Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RODRIGUES DA COSTA | ||
Descritores: | INTERPRETAÇÃO INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA ANALOGIA PRINCÍPIO DA LEGALIDADE CONTRA-ORDENAÇÃO ELEIÇÕES COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES PRINCÍPIO DA IGUALDADE PROPAGANDA ELEITORAL ÓRGÃOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL RADIO LIBERDADE DE EXPRESSÃO LIBERDADE DE INFORMAÇÃO COIMA PUBLICAÇÃO INFORMATIVA CONSTITUCIONALIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ20071004008095 | ||
Data do Acordão: | 10/04/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | ÚNICA INSTÂNC1A | ||
Decisão: | NEG. PROV. E CONF. DECISÃO RECORRIDA | ||
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Sumário : | I - Em sede de interpretação jurídico-penal está excluído o recurso à analogia. II -Por um lado, o direito penal não contém lacunas, devido às suas características de subsidiariedade e de fragmentariedade, que levam a que só sejam puníveis os factos que foram eleitos, segundo uma prévia valoração axiológico-social, como capazes de representarem um especial tipo de ilicitude. III -De outro ângulo, o princípio da legalidade, exigindo a determinação, com o máximo de objectividade, de todas as componentes do facto que é objecto da incriminação, impõe que o tipo legal não possa conter zonas lacunosas ou vazias, que possam vir a ser integradas pelo recurso à solução conferida a casos análogos. IV -Não está, porém, excluída a interpretação extensiva, pois sendo o texto legal constituído por palavras e sendo estas, quase sempre, polissémicas, «tal texto torna-se carente de interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora desse quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida» (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, Tomo I, págs. 175 e ss.). V -Os princípios hermenêuticos acabados de referir aplicam-se às contra-ordenações, não obstante as diferenças que distinguem o direito penal primário ou secundário do regime contra-ordenacional. VI -Dos arts. 40.º e 49.º da LEOAL decorre claramente que o legislador pretendeu dar às diversas forças concorrentes ao acto eleitoral condições para serem todas tratadas igualmente por entidades públicas e privadas no que toca aos actos de propaganda, a levar a cabo livremente por aquelas. E, no que toca aos órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha, impôs a estes um tratamento não discriminatório das diversas candidaturas, excluindo da injunção legal as publicações de carácter doutrinário, nas condições referidas n.º 2 do mencionado art. 49.º. VII - Enquanto o referido art. 40.º se refere ao dever de proporcionar igualdade de tratamento e de oportunidades que as entidades públicas e privadas têm de observar face à propaganda que as candidaturas entendam levar a cabo, no exercício de um direito próprio, o art. 49.º já impõe um tratamento não discriminatório a uma actividade própria da comunicação social e não das forças concorrentes ao acto eleitoral: a cobertura jornalística. Tal importância advém do papel crucial que a informação (ou dito de outro modo: o direito à liberdade de expressão e à informação) desempenham na formação, consolidação e desenvolvimento de uma sociedade democrática, em que toda a soberania reside no povo; no papel que os partidos políticos e, eventualmente, grupos promotores de candidaturas desempenham na formação da opinião pública e da vontade popular; na relevância dos princípios da igualdade de oportunidades e de isenção das entidades públicas e privadas em relação à propaganda dos partidos, coligações partidárias e grupos proponentes de candidaturas para o correcto e cabal esclarecimento do público e formação daquela vontade popular – tudo princípios estruturantes que derivam de vários preceitos constitucionais (entre outros, os arts. 2.º, 3.º, 9.º, als. b) e c), 10.º, 12.º, 13.°, 38.°, 39.°, 45.°, 46.°, 48.°, 49.°, 50.°, 51.°, 108.°, 109.°, 113.° e 266.º) e da própria LEOAL. VIII -Comentando o art. 113.° da Constituição, Vital Moreira e Gomes Canotilho (Constituição da República Portuguesa Anotada) opinam no sentido de que «a igualdade de oportunidades e de tratamento das candidaturas, além de exigir iguais tempos de antena (art. 40.º, n.º 3) impõe a atribuição de iguais facilidades aos candidatos em todos os domínios». IX -Ora, sendo esta a razão de ser da lei, não se compreenderia que a violação dos comportamentos impostos e dos princípios que se pretendem ver respeitados não acarretasse qualquer sanção. Seria o mesmo que consagrar normas utópicas ou, quando muito, facultativas, despidas de toda a eficácia ou tendo uma eficácia aleatória, num domínio de grande relevância para a vida social e pública. Mais: para a organização e estruturação da sociedade democrática. X -Por isso, a LEOAL consagrou, no Capítulo III um sistema sancionatório com 4 secções, o que significa que quis dotar de eficácia sancionatória (e uma eficácia sancionatória exaustiva) as disposições relativas a toda a orgânica eleitoral. XI -O termo “publicação informativa” constante do art. 212.º da LEOAL pode aplicar-se, ainda que de forma menos própria, à publicidade dada pelos órgãos de comunicação social, sobretudo quando se trata de informar e esclarecer o público em matérias que relevam da informação em termos gerais, tanto mais que aqueles também praticam jornalismo, estando nessa parte os seus profissionais subordinados à deontologia própria dos jornalistas, ao seu estatuto e às mesmas ou idênticas leges artis. XII - Aliás, a génese do termo “publicação” aponta para tornar público, tornar conhecido de todos um determinado facto (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporâneo, Academia das Ciências de Lisboa). XIII - Em conclusão: na previsão do art. 212.° cabem, por interpretação extensiva, os órgãos de comunicação social. Com efeito, não se trata de lacuna que importasse preencher pelo recurso a outras normas ou aos princípios gerais do direito, mas de reconstituição do pensamento legislativo sem extravasar o teor verbal da lei. XIV - E não se vê como tal interpretação seja inconstitucional, nomeadamente por referência ao art. 29.º, n.ºs 1 e 3, da CRP, que se reporta ao chamado princípio da legalidade da lei criminal. É que não se trata de falta de lei ou de falta de previsão legal mas de lei já existente ao tempo da prática do facto e prevendo o mesmo facto, mas apenas sujeita a uma interpretação extensiva, permitida no âmbito da interpretação da lei criminal e, por maioria de razão, no âmbito contra-ordenacional. XV - Apurando-se que: - a estação de rádio R, na cobertura que realizou no âmbito das eleições autárquicas de A, referentes a 2005, entendeu levar a cabo um frente-a-frente com as duas principais forças partidárias concorrentes (a coligação B e D), as quais teriam mais possibilidade de ganhar as eleições, de fora do debate ficando, entre outros, o candidato da X que de imediato reclamou para a CNE, a qual pediu esclarecimento à rádio R; - aquela estação de rádio veio a realizar tal frente-a-frente sem a participação do candidato da X, alegando tratar-se de uma opção sua e que isso nada tinha a ver com a cobertura das acções de campanha eleitoral em A, que dava relevo a todos os partidos ou forças concorrentes; é óbvio que estamos perante uma discriminação da candidatura X, pois tal tipo de debate, ainda que se possa dizer que só logra resultado com a intervenção de um número limitado de participantes, devido à sua natureza contraditória, representa sempre uma oportunidade para os intervenientes exporem os seus programas eleitorais, confrontarem pontos de vista, extremarem posições, definirem as suas singularidades e caracterizarem o seu perfil eleitoral. XVI - Ora, se essa possibilidade é dada a uns e negada a outros, sempre se pode dizer que há uns que são privilegiados e outros que são discriminados, assim se fazendo tábua rasa do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, princípios que, como vimos, são estruturantes do nosso sistema constitucional. XVII - Quando se trata de campanha eleitoral, a lei quer que todos os concorrentes sejam tratados por igual, e isto porque quer que os cidadãos sejam esclarecidos igualmente de todas as propostas eleitorais, para poderem votar o mais livre, consciente e informadamente possível. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. RELATORIO 1. A Rádio N..., P...E P..., SA, com sede na Rua 3 da Matinha, Edifício Altejo, Piso 3, Sala 301, 1900-823 Lisboa, foi condenada por deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de 16 de Janeiro de 2007, pela prática de actos jornalísticos discriminatórios na campanha eleitoral relativa ao concelho de Matosinhos para as eleições autárquicas realizadas em 2005, considerando-se que tal prática consubstanciou a contra-ordenação social prevista nos arts. 40.º e 49.º, n.º 1 e punida pelo art. 212.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais - LEOAL - (Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto), tendo-lhe sido aplicada a coima de € 997,60 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos). 2. Inconformada, a Rádio N..., P...E P..., SA representado pelo presidente da Comissão Concelhia de Aveiro, veio impugnar judicialmente tal decisão administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 203.º da acima referida Lei Eleitoral e art. 59.º do DL 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social), na redacção introduzida pelos Decretos – Lei n.ºs 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/9 e ainda da Lei n.º 109/2001, de 24/12. Entre o mais, alegou a questão prévia da nulidade da decisão, por lhe ter sido notificada não uma deliberação do órgão competente para apreciar e aplicar coimas nesta área, mas um projecto de decisão elaborado e assinado por juristas assessores da CNE. Notificada a CNE, esta não veio dar resposta satisfatória quanto à arguida ter sido notificada apenas do projecto de decisão e não da sua própria deliberação, pelo que se ordenou, por despacho do Relator, que fosse novamente notificada a arguida nos termos legais e lhe fosse concedido novo prazo para ela impugnar, se assim o pretendesse. Realizada a notificação da deliberação da CNE, a arguida veio apresentar nova impugnação, concluindo-a do seguinte modo: 1 - A deliberação da CNE, ora impugnada, sanciona a arguida nos termos do disposto no art. 212° da LEOAL, segundo o qual “A empresa proprietária de publicação informativa que ⌠…⌡ não der tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de 200.000$00 a 2.000.000$00” No entanto. 2 - A arguida não é proprietária de nenhuma publicação informativa, e as supostas infracções em causa nestes autos teriam sido cometidas em emissões radiofónicas da estacão TSF; 3 - O princípio da legalidade, consagrado no art. 2.º do RGCO, não consente a aplicação analógica ao art. 212° da LEOAL aos operadores de radiodifusão, nem tão pouco que se interprete a palavra “publicação”, que tem um sentido preciso consagrado na Lei de Imprensa, como abrangendo “canais de rádio”; 4 - A interpretação preconizada a este respeito na deliberação impugnada não tem qualquer apoio na lei, e viola o principio da legalidade; 5 - O art. 212° da LEOAL, na interpretação perfilhada pela CNE na deliberação aqui posta em crise, enferma de inconstitucionalidade material, por violação do disposto nos n°s l e 3 do art. 29° da CRP, inconstitucionalidade que aqui ..se deixa expressamente invocada pata todos os devidos e legais efeitos: Quanto ao mais, e sem conceder. 6 - A enumeração dos factos provados constante do projecto de decisão e acolhida na deliberação impugnada não concretiza suficientemente aquilo que é imputado à arguida, designadamente no qu toca ao lugar, ao .momento e à motivação da sua prática, violando o disposto na alínea a) do n.º l do art. 58.º e no n° l do art. 62.º, ambos do RGCO e na alínea b) do n° 3 do art. 283° do CPP, e incorrendo na nulidade sancionada no n.° 3 deste último preceito legal; 7 - A arguida, nos debates que organizou, optou sobretudo pelo modelo “frente a frente”, o mais das vezes entre as duas candidaturas de maior peso na autarquia em questão. No entanto. 8 - A opção por este modelo não significa nem acarreta, nem de perto nem de longe, o”apagamento” das demais candidaturas: Na verdade. 9 - A cobertura informativa dedicada pela arguida às de eleições autárquicas de 2005 não se esgotou, de modo algum, nos aludidos debatas “frente a frente” Pelo contrário, 10 - Foram sempre sendo devidamente reportadas todas as actividades de todos os candidatos autárquicos nos concelhos cobertos pela TSF; 11. O cumprimento do princípio do tratamento igualitário tem que ser aferido perante a cobertura da campanha eleitoral analisada no seu todo, e nesse .contexto o referido princípio foi estritamente observado pela arguida; 12. Termos em que é totalmente infundada a decisão condenatória que aqui se deixa impugnada; 13. A deliberação impugnada viola o disposto nos arts. 2°. 58°. e 62°. n.º l do RGCO no art. 2l2° da LEOAL, no n.° 3 do art. 283.º do CPP, e nos n°s l e 3 do art. 29°da CRP. Termina, pedindo que se dê provimento ao recurso, revogando-se a deliberação recorrida e absolvendo-se a arguida. Indicou como prova 3 testemunhas. 3. Colhidos os vistos, foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido inquiridas duas das três testemunhas indicadas, pois a testemunha João Paulo Meneses faltou, tendo sido prescindida no final da produção de prova.. II. FUNDAMENTAÇÃO 4. Matéria de facto apurada 4.1. Factos dados como provados: 1. A vinte de Setembro de dois mil e cinco, deu entrada nos Serviços da Comissão Nacional de Eleições uma denúncia apresentada pelo candidato da CDU à Câmara Municipal de Matosinhos, através da qual o mesmo dava conhecimento do anúncio de um debate/ frente-a-frente a realizar na estação de Rádio TSF, no dia 21 de Setembro, pelas 10h, apenas com os candidatos do PSD/CDS-PP e do PS e para o qual o participante não tinha sido convidado, solicitando a intervenção da CNE para impedir a concretização desse debate ou, em alternativa, uma entrevista pessoal com o candidato para reparação dos prejuízos causados por aquela estação de Rádio à candidatura da CDU em Matosinhos. 2. O referido debate frente-a-frente veio a realizar-se no dia 21 de Setembro de 2005, às 10 h., na estação de Rádio TSF. Nesse próprio dia, a CNE solicitou por fax à TSF para no prazo de 48h se pronunciar, querendo, sobre os factos constantes da participação, nomeadamente sobre os critérios jornalísticos que presidiram à feitura dos debates. 3. Por fax datado de 23 de Setembro, veio o director da referida Rádio Notícias, J...F... invocar, em resumo, o seguinte: "Em relação a Matosinhos, dada a não candidatura de Narciso Miranda, histórico candidato do PS à câmara local, optámos por um frente-a-frente entre os dois candidatos que representam os partidos mais votados naquele concelho … Esta opção nada tem a ver com a cobertura das acções de campanha eleitoral em Matosinhos. Apesar da escassez de meios da rádio e da diversidade de candidatos autárquicos existentes, de Norte a Sul do país (ilhas incluídas), a TSF está a dedicar, por opção editorial, um espaço regular à campanha neste concelho”. 4. Sobre o assunto, a CNE, na sessão plenária de 27/09/2005, deliberou remeter o processo para a Alta Autoridade para a Comunicação Social e ainda. solicitar à TSF a indicação, no prazo de 48h., relativamente a que concelhos realizou debates e frente-a-frentes, bem como quais as forças candidatas e critérios subjacentes à escolha das candidaturas. 5. A TSF nada respondeu. 6. Em 3 de Outubro de 2005, o candidato da CDU por Matosinhos veio reiterar a intervenção da CNE para que a TSF fosse instada a realizar uma entrevista pessoal, destinada a reparar os prejuízos causados à candidatura da CDU em Matosinhos. 7. Em 25 de Outubro de 2005, a CNE fixou um novo prazo de 48h. à TSF para que cumprisse a deliberação tomada em 27/09/2005, e indicasse relativamente a que concelhos realizou debates e frente-a-frentes, bem como quais as forças candidatas presentes e quais os critérios que presidiram à escolha das candidaturas, não tendo a TSF apresentado qualquer resposta. 8. Com o objectivo de proceder a uma avaliação do cumprimento pela TSF do principio da igualdade de tratamento das candidaturas no processo eleitoral autárquico de 2005, a CNE contratou os serviços da empresa Mediamonitor para recolher toda a informação sobre debates realizados na TSF no período compreendido entre 27 de Setembro e 9 de Outubro de 2005 - período de campanha eleitoral. 9. Da informação obtida, resulta que a TSF realizou debates durante o período de campanha eleitoral em vários concelhos, adoptando, na generalidade deles, o critério de convidar apenas os candidatos de partidos com representação parlamentar. 10. No que se refere a Matosinhos, a arguida optou pela realização de um debate frente-a-frente, entre os candidatos que representavam os dois maiores partidos, com maior representação no concelho e com mais possibilidade de ganhar as eleições. 11. Todavia, a cobertura informativa dedicada pela Arguida à campanha eleitoral em Matosinhos não se esgotou naquele debate. 12. Ao contrário, em noticiários e jornais de campanha, foram reportadas as actividades dos restantes candidatos autárquicos àquele concelho e foram elaborados vários trabalhos sobre as diversas candidaturas. 13. A entrevista solicitada pelo candidato da CDU como compensação por não ter participado no frente-a-frente, não foi realizada, porque a arguida entendeu que “não tem que andar ao sabor daquilo que querem os candidatos”. 14. A arguida agiu voluntária e conscientemente ao ter excluído do debate frente-frente o candidato da CDU, sabendo que tinha de dar igual tratamento às diversas candidaturas por imposição da lei e que daí resultava necessariamente um desigualdade quanto à importância dada a essa força partidária, no confronto com os partidos que intervieram, por opção sua, no referido frente-a-frente. 5. Motivação da convicção Os factos dados como provados resultaram da prova produzida em audiência, apreciada segundo o princípio da livre convicção e as regras gerais da experiência e, nomeadamente: - Do depoimento da testemunha Dr. J...M...F...dos S..., director da TSF, que confirmou que o candidato da CDU, no concelho de Matosinhos, não participou no frente-a-frente, porque a opção editorial foi a de seleccionar, de entre as candidaturas, as duas mais representativas, sendo certo que este tipo de debate, para ser operacional, tem de ser realizado apenas com duas candidaturas, sendo impraticável efectuar tais debates com todos as candidaturas. A TSF tem cobertura nacional e não pode dedicar todo o espaço a um único concelho, pois o que diz respeito ao concelho A ou B não interessa ou pode não interessar ao resto do país. Deste modo, tendo-se optado por este modelo, o critério seguido foi o de realizar debates tipo frente-a-frente nos diversos concelhos apenas com as forças mais representativas. A escolha do modelo compete à estação, sendo desta o desenho editorial. Não obstante, no capítulo dos debates frente-a-frente se ter seguido esse critério, a actividade de cobertura eleitoral não se cingiu a essa iniciativa, havendo que mencionar todo um conjunto de iniciativas editoriais: noticiários de meia em meia hora, outro tipo de debates, entrevistas com candidatos, jornais de campanha, etc. Todo esse conjunto assegura uma cobertura exaustiva da campanha, sendo a TSF uma das estações de rádio que dedica mais tempo à cobertura eleitoral. O tratamento igual para todas as candidaturas exigido por lei tem de ser aferido por esse conjunto de iniciativas e não por esta ou aquela isoladamente, “sendo impossível medir o princípio da igualdade com uma fita métrica”. Confirmou que a CNE notificou a Rádio Notícias para esclarecer os critérios adoptados durante a campanha. - Do depoimento da testemunha L...M...P..., director-adjunto da TSF, que esclareceu que a TSF tem 308 concelhos para cobrir eleitoralmente e que o critério é o de cobrir fundamentalmente as capitais de distrito e, quanto aos outros concelhos, noticiar qualquer evento mais relevante. A cobertura eleitoral é feita através de jornais e noticiários, sendo estas as formas mais relevantes de cobertura, debates e frente-a-frente. Quanto aos frente-a-frente, não os fazem com todos as candidaturas, porque isso seria impraticável, mas com as candidaturas mais representativas. O critério nestes frente-a-frente é o de esclarecimento do público. No caso de Matosinhos, o público teria mais interesse num frente-a-frente com os dois candidatos que teriam mais possibilidade de ganhar as eleições e que eram a coligação PSD/CDS-PP e o PS. Porém, a TSF realizou reportagens de todas as candidaturas e fez uma cobertura, em noticiários e jornais, de todas elas, não discriminando nenhuma força partidária ou candidatura. Nesse sentido, a cobertura respeitou o princípio da igualdade. Colocado perante a sua afirmação de que, se o critério, no frente-a-frente, é o do esclarecimento do público, então esse objectivo deveria levar precisamente a que o público fosse esclarecido igualmente, por meio de debates frente-a-frente, em relação a todas as forças partidárias e candidaturas concorrentes, e não apenas em relação aos mais representativos, porque, assim, pelo menos no que toca a tais debates, estar-se-ia a discriminar a favor dos mais conhecidos, com marginalização dos menos conhecidos, não soube respondeu nada de relevante. Também não soube dizer se a falta de tais debates em relação a candidaturas que não fizessem parte deles era compensada com outras formas de cobertura. Apenas soube dizer que, nos noticiários e jornais de campanha, todas as candidaturas tinham cobertura. Esclareça-se ainda que ambas as testemunhas, inquiridas especificamente sobre a matéria, afirmaram serem do seu conhecimento as deliberações da CNE sobre a igualdade de tratamento que os órgãos de comunicação social devem dar às diversas candidaturas, nomeadamente no que diz respeito aos programas radiofónicos e televisivos. - Documentos de fls. 6, 7, 22 a 24 dos autos. 6. Considerações de direito 6.1. Questões prévias 6.1.1. A recorrente começa por levantar a questão da aplicabilidade do art. 212.º da LEOAL, sustentando que tal normativo só se aplica às publicações informativas, não sendo consentida a interpretação analógica nos termos do art. 2.º do RGCO. É sabido que a interpretação das normas jurídicas (1) se tem de partir de uma matéria-prima que é a língua, e da conjugação das palavras que formam o texto da lei ou norma, não deve bastar-se com o seu teor literal, dada a distância maior ou menor que, por várias razões, existe frequentemente entre o pensamento e a sua expressão, às vezes esta excedendo aquele, outras vezes ficando aquém dele. Daí que a actividade interpretativa, por norma, tenha sempre de ir além do simples teor verbal da lei, porque, em rigor, não existe um exacto sentido para cada palavra, nem texto que tenha uma só interpretação, por muito claro que se aparente e próximo do que se chama a «linguagem natural», postulando necessariamente uma actividade de elaboração e de interpretação, de produção e de busca de sentido. Com efeito, longe vai o brocardo latino, segundo o qual «in claris non fit interpretatio». Para além do teor verbal da lei, o intérprete tem de socorrer-se de outros meios disponíveis na panóplia hermenêutica: o elemento lógico e racional ou teleológico, que parte do pressuposto de que uma norma tem uma função a cumprir, um fim ou thelos, que é disciplinar um dada relação ou um conjunto de relações da vida social e, por conseguinte, há que surpreender o seu sentido em correlação com o escopo visado pela lei; a conjugação da norma com outras normas que regulam a mesma matéria, formando um todo tendente a um sentido, ou que regulam matérias afins, ou mesmo a totalidade da ordem jurídica, visto que esta constitui um sistema coerente e lógico (interpretação que sendo contextual e intertextual, se designa de sistemática); o elemento histórico, socorrendo-se da história do preceito, da disciplina de certa matéria, de certas instituições dogmáticas, procura surpreender o sentido das normas, através da sua génese histórica e da sua evolução legislativa, dos trabalhos preparatórios (tendo sempre presente o carácter meramente subsidiário destes, uma vez que as leis modernas são obra de um legislador assaz complexo, sucedendo que os trabalhos preparatórios, sendo um vasto repositório de ideias por vezes contraditórias, nem sempre deixam transparecer o sentido que acabou por ser fixado na lei). De acordo com estes princípios hermenêuticos, tão rudimentarmente esboçados (e seguindo a orientação fundamental que se colhe no clássico, mas ainda actual Ensaio Sobre A Teoria Da Interpretação Das Leis, de MANUEL DE ANDRADE e no ensaio Interpretação E Aplicação Das Leis, de FRANCESCO FERRARA, ambos reunidos no mesmo volume, 3.ª Edição, Coimbra 1978, pode chegar-se a uma interpretação que, logo a partir do seu teor verbal, não deixe dúvidas quanto ao seu sentido; pode alcançar-se um resultado que nos ofereça uma pluralidade de sentidos não concordes uns com os outros e, nesse caso, há que tentar conciliar o sentido que melhor corresponda ao fim para que a lei foi criada, tendo em conta a sua evolução histórica, e que se coadune com o sistema, isto é, que aí entre sem causar assimetria ou desarmonia. A interpretação que corresponde ao sentido literal ou ao teor verbal da lei diz-se interpretação declarativa, englobando-se nesta ainda a interpretação restrita e a interpretação lata, «segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados» (FERRARA, p. 147). A interpretação restritiva e extensiva são diferentes e supõem ambas uma divergência entre a interpretação lógica, racional ou teleológica e a interpretação literal, procurando harmonizar-se a letra da lei com o seu espírito. Na primeira, chega-se à conclusão de que o legislador disse mais do que queria (magis quam voluit); na segunda, que disse menos do que queria (minus quam voluit). Num caso, encurta-se, no outro estende-se a letra a lei, de forma a coincidir com o seu real conteúdo. Daí que a operação consista em reconduzir o texto legal aos seus verdadeiros limites, ínsitos ou imanentes à própria ratio legis, não sendo outra coisa senão «reintegração do pensamento legislativo», no dizer de FERRARA e aplicando-se, portanto, mesmo a normas excepcionais. Em qualquer dos casos, o teor verbal da lei é o limite, dentro do fim ou ratio que subjaz àquela e do sistema em que se insere, que não pode ser ultrapassado pelo intérprete, ou para usarmos a linguagem imaginosa de ANDRADE (ob. cit. p. 64), «Só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida». De resto, o art. 9.º do Código Civil (CC) dispõe deste modo: «1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. «2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (…)» Diferente é esta situação daquela em que a lei não prevê nem provê à situação carecida de disciplina jurídica, porque aí falta de todo a norma que deveria presidir à regulamentação da situação. Neste caso, fala-se em lacuna, que não pode ser preenchida por qualquer interpretação extensiva, dado que o legislador não disse minus quam voluit; simplesmente não disse nada. Será então necessário colmatar o vazio assim existente pelo recurso a outra ou outras normas que regulam a mesma ou matéria afim, delas deduzindo, por analogia, a regra aplicável ao caso (analogia legis). Outras vezes, à falta de caso semelhante, será necessário recorrer aos princípios gerais do direito, ou seja à construção da regra a partir dos princípios do sistema, dos quais aquela há-de laboriosamente deduzir-se e obter formulação adequada. Neste caso, estamos em face da analogia júris (Cf. art. 10.º do CC).. No domínio penal, está excluído o recurso à analogia. Por um lado, o direito penal não contém lacunas, devido às suas características de subsidariedade e de fragmentariedade, que levam a que só sejam puníveis os factos que foram eleitos, segundo uma prévia valoração axiológico-social, como capazes de representarem um especial tipo de ilicitude. De outro ângulo, o princípio da legalidade, exigindo a determinação, com o máximo de objectividade, de todas as componentes do facto que é objecto da incriminação, impõe que o tipo legal não possa conter zonas lacunosas ou vazias, que possam vir a ser integradas pelo recurso à solução conferida a casos análogos. Não está, porém, excluída a interpretação extensiva, pois sendo o texto legal constituído por palavras e sendo estas, quase sempre, polissémicas, «tal texto torna-se carente de interpretação, oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação. Fora desse quadro, sob não importa que argumento, o aplicador encontra-se inserido já no domínio da analogia proibida.» (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, T. 1.º, p. 175 e ss.) Os princípios hermenêuticos que acabámos de passar em revista aplicam-se às contra-ordenações, não obstante as diferenças que distinguem o direito penal primário ou secundário do regime contra-ordenacional, aquele caracterizado por centrar a sua disciplina sobre condutas ético-socialmente relevantes antes de qualquer valoração prévia do direito penal, e este tendo como alvo condutas ético-socialmente indiferentes, em que a ilicitude deriva de uma valoração delas, pela lei, como proibidas. Isto, ainda que muitas vezes o traço distintivo radique num elemento aparentemente formal, que não material ou axiológico, como é o caso da alcoolémia, que, a partir de 1,2 g/l, passa de contra-ordenação a crime, mas em que o elemento quantitativo impulsiona a transformação da quantidade em qualidade, ou seja, a transmudação da conduta, de simplesmente proibida e ético-socialmente indiferente, para axiológico-socialmente relevante e, como tal, sustentáculo de um tipo legal de crime (Cf. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 144 e segs. e ainda, do mesmo Autor, “O Movimento Da Descriminalização E O Ilícito De Mera Ordenação Social”, Jornadas De Direito Criminal, CEJ; Livraria Petrony, 1983). Estas diferenças, determinando uma autonomização de categorias dogmáticas nos dois ramos do direito, principalmente no que tange à culpa, que nas contra-ordenações se não traduz em censura dirigida à personalidade e à atitude interna do agente, mas à sua responsabilidade social, à sanção, que nas contra-ordenações escapa ao fundamento e às finalidades próprias das penas características do direito penal, e à forma de procedimento, que nas contra-ordenações é da responsabilidade da entidade administrativa, embora com possibilidade de recurso para o tribunal judicial, estas diferenças assim assinaladas, não apagam os numerosos pontos de contacto entre um e outro dos sistemas de regulação social, principalmente no que se refere à característica que ambos têm de direito sancionador de carácter punitivo. Por força dessas homologias, o direito das contra-ordenações tende a ser integrado subsidiariamente pelo direito penal, ao menos naqueles aspectos que não oferecem especificidades de relevo e que não são objecto de disciplina própria. Assim é que o art. 32.º da lei-quadro das contra-ordenações (RGCO) define como direito subsidiário, no âmbito substantivo, o Código Penal. E a Constituição, no art. 32.º, n.º 10, estendeu às contra-ordenações o asseguramento ao arguido, a título de direito fundamental, do direito de defesa e de audiência. No caso sub judice, estabelece o art. 40.º da LEOAL: “Os candidatos, os partidos políticos, coligações e grupos proponentes têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda eleitoral, devendo as entidades públicas e privadas proporcionar-lhes igual tratamento, salvo as excepções previstas na lei”. E o art. 49.º dispõe: “1 - Os órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha eleitoral devem dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas. 2 – O preceituado no número anterior não é aplicável às publicações doutrinárias que sejam propriedade de partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos proponentes, desde que tal facto conste expressamente do respectivo cabeçalho”. Destes preceitos decorre claramente que o legislador pretendeu dar às diversas forças concorrentes ao acto eleitoral condições para serem todas tratadas igualmente por entidades públicas e privadas, no que toca aos actos de propaganda, a levar a cabo livremente por aquelas. E, no que toca aos órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha, impôs a estes um tratamento não discriminatório das diversas candidaturas, excluindo da injunção legal as publicações de carácter doutrinário, nas condições acima referidas. Ora, é fácil de avaliar (e entramos já, fundamentalmente no domínio do critério teleológico ou racional, ou ainda da ratio legis) a importância destes valores – igualdade de tratamento e tratamento não discriminatório, dirigindo-se este especificamente aos órgãos de comunicação social que façam a cobertura da campanha, e não já, latamente, às entidades públicas e privadas, quer sejam órgãos de comunicação social, quer não sejam, quer façam a cobertura da campanha, quer não façam. Com efeito, enquanto o art. 40.º se refere ao dever de proporcionar igualdade de tratamento e de oportunidades que as entidades publicas e privadas têm de observar face à propaganda que as candidaturas entendam levar a cabo, no exercício de um direito próprio, o art. 49.º já impõe um tratamento não discriminatório a uma actividade própria da comunicação social e não das forças concorrentes ao acto eleitoral: a cobertura jornalística. Tal importância advém do papel crucial que a informação (ou dito de outro modo: o direito à liberdade de expressão e à informação) desempenham na formação, consolidação e desenvolvimento de uma sociedade democrática, em que toda a soberania reside no povo; no papel que os partidos políticos e, eventualmente, grupos promotores de candidaturas desempenham na formação da opinião pública e da vontade popular; na relevância dos princípios da igualdade de oportunidades e de isenção das entidades públicas e privadas em relação à propaganda dos partidos, coligações partidárias e grupos proponentes de candidaturas para o correcto e cabal esclarecimento do público e formação daquela vontade popular – tudo princípios estruturantes que derivam de vários preceitos constitucionais (entre outros, os arts. 2.º, 3.º , 9.º, b) e c), 10.º, 12.º, 13.º, 38.º, 39.º, 45.º, 46.º , 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 108.º, 109.º, 113.º 266.º) e da própria LEOAL. Comentando o art. 113.º da Constituição, VITAL MOREIRA e GOMES CANOTILHO (Constituição da República Portuguesa Anotada) opinam no sentido de que «a igualdade de oportunidades e de tratamento das candidaturas, além de exigir iguais tempos de antena (art. 40.º, n.º 3) impõe a atribuição de iguais facilidades aos candidatos em todos os domínios». Ora, sendo esta a razão de ser da lei, não se compreenderia que a violação dos comportamentos impostos e dos princípios que se pretendem ver respeitados não acarretasse qualquer sanção. Seria o mesmo que consagrar normas utópicas ou, quando muito, facultativas, despidas de toda a eficácia ou tendo uma eficácia aleatória, num domínio de grande relevância para a vida social e pública. Mais: para a organização e estruturação da sociedade democrática. Aliás, a LEOAL consagrou, no Capítulo III, um sistema sancionatório – Ilícito de mera ordenação social, com 4 secções (na secção 1.ª, disposições gerais; na secção 2.ª; contra-ordenações relativas à organização do processo eleitoral; na secção 3.ª, contra-ordenações relativas à propaganda eleitoral; na secção 4.ª, contra-ordenações relativas à organização do processo de votação; na secção 5.ª, contra-ordenações relativas à votação e ao apuramento e na secção 6.ª, outras contra-ordenações), o que significa que quis dotar de eficácia sancionatória (e uma eficácia sancionatória exaustiva) as disposições relativas a toda a orgânica eleitoral. Ora, das referidas disposições, são as da secção 3.ª que directamente importam ao caso, tanto mais que nenhuma das outras secções e, nomeadamente, a que prevê outras contra-ordenações, contempla a hipótese dos autos. Na secção 3.ª, prevê-se a violação dos deveres dos canais da rádio, no art. 210.º, mas esta violação reporta-se tão-só ao direito de antena, previsto no art. 57.º, enquanto devendo os operadores de rádio reservar um período diário de 30 minutos, durante o período da campanha eleitoral, para o conjunto das candidaturas, e ao processo de suspensão do direito de antena, previsto no arts. 59.º e 60.º e a decidir pelo tribunal. Aí não está, pois, incluída, a violação da igualdade de tratamento e da não discriminação. Esta consta da previsão e estatuição do art. 212.º, que, todavia, é submetida à epígrafe – violação dos deveres das publicações informativas -, estando assim redigida: A empresa proprietária da publicação informativa que não proceder às comunicações relativas à campanha eleitoral previstas na presente lei ou que não der tratamento igualitário às diversas candidaturas é punida com coima de 200.000$00 a 2.000.000$00. O problema reside, pois, em saber se, sendo justificada a contra-ordenação nos termos que vimos atrás, ela cabe no âmbito de previsão do referido art. 212.º, ou seja, se de alguma maneira se ajusta ao seu teor verbal, já que, em termos de interpretação lógica e sistemática, ela se apresenta como a solução mais razoável. E a verdade é que é possível, sem grande esforço, fazer caber no âmbito da previsão da lei os órgãos de comunicação social no seu conjunto e não apenas a imprensa escrita. Portanto, aí estarão também previstas idênticas contra-ordenações praticadas pela rádio e pela televisão, quando façam a cobertura eleitoral. É que, por um lado, referindo-se o art. 49.º aos órgãos de comunicação social no seu conjunto, excluem-se do âmbito da sua previsão as publicações doutrinárias e, portanto, ao falar-se, no art. 212.º, de publicações informativas, tomou-se a parte pelo todo, com a preocupação de contrapor aquelas às publicações doutrinárias. Por outro lado, o termo publicação informativa pode aplicar-se, ainda que de forma menos própria, à publicidade dada pelos órgãos de comunicação social, sobretudo quando se trata de informar e esclarecer o público em matérias que relevam da informação em termos gerais, tanto mais que aqueles também praticam jornalismo, estando nessa parte os seus profissionais subordinados à deontologia própria dos jornalistas, ao seu estatuto e às mesmas ou idênticas leges artis. Aliás, a génese do termo publicação aponta para tornar público, tornar conhecido de todos um determinado facto (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporâneo, Academia das Ciências de Lisboa). Em conclusão: na previsão do art. 212.º cabem, por interpretação extensiva os órgãos de comunicação social. Com efeito, não se trata de lacuna que importasse preencher pelo recurso a outras normas ou aos princípios gerais do direito, mas de reconstituição do pensamento legislativo, sem extravasar o teor verbal da lei. Aliás, nesta mesma conformidade decidiu o Acórdão deste STJ de 6/7/2006, Proc. n.º 1383-06, também da 5.ª Secção. E não se vê como tal interpretação seja inconstitucional, nomeadamente por referência ao artigo da Constituição a que o recorrente faz alusão: art. 29.º, n.ºs 1 e 3, que se reporta ao chamado princípio da legalidade da lei criminal. É que não se trata de falta de lei ou de falta de previsão legal, como já vimos, mas de lei já existente ao tempo da prática do facto e prevendo o mesmo facto, mas apenas sujeita a uma interpretação extensiva, permitida no âmbito da interpretação da lei criminal e, por maioria de razão, no âmbito contra-ordenacional. 6.1.2. Relativamente à nulidade derivada da alegada falta de concretização dos factos (arts. 58.º, n.º 1 e 62.º, n.º 1, ambos do RGCO, com referência à alínea b) do n.º 3 do art. 283.º do CPP, o recorrente manifestamente não tem razão. É que os factos que constituem a imputação estão suficientemente descritos na decisão administrativa, nomeadamente quanto ao lugar, momento e motivação da prática da contra-ordenação. Pois é evidente que os factos ocorreram em Matosinhos, dizendo respeito às eleições autárquicas desse concelho e à cobertura pela arguida dessas eleições, como claramente resulta da decisão, sendo que o frente-a-frente que motivou a queixa do representante da CDU ocorreu no dia 21 de Setembro de 2005, às 10 horas, na estação de rádio da arguida. Quanto ao motivo da actuação da arguida, também consta da decisão, sob a epígrafe “Os Factos”, pois aí se diz que tal motivo residiu em a arguida, no âmbito da cobertura das eleições autárquicas, ter optado pela realização de um debate frente-a-frente entre os candidatos que representavam os dois maiores partidos, com “uma representação absolutamente esmagadora no concelho”. Por conseguinte, estão de tal maneira clarificados os factos, que espanta como se vem arguir a nulidade da falta daqueles requisitos. Além disso, segundo o art. 283.º, n.º 3, alínea b) do CPP, a inclusão desses elementos deve ser feita tanto quanto possível, não sendo, portanto, uma exigência absoluta . E, relativamente às contra-ordenações, são os autos no seu conjunto que, uma vez remetidos ao juiz pelo Ministério Público, na fase de impugnação judicial, valem como acusação (art. 62.º, n.º 1 do RGCO). Ora, os factos apontados, tal como foi referido, constam do processo e, nomeadamente da decisão administrativa. Concluindo, a arguição de nulidade pela recorrente é manifestamente improcedente. 6.2. Resolvidas as questões prévias, impõe-se-nos encarar a prática da contra-ordenação propriamente dita. Os factos dados como assentes não deixam margem para dúvidas. Com efeito, a estação de rádio TSF, na cobertura que realizou no âmbito das eleições autárquicas de Matosinhos, referentes a 2005, entendeu levar a cabo um debate frente-a-frente com as duas principais forças partidárias concorrentes (a coligação PSD/CDS- PP e o PS), as quais teriam mais possibilidade de ganhar as eleições. De fora do debate ficou, entre outros, o candidato da CDU, apesar de reclamar para a CNE, que no próprio dia da queixa (um dia antes da realização do debate) comunicou por fax os factos àquela estação de rádio, pedindo-lhe esclarecimentos sobre os critérios jornalísticos que presidiriam à realização desses frente-a-frente, tendo o director da entidade proprietária Rádio...N...-P...e P..., SA respondido que tal resultava de uma opção pelos candidatos que representavam os partidos mais votados no concelho, e que isso nada tinha a ver com cobertura das acções de campanha eleitoral em Matosinhos, que dava relevo a todos os partidos ou forças concorrentes. O que é certo é que o candidato da CDU foi excluído do frente-a-frente, sendo que tal facto constitui uma óbvia discriminação dessa candidatura, pois tal tipo de debate, ainda que se possa dizer que só logra resultado com a intervenção de um número limitado de participantes, devido à sua natureza contraditória, representa sempre uma oportunidade para os intervenientes exporem os seus programas eleitorais, confrontarem pontos de vista, extremarem posições, definirem as suas singularidades e caracterizarem o seu perfil eleitoral. Ora, se essa possibilidade é dada a uns e negada a outros, sempre se pode dizer que há uns que são privilegiados e outros que são discriminados, assim se fazendo tábua rasa do princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação, princípios que, como vimos, são estruturantes do nosso sistema constitucional. As testemunhas inquiridas pretenderam justificar esse comportamento com o que denominaram de critério editorial ou critério jornalístico, que reivindicaram como próprio, isto é, como domínio exclusivo. Instadas a esclarecer em que consistia o aludido critério, não conseguiram ir mais além da afirmação de que, nos debates frente-a-frente, se deu relevo aos partidos ou forças concorrentes mais representativos, com mais possibilidades de ganharem as eleições. Ou seja: o critério seria o da representatividade ou o da maior possibilidade de obter vitória, o que, diga-se, é um critério totalmente contrário á lei. Situações há em que a lei leva em consideração a representatividade maior ou menor dos partidos (para efeitos, por exemplo, de atribuição de direito de antena fora da campanha eleitoral, de subsídios, etc.); porém, quando se trata de campanha eleitoral, a lei quer que todos os concorrentes sejam tratados por igual, e isto porque quer que os cidadãos sejam esclarecidos igualmente de todas as propostas eleitorais, para poderem votar o mais livre, consciente e informadamente possível. GOMES CANOTILHO, a propósito dos princípios citados, afirma que, “nos tempos mais recentes, o princípio da liberdade de voto passou a compreender-se também como liberdade e igualdade na preparação do próprio acto eleitoral e que “o princípio da igualdade de voto não se limita ao acto eleitoral em si, antes envolve todo o procedimento de sufrágio (ex.: igualdade na concorrência eleitoral, igualdade nas candidaturas).” A propósito do princípio da igualdade de oportunidades, expende ainda que “uma igualdade esquemática” excluirá, desde logo, qualquer discriminação jurídica entre “partidos grandes” e “pequenos”, “partidos de governo” e “partidos de oposição”, “partidos com representação parlamentar” e “partidos sem representação parlamentar”. E ainda: “O sentido útil da eficácia externa do princípio da igualdade reside na necessidade de submeter as organizações com carácter de domínio (ex.: países com concentração monopolista de imprensa) ou visivelmente condicionadoras da liberdade de voto (ex.: igrejas) a não violar o princípio da igualdade de oportunidades. Em termos positivos, esta eficácia externa significa também direito a igual tratamento por parte de entidades privadas no que respeita, por ex., a tempos de antena, inserção de propaganda eleitoral, utilização de salas de espectáculos…” ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª edição, pgs. (303/304, 305, 320, 323/324). De forma que o apontado critério editorial ou jornalístico não passa de um critério arbitrário, puramente mediático, no sentido da espectacularidade, que não no da informação, equivalente ao chamado critério das audiências, que muitas vezes se opõe ao critério informativo e atendendo ao interesse do público votante nos maiores partidos ou nos candidatos mais proeminentes, em vez de atender ao interesse público de informar, como a lei manda. Assim, não só discrimina, como acentua as diferenças entre partidos ou forças mais representativos e partidos ou forças menos representativos ou sem representação, sendo que a lei pretende, ao menos em campanha eleitoral, eliminar essas diferenças de tratamento. Não deixa de ser sintomático que a testemunha L...M...P... tenha referido contraditoriamente que o critério seguido nos debates frente-a-frente, foi o do esclarecimento do público, para logo dizer que, no caso de Matosinhos, o público teria mais interesse nos candidatos que foram seleccionados para o frente-a-frente. Ora, se o critério era realmente o de esclarecimento, então o interesse público reclamava que não só os partidos mais representativos esgrimissem posições num debate frente-a-frente, como também os restantes partidos e candidaturas, nomeadamente a CDU, que aqui está directamente em causa. Deste modo, a tão propalada singularidade do modelo é falaciosa, na medida em que já tem algo de preconcebido, pois dá relevância ao mais notório. Isto é tanto mais censurável, quanto os órgãos de comunicação social não são obrigados a fazer a cobertura da campanha eleitoral, para além daquilo que a lei e a Constituição impõem, como é o caso dos tempos de antena. E não se diga que a igualdade de tratamento e o princípio da não discriminação se aferem pela cobertura geral da campanha, que não pelos debates frente-a-frente, pois se determinados partidos ou forças concorrentes às eleições apenas entram nessa vala comum que é a cobertura geral da campanha e outros, para além da vala comum, têm direito a reaparecer em debates frente-a-frente, há um nítido tratamento discriminatório. Se os debates frente-a-frente têm uma configuração específica de afrontamento entre dois ou poucos mais intervenientes, não sendo operativo com muita gente, então a solução não está em ignorar acintosamente determinados concorrentes. Ou o modelo não pode ser utilizado, por nele não poderem caber todos, como se aventa no Acórdão já referido deste STJ de 6 de Julho de 2006, ou ter-se-á de arranjar um expediente que passe pela realização de vários debates frente-a-frente com todos as candidaturas, ou ter-se-á de consertar com todos eles a forma de selecção desses debates e, eventualmente, a forma de compensação para aqueles que não intervierem. Ora, no caso, a TSF não só ignorou uma candidatura que expressamente reclamou, atempadamente, da sua não inclusão no debate frente-a-frente, como nem sequer satisfez o seu pedido para, em compensação, conceder uma entrevista ao referido candidato. Assim, não há dúvidas de que a TSF violou consciente e voluntariamente o disposto nos arts. 40.º e 49.º, n.º 1 da LEOAL, não dando as mesmas oportunidades à queixosa CDU e sabendo que daí resultava necessariamente uma discriminação, não obstante a cobertura geral que deu a toda a campanha eleitoral e a todas as candidaturas, não ignorando que a lei impõe um tratamento de igualdade e de não discriminação, em relação a qualquer candidatura. Com tal atitude, cometeu a contra-orrdenação prevista no art. 212.º da mesma lei, visto que agiu com dolo necessário (art. 8.º, n.º 1 do RGCO), nada havendo a objectar à medida da coima fixada pela CNE, que se quedou pelo mínimo. III. DECISÃO 7. Nestes termos, acordam na Secção Criminal (5.ª Secção) do Supremo Tribunal de Justiça em não conceder provimento à impugnação judicial deduzida pela arguida Rádio N...-P...e P..., SA, confirmando integralmente a decisão impugnada. 8. Custas pela recorrente com 10 UCs. de taxa de justiça Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Outubro de 2007 Rodrigues da Costa (relator) Carmona da Mota Simas Santos Santos Carvalho (com declaração de voto) "Voto a decisão, mas com o entendimento de que o “tratamento jornalístico não discriminatório” a que estão obrigados os órgãos de comunicação social que fazem a cobertura de uma campanha eleitoral, referido no art.º 49.º da LEOAL, se afere pela cobertura geral da campanha, que não pelos debates frente-a-frente. Contudo, no caso em apreço, a arguida não fez acintosamente a entrevista ao candidato da CDU de Matosinhos, como o mesmo expressamente reclamou para compensar o facto de vir a estar ausente no frente-a-frente e, por isso, houve “tratamento discriminatório”, expressão esta que não é equivalente a “tratamento igual”. Considero, aliás, que na rádio é pouco esclarecedor um frente-a-frente com mais de duas vozes, sob pena do ouvinte não conseguir destrinçar a que pessoa pertence, como também se torna inviável que em todos os concelhos onde é feita a cobertura da campanha autárquica seja obrigatório fazer frente-a-frente com todas as forças políticas concorrentes, ainda que alternadamente. Neste domínio tem de se atender a critérios de razoabilidade, tal como o cidadão comum compreende e aceita. a) Santos Carvalho ________________ (1) Nesta matéria, seguimos de perto, embora mais resumidamente, o texto do Acórdão Para Fixação de Jurisprudência n.º 4118-06, de 12/10/06, relatado pelo mesmo relator deste processo. |