Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13176/21.4T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: DESISTÊNCIA DO RECURSO
DESISTÊNCIA TÁCITA
BOA FÉ
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PROCESSO EQUITATIVO
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
ADEQUAÇÃO FORMAL
PRINCÍPIO GERAL DE APROVEITAMENTO DO PROCESSADO
Data do Acordão: 09/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :
I- A conduta processual das partes deve ser compreendida e valorada à luz das exigências de cooperação, boa-fé e lealdade processual a que se encontram adstritos aquelas e, em geral, todos os intervenientes no processo, bem como dos demais princípios estruturantes e enformadores do nosso paradigma processual civil, como é desde logo o caso dos do processo equitativo, do acesso ao direito e à tutela judicial efetiva, da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma.

II- Decorrendo dos autos que a Autora não pretendeu desistir de determinado recurso, mas tão somente exercer um direito que se arrogava (a devolução da taxa de justiça devida por um recurso tido por “inutilizado” e que “não teve seguimento”, em virtude de, posteriormente, ter tido lugar novo julgamento e prolatada nova sentença), juízo razoavelmente alicerçado numa situação processual concreta e objetiva e inequivocamente consentâneo com as exigências de cooperação e boa-fé processual a que se encontram adstritas as partes e, em geral, todos os intervenientes no processo, impõe-se concluir que os factos provados são insuscetíveis de configurar uma desistência recursória tácita.

III- Esta conclusão torna dispensável abordar a divergência doutrinária e jurisprudencial desenvolvida em torno da questão de saber se a desistência de um recurso pode ser tácita.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 13176/21.4T8LSB.L2.S1


MBM/DM/RP


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1.1. Autora /recorrente: AA


1.2. Ré/recorrida: MOTA-ENGIL, Engenharia e Construção, S. A.


X X X


2.1. A Autora instaurou contra a Ré ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.


2.2. Em 20.11.2021, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu sentença, julgando a ação improcedente. com fundamento na licitude do despedimento.


2.3. Por requerimento de 03.12.2021, a Autora veio arguir nulidade processual, por deficiente gravação do depoimento de seis testemunhas.


2.4. Em 20.12.2021, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença de 20.11.2022.


2.5. Em 2.02.2022, o Tribunal de 1.ª Instância, oficiosamente1, proferiu o seguinte despacho: “Cumpre sanar as irregularidades graves praticadas e as testemunhas devem comparecer em audiência de julgamento, presencialmente, e serem novamente ouvidas em juízo para o que se designa o dia (…)”.”


2.6. A Ré interpôs recurso de apelação deste despacho.


2.7. Em 30.03.2022, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu nova sentença, julgando a ação totalmente improcedente e a absolver a R. do pedido, na qual se refere, a dado passo: “após realização de audiência de julgamento e prolação de sentença, foi oficiosamente determinada a repetição da inquirição de alguns depoimentos na medida em que os mesmos não eram percetíveis, e nessa medida, anulado o processado posterior a esses depoimentos.


2.8. Por requerimento de 06.04.2022 (reiterado por requerimentos de 29.04.20222 e de 25.05.20223), a Autora pediu a devolução da taxa de justiça relativa ao recurso mencionado em supra nº 2.4., com o seguinte fundamento:


“[…] tendo apresentado requerimento de interposição de recurso de apelação da decisão final proferida nos presentes autos e tendo tal recurso ficado inutilizado por virtude da repetição parcial do julgamento, vem, para todos os devidos efeitos legais, requerer que seja devolvida a taxa de justiça paga com aquele recurso, referente ao DUC nº ... ... ... ... .50, uma vez que, não tendo sido a mesma utilizada, pretende requerer ao IGFEJ, a sua devolução. Para o novo recurso de apelação que será interposto da decisão final prolatada depois da repetição parcial do julgamento, será apresentada e paga nova taxa de justiça que não aquela”.


2.9. Por despacho de 26.04.2022, o Tribunal de 1.ª Instância admitiu o recurso interposto pela Ré do despacho de 2.02.2022 e determinou a devolução da taxa de justiça à Autora (devolução que teve lugar em 31.05.2022), nos seguinte termos (nesta última parte): “Proceda à restituição da taxa de justiça do recurso intentado pela A. por ter o mesmo ficado sem efeito em face da anulação do processado.


2.10. Em 29.04.2022, a Autora veio interpor recurso de apelação da sentença de 30.03.2022, o qual foi admitido na 1.ª Instância por despacho de 15.07.2022.


2.11. Por acórdão de 28.09.2022, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu: i. Conceder provimento à apelação da ré e, em consequência, revogar o despacho que deferiu o pedido de anulação da prova inicialmente produzida e a sua repetição para ser gravada e de sentença proferida no dia 30.03.2022, repristinando-se a prolatada no dia 20-11-2021, devendo a Mm.ª Juiz a quo oportunamente proferir despacho acerca da admissibilidade da apelação que desta interpôs a autora no dia 20.12.2021; ii. Julgar prejudicado o conhecimento da apelação da autora e dela não conhecer.


2.12. Na sequência do assim decidido pelo TRL, por despacho de 4.11.2022, o Tribunal de 1.ª Instância admitiu a apelação interposta pela Autora em 20.12.2021, da sentença de 20.11.2021, nos seguintes termos: Em cumprimento do douto acórdão a sentença inicialmente proferida a 20.11.2021 é a que vigora, pelo que cumpre admitir o recurso intentado pela A., o que ora se faz. (…)”.


2.13. Por requerimento de 4.11.2022, a Ré veio arguir a inadmissibilidade do recurso, com fundamento na desistência da Autora, alegadamente corporizada pelo pedido de devolução da taxa de justiça.


2.14. Em 1.02.2023, no TRL, o Senhor Desembargador Relator, por considerar que a Autora desistira do recurso, proferiu despacho a não admitir a apelação (mencionada em supra nº 2.12.).


2.15. A Autora reclamou para a conferência, tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 29.03.2023, confirmado o despacho reclamado.


X X X


3. A Autora interpôs recurso de revista deste aresto, tendo-se a Ré pronunciado, na sua contra-alegação, pela inadmissibilidade do recurso.


4. O Tribunal da Relação admitiu o recurso.


5. Neste Supremo Tribunal, o relator admitiu liminarmente a revista, considerando, para além do mais, nos termos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil4, estar em causa uma decisão que pôs termo ao processo.


Efetivamente, o acórdão recorrido não admitiu o recurso de apelação (apenas) com base em alegada desistência do recurso (cfr. art. 632º, nº 5), desistência que, corporizando uma causa de extinção da instância [art. 277º, d)], pôs (por isso) termo ao processo, para efeitos do disposto na sobredita disposição legal. Como v.g. se decidiu no Acórdão do STJ de 28.01.2016, Proc. nº 1006/12.2TBPRD.P1-A.S1, «os mesmos motivos que levaram o legislador a prevenir a admissibilidade da revista nos casos literalmente previstos na parte final do nº 1 do art. 671º do NCPC são extensivos às situações em que a Relação, no âmbito de recurso de apelação interposto de decisão da 1ª instância, profere acórdão que, não apreciando o mérito do recurso (ou da causa), ponha “termo ao processo” por decorrência de outros eventos, v.g., inutilidade superveniente da lide, declaração de deserção do recurso ou […] abstendo-se de apreciar o mérito do recurso por motivos ligados aos seus pressupostos ou requisitos formais, ao abrigo do art. 641º, nº 2, al. a), do NCPC»5.


6. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas respondeu a A., em linha com o antes sustentado nos autos.


7. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art.º 608.º, n.º 2, in fine), em face das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir consiste em determinar se o requerido pela A., nos termos descritos em supra nº 2.8., é suscetível de configurar uma desistência tácita da apelação ab initio interposta da sentença proferida em 20.11.2022.


E decidindo.


II.


8. No tocante à questão em apreço, ponderou a decisão recorrida:


«(…)


Tendo em conta o exposto e, designadamente, que o requerimento da autora a solicitar a devolução da taxa de justiça ocorreu depois da decisão ter sido proferida […], ter-se-á que concluir que a ser alguma coisa será não renúncia, mas desistência da apelação por ela interposta.


[…]


A questão que se coloca desde logo é a de saber se as partes podem desistir tacitamente da apelação […].


Em sentido contrário já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão prolatado a 02.03.2006, no processo n.º 05B4111, […] onde, arregimentando argumento de ordem formal, definiu que 'com efeito, a desistência do recurso tem de ser no mínimo expressa em requerimento para o efeito, ou seja, a lei não comporta na espécie a desistência por via de declaração tácita (artigo 681.º, n.º 5, do Código de Processo Civil)'.


Todavia, em sentido contrário pronunciou-se o mesmo Supremo Tribunal de Justiça, agora em acórdão de 02-02-2010, no processo n.º 3128/07.2TVPRT-A.S1, onde considerou:


'Assim sendo, a desistência do recurso não está sujeita a limitações, pois não depende do assentimento do recorrido, uma vez que o recurso interposto por uma parte não aproveita à parte contrária, em conformidade com o preceituado pelo artigo 682.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual 'se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável…'.


Quer isto dizer que o recorrente pode exercer, livremente, o direito de desistir do recurso, sem carecer da anuência, nem da contraparte, nem do recorrente, subordinado ou adesivo, eventualmente, existente.


Por outro lado, a lei não estabelece qualquer exigência de forma para a desistência do recurso, que pode exprimir-se, através de simples requerimento, ou por qualquer outro modo, processualmente, admissível'.


[…]


Ora, importa dizer que este modo de ver as coisas é o que melhor se coaduna com o princípio da liberdade de forma dos atos em geral e dos processuais em particular, a que aludem, respetivamente, os arts. 219.º do Código Civil e 131.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, razão por que se o aceita como solução para a questão enunciada; como também é a que melhor acolhe a tendência legal para conceder relevância às declarações, embora tácitas, quando deduzidas de factos que, com toda a probabilidade, as relevem, como refere o art.º 217.º, n.º 1 do Código Civil.


Deste modo, tudo se resume em saber se o pedido da autora e apelante configura uma declaração tácita de desistência da apelação que interpusera da primeira sentença; […]


[…]


No caso, não restam dúvidas de que a autora considerou resolvida a questão que suscitara com aquela sua apelação (nas suas palavras, 'tendo tal recurso ficado inutilizado por virtude da repetição parcial do julgamento'), embora erradamente, como se veio a comprovar pois que a ré a um tempo já havia arguido a nulidade da decisão e dela interpusera apelação, que de resto foi posteriormente admitida e decidida em conformidade com os seus interesses; mas essa é uma consequência a que a apelante autora se não poderá isentar, como resulta do art.º 8.º do Código Civil.


Por outro lado, com a sua declaração a considerar inútil a apelação que interpusera por ter visto satisfeita a sua pretensão a autora requereu a devolução da taxa de justiça que pagara para que fosse admitida, pelo que daí só pode retirar-se a conclusão de que quis dela desistir; tanto mais que, como acrescentou, 'para o novo recurso de apelação que será interposto da decisão final prolatada depois da repetição parcial do julgamento, será apresentada e paga nova taxa de justiça que não aquela'; ou seja, a autora nem sequer requereu a afetação da quantia paga a título de taxa de justiça pela interposição da primeira apelação a idêntica finalidade para a segunda (que de resto tinha um objeto diverso da primeira), assim evidenciando, para além de qualquer dúvida, que não lhe interessava que fosse admitida, apreciada e decidida (pois na sua visão das coisas já conseguira a repetição parcial do julgamento, ou seja, o efeito com ela pretendido, conforme disse).


[…]


Em conclusão, tem razão a apelada ré ao sustentar que a apelante autora desistira da primeira apelação e por isso a mesma não podia ser admitida, ao contrário do decidido […]»


9. Não acompanhamos a perspetiva acolhida pelo Tribunal da Relação, desde logo porque se nos afigura que o requerido pela A., nos termos descritos em supra nº 2.8., é – em si mesmo, em termos de substância – insuscetível de configurar uma verdadeira desistência da apelação ab initio interposta da sentença proferida em 20.11.2022, juízo que, desde logo, torna dispensável abordar a divergência doutrinária e jurisprudencial desenvolvida em torno da questão de saber se a desistência de um recurso pode ser tácita.


Com efeito, os requerimentos apresentados pela A., transcritos em supra nº 2.8. e na nota de rodapé nº 2, encontram-se exclusivamente centrados na devolução da taxa de justiça devida pela interposição da aludida apelação, com base no pressuposto/entendimento de “tal recurso [ter] ficado inutilizado por virtude da repetição parcial do julgamento”, ou seja, noutras palavras também usadas pela recorrente, porque esse “recurso […] não teve seguimento pelo facto de, entretanto, terem sido repetidos os depoimentos de algumas testemunhas por deficiências na gravação”.


Consonantemente, referiu a A. no mesmo requerimento: “Para o novo recurso de apelação, que será interposto da decisão final prolatada depois da repetição parcial do julgamento, será apresentada e paga nova taxa de justiça que não aquela”.


Vale por dizer que a A. não pretendeu desistir de qualquer recurso, mas tão somente exercer um direito que se arrogava: a devolução da taxa de justiça devida por um recurso entretanto considerado inutilizado e que não teve seguimento, em virtude de, posteriormente, ter tido lugar novo julgamento e prolatada nova sentença.


Ademais, constata-se que os pressupostos subjacentes a esta pretensão da A. se encontram razoavelmente alicerçado numa situação processual concreta e objetiva.


Na verdade, e como consta da segunda sentença proferida, “após realização de audiência de julgamento e prolação de sentença, foi oficiosamente determinada a repetição da inquirição de alguns depoimentos na medida em que os mesmos não eram percetíveis, e nessa medida, anulado o processado posterior a esses depoimentos.


Aliás, foi precisamente por ter acolhido as premissas lógicas que suportavam o requerimento da A. que a Senhora Juíza do Tribunal de 1ª instância determinou a devolução da taxa de justiça, como decorre do teor do seu despacho de 26.04.2022: “Proceda à restituição da taxa de justiça do recurso intentado pela A. por ter o mesmo ficado sem efeito em face da anulação do processado.


Aquando destas vicissitudes processuais, inexistia ainda a decisão do Tribunal da Relação que, revogando o despacho que oficiosamente determinou a repetição da inquirição de alguns depoimentos, anulou a sentença proferida em 30.03.2022 e repristinou a decisão prolatada no dia 20.11.2021.


Acresce ainda ter o TRL determinado que deverá “a Mm.ª Juiz a quo oportunamente proferir despacho acerca da admissibilidade da apelação que desta interpôs a autora no dia 20.12.2021”, tendo esta consequentemente despachado, em 04.11.2022: Em cumprimento do douto acórdão a sentença inicialmente proferida a 20.11.2021 é a que vigora, pelo que cumpre admitir o recurso intentado pela A., o que ora se faz. (…)”.


10. A declaração negocial tácita deduz-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (cfr. art. 217º, nº 1, do Código Civil), sendo que, na expressão do Ac. do STJ de 09.07.2014, Proc. n.º 299709/11.0YIPRT.L1S1 (6ª Secção), “os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere”.


Por outro lado, a conduta processual das partes deve ser compreendida e valorada à luz das exigências de cooperação, boa-fé e lealdade processual a que se encontram adstritos aquelas e, em geral, todos os intervenientes no processo (cfr. arts. 7º e 8º, do CPC), bem como dos demais princípios estruturantes e enformadores do nosso paradigma processual civil, como é desde logo o caso dos do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP, e 547º, do CPC), do direito à tutela judicial efetiva (art. 20.º, da CRP), da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (v.g., arts. 6º, 146º, nº 2, 278º, nº 3, 411º, 547º, do CPC).


Ora, interpretando os requerimentos em causa no tempo e contexto processual em que foram apresentados pela A., reitera-se que não se vê que possam configurar qualquer desistência do recurso de apelação em questão, desde logo porque não é passível de desistência aquilo que na altura se afigurava nos autos como sendo um recurso inutilizado e que não teve seguimento.


11. Duas notas finais, relativas a problemática que os autos suscitam e que não se escamoteia.


11.1. Em primeiro lugar, apesar de tal tema ser alheio ao objeto da revista, para expressar que não olvidamos a questão de saber se, rigorosamente, em face do Acórdão da Relação que repristinou a sentença de 20.11.2021, não deveria a A. ter apresentado novo recurso de apelação, sobre ela incidente.


Acontece que tal questão se mostra ultrapassada por toda a já exposta dinâmica processual, maxime pelo despacho da Exma. Juíza referido em supra nº 2.12. [“Em cumprimento do douto acórdão a sentença inicialmente proferida a 20.11.2021 é a que vigora, pelo que cumpre admitir o recurso intentado pela A., o que ora se faz. (…)”], proferido, aliás, na sequência e em interpretação do determinado no Acórdão do TRL.


Efetivamente, como já se referiu, os fundamentos do requerido pela A. foram acolhidos pelo Tribunal da 1ª instância, sendo certo que “o processo justo, a boa-fé, a confiança e a lealdade processual impõem que os interessados devem poder confiar nas condições de exercício de um direito processual estabelecido em despacho do juiz, sem que possa haver posterior e não esperada projeção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que confiaram no rigor e na regularidade legal do ato do juiz” (nas expressivas palavras do Ac. do STJ de 03.03.2004, Proc. nº 03P4421).


No mesmo sentido aponta um princípio geral de aproveitamento dos atos processuais, implícito na generalidade dos referidos princípios estruturantes do processo civil.


11.2. Em segundo lugar, agora no tocante ao argumento lateralmente esgrimido na decisão recorrida, de acordo com o qual “a autora nem sequer requereu a afetação da quantia paga a título de taxa de justiça pela interposição da primeira apelação a idêntica finalidade para a segunda”, para referir que tal falha também se encontra superada pelo despacho que admitiu o recurso, sendo ainda certo que a todo o tempo poderá ser ordenado o cumprimento do disposto no art. 642º, do CPC.


Procede, pois, o recurso de revista.


IV.


12. Em face do exposto, concedendo a revista interposta pela A., acorda-se em revogar o acórdão recorrido, devendo os autos prosseguir a sua normal tramitação no Tribunal da Relação.


Custa pela R.


Lisboa, 27 de setembro de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Domingos Morais


Ramalho Pinto


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1. Cfr. nº 2.7.↩︎

2. Do seguinte teor: “[…], A. e trabalhadora nos autos de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento supra indicados, vem, para todos os devidos efeitos legais, requerer a V. Exa. que se digne a autorizar a devolução à A. do comprovativo do pagamento da taxa de justiça autoliquidada e junta aos autos com as alegações de recurso de apelação interposto oportunamente, recurso esse que não teve seguimento pelo facto de, entretanto, terem

sido repetidos os depoimentos de algumas testemunhas por deficiências na gravação.

Em conclusão, não tendo a A. utilizado aquela taxa de justiça, requer-se a V. Exa. a sua devolução a fim de a A. requerer a sua devolução ao IGFEJ.”↩︎

3. Este requerimento é já posterior ao despacho que determinou a devolução da taxa de justiça, tendo o seguinte teor: “[…], A. e trabalhadora nos autos de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento supra indicados, vem, para todos os devidos efeitos legais, insistir para que lhe seja devolvida a taxa de justiça, conforme despacho judicial proferido nos autos a 26 de Abril de 2022”.↩︎

4. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎

5. Acórdão disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem menção em contrário.↩︎