidade adequada –, que Galvão Telles formulou nos seguintes termos:

“Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar” –  “Manual de Direito das Obrigações”, 229.

            Sustenta a Ré que o Acórdão recorrido, tal como a sentença de 1ª Instância, ao condenarem-na no pagamento de indemnização não demonstraram através da matéria de facto, que se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar do art. 483º, nº1, do Código Civil.

            Desde logo, afirma que não se provou que a Ré agiu com culpa ao considerar que o prédio reivindicado era seu, tanto mais que se arrogou esse direito de propriedade baseada no facto de ter uma posse titulada e que, afinal, se provou que assim não era por mero lapso do cadastro.

            Culpa é o juízo de censura ético-jurídico de que passível o agente, o lesante, por poder e dever, no caso concreto, ter agido de outra forma, aferindo-se essa conduta pelo estereótipo do bom pai de família, ou seja, por um padrão de conduta razoável, prudente, que é inerente ao homem medianamente diligente e informado, que postularia outro comportamento.

Ora, no caso concreto, a situação dos prédios não era facilmente identificável como consta da complexa matéria de facto.

            Todavia, a partir do momento em que o Autor contactou a Ré pessoalmente e por escrito, tendo esta informado que a área integrante do prédio do Autor era dela própria e integrava o prédio rústico da freguesia do Meimão, concelho de Penamacor e a Ré persistiu em afirmar o seu direito de propriedade, sem curar de averiguar se tal afirmação era correcta, agiu de forma imprudente, censurável.

            “Culpa é o nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ilícito à vontade do agente (Antunes Varela, RLJ, 102. °-59).

 Ela envolve um complexo juízo de censura ou de reprovação que assenta sobre o nexo existente entre o facto ilícito e a vontade do agente ou devedor.

 É um conceito de índole normativa, fortemente impregnado das concepções morais e sociais que estão nos fundamentos do sistema jurídico vigente (ob. cit., 58).

 A culpa pressupõe a ilicitude da conduta do agente, a qual só existe quando haja violação ou ofensa de um interesse alheio”.

            “A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo” – Antunes Varela, in “ Das Obrigações em Geral”, 6ª edição 1º, pág.536.

               Pese embora o direito de propriedade ser um direito absoluto, assente nos tradicionais poderes ius utendi, fruendi e abutendi, importa que, para que a sua violação se possa afirmar, se tenham provado os requisitos da responsabilidade extracontratual.

No caso em apreço, a actuação da Ré, ao arrogar-se o direito de propriedade sobre o prédio do Autor e ao não ter diligenciado pela confirmação desse seu alegado direito, depois de alertada por quem efectivamente era dono, agiu com culpa nessa violação do direito de propriedade.

            Todavia, com o devido respeito, não cremos que se possa afirmar, a existência de nexo de causalidade entre a actuação da Ré e os alegados prejuízos sofridos pelo Autor.

            Com efeito, o Autor afirma que o contrato que tinha celebrado com a T................ S.A. deixou de produzir efeitos, atribuindo esse facto à actuação da Ré, que, no decurso dos trabalhos de implantação e equipamento executadas pela T............, S.A., a informou que o prédio não era propriedade do Autor, antes dela própria “BB”.

            Há que realçar que o contrato celebrado entre o Autor e a T................ é um contrato-promessa – art. 410º do Código Civil – sem eficácia real e, por isso, apenas produzia efeitos inter-partes, estabelecendo-se entre elas um vínculo de natureza subjectiva. 

É tradicional e prevalente na doutrina portuguesa a teoria que nega a eficácia externa das obrigações, assente na clássica[2] concepção da relatividade dos direitos de crédito que, no contexto contratual, apenas podem ser violados pelas partes, em contraposição com os direitos reais que são oponíveis erga omnes – sobre esta problemática versa desenvolvidamente a obra de E. Santos Júnior – “Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito” – Almedina – Colecção Teses – 2003.[3]

 Aí – pág. 416 – se cita Manuel de Andrade e o seu ensino:

“Só nalguns casos, particularmente escandalosos – quando o terceiro tenha tido a intenção ou pelo menos a consciência de lesar os credores da pessoa directamente ofendida ou da pessoa com quem contrata – é que poderá ser justificado quebrar a rigidez da doutrina tradicional” (…).

 E acrescentava: “Porventura, poderá servir-nos aqui a teoria do abuso do direito, entendida em termos largos ”… “Ou o princípio segundo o qual toda a lesão de interesses (mesmo que não lhes corresponda um direito), quando imoral, obriga a indemnização (§ 826 do Código Alemão)”.(…)”.

O insigne civilista, in “Teoria Geral das Obrigações”, 2ª edição, Coimbra, 1963, págs. 51/52 – afirma que as obrigações “só podem ser infringidas pelo próprio devedor (ou devedores)”.

Assim, “Se o devedor não cumpre por culpa de terceira pessoa, esta pode incorrer certamente em responsabilidade extracontratual” mas “responsabilidade para com o devedor, pelos prejuízos que lhe tenha causado o acto ilícito de terceiro.

 Da respectiva indemnização, o credor só pode aproveitar indirectamente, através do património do devedor.” 

Na citada obra de Santos Júnior – pág. 436 – pode ler-se:

“A teoria oposta, referida correntemente, entre nós, como teoria da eficácia externa das obrigações, defende que, nos direitos de crédito, haveria que descortinar além de um lado interno – relativo ao vínculo credor/devedor –, também um lado externo, em que estaria em causa a projecção do crédito em relação a terceiros, que deveriam respeitá-lo, como aos demais direitos.

 Razão por que, quando lesassem o crédito, terceiros poderiam responder civilmente perante o credor, verificado os pressupostos da responsabilidade civil.

A doutrina exige, porém, em regra ou sempre, o dolo do terceiro, com base na ideia de que o terceiro só poderá ser responsabilizado quando tivesse conhecimento do crédito”.

Este autor sintetiza a sua posição quando afirma – pág. 446/447:

 “Nós defendemos que o terceiro que, com conhecimento, lese o direito de crédito poderá ser responsabilizado perante o credor, por aplicação das regras da responsabilidade civil…o conceito (de terceiro) é relativo: diz-se que alguém é terceiro em relação a alguém ou a alguma situação e em vista de determinados efeitos.

É ainda circunstancial, porque se define em relação a alguém ou a algo num dado momento”.

Não sendo de acolher a doutrina da eficácia externa das obrigações ao abrigo da qual se poderia imputar a terceiro a violação do direito de crédito do Autor, no apertado circunstancialismo dos requisitos da responsabilidade delitual, só se poderia concluir pela culpa da Ré, na frustração contratual do direito do Autor se, a partir dos factos, pudéssemos afirmar que a sua actuação foi dolosa visando a frustração desse interesse. Essa afirmação de modo algum pode extrair-se dos factos provados.

            Há que ponderar que, para lá de não ter sido celebrado o contrato prometido, nem se saber se alguma vez o viria a ser e não esquecendo que sendo um contrato-promessa, um contrato preliminar ele é vinculativo e pode desde logo ser cumprido, ficou por provar e esse ónus competia ao Autor – art. 342º, nº1, do Código Civil – a razão pela qual cessou o contrato com a “T................”.

O Autor liga a pretensão da Ré sobre o seu prédio, [que iria ser cedido em arrendamento àquela sociedade], o facto de “o contrato celebrado não produziu efeitos, com prejuízo para o Autor”. Essa, na sua tese, foi a causa do dano.

            Importaria que tivesse feito prova clara que a actuação da Ré foi causa adequada da cessação do contrato-promessa. A afirmação de que o contrato-promessa “não produziu efeitos” é equívoca quanto ao modo de cessação do contrato nada esclarecendo sobre a causa da ruptura contratual (resolução, revogação, denúncia, acordo de rescisão) e a quem foi imputável.

            A “não produção de efeitos” para gerar a obrigação de indemnizar, teria de ser consequência adequada da actuação culposa da Ré, ou seja, a existência de culpa que, no caso, não se presume por se tratar de responsabilidade extracontratual, teria de ser provada pelo Autor. Sem a prova de factos que revelem a existência de nexo de causalidade adequada entre o facto voluntário ilícito e culposo não se pode considerar a existência da obrigação de indemnizar – art. 483º, nº1, do Código Civil – já que os requisitos aí previstos são cumulativos.

            Não se pode afirmar qualquer nexo de causalidade adequada entre a conduta da Ré e o facto do contrato em causa ter deixado de produzir efeitos.

            Dispõe o art. 563.° do Código Civil – “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

Este normativo consagra a teoria da causalidade adequada[4] na formulação negativa de Ennnecerus Nipperdey.

Como ensina Antunes Varela, in “Direito das Obrigações em Geral”, I Volume, 7ª edição, pág.885;

“Há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado, isto é, o agente só responde pelos danos para cuja produção a sua conduta era adequada. Se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta, haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar.

Com efeito “desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano”, justifica-se perfeitamente que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

            A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – art. 562º do Código Civil.

Dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar” – Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 591, 7ª edição.

Na definição do citado civilista, “o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado”.

            Não se podendo afirmar uma relação de causalidade adequada entre a actuação da Ré e a cessação ou ruptura do contrato que o Autor celebrou com terceiro, nem que a conduta da Ré fosse dolosa ou sequer interferente na execução do contrato promessa, que não se sabe porque motivo deixou de produzir efeitos, não se pode concluir que os danos que se considerou terem sido sofridos pelo Autor tivessem sido causados pela actuação da recorrente.

            Como tal o Acórdão não pode manter-se no segmento em que condenou a Ré a indemnizar o Autor.

            Decisão:

            Nestes termos, concede-se a revista, revogando o Acórdão apenas na parte em que, confirmando a decisão da 1ª Instância, condenou a Ré a pagar ao Autor uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da não celebração do contrato com a sociedade “TT................S.A.”, de valor a apurar em liquidação de sentença.

            Custas pelo Autor e pela Ré, na proporção de 2/3 para aquele e 1/3 para esta, neste Tribunal e nas Instâncias. 

 Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Setembro de 2011

Fonseca Ramos (Relator)
Salazar Casanova
Fernandes do Vale
_______________________

[1]  No Acórdão a fls. 369 pode ler-se: “No caso vertente, ainda que se possa referir a parcimónia, a sentença recorrida apreciou as questões que lhe colocavam, nomeadamente o pedido indemnizatório e encontrou a solução final com uma fundamentação, de facto e de direito, que permite às partes e ao tribunal “ad quem” seguir o “iter” decisório e descortinar as razões da opção tomada, sendo patentes as premissas (maior - a lei/razões jurídicas; menor – os factos) do silogismo judiciário.
Por um lado a sentença recorrida situa o pedido indemnizatório formulado por referência á matéria de facto provado nesse domínio, sabendo-se que o autor havia contratado com uma empresa (T................ SA) a colocação, no terreno que reivindica na acção, de equipamentos para produção de energia eólica por força do qual obteria um ganho anual de 2.750,00 € e que por intervenção da ré essa colocação foi impossibilitada. Mais refere a sentença que a indemnização, no concreto, pode resultar, e resultou, de danos provenientes das vantagens que não se puderam retirar por causa da actuação da ré, compreendendo-se assim, mesmo perante tão sintética exposição, de que factos a sentença faz emergir o direito do autor, a existência de danos e a responsabilidade das ré por eles bem como a relação directa e causal entre esses prejuízos e essa conduta.
Poderia questionar-se, isso sim, se a indemnização a fixar, de acordo com os factos apurados, necessitaria de ser liquidada posteriormente ou se deveria ter sido fixada de imediato na sentença, mas esta matéria não é objecto de recurso e por essa razão na decisão deste apenas cabe julgar improcedente a alegação de nulidade da sentença quanto ao pedido indemnizatório por falta de motivação”.    
[2] Sobre o entendimento da doutrina clássica na problemática da eficácia externa das obrigações – cfr. Estudo do Professor Almeida Costa, in RLJ, Ano 135, nº3936, págs. 130 a 136.
[3] Também sobre o tema do princípio da relatividade dos direitos de crédito – art. 406º, nº2, do Código Civil – Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações-Apontamentos” – 2ªedição – pág. 35 – cita variada bibliografia: Rita Amaral Cabral, “A Tutela Delitual do Direito de Crédito”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Manuel Gomes da Silva, FDUL, Lisboa, 2001, pp. 1025-1053; Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, I, cit., pp. 229-297; Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição pp. 79 e ss; Ribeiro de Faria, “Direito das Obrigações”, I, volumes 1 e 2 -1987 – pp. 28-54; Pessoa Jorge, “Direito das Obrigações”, I, AAFDL, 1975/76 pp. 27-35; Santos Júnior, “Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito”, Almedina, Coimbra, 2003; Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, I, 10ª, pp. 93-103; Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 7ª edição, pp. 12 e SS; Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, cit., pp. 101-132.
[4] Como sentenciou este Supremo Tribunal – Acórdão de 20.6.2006, in CJSTJ, 2006, II, 119:
“I – Tal como decorre da redacção do artigo 563º do Código Civil o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual, todavia, não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição.
II – Muito embora tal conceito legal comporte qualquer das formulações da referida teoria – na formulação positiva ou negativa –, vem-se, porém, entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano.
III – Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerados – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.
IV – Muito embora sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, contudo, não se deve perder de vista, por um lado, que para a produção do dano pode haver a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e, por outro, que a causalidade não tem necessariamente de ser directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscita o dano (causalidade indirecta).
V – Sempre que ocorra um concurso de causas adequadas, qualquer dos seus autores é responsável pela reparação de todo o dano.
VI – No nosso ordenamento jurídico o nexo de causalidade apresenta-se com uma dupla função: como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.”