Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | RECURSO PENAL PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO ROUBO SEQUESTRO CONCURSO DE INFRACÇÕES CONCURSO DE INFRAÇÕES CONCURSO APARENTE REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA PENA DE PRISÃO PENA PARCELAR MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA IMAGEM GLOBAL DO FACTO ILICITUDE CULPA DOLO PLURIOCASIONALIDADE ANTECEDENTES CRIMINAIS PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE QUANTUM INDEMNIZATÓRIO | ||
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Data do Acordão: | 10/22/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS POR CRIME - CRIMES CONTRA AS PESSOAS - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO. DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - CESARE BECARIA – Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38. - EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16. - FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pp.235 a 237; Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121, Direito Penal, 2005, p. 239; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.. - PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p, 501. - VAZ SERRA, in R. L. J., 113.º- 96. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, N.º1, 562.º A 564.º E 569.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 139.º, N.ºS 5 E 6, 679.º. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 104.º, N.ºS 1 E 2, 107.º, N.º 5, E 107.º-A, AL. C), 138.º, N.º6, 379.º, N.º2, 400.º, N.1, AL. B), 411.º, N.º1, AL. B), 414.º, N.ºS2 E 3, 417.º, N.º 6, 420.º, N.º1, AL. B). CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º1, 71.º, 73.º, 74.º, 77.º, N.ºS 1 E 2, 78.º, N.º1, 158.º, N.º2, ALS. A), B) E E), 164.º, N.º 1, ALÍNEA B), 210.º, N.º 1, E 2, ALÍNEA B), POR REFERÊNCIA AO DISPOSTO NO ART.º 204.º, N.º 1, ALÍNEA F), E N.º 2, ALÍNEA F). DECRETO-LEI N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO: - NºS 4 E 7 DO PREÂMBULO. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -IN C.J. 1986, 2.º, P. 233. -DE 19-4-1991, IN A.J. 18º, 6. -DE 16-12-1993, CJSTJ 1993, TOMO 3, P. 181. -DE 11-09-1994,COL. JUR. ACS DO S.T.J. ANO II TOMO III -1994 P. 92. -DE 29-11-2001, PROC. N. 3434/0º1; DE 08-05-03, PROC. N.º 4520/02; DE 17-06-04, PROC. Nº, 2364/04 E DE 24-11-05, PROC. Nº. 2831/05, TODOS DA 5.ª SECÇÃO. -DE 29-01-2004, PROC. N.º 3767/03 - 5.ª SECÇÃO. -DE 17-06-2004, PROC. N.º 2364/04, E DE 3-7-2008 IN PROC. 1228/08, AMBOS DA 5ª SECÇÃO. -DE 11-10-2006 E DE 15-11-2006, PROC. N.º 1795/06 E PROC. N.º 3268/04. -DE 15-11-2006 DESTE SUPREMO, PROC. N.º 2555/06- 3.ª SECÇÃO. -DE 07-12-2006, PROCESSO N.º 3053/06 - 5.ª SECÇÃO. -DE 20-12-2006, IN PROC. N.º 3169/06 – 3.ª SECÇÃO. -DE 28-06-2007, PROC. N.º 1906/07 - 5.ª SECÇÃO. -DE 18-12-2007, IN WWW.DGSI.PT . -DE 05-11-2008, IN PROC. N.º 3266/08, 3.ª SECÇÃO. -DE 24-09-2014, PROC.146-13.5JAGRD.S1. -PROC. Nº 280/13.1GARMR.S1. | ||
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Sumário : | I - Atendendo à data do depósito do acórdão recorrido e dos 30 dias para a interposição de recurso, cf. art. 411.º, n.º 1, al. b), do CPP e uma vez que o prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais, por se tratar de processo com arguidos presos, o prazo de interposição de recurso terminava em 17-04-2014. Todavia, nos termos da conjugação do disposto nos arts. 107.º, n.º 5, e 107.º-A, al. c), do CPP, e art. 139.º, n.º 5, do CPC, o prazo de interposição de recurso ainda poderia, com pagamento de multa, ocorrer em 23-04-2014. Dado que o recurso do arguido X deu entrada no dia 24-04-2014 o mesmo é intempestivo. Dado que o arguido Y deu entrada do recurso no dia 23-04-2014 e procedeu ao pagamento da multa, o recurso apresentado é tempestivo. II - Na jurisprudência do STJ é uniforme o entendimento de que o crime de roubo consome o de sequestro quando a privação da liberdade é a estritamente necessária e proporcionada ou, por outras palavras quando funciona estritamente como meio para a consumação do roubo, havendo então concurso aparente entre os dois crimes; mas o concurso já será efectivo se a privação da liberdade exceder o estritamente necessário para a consumação do roubo, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando o sequestro segue ou antecede o roubo. III -Tendo-se provado que os arguidos, já na posse dos bens subtraídos, deixaram a ofendida amarrada e amordaçada, com as mãos e tronco atados na coluna do lavatório com fita adesiva e com a trela da sua cadela, após o que, mantendo-a assim manietada, abandonaram a residência dela levando o produto do roubo, sendo que a vitima conseguiu libertar-se da fita adesiva e gritar por socorro, mas isso só sucedeu cerca de 5 h depois, o crime de sequestro já não está ao serviço da consumação do crime de roubo, estando-se perante um concurso efectivo. IV - Relativamente a jovens adultos, a atenuação especial da pena de prisão a que alude o art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado. V - O arguido Y tem um percurso de vida caracterizado por uma persistente desadequação comportamental ao nível do relacionamento social e interpessoal. Não obstante a idade do arguido à data da prática dos crimes (19 anos), o mesmo já tinha sofrido condenações anteriores por 3 crimes, ainda que de menor gravidade, o que demostra uma acentuada dificuldade de pautar a sua conduta pelas regras impostas pela comunidade. Acresce a imagem muito negativa que é transmitida pelos factos, não podendo deixar de enfatizar-se o facto de ele ter tido sempre uma intervenção activa em todo o desenrolar da respectiva acção criminosa, não denotando estar a actuar sob mera influência do co-arguido. Inexistem pois, razões sérias para crer que de atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, pelo que não é de aplicar o regime penal especial constante do DL 401/82. VI - As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. VII - Tendo em conta as molduras abstractas das penas dos crimes de roubo e sequestro e face ao elevadíssimo grau de culpa do arguido, cuja conduta se revestiu de uma violência inusitada e mesmo desnecessária, atentando contra o mais elementar sentido de pudor da vitima, humilhando-a da forma mais vil, são de manter as penas parcelares aplicadas de 7 anos de prisão (crime de roubo) e 5 anos de prisão (crime de sequestro). VIII - Na fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente. Importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. IX - A ilicitude do facto (violação de bens de natureza pessoal e patrimonial), o modo de execução e os sentimentos reveladores da sua personalidade na prática dos mesmos e por eles projectada, e forte intensidade do dolo, revelam não só fortes exigências de prevenção geral pela necessidade de confiança nas normas violadas, sendo certo que embora não haja elementos bastantes para concluir por uma tendência criminosa, mas sim por uma pluriocasionalidade, revelam porém, as condenações já havidas e a sua condição pessoal e iter de vida, que revela falta de preparação para manter conduta lícita, a exigir fortes exigências de prevenção especial na dissuasão de comportamentos delituosos, sendo a culpa intensa. A pena única de 10 anos de prisão fixada no acórdão recorrido não se revela desadequada nem excessiva. X - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais (art. 496.º, n.º 1, do CC) necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». A vítima tinha 75 anos de idade foi vítima dos danos na sua própria residência, e face ao modo de realização dos factos e o tempo que perdurou, o valor de € 20 000 fixado no acórdão recorrido não se revela desproporcionado. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça _ No processo comum com o nº 84/13.1JACBR.do Tribunal Judicial de ... foram submetidos a julgamento em Tribunal Colectivo, os arguidos AA, filho de ... e BB, filho de ..., na sequência de acusação formulada pelo Ministério Público, que lhes imputava em co-autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo - Um crime de roubo agravado, previsto e punido no artº 210º, n.º 1, e 2, alínea b), por referência ao disposto no art.º 204º, n.º 1, alínea f), e n.º 2, alínea f), do Código Penal. - Um crime de sequestro agravado, previsto e punido pelo art.º 158º, nº 1 e 2, alíneas b), e e), do Código Penal. - Um crime de violação, previsto e punido no art.º 164º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. - CC, id. nos autos, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, deles reclamando 21.315,91 Euros por danos não patrimoniais e patrimoniais pela mesma sofridos decorrentes da conduta dos arguidos.
Realizado o julgamento foi proferido o acórdão de 18 de Março de 2014, que decidiu: “Nos termos expostos, os Juízes que compõem este Tribunal colectivo deliberam o seguinte: 1. Condenam o arguido AA pela prática como co-autor de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.° 210°, n.° l e 2, al.. b) por referência ao art.° 204°, n.° 1 ai. f) ambos do Código Penal na pena de 8 (oito) anos de prisão, em concurso real com um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.° 158°, n.° 1 e 2, ais. b) e e) do Código Penal na pena de 6 (seis) anos de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 10 (dez) anos de prisão, absolvendo-o da prática de um crime de violação p. e p. pelo art.° 164°, n.° 1, ai. b) do Código Penal. 2. Condenam o arguido BB pela prática como co-autor de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.° 210°, n.° l e 2, al.. b) por referência ao art.° 204°, n.° 1 al.. f) ambos do Código Penal na pena de 7 (sete) anos de prisão, em concurso real com um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.° 158°, n.° 1 e 2, als. b) e e) do Código Penal na pena de 5 (cinco) anos de prisão, e em cúmulo jurídico de penas na pena única de 9 (nove) anos de prisão, absolvendo-o da prática de um crime de violação p. e p. pelo art.° 164°, n.° 1, al. b) do Código Penal. 3. Condenam os demandados AA e BB a pagar à demandante CC a titulo de indemnização por danos patrimoniais a quantia de 1.315,91 Euros acrescidos de juros de mora à taxa legal a contar deste a notificação do pedido cível e até integral pagamento e a quantia de 20,000,00 Euros a título de danos não patrimoniais sofridos acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde a presente decisão e até integral pagamento. 4. Condenam os arguidos nas custas criminais fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs. (art.°s 8.°, n.° 9, do Reg Custas Processuais, e Tabela III anexa), e, bem assim, nos legais encargos do processo (art.°s 514.° do CPP, 16.° do Reg. Custas Processuais), com a redução a que alude o art.° 344.°, n.° 2, al. c), do CPPenal. 5. Custas cíveis pelos demandados (art.° 527° do Código Processo Civil)
Declaram-se perdidos a favor do Estados todos os objetos adquiridos pelos arguidos com o dinheiro subtraído à demandante e apreendidos nos autos, bem como as facas apreendidas (art.ºs 109º e 111º, n.º 1 ambos do Código Penal) Quanto aos demais objetos, devolvam-se devendo os arguidos fazer prova prévia da sua propriedade. Em face da condenação sofrida pelos arguidos entende o tribunal que os arguidos deverão manter-se sujeitos à medida de coação de prisão preventiva uma vez que as razões cautelares que estiveram na base do seu decretamento não só se mantém como saíram reforçadas com a supra condenação. Notifique. Boletins ao Registo Criminal (Após trânsito em julgado). Cumpra-se o disposto no art.º 372º, n.º5 do C.P.Penal.”
Inconformados com a decisão, dela recorreram para o Tribunal da Relação de Coimbra:
O arguido BB, apresentando na motivação do recurso as seguintes CONCLUSÕES
O presente recurso tem como objeto a matéria de direito do douto Acórdão recorrido, proferido nos presentes autos em 18/03/2014, pelo Tribunal a quo, que condenou o recorrente pela prática, como coautor de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art.º 210°, nº 1 e 2, al. b) por referência ao art.º 204°, nº 1 al. f), ambos do Código Penal, na pena de sete anos de prisão, em concurso real com um crime de sequestro agravado, p. e p. pelo art.º 158°, nº 1 e 2, als. b) e e) na pena de cinco anos de prisão, em cúmulo jurídico de penas, na pena única de nove anos de prisão deverá ser revogado e em consequência: I- Ser o crime de sequestro, previsto do nº 2 do art° 158° do C. Penal, consumido pelo crime de roubo agravado, sob pena de por em causa o princípio da proibição da dupla valoração. Com efeito, II- O desígnio criminoso, a sua determinação, foi sempre, a obtenção de dinheiro e porventura, objetos de valor, sendo essa perspetiva que norteou e animou o coarguido e por isso a sua conduta deve integrar somente o crime de roubo agravado, ou seja, deve entender-se, no caso presente, entre os crimes de roubo e de sequestro, existe uma relação de concurso aparente - por uma relação de subsidiariedade. Porquanto, III- A privação da liberdade da ofendida, limitou-se ao tempo necessário à consumação do crime de roubo na sua plenitude - entenda-se a inclusão da fuga do coarguido e o impedimento do ofendida alertar as autoridades -. IV- Caso assim não se entenda, deverão as penas parciais dos crimes de roubo agravado, de sete anos de prisão e de sequestro, de cinco anos de prisão, serem substancialmente reduzidas, bem como a pena única em cúmulo jurídico de nove anos de prisão, por se considerarem excessivas e desproporcionais. Com efeito, V- O digno Tribunal a quo, tendo em conta a idade do coarguido ora recorrente, à sua postura anterior aos crimes - ausência da prática de crimes da mesma natureza,- deveria ter decidido no sentido na aplicação de penas de prisão, pelo regime especial previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, embora não sendo de aplicação obrigatória. VI- Decidindo assim, salvo melhor opinião, o referido Tribunal violou os princípios previstos nos artºs 127° do CPP, artº 71° do C.P., bem como o artº 4° do referido Dec.Lei, ficando comprometida, definitivamente a socialização do coarguido ora recorrente. Porém, VII- Considera o coarguido ora recorrente, que relativamente ao crime de roubo agravado, lhe deverá ser aplicada uma pena de prisão que deverá situar-se no seu limite mínimo, não superior a três anos de prisão, cfr. Nº2 do artº 210° do C.P. VIII- Em relação ao crime de sequestro, no caso de não se entender como referido em 1, deverá ser aplicada ao coarguido ora recorrente, a pena prevista no nº 2 do artº 158°, correspondente ao seu limite mínimo de dois anos de prisão. Porquanto, IX- A privação da liberdade da ofendida, não foi acompanhada de ofensa à integridade física grave, de tratamento cruel ou degradante, no sentido da crueza que tal tipo de tratamento encerra, nem a ofendida se encontrava fisicamente debilitada, sendo que foi ela própria que se libertou da fita adesiva. X- Devendo ser aplicada, em cúmulo jurídico de penas, a pena única de quatro anos de prisão, cfr. vem defendendo a jurisprudência, que, a exemplo nesse sentido, se refere o Ac. Do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N° 520/06.3JALRA.Cl, de 11/3/2009 e Ac. Do STJ, proferido no Proc. N° 04P4208, de 05/01/2005, este quanto à pena única de prisão aplicada ao Autor XI- Quanto ao pedido de indemnização civil, por danos não patrimoniais, considera o coarguido ora recorrente, ser o valor de 20.000e (vinte mil euros) excessivo, por, salvo o devido respeito, não provados os fundamentos constantes no Acórdão recorrido. Dado que, XII- A demandante, embora se admita que, durante algum tempo, se sentisse perturbada, sendo que continua a fazer uma vida com normalidade, não tendo qualquer receio em viver sozinha em sua casa, não se sentindo constrangida em virtude dos acontecimentos, cfr factos não provados no Acórdão recorrido. XIII- Ou seja, a demandante não sofreu danos não patrimoniais que justifiquem a indemnização no valor do pedido. XIV- Sendo que, também aqui o digno Tribunal a quo, salvo melhor opinião, violou o disposto nos artºs 496° nº 3 e 494º, ambos do Código Civil. XV- Devendo quantificar-se um valor não superior a 5.000,00€.
Termos em que, nos melhores de direito que V.as Ex.as doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência decidir conforme explanado nas presentes conclusões. Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça.
O arguido AA que apresentas as seguintes CONCLUSÕES 1. A confissão dos arguidos e do recorrente, em particular, foi determinante para a descoberta da verdade. 2. O Tribunal a quo não vaIorou a confissão como atenuante, nem a reconheceu como extremamente importante para a prova dos factos 1 a 11, ocorridos antes e após a entrada na residência da ofendida. 3. Tal atenuante levará a que o recorrente seja condenado abaixo do meio das molduras penais, ou seja em cerca de 6 anos de prisão pelo roubo e em 4 anos pelo sequestro, que se cumularão juridicamente em menos de 7 anos. 4. Também as consequências para a ofendida levam a que esta pena inferior a 7 anos seja mais ajustada que a de 10 anos aplicada em 1ª instância. 5. O sequestro apenas serviu aos arguidos para obterem o produto do roubo e o manterem nas suas mãos sem serem importunados e detidos. 6. O sequestro foi praticado ao serviço do roubo. 7. O objectivo dos arguidos era o roubo e, neste, eles previram a violência e exercer sobre a vítima, pondo-a na impossibilidade de resistir e de impedir a consumação do delito. 8. No caso concreto, o sequestro é consumido pelo roubo, devendo o arguido ser condenado apenas por este crime. 9. Também, neste caso, se mostra adequada uma pena de seis anos de prisão. 10. Atentas as lesões, os períodos de doença e a ausência de sequelas, os danos não patrimoniais da ofendida requerem compensação não superior a 7.500,00€. 11. O douto Acórdão violou, entre outras as normas dos art.s 71º e 72° do CP e fez errada aplicação do art. 77° do mesmo Código e do art. 496º do CC. Pelo que, substituindo-o por outro que condene o arguido AA no máximo de 6 anos de prisão pelo crime de roubo, que consome o de sequestro, e na compensação civil de 7.500,00€, conjuntamente com o outro arguido, - Respondeu o Ministério Público às motivações do recurso, no sentido de que “a decisão recorrida não enferma de qualquer dos vícios que lhe são imputados pelos recorrentes, pelo que deverá ser integralmente confirmada, julgando-se os recursos improcedentes. V. Ex.as, porém, farão, como sempre, JUSTIÇA”
Remetidos os autos a este Supremo, aqui, o Dig.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer “no sentido de que: 4.1 – Deve ser liminarmente rejeitado, porque intempestivo, o recurso do arguido AA; 4.2 – É de negar provimento ao recurso do arguido BB, confirmando integralmente o veredicto condenatório proferido. “ -: Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP., tendo o arguido BB apresentado resposta onde alega que: “1º Reconhece o digníssimo Ministério Público, junto desse Alto Tribunal, a fls 951, que a conduta típica para a classificação, entenda-se, do crime de sequestro agravado, se preenche independentemente do tempo concreto da privação da liberdade e que esse tempo só releva para efeitos de agravação, nos termos do nº 2/a) do artº 158º do Código Penal. Ora, 2º Com o devido respeito, reza a referida norma "O agente é punido com pena de prisão de dois a dez anos se a privação da liberdade durar por mais de dois dias" 3º Como é sabido, a ofendida libertou-se cinco horas depois de ter sido amarrada com a fita adesiva, logo o requisito previsto na referida norma, não se preencheu, logo, salvo melhor opinião, não deve ser considerada agravação nesse sentido. 4º Quanto ás outras questões, invocadas no mencionado parecer, o arguido ora recorrente, remete para o alegado oportunamente, no recurso por si interposto.” - Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após os vistos legais em simultâneo. - Consta do acórdão recorrido: “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Factos Provados da Acusação Pública: 1 – Em data não concretamente apurada, mas provavelmente no início de Fevereiro de 2013, os arguidos elaboraram entre si um plano para, conjugadamente e em comunhão de esforços, constranger a cidadã de nacionalidade inglesa CC, residente na ..., com 75 anos de idade, através do uso da força física e de ameaça, e mediante o uso de um objecto em tudo similar a uma arma de fogo, a entregar objectos de valor, dinheiro e cartões multibanco com os respectivos códigos, que se encontrassem na sua residência. 2 – Na prossecução desse plano, no dia 18 de Fevereiro de 2013, cerca das 9 horas, os arguidos, vestindo casacos com capuzes para não serem facilmente reconhecidos, dirigiram-se à residência de CC, cidadã inglesa que reside em .... 3 – Uma vez ali, e verificando que a ofendida não se encontrava na residência, os arguidos refugiaram-se no interior de uma caravana que se encontra estacionada no terreno da vítima, em frente à porta da entrada de casa, a qual não se encontrava trancada. 4 – Cerca das 10 horas, quando avistaram a ofendida a regressar a casa, o arguido BB, empunhando um objecto em tudo similar a uma arma de fogo e com o rosto tapado com um gorro com orifícios para olhos e boca, e o arguido AA, usando uma meia elástica que cobria a totalidade do rosto, saíram subitamente do interior da caravana, agarraram a vítima e abanaram-na com violência. 5 - Após, o arguido BB retirou abruptamente as chaves das mãos da ofendida, e abriu a porta da residência, tendo o arguido AA empurrado CC para o seu interior. 6 - Uma vez no interior da residência, sob constantes ameaças e gritos de “money, money” e “i kill you, i burn your house, i burn you”, os arguidos amarraram a ofendida com fita adesiva nos pés e nas mãos, em cima do sofá.. 7 - Após, os arguidos agarraram a ofendida pelos braços e pés, e levaram-na para um quarto no andar de cima, onde a deitaram sobre a cama e remexeram as gavetas dos armários. 8 - Enquanto a ofendida se encontrava deitada na cama, os arguidos continuaram a proferir ameaças, exigindo-lhe dinheiro e cartões bancários, e retirando as coisas que tinha na sua carteira, onde encontram um cartão multibanco de débito, referente a uma conta do Banco ..., propriedade da ofendida. 9 - De seguida, porque a arguida não forneceu o código secreto do cartão de débito, os arguidos transportaram novamente a ofendida para o piso inferior, levando-a para a casa de banho tendo-lhe retirado as calças, deixando-a nua da cintura para baixo. 10 - Após sucessivos empurrões e ameaças, o arguido BB agarrou numa vassoura e ameaçou introduzir a ponta do cabo no interior da vagina da ofendida, a fim de constranger a mesma a dizer o código secreto do referido cartão de débito, o que sucedeu. 11 - Acto contínuo, os arguidos empurraram a ofendida e apropriaram-se de um telemóvel, um passaporte, uma máquina fotográfica, de valor global não concretamente apurado, mas sempre superior a 102 €, que fizeram seus e integraram no seu património, gritando á ofendida para não chamar a polícia, caso contrário voltariam para a matar. 12 - De seguida, os arguidos ausentaram-se do local, trancando todas as portas atrás de si e desfazendo-se das respectivas chaves, deixando a ofendida completamente amarrada e amordaçada, com as mãos e troncos amaradas na coluna do lavatório com fita adesiva e com a trela da sua cadela. 13 - A ofendida apenas conseguiu libertar-se da fita adesiva e gritar por socorro cerca das 15 horas e 15 minutos, vindo a ser resgatada por volta das 20 horas, com necessidade de arrombamento das portas da sua residência para esse efeito. 14 - Após saírem da residência da vítima, os arguidos chamaram um táxi a partir do telemóvel ..., titulado pelo arguido AA, o qual os transportou até .... 15 - Cerca das 11 horas e 45 minutos, já em ..., o arguido BB dirigiu-se a um ATM ali existente e, com o cartão de débito propriedade da ofendida, levantou cerca de 100 €, em dinheiro, que fizeram seus. 16 - Cerca das 12 horas e 41 minutos, após efectuar uma curta paragem em ... para trocar de roupa, os arguidos dirigiram-se a Coimbra, mais precisamente ao centro comercial Dolce Vita, situado no centro daquela urbe, tendo efectuado o pagamento da viagem no valor de 65 €, no terminal de multibanco existente no táxi, com o cartão bancário propriedade da ofendida. 17 - Uma vez em Coimbra e antes de se dirigirem ao referido espaço comercial, os arguidos dirigiram-se a um ATM situado na Rua General Humberto Delgado, onde utilizaram o cartão bancário propriedade da ofendida, levantando 150 €, em dinheiro, que fizeram seus. 18 - Já no interior do Dolce Vita Coimbra, os arguidos dirigiram-se à loja de calçado e vestuário “Foot locker”, onde efectuaram compras no valor de 182, 97 €, que pagaram com o cartão bancário propriedade da ofendida. 19 - Cerca das 12 horas e 56 minutos, num dos ATMs existentes no centro comercial, os arguidos utilizaram novamente o cartão de débito da ofendida para proceder ao levantamento de 150 €, em dinheiro, que fizeram seus. 20 - Após, os arguidos dirigiram-se á loja “Zippy Store”, tendo efectuado compras de vestuário no valor de 62, 94 €, que pagaram com o cartão bancário propriedade da ofendida. 21 - De seguida, os arguidos deslocaram-se á loja de vestuário “Pull and Bear”, onde efectuaram compras no valor de 79, 96 €, que pagaram com o cartão bancário propriedade da ofendida. 22 - Após, saíram do referido espaço comercial e dirigiram-se ao restaurante Macdonalds, localizado na Solum, em Coimbra, onde efectuaram uma despesa no valor de 11,10 €, que pagaram com o cartão bancário propriedade da ofendida. 23 - Cerca das 14 horas, os arguidos dirigiram-se de táxi ao centro comercial Fórum Coimbra, situado na margem sul da cidade de Coimbra, onde se dirigiram à loja de vestuário “Inside”, tendo efectuado compras no valor de 64,98 €, que pagaram com o cartão bancário propriedade da ofendida. 24 - De seguida, deslocaram-se á loja de vestuário “Pull and Bear”, onde efectuaram compras no valor de 59,96 €, que pagaram com o cartão bancário propriedade da ofendida. 25 - Cerca das 15 horas e 21 minutos, os arguidos deslocaram-se á loja “Nike Forum”, tendo efectuado compras de vestuário no valor de 287 €, que pagaram com o cartão bancário propriedade da ofendida. 26 - No dia 24 de Março de 2013, o arguido BB tinha na sua posse, na habitação devoluta onde pernoitava, sita junto á Guarda Inglesa, em Coimbra, um par de calças de fato de treino de cor cinzenta, marca “Nike”, e uma sweat com capuz de cor cinzenta, com a inscrição “Pull and Bear”, que adquiriu pagando com o cartão bancário da ofendida no dia 18 de Fevereiro de 2013. 27 - Nesse dia, o arguido vestia uma sweat com capuz, de cor verdade e com as inscrições “Pull and Bear”, um blusão com capuz, de marca “Freebase Fashion”, e um par de sapatilhas marca “Nike Shox”, objectos que adquiriu pagando com o cartão bancário da ofendida no dia 18 de Fevereiro de 2013. 28 - No dia 24 de Março de 2013, o arguido AA tinha, na sua posse, na sua habitação sita em ..., um blusão de cor preta, marca “Inside”, que adquiriu pagando com o cartão bancário da ofendida no dia 18 de Fevereiro de 2013. 29 - No total, os arguidos efectuaram 11 levantamentos/compras com o cartão multibanco de débito, propriedade da ofendida, no montante global de 1.213, 91 € (mil duzentos e três euros e noventa e um cêntimos). 30 - Da conduta praticada pelos arguidos resultaram para a ofendida lesões no crânio, face, tórax, membros superiores e inferiores. 31 - Mais resultaram para a ofendida, lesões ao nível da região genital e peri-genital, tendo sido observada equimose avermelhada no vestíbulo da vagina, (ocupando toda a face medial do pequeno lábio esquerdo, face medial do pequeno lábio direito entre as 10-12 horas, fossa navicular e região peri-uretral), bem como na coluna anterior da vagina. 32 - Tais lesões determinaram para a ofendida um período de 7 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral por 3 dias. 33 - Os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços, na prossecução de um plano previamente elaborado entre ambos, dividindo tarefas entre si. 34 _ Actuaram com o propósito concretizado de constranger a vítima a entregar todos os objectos móveis que tivesse na sua posse e na sua residência, usando de violência, força física e ameaças, e munidos com um objecto em tudo similar a uma arma de fogo, assim colocando a ofendida na impossibilidade de resistir, o que sucedeu. 35 - Agiram ainda com a intenção conseguida de se apropriarem ilegitimamente de todos os objectos e/ou valores que conseguiram constranger a vítima a entregar-lhes. 36 - Os arguidos agiram com a intenção conseguida de privar a ofendida, com 75 anos e fisicamente debilitada, da sua liberdade pessoal e locomoção, colocando-a na impossibilidade de se deslocar do local onde fora amarrada e amordaçada, durante pelo menos 7 horas. 37 - Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Os arguidos antes de abandonarem a residência da ofendida além de a amordaçarem fecharam a casa à chave e deixaram todas as janelas trancadas, visando impedir que a ofendida solicitasse auxílio. A ofendida sentiu grande angústia durante o tempo que esteve presa e após tais factos.
BB é o segundo duma fratria de quatro. Nasceu e cresceu no seio duma família em que a dinâmica familiar foi pautada por episódios de violência doméstica, instabilidade emocional e relacional resultado do consumo abusivo de bebidas alcoólicas por parte do pai, situação alterada por volta dos 14 anos do arguido quando aquele emigrou. Antes disso o pai trabalhava na construção civil e a mãe era operaria fabril. BB, foi vítima de maus tratos por parte do pai. BB integrou o sistema escolar em idade regular começando a revelar os primeiros sinais de desajustamento comportamental no 5º ano de escolaridade. Identificado como situação de risco veio a ser acompanhamento pela CPCJ de ... e em Setembro de 2006 no âmbito de processo de promoção e proteção foi internado no Lar de .... Com dificuldade de adesão ao plano normativo vigente na instituição reintegrou o agregado dos pais e a escola EB 2,3 de ... em finais de 2007, onde a indisciplina e infração continuaram a pautar a vida de BB. Com consumos progressivos e regulares de substâncias aditivas e prática de ilícitos, o comportamento do arguido foi-se agravando vindo a ser-lhe aplicada a medida de Internamento em Centro Educativo de 24 meses a qual iniciou em 08-07-2008. Integrou-se com facilidade naquele contexto institucional e progressivamente evoluiu reconhecendo as regras e limites conseguindo estabelecer com os pares relações interpessoais positivas aderindo a um projeto de mudança. Neste contexto integrou o curso de Formação de adultos de nível 3 de Marceneiro, com empenho e comportamento ajustado, desenvolvendo em paralelo competências pessoais e sociais que apontavam para a aquisição dum comportamento pró-social. Após beneficiar com êxito de saídas ao exterior e licença de férias que foram avaliadas pela equipa técnica, pela família e pelo próprio de forma positiva, reintegrou o agregado de origem em Abril de 2010, três meses antes do término previsto para a medida. De acordo com projeto elaborado antes da saída do centro educativo, integrou o curso de formação profissional de Instalação de Sistemas Solares Foto Voltaicos no Centro Empresarial e Tecnológico de ..., sendo alvo de acompanhamento pela DGRSP até final da medida aplicada. Apesar de nos dois primeiros meses do curso BB ter manifestado interesse assiduidade e pontualidade, passou a registar entretanto elevado número de faltas. Estas anomalias vieram a ser ultrapassadas, apresentando em julho de 2010 uma avaliação de novo positiva. Contudo, após o período de férias que entretanto ocorreu, abandonou o curso, passando a ter um quotidiano centrado no ócio e no convívio com pares com idêntica vida. Em Março de 2011 foi preso, sendo libertado em Julho do mesmo ano. Após a primeira reclusão BB reintegrou o agregado dos pais então composto por estes (o pai havia regressado definitivamente de França onde havia estado emigrado) e pelas irmãs. Vinculado a pares com comportamentos ilícitos, saiu de casa, viveu algum tempo com amigos e/ou a namorada, frequentando bares e discotecas, consumindo produtos estupefacientes de forma regular e sem qualquer atividade laboral ou outra estruturada e socialmente ajustada. Permaneceu entre finais de 2011 e finais de 2012 algum tempo na zona de Lisboa, na zona norte do país e um tempo em França. Neste período terá ainda vivido com a mãe após esta ter saído dum Centro de Acolhimento para vítimas, onde permaneceu alguns meses na sequência de violência doméstica. À data dos factos descritos nos autos vivia em casa de amigos e antes de preso encontrava-se a residir numa casa abandonada na zona de Coimbra. Apesar da evolução que em Centro Educativo denotava, não conseguiu em meio livre prosseguir a vida de forma ajustada revelando pouca capacidade de descentração e de autocontrolo.
AA vive sozinho vivendo anteriormente com a mãe, que faleceu há cerca de 2 anos. Refere ter uma filha de 36 anos. O arguido frequentou a escolaridade até à 4ª classe, tendo exercido atividade laboral quase sempre ligado ã área da construção civil, como pintor, embora ultimamente se encontrasse a trabalhar como jornaleiro, na agricultura. É consumidor de drogas há muitos anos. Não tem atualmente ocupação profissional.
Arguido AA: Por Acórdão datado de 27.2.1978 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 8 meses de prisão correcional e em 40 dias de multa á taxa diária de 60$00 por dia pela prática de um crime de furto (Querela n.º 981/77 do 1º Juízo criminal de Lisboa). Por sentença datada de 29.6.1983 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 6 meses e 30 dias de multa a 60$00 por dia pela prática de um crime de furto (Processo Correccional n.º 15555 do 8º Juízo Correccional de Lisboa). Por Acórdão datado de 17.7.1984 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 7 anos de prisão e em 50.000$00 de multa pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes (Processo de Querela n.º 220/84 do 4º Juízo Criminal de Lisboa). Por Acórdão datado de 23.5.1985 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 8 anos e 3 meses de prisão e 62.500$00 de multa pela prática de um crime de furto qualificado e introdução em casa alheira e em cúmulo com a pena aplicada no Processo 67/72 (Processo de Querela n.º 1690/84 do 1º Juízo Criminal de Lisboa). Por sentença datada de 26.4.1990 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão pela prática em 2.6.1987 de um crime de evasão (Processo de Querela n.º 22/90 do Circulo de Santiago do Cacém). Por Acórdão datado de 30.6.1994 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 20 meses de prisão pela prática em 13.3.1993 de um crime de furto qualificado (Processo n.º 55/93.2PILSB). Por Acórdão datado de 26.3.1998 já transitada em julgado, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão pela prática em 1.5.1994 de um crime de furto qualificado (Processo n.º 84/95). Por Acórdão datado de 1.6.1998 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 5 anos de prisão pela prática em 19.9.1997 de um crime de tráfico de estupefacientes (Processo n.º Comum Coletivo n.º 1241/97.1PKLSB). Por Acórdão datado de 18.11.2011 já transitado em julgado, foi o arguido condenado na pena de 5 anos de 8 meses de prisão pela prática em 4.1.1993 do crime de furto qualificado (Processo Comum Coletivo n.º 163/94 da 5ª Vara Criminal de Lisboa). Por sentença datada de 6.12.1999 transitada em julgado em 6.1.2000, foi o arguido condenado na pena de 7 meses de prisão pela prática em 19.9.1997 de um crime de falsas declarações (Processo Comum Singular n.º 6752/98.9TDLSB). Por Acórdão datado de 12.12.2006 transitado em julgado em 27.12.2006, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática em 5.1.2006 de um crime de sequestro, roubo e furto de uso de veículo (Processo Comum Coletivo n.º 2/06.3GBAGN).
Arguido BB: Por sentença datada de 15.7.2010 transitada em julgado em 3.9.2010, foi o arguido condenado na pena de 170 dias de multa á taxa diária de 5,00 Euros no total de 850,00 Euros pela prática em 8.7.2010 de um crime de detenção de arma proibida em concurso real com um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal (Processo Comum Singular n.º 278/10.1GAOHP). Por sentença datada de 25.2.2011 transitada em julgado em 17.3.2011, foi o arguido condenado na pena de 140 dias de multa à taxa diária de 6,00 Euros no total de 840,00 Euros pela prática em 20.2.2011 de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal do C.Penal (Processo Comum Singular n.º 32/11.3GDCNT). Por sentença datada de 22.6.2011 transitada em julgado em 8.9.2011, foi o arguido condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros no total de 600,00 Euros pela prática em 7.7.2010 de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal (Processo Comum Singular n.º 197/10.1GBAGN).
Factos Não Provados: Os arguidos provocaram a queda no solo da ofendida. O arguido BB desferiu uma pancada com a arma que atingiu CC na cabeça. O arguido BB agarrou numa vassoura e introduziu a ponta do cabo no interior da vagina da ofendida. Actuaram ainda com o propósito concretizado de, através do uso da força e ameaça, constranger a ofendida sofrer introdução vaginal de objecto, sabendo que agiam contra a sua vontade e determinação sexual. A ofendida vive em completo pavor pela situação vivida, tendo dificuldade em aceder e permanecer sozinha em sua casa, continuando a viver uma situação de pânico e com medo de ver concretizadas as ameaças de morte. Vivendo em constante pânico de vir a ver a sua vida em perigo por via de atearem fogo - O que tudo visto, cumpre apreciar e decidir
I- O acórdão recorrido foi notificado aos sujeitos processuais e depositado na secretaria judicial, em 18 de Março de 2014, sendo esta a data em que se iniciou o prazo de interposição de recurso, que é de trinta dias, conforme artº 411º nº 1, al. b), do CPP. Assim, e uma vez que o prazo é contínuo, não se suspendendo durante as ferias judiciais, por se tratar de processo com arguidos presos, o prazo de interposição de recurso, terminava em 17 de Abril de 2014 (quinta-feira), nos termos do artº 104º nºs 1 e 2 do CPP, uma vez que o período de férias judiciais da Páscoa, decorreu entre 13 e 21 de Abril de 2014. Todavia, nos termos da conjugação do disposto nos artigos 107º, nº 5 e 107º- A, alínea c), do CPP e 139º nº 5, do CPC, o prazo de interposição de recurso ainda poderia, com o pagamento da multa, ocorrer em 23 de Abril de 2014, (quarta feira),visto que o dia 18 de Abril foi feriado e os dias 19 e 20, corresponderam respectivamente, a sábado e Domingo, O recurso do arguido recorrente BB, seria assim, intempestivo, por não ter pago a multa, prevista no artº 107º-A do CPP, embora interpusesse o recurso em 23 de Abril de 2014. Contudo a Secretaria judicial também não tinha dado cumprimento ao disposto no artº 138º nº 6 do CPP. Tendo em conta esta norma e o disposto no artº 414º nº 2 do CPP, haveria pois que notificar o mesmo arguido para pagar a referida sanção, sob pena de o recurso ser intempestivo e conduzir à sua rejeição – artº 417º nº 6 do CPP, como doutamente foi analisado no Parecer do Dig.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo. Ora acontece que o mesmo arguido BB, na resposta ao mesmo Parecer, juntou os respectivos DUCs, comprovativos do pagamento da citada multa e da respectiva penalização de 25% nos termos doa rtº 139º nº 6 do CPC. Assim, tem-se por tempestiva a interposição do seu recurso. - II- Por sua vez, o arguido recorrente AA, em prisão preventiva, veio dizer na resposta ao Parecer do Ministério Público que “o MP faz uma interpretação do preceito claramente contra a defesa do arguido, uma vez que, a declarar-se o recurso intempestivo, será dada como aceite por ele a medida da pena, sem lhe ser concedida a oportunidade de a mesma ser sindicada pelo Tribunal Superior” e que “ A interpretação e aplicação que o MP defende do preceito é, assim, claramente inconstitucional, pois que trata de forma desigual o arguido que condenando aguarda a decisão definitiva em liberdade ou com medida menos gravosa e aquele que aguarda a mesma decisão sujeito à medida de prisão preventiva.” e ainda que “O arguido pode renunciar ao benefício de ver correr em férias judiciais o prazo de recurso,[…]renúncia que ele tacitamente exerceu”, pugnando assim pela admissão do recurso interposto. Mas, tal argumentação não tem suporte legal, nem constitucional. Na verdade, como bem observa o Dig.mo Magistrado do Ministério Público, “Com efeito, a excepção à regra geral contida no n.º 1 do art. 103.º do CPP funciona ope legis e, ao contrário do que sustenta o recorrente, não ofende qualquer preceito de índole constitucional. Isto desde logo porque, como pode ler-se por exemplo no ponto 7. da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 353/97, citamos, «[…]Ao que vem de ser referido, acresce o facto de estar, agora, expressamente contemplada na lei a possibilidade de obter a prorrogação do prazo, onde tal seja adequado a prevenir eventuais prejuízos para a defesa. O ónus de invocar tal necessidade, nos termos referidos no despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça atrás parcialmente transcrito, é perfeitamente adequado à presunção de que quem perde a liberdade em resultado de uma decisão não transitada em julgado está, sobretudo, interessado em, tão depressa quanto possível, pôr em marcha todos os mecanismos judiciais que ainda podem inverter tal decisão. Entre presumir que os arguidos presos prefeririam que os prazos processuais se suspendessem durante as férias ou corressem durante as mesmas, o legislador deu preferência ao segundo termo da alternativa: sem dúvida que a outra opção se afiguraria mais lesiva dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados».
Tendo em conta as razões legais expendidas a propósito do recurso do arguido BB Carvalho, e uma vez que o arguido AA interpôs recurso em 24 de Abril de 2010, o mesmo é de rejeitar, por intempestivo, nos termos dos artº 414º nº 3 e 420º, nº 1/b), do CPP. - III- Há por conseguinte que conhecer apenas do recurso interposto pelo arguido BB
Conhecendo:
Questiona ele o concurso de crimes entre o roubo e o sequestro, a não aplicação do regime especial previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, a medida concreta das penas, quer parcelares, quer do cúmulo e a indemnização em que foi condenado devida por danos não patrimoniais.
Nas conclusões da motivação, que define o objecto do recurso não vêm questionados os elementos típicos integradores de qualquer desses ilícitos criminais. Apenas na resposta, após cumprimento do disposto no artº 417º nº 2 do CPP, o arguido BB parece insurgir-se contra a qualificação do crime de sequestro invocando a alínea a) do nº 2 do artº 158º do Código Penal. Mas, sem qualquer razão, uma vez que a qualificação de tal crime, resultou da verificação de outras alíneas do nº 2, a al. b) e al. e),. não sendo as alíneas do nº 2 necessariamente cumulativas, no seu conjunto, para proceder a agravação, - A- Sobre a questão do concurso, a questão resume-se a saber se há concurso aparente ou concurso efectivo entre eles. 1 Recentemente, o acórdão deste Supremo e desta Secção, de 24 de Setembro de 2014, proc.146-13.5JAGRD.S1 analisou pormenorizadamente o enquadramento jurídico das figuras, como se transcreve do mesmo: “A questão da relação entre os aludidos crimes tem sido tratada abundantemente na jurisprudência e na doutrina. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal é uniforme o entendimento de que o crime de roubo consome o de sequestro quando a privação da liberdade é a estritamente necessária e proporcionada ou, por outras palavras, quando funciona estritamente como meio para a consumação do roubo, havendo então concurso aparente entre os dois crimes; mas o concurso já será efetivo se a privação da liberdade exceder o estritamente necessário para a consumação do roubo, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando o sequestro segue ou antecede o roubo[1]. Assim, a privação da liberdade do ofendido poderá integrar o elemento típico da violência, ou impossibilidade de resistir, constitutivos do crime de roubo. Mas só enquanto e na medida em que ela for necessária para a consumação do roubo, pois só então o âmbito de proteção da incriminação do crime de roubo abarca a do crime de sequestro. Caso haja excesso dessa medida, quando portanto a duração da privação da liberdade ultrapassar o necessário para a consumação do roubo, haverá concurso efetivo de crimes, pois a punição do crime de roubo não abrangerá a violação do bem jurídico protegido pelo crime de sequestro, ou, noutra perspetiva, o sequestro não terá representado afinal um crime-meio, não terá sido meramente subsidiário na execução do roubo, adquirindo portanto autonomia. Esta é a posição que recolhe o apoio maioritário na doutrina.[2] Taipa de Carvalho assume-a sem hesitação. Escreve ele:
(…) sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo, a ofensa corporal grave, a violação) e como tal já foi considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro (“crime-meio”) e o crime-fim: roubo, violação, extorsão, etc., respondendo o agente somente por um destes crimes (…)”. Já haverá concurso efetivo, quando a duração da privação da liberdade de movimento ultrapassa aquela medida.[3]
Igualmente Conceição Cunha alinha com esse entendimento:
Se o sequestro (art. 158º) é usado como meio para subtrair coisa alheia ou constranger à sua entrega, será consumido pelo roubo (integrado no meio “pôr na impossibilidade de resistir” ou na própria violência ou ameaça, dependendo da situação concreta); no entanto, se se mantém o sequestro para além do necessário à consumação do roubo, já haverá concurso efetivo de crimes.[4]
Contudo, subsequentemente, e em anotação ao acórdão deste Supremo de 2.10.2003, já citado (nota 1), veio Cristina Líbano Monteiro defender posição diferente. Discordando da decisão, e pronunciando-se pela existência de um único crime - o de roubo – a autora apoia-se nas seguintes considerações teóricas:
Estou de acordo em que é possível encontrar casos de concurso efetivo entre roubo e sequestro. Além das hipóteses de claro desfasamento contextual e daquelas em que há vítimas diferentes, outras existirão porventura. Talvez mais evidentes se, ao contrário do que ocorre na hipótese em apreço, o roubo for praticado durante um sequestro prolongado e já em curso. (Embora se torne difícil imaginar a necessidade de fazer mais violência sobre uma pessoa em tais condições para fazer-se com algum objeto que ainda conserve em seu poder.) Venhamos, porém, aos casos normais, aos que deixam dúvidas, aqueles em que o plano do agente consiste em roubar, i. é, apoderar-se de coisa móvel alheia, usando violência para o conseguir; aos casos, para circunscrever o discurso, em que a violência (ou a colocação da pessoa na impossibilidade de resistir) se traduz na privação da liberdade, rectius na imobilização de quem pode levantar obstáculos à apropriação da coisa. O problema pode descrever-se como segue: em que momento se ultrapassa a fronteira do crime complexo de roubo e se torna necessário convocar outro tipo legal para acautelar um bem jurídico que a norma incriminadora do roubo também protege? Responde o Acórdão: quando a violência usada é desnecessária e exagerada para a efetivação do roubo, E quando é que isso acontece? Diz ainda o Supremo Tribunal de Justiça: quando se podia roubar sem tanta violência. Medida abstrata? Medida objetiva, a partir de um conceito de roubo médio? Discordo do critério – porventura muito generalizado. Explicarei brevemente porquê. O tipo legal do roubo provém, por assim dizer, de um concurso efetivo. Unificado pelo legislador, é certo, mas concurso. Não se torna difícil imaginar as combinações de delitos que pode conter. A um elemento constante, o furto - ainda que em rigor se contemplem ataques à propriedade que estão para além da subtração prevista no art. 203.° do Código Penal -, juntam-se ora a coação, ora a ameaça, ora ofensas à liberdade, à integridade física ou à própria vida (neste caso apenas negligentes). Não afirmo que todos os tipos nele estejam presentes com os exatos elementos que os configuram isoladamente - já exemplifiquei, no furto, zonas de não coincidência. Dito de outro modo. O roubo é crime autónomo, no sentido de desenhado com independência pela lei. E esta tem diante de si o mundo da vida e não apenas outros tipos de crime. A ação social de roubar viola simultaneamente bens patrimoniais e bens pessoais. Por isso o legislador oferece, com o tipo do roubo, uma proteção também plural. Ninguém contesta, pois, que esse crime congrega vários bens jurídicos que se mostram, por sua vez, aptos para fundar, individualmente, outras incriminações. Se assim é, deverá o intérprete redobrar a cautela, desconfiar, sempre que se trate de desunir o que a lei combinou, de devolver à efetividade o concurso que o tipo pretendeu tornar aparente. Ainda uma vez: porquê procurar na pluralidade criminosa o que o delito complexo trouxe para a unidade, criando uma moldura sancionatória própria?[5]
Esta posição recebeu o apoio de Figueiredo Dias. Alicerçado no seu (novo) critério sobre unidade e pluralidade de infrações, que elege a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude como elemento determinante da diferenciação entre unidade e pluralidade criminosa[6], e que caracteriza o concurso aparente como correspondendo às situações em que, embora havendo pluralidade de sentidos de ilícito, um deles é dominante e os restantes subordinados ou dependentes[7], Figueiredo Dias considera abrangido pelo concurso aparente os casos de relacionamento entre crime-meio e crime-fim, exemplificando com o concurso entre sequestro e roubo, manifestando expressamente a sua concordância com a posição subscrita por Cristina Líbano Monteiro naquele texto.[8] Taipa de Carvalho reagiu de forma incisiva a esta posição. Aditou ele, em nova redação da anotação ao art. 158º o seguinte:
Também entre o sequestro e o roubo pode dever afirmar-se a existência de concurso efetivo, quando a duração da privação da liberdade de movimento não pode ser vista como “conatural” ou implícita na prática do roubo. Assim, parece dever afirmar-se o concurso efetivo de roubo e sequestro, no seguinte exemplo: A, mediante ameaça de morte ou de lesão grave da integridade física, entra no carro de B às 18h00 do dia 10, com a intenção de o forçar a fazer levantamentos em caixas multibanco através dos três cartões que este tem na sua carteira. Pretendendo obter o máximo possível de dinheiro, A força B a dirigir-se a uma caixa multibanco; como se encontravam pessoas junto dessa caixa, A ordena que B se dirija à caixa de uma terra menos povoada; aqui, B, por imposição do A, faz três levantamentos de 200 euros cada; todavia, o A quer mais dinheiro e, para o conseguir, mantém B sequestrado até ao início do dia seguinte, para poder forçar este a fazer mais três levantamentos nos mesmos montantes (poderíamos ainda imaginar o caso em que o A pretendia uma soma ainda mais elevada, e, para tal conseguir, manteve B sequestrado por mais um dia, para conseguir que B fizesse mais uma série de três levantamentos). Diante de um caso destes, acho que é, político-criminal e jurídico-dogmaticamente, exigível que o A responda não apenas pelo crime de roubo mas também pelo crime de sequestro (simples ou qualificado, se a privação da liberdade de movimento tiver durado mais de dois dias). Semelhante a este caso construído foi o caso decidido pelo Acórdão do STJ, de 2-10-2003, em que este tribunal considerou haver concurso efetivo dos crimes de sequestro e de roubo (discordando desta decisão, dizendo que seria mais correta a decisão da existência de um concurso aparente - sendo punível só por roubo -, e que a gravidade global do comportamento podia ser tida em conta na medida da pena, Cristina Líbano Monteiro, «Roubo e sequestro em concurso efetivo? - Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 2003» RPCC, 2005, 447-496).[9]
Feita esta resenha da controvérsia doutrinária, não pode deixar de se aderir a esta última posição, concordante com a jurisprudência tradicional deste Supremo Tribunal, que nenhum motivo há para alterar. Na verdade, a valoração do “sentido de ilícito dominante” como critério do concurso aparente leva a subalternizar, ou mesmo desproteger, de forma insustentável do ponto de vista político-criminal, mas também da perspetiva dogmática, bens jurídico-penais relevantes, tratados como meros “sentidos de ilícitos subordinados”. Com efeito, o crime-meio pode assumir, no plano executado pelo agente, uma relevância penal superior à do crime-fim, sendo intolerável subordinar o bem jurídico por ele protegido ao tutelado por este último. No caso do roubo, sendo o “sentido de ilícito dominante” a apropriação de bens alheios, pode acontecer que os meios utilizados (violência, ameaça, colocação da vítima na impossibilidade de resistir) ultrapassem manifestamente, em termos de ilicitude, a que está contida na apropriação patrimonial. Há uma medida de violência ínsita ou conatural ao roubo, e como tal incluída pelo legislador na previsão típica. Mas, ultrapassada essa medida, a violência adquire necessariamente autonomia. A apropriação pode ser de quantia diminuta, mas ser intensa a ilicitude dos meios utilizados. Seria nesse caso insuportável, em nome daquele critério formal (dominância do “sentido de ilícito” apropriativo), desprezar a proteção de bens jurídicos nucleares no sistema penal como a integridade física, a liberdade, a segurança pessoal, ou protegê-los apenas reflexamente, em termos de graduação da pena do crime de roubo. Poderá concluir-se, alinhando com Helena Moniz, que, nesse caso, estamos perante a transformação de uma conduta com um único sentido de desvalor numa conduta com vários sentidos de desvalor. Ou então, mais tradicionalmente, que não existe relação de consunção ou de subsidiariedade entre o crime de roubo e o crime-meio, porque a punição daquele não esgota a proteção do bem jurídico tutelado por este último. Em qualquer caso, sempre haverá que concluir pela pluralidade de crimes, pela existência de um concurso efetivo de crimes. Assim, e sintetizando, sempre que o crime-meio ultrapassar a medida estritamente necessária à consumação do crime-fim, ele assume necessariamente autonomia dogmática, afastando decididamente o concurso aparente. Reportando-nos mais concretamente à relação entre o roubo e o sequestro, diremos, alinhando com a jurisprudência tradicional deste Supremo, que quando a privação da liberdade exceder a estritamente necessária para a execução do roubo, quando for desproporcionada para esse fim, quando se prolongar desnecessariamente para além da apropriação de bens, o crime de sequestro adquire autonomia, verificando-se um concurso efetivo de crimes.”
2. De igual modo se escreveu no acórdão deste Supremo e também desta mesma Secção, proc. nº 280/13.1GARMR.S1 “Como abundantemente consta da jurisprudência deste Supremo Tribunal: O roubo é um crime complexo que ofende bens jurídicos patrimoniais e pessoais, configurados, os primeiros no direito de propriedade sobre móveis e os segundos na liberdade de acção e decisão e na integridade física, bens jurídicos postos em causa pela violência contra uma pessoa, pela ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir. No crime de roubo, sendo os bens alheios subtraídos pela violência, existe uma proximidade física entre o agente do crime e a respectiva vítima, em que esta poderá, em qualquer momento do processo, ensaiar uma reacção à prática do crime para evitar a respectiva concretização, tornando-se mais premente a aludida exigência de tendencial estabilidade da coisa no domínio de facto do agente para que o crime se tenha por consumado. A jurisprudência tem considerado que o sequestro, quando existe, integra o roubo; mas, nas situações em que as restrições à liberdade se prolongam para além do razoável é admite-se a possibilidade do crime de sequestro ser punido em concurso real de infracções com o crime de roubo. Na distinção das situações em que o atentado à liberdade de locomoção integra um crime consumado de roubo, daquelas em que se admite também a punição autónoma como crime de sequestro, atende-se ao momento em que ocorre a subtracção e se deva ter como consumado o crime de roubo, sendo assim imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa. Para isso torna-se necessário que se verifique, por outro lado, a saída da coisa da esfera de domínio de quem tinha a sua anterior fruição, o que pode por vezes exigir a prática de uma série de actos, num verdadeiro processo de concretização, e que as utilidades da coisa entrem no domínio de facto do agente da infracção com tendencial estabilidade, isto é, por um mínimo de tempo. Tendo ocorrido uma restrição à liberdade do ofendido até ao momento do desapossamento da coisa relativamente ao anterior fruidor, deve admitir-se que tal restrição se prolongue para além do preciso momento físico em que a coisa passou da esfera daquele para a do agente do crime, por a apropriação por parte deste só se dever considerar verificada quando exista alguma estabilidade no respectivo domínio do facto (o que não significa que o domínio de facto tenha de se operar em pleno sossego) – v.. Ac. de 29-05-2008, Proc. n.º 1313/08 - 5.ª., e Acórdão deste Supremo de 16-10-2008, proc 08P221, in www.dgsi.pt.
O concurso efectivo entre o crime de sequestro do art. 158.º, n.º 1, do CP e o de roubo, surge pois sempre que a privação da liberdade ambulatória da vítima está para além do estritamente necessário à subtracção (ou prática do outro crime em concurso). Apenas ocorrerá concurso aparente, na forma de consumpção, quando o crime de sequestro se revele como crime meio, ao serviço da prática de outro crime, designadamente do crime de roubo, mas desde que o agente não vá para além do que era necessário para levar a cabo o crime fim. – v. Acórdão deste Supremo, de 20-11-2008, proc. 08P0581, www.dgsi.pt
Em suma: Tem entendido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a violência empregue na subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado "subtracção"; se ela for excessiva, o agente cometerá, para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao enquadramento penal do excesso da violência utilizada. E que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele; é o que sucede, nomeadamente, quando os arguidos imobilizam a vítima apenas durante os momentos em que procedem à apropriação das coisas móveis. O crime de sequestro, pelo tempo em que demorou a pratica do roubo, é consumido por este. Podem, pois, existir em concurso real os crimes de roubo e de sequestro, quando o tipo qualificado de roubo não tutela todos os bens jurídicos em causa, como sucede quando os arguidos, para subtraírem bens ao lesado, para além da agressão física, se socorrem da violenta privação da sua liberdade que constitui uso de violência desnecessária e exagerada para a efectivação do roubo. Tem o STJ tido oportunidade de afirmar esta doutrina quando a privação da liberdade de locomoção dos ofendidos no crime de roubo, se estendem para além da subtracção, quer quando se verifica contemporaneidade das condutas, quer quando se segue ou antecede o roubo. A privação da liberdade de movimentos de qualquer pessoa só pode, pois, ser consumida pelo crime de roubo quando se mostra absolutamente necessária e proporcionada à prática de subtracção violenta dos bens móveis do ofendido. - v. Acórdão deste Supremo, de 02-10-2003, proc. nº 03P2642 Entre os crimes de roubo e sequestro existe uma relação de concurso aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a privação da liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim; o concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime de sequestro (a liberdade ambulatória) em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo. Acórdão deste Supremo, de 05-01-2005, proc. nº 04P4208” - 3. Refere-se na decisão recorrida: “Tendo os arguidos preenchido, em co-autoria, os elementos objetivos e subjetivos dos crimes de roubo e sequestro urge discutir se os mesmos se encontram entre si numa relação de concurso real ou aparente, isto é, se devem os arguidos ser condenados pela prática dos três crimes imputados. Quanto à relação existente entre o crime de roubo (ou de violação) e o crime de sequestro, é entendimento unânime que existe concurso real entre as duas incriminação quanto o sequestro ultrapassa aquilo que é exigível para a consumação do crime de roubo. Com efeito, o crime de roubo consome o crime de sequestro quando a privação da liberdade da vítima é a necessária para a execução do roubo. Se ultrapassar a privação da liberdade ultrapassar a medida necessária, há uma relação de concurso efectivo entre o crime de sequestro e o crime de roubo (ou de violação) (numa jurisprudência constante, acórdão do STJ, de 22.2.1992, in CJ, XVII, 2,19, acórdão do STJ, de 25.5.1994, in CJ, Acs. do STJ, II, 2, 230, acórdão do STJ, de 27.9.1995, in CJ, Acs. do STJ, III, 3,195, acórdão do STJ, de 22.11.2000, in SASTJ, 45, 61, acórdão do STJ, de 29.11.2001, in SASTJ, 55, 99, acórdão do STJ, de 18.4.2002, in CJ, Acs. do STJ, X, 2, 178, acórdão do STJ, de 29.4.2004, in CJ, Acs. do STJ, XII, 2, 177, e TAIPA DE CARVALHO, anotação 35.' ao artigo 158.", e CONCEIÇÃO DA CUNHA, anotação 10.' ao artigo 210.0, in CCCP, 1999). No caso em apreço, os arguidos após terem na sua posse o cartão multibanco da vítima, saíram de casa desta, deixando-a amarrada e fechada em sua casa cometeram também o crime de sequestro uma vez que tal atuação transcende em muito aquilo que era necessário para a consumação do crime de roubo. Nestes termos, os arguidos têm de ser condenados em concurso pela prática dos dois crimes - roubo e sequestro -, ambos agravados nos termos supra mencionados”.
4. Tal fundamentação mostra-se correcta, e é de perfilhar, sendo que, em suma, como bem salienta o Dig.mo Procurador-Geral Adjunto em seu douto Parecer: “Examinada pois, à luz dos apontados ensinamentos, a matéria de facto a enquadrar normativamente, a primeira ilação que dela retiramos é a de que temos por incontroversa, em termos de ilícito global final, a existência daquela pluralidade de sentidos sociais de ilicitude que, devendo por isso ser integralmente valorados para efeito de punição, conduzem à afirmação do concurso efectivo. Essa matéria de facto diz-nos, com efeito, nos seus pontos 12.º, 13.º e 36.º, que os arguidos, que mantiveram sempre a ofendida amarrada com fita adesiva nos pés e nas mãos, amedrontada e constrangida, enquanto localizavam e se apoderavam de bens pertença daquela e a obrigavam, com uso de violência física, a fornecer-lhes o código secreto do seu cartão de débito, vulgo “multibanco”, uma vez na posse dos mesmos e desse código secreto, abandonaram essa residência, trancando todas as portas atrás de si e desfazendo-se das respectivas chaves, do mesmo passo que deixaram a ofendida completamente amarrada e amordaçada, com as mãos e tronco amarrados na coluna do lavatório com fita adesiva e com a trela da sua cadela, deixando-a assim manietada e impossibilitada de pedir auxílio, que só conseguiu por volta das 15 horas e 15 minutos, isto é cerca de 5 horas depois, sendo que só veio a ser resgatada por volta das 20 horas, com necessidade de arrombamento das portas do seu domicílio. Há portanto, evidentemente, manifesta descontinuidade temporal entre as duas condutas, com inquestionável e desnecessária manutenção do sequestro para além do necessário à consumação do roubo. Ora, e como é sabido, a jurisprudência dominante, nesta matéria, afirma que o concurso efectivo entre os dois crimes em causa depende de o agente ter ido, no sequestro, para além do que se mostrasse razoavelmente necessário, em termos de violência empregue, para consumar o roubo. No caso concreto, e sem entrar sequer na discussão sobre o momento da consumação deste crime (o roubo), cujo critério é também, como é sabido, doutrinária e jurisprudencialmente controvertido, a verdade é que, tendo-se provado que os agentes, já na posse dos bens subtraídos, deixaram a ofendida amarrada e amordaçada, com as mãos e tronco atados na coluna do lavatório com fita adesiva e com a trela da sua cadela, após o que, mantendo-a assim manietada, abandonaram a residência dela levando o produto do roubo, temos por inquestionável que esse sequestro já não está, obviamente, ao serviço da consumação do crime de roubo, justificando-se quando muito, na óptica dos arguidos bem entendido, para ver assegurada a impunidade. Como decorre da fundamentação da decisão de facto proferida, a vítima conseguiu é certo libertar-se da fita adesiva e gritar por socorro, mas isso só sucedeu cerca de 5 horas depois e sem que os arguidos nada tenham feito para que a situação em que a colocaram cessasse. Pelo que, o tempo em que ficou privada da sua liberdade de movimentos revela-se aleatório, sem qualquer controlo dos agentes. Sendo que, como também é sabido, a conduta típica se preenche independentemente do tempo concreto da privação da liberdade. Esse tempo só releva para efeitos de agravação, nos termos do n.º 2/a) do art. 158.º do Código Penal. Temos pois por meridiana e inexoravelmente evidente que, no condicionalismo dos autos, os arguidos cometeram, como bem se decidiu, um crime de roubo em concurso efectivo com o de sequestro.”
B- Sobre a medida das penas e a preconizada atenuação especial por aplicação do regime especial dos jovens delinquentes
Entende o recorrente BB que as penas parciais dos crimes de roubo agravado, de sete anos de prisão e de sequestro, de cinco anos de prisão, devem ser substancialmente reduzidas, bem como a pena única em cúmulo jurídico de nove anos de prisão, por se considerarem excessivas e desproporcionais. Com efeito, diz que o digno Tribunal a quo, tendo em conta a idade do coarguido ora recorrente, à sua postura anterior aos crimes - ausência da prática de crimes da mesma natureza,- deveria ter decidido no sentido na aplicação de penas de prisão, pelo regime especial previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, embora não sendo de aplicação obrigatória..~ E assim preconiza que relativamente ao crime de roubo agravado, lhe deverá ser aplicada uma pena de prisão que deverá situar-se no seu limite mínimo, não superior a três anos de prisão, cfr. Nº2 do artº 210° do C.P. e, em relação ao crime de sequestro, no caso de não se entender como referido em 1, deverá ser aplicada ao coarguido ora recorrente, a pena prevista no nº 2 do artº 158°, correspondente ao seu limite mínimo de dois anos de prisão. devendo ser aplicada, em cúmulo jurídico de penas, a pena única de quatro anos de prisão,
Vejamos
Da aplicação do regime especial dos jovens delinquentes
1. O arguido BB nasceu a 27 de Fevereiro de 1994, portanto, no limiar dos 19 anos na data da prática dos factos. Relativamente ao regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, constante do Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro, já o nº 4 do preâmbulo do diploma refere: “trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que assim, se facilitará aquela reinserção” Esta filosofia de ressocialização encontra-se consagrada no artº 4º do diploma que expressamente refere que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Contudo, estas sérias razões não podem assumir-se a priori, outrossim devem resultar de factos que tornem viável tal conclusão. Por isso, se compreende que o nº 7 de preâmbulo do mesmo diploma assinale que: - “As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos.” Como decidiu este Supremo no Ac. de 20-12-2006, in Proc. n.º 3169/06 – desta 3.ª Secção, a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos – regime regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, tanto obrigatória, como oficiosa. O juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial da pena centra-se fundamentalmente na importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do menor. Nesse juízo deve começar por se ponderar a gravidade do crime cometido, aferida pela medida da pena aplicável; depois, o tribunal só deverá aplicar a atenuação especial a jovens delinquentes quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Haverá, assim, que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes. Há pois uma obrigação legal do julgador de, oficiosamente proceder à averiguação dos pressupostos da aplicação da atenuação especial da pena, que não ocorre de forma automática, mas que se bastará sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultam vantagens para a reinserção sccial do jovem condenado. Como se salientou no Ac. deste Supremo de 28-06-2007, Proc. n.º 1906/07 - 5.ª Secção, o que o art. 9.º do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, além do mais, a imperativa atenuação especial (“deve o juiz atenuar”), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando “haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” (art. 4.º do DL 401/82)» (cf. Ac. do STJ de 29-01-04, Proc. n.º 3767/03 - 5.ª). Relativamente a jovens adultos, em suma, a atenuação especial da pena de prisão – quando (concretamente) aplicável – apenas será de afastar se contra-indicada por uma manifesta ausência de «sérias razões» para crer que, dela, possam resultar vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
2- Disse a decisão recorrida: “Percorrida a factualidade assente, verifica-se que a conduta do arguido tem uma carga desvalorativa de nível tão elevado que seria muito difícil fundamentar a seriedade das razões que levariam o tribunal a crer que a atenuação especial conduziria a reais vantagens para a reinserção social do arguido, exigência iniludível para sustentar a aplicação do mecanismo jurídico atenuativo em discussão. O modo de atuação do arguido e os seus antecedentes criminais são contra indicações de que a atenuação seja vantajosa. Perante a gravidade da conduta delituosa julgamos que a idade do recorrente, desacompanhada de qualquer outra atenuante de relevo, não possibilita a aplicação do regime especial para jovens: esse era um prémio imerecido, uma injustificada indulgência e prova de intolerável fraqueza face ao crime, tanto mais que o arguido depois dos factos não arrepiou caminho, antes refinou o seu modo de atuação.”
3. Na verdade, tal conclusão é de aceitar, de harmonia com a matéria de facto provada, apesar da idade do arguido, pois que, como vem provado: “BB é o segundo duma fratria de quatro. Nasceu e cresceu no seio duma família em que a dinâmica familiar foi pautada por episódios de violência doméstica, instabilidade emocional e relacional resultado do consumo abusivo de bebidas alcoólicas por parte do pai, situação alterada por volta dos 14 anos do arguido quando aquele emigrou. Antes disso o pai trabalhava na construção civil e a mãe era operaria fabril. BB, foi vítima de maus tratos por parte do pai. BB integrou o sistema escolar em idade regular começando a revelar os primeiros sinais de desajustamento comportamental no 5º ano de escolaridade. Identificado como situação de risco veio a ser acompanhamento pela CPCJ de ...e em Setembro de 2006 no âmbito de processo de promoção e proteção foi internado no Lar de .... Com dificuldade de adesão ao plano normativo vigente na instituição reintegrou o agregado dos pais e a escola EB 2,3 de ... em finais de 2007, onde a indisciplina e infração continuaram a pautar a vida de BB. Com consumos progressivos e regulares de substâncias aditivas e prática de ilícitos, o comportamento do arguido foi-se agravando vindo a ser-lhe aplicada a medida de Internamento em Centro Educativo de 24 meses a qual iniciou em 08-07-2008. Integrou-se com facilidade naquele contexto institucional e progressivamente evoluiu reconhecendo as regras e limites conseguindo estabelecer com os pares relações interpessoais positivas aderindo a um projeto de mudança. Neste contexto integrou o curso de Formação de adultos de nível 3 de Marceneiro, com empenho e comportamento ajustado, desenvolvendo em paralelo competências pessoais e sociais que apontavam para a aquisição dum comportamento pró-social. Após beneficiar com êxito de saídas ao exterior e licença de férias que foram avaliadas pela equipa técnica, pela família e pelo próprio de forma positiva, reintegrou o agregado de origem em Abril de 2010, três meses antes do término previsto para a medida. De acordo com projeto elaborado antes da saída do centro educativo, integrou o curso de formação profissional de Instalação de Sistemas Solares Foto Voltaicos no Centro Empresarial e Tecnológico de ..., sendo alvo de acompanhamento pela DGRSP até final da medida aplicada. Apesar de nos dois primeiros meses do curso BB ter manifestado interesse assiduidade e pontualidade, passou a registar entretanto elevado número de faltas. Estas anomalias vieram a ser ultrapassadas, apresentando em julho de 2010 uma avaliação de novo positiva. Contudo, após o período de férias que entretanto ocorreu, abandonou o curso, passando a ter um quotidiano centrado no ócio e no convívio com pares com idêntica vida. Em Março de 2011 foi preso, sendo libertado em Julho do mesmo ano. Após a primeira reclusão BB reintegrou o agregado dos pais então composto por estes (o pai havia regressado definitivamente de França onde havia estado emigrado) e pelas irmãs. Vinculado a pares com comportamentos ilícitos, saiu de casa, viveu algum tempo com amigos e/ou a namorada, frequentando bares e discotecas, consumindo produtos estupefacientes de forma regular e sem qualquer atividade laboral ou outra estruturada e socialmente ajustada. Permaneceu entre finais de 2011 e finais de 2012 algum tempo na zona de Lisboa, na zona norte do país e um tempo em França. Neste período terá ainda vivido com a mãe após esta ter saído dum Centro de Acolhimento para vítimas, onde permaneceu alguns meses na sequência de violência doméstica. À data dos factos descritos nos autos vivia em casa de amigos e antes de preso encontrava-se a residir numa casa abandonada na zona de Coimbra. Apesar da evolução que em Centro Educativo denotava, não conseguiu em meio livre prosseguir a vida de forma ajustada revelando pouca capacidade de descentração e de autocontrolo.” Como bem observa o Dig.mo Magistrado do Ministério Público: “In casu, o quadro definido pela matéria de facto provada dá-nos o retrato de um jovem bem pouco integrado, laboral, social e familiarmente, evidenciando um estilo de vida totalmente desregrado, gerido quotidianamente a seu bel-prazer e com comportamentos totalmente desajustados, o que reflecte uma personalidade com características desafiadoras de quaisquer regras mínimas de convivência familiar ou social. Tal como se deu como provado e decorre do relatório social, o arguido "começou a revelar os primeiros sinais de desajustamento comportamental no 5° ano de escolaridade. Identificado como situação de risco, veio a ter acompanhamento pela CPCJ de ... e, em Setembro de 2006, no âmbito de processo de promoção e protecção foi internado no Lar de .... […] Com consumos progressivos e regulares de substâncias aditivas e prática de ilícitos, o comportamento do arguido foi-se agravando, vindo a ser-lhe aplicada a medida de Internamento em Centro Educativo de 24 meses [ ... ] De acordo com projecto elaborado antes da saída do centro educativo, integrou o de formação profissional de Instalação de Sistemas Foto Voltaicos no Centro Empresarial Tecnológico de ..., sendo alvo de acompanhamento pela DGRSP. […] Abandonou o curso, passando a ter um quotidiano centrado no ócio e no convívio com pares de idêntica vida. Em Março de 2011 foi preso, sendo libertado em Julho do mesmo ano. […] Vinculado a pares com comportamentos ilícitos, saiu de casa, viveu algum tempo com amigos e/ou a namorada, frequentando bares e discotecas, consumindo produtos estupefacientes de forma regular e sem qualquer actividade laboral ou outra estruturada e socialmente ajustada. […] À data dos factos descritos nos autos vivia em casa de amigos e antes de preso encontrava-se a residir numa casa abandonada na zona de Coimbra”. Trata-se, pois, de um percurso de vida caracterizado por uma persistente desadequação comportamental ao nível do relacionamento social e interpessoal. Por outro lado, e como bem ponderou a decisão ora recorrida, não obstante a sua idade à data da prática do crime dos autos, o arguido tinha já sofrido condenações anteriores por três crimes, ainda que de menor gravidade, o que demonstra já uma acentuada dificuldade de pautar a sua conduta pelas regras impostas pela comunidade. Por fim e noutra perspectiva, também a imagem que nos é transmitida pelos acontecimentos que levaram à sua condenação é, clara e inexoravelmente, muito negativa, não podendo deixar enfatizar-se o facto de ele ter tido sempre uma intervenção activa em todo o desenrolar da respectiva acção criminosa, não denotando estar a actuar sob mera influência do co-arguido, o que, como bem concluiu o tribunal, afasta qualquer diminuição da culpa por via de um juízo decorrente da maior permeabilidade à influência de pessoas mais velhas. Também por isso, e como decorre da fundamentação do aresto recorrido, há inquestionáveis razões de prevenção especial positiva – alicerçadas não só na dificuldade de ressocialização do arguido, decorrente da personalidade demonstrada no acto, como igualmente no facto de ele ter já antecedentes criminais – que prevalecem no caso até sobre as razões de prevenção geral do crime em causa. Ou seja, não é sequer apenas pela via da gravidade do ilícito praticado que há que afastar a atenuação especial que resulta da aplicação do regime dos Jovens, mas sim, e sobretudo, pela constatação de que do conjunto dos factores já mencionados ressalta uma personalidade pouco juvenil ou pouco própria da imaturidade de um jovem, a revelar pelo contrário uma especial perigosidade e por isso, bem longe da criminalidade típica da delinquência juvenil. Daí que, no caso, o juízo de prognose desfavorável é facilitada pela existência de factores que apontam para uma personalidade de contornos problemáticos e decisivamente avessa aos valores da ordem jurídica, motivo pelo qual não pode deixar de acompanhar-se, também nesta matéria, a posição do acórdão recorrido.”
Inexistem pois, razões sérias para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, pelo que não é de aplicar o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, constante do Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro - Sobre a medida concreta das penas
1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
Como por diversas vezes temos referido: Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Monstesquieu – é tirânica.” (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV) Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem. E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver. Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”
Na lição de Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121): “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84) Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ibidem, p. 118) Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena. A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117)
O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança. Ensina o mesmo Ilustre Professor, As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.” Ou, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
2. O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Por sua vez, o n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência: c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
3. Considerou a dado passo, a decisão recorrida: “De acordo com disposto no art.º 40º, n.º1 e 2 do C.Penal a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, a qual em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa. Com este preceito, o ordenamento penal reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena, como seu limite máximo (art.ºs 1º, 13º, n.º1 e 25º, n.º1 CRP). Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210). .[…] Definidos todos estes parâmetros, a necessidade da pena respeitar a referida proporcionalidade constitui exigência que resulta, além do mais, do princípio que decorre desse art. 18.º, n.º 2, da CRP, só assim se harmonizando com o Estado de direito democrático. Esse princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: a) princípio da adequação; b) princípio da exigibilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Gomes Canotiilho/Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra, 2007, págs. 392 e seg) impõe a proibição do excesso, no sentido de dever prevalecer a intervenção menos gravosa, mas ainda assim idónea e estritamente necessária para as finalidades em vista. Tais critérios devem ser aplicados num acto uno, em que interagem de forma dialéctica. Nesta sede há que atender que a ilicitude e a culpa são conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribuem para dar forma ao grau de ilicitude enquanto que a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspeto subjetivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial. (cf. Jeschek, Tratado de Direito Penal, ed espanhola, pág 780). Relativamente ao princípio da proibição da dupla valoração seguindo o qual não devem ser valorados pelo juiz na determinação da medida da pena, circunstâncias já consideradas pelo legislador ao estabelecer a moldura penal do facto, “não obsta em nada, porém, que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstância s do caso,” pois que não será por ex, indiferente à pena se o roubo foi cometido com pistola ou com metralhadora, ou seja o que está em causa segundo BRUNS, Strafzumessungsrecht, 369, é a consideração das “modalidades da realização do tipo ”e não uma ilegítima violação daquele princípio. A circunstância concreta objecto de dupla valoração apenas deve ficar arredada em nova valoração para a quantificação da culpa e da prevenção determinantes para a pena se já tiver servido para a determinar a moldura penal aplicável ou para escolher a pena. - v. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p.235-237) No juízo de culpa parte-se de uma conceção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). A culpa jurídico-penalmente relevante não é uma «culpa em si», mas «uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, ll, 2005, pág. 239). Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de fatores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º2 do art.º 71º do C.Penal constam. Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). No caso em apreço, constata-se que o modo de execução do crime, evidencia elevada ilicitude, uma vez que os arguidos com as suas condutas patenteiam uma indiferença impressionante pela vítima, ainda para mais quando estavam perante a pessoa idosa, doente, manifestamente indefesa. Além disso, agiram os arguidos com dolo directo intenso - intenção inequívoca de agredir a vítima para lhe subtraírem os objetos pessoais e o cartão de débito -, não se coibindo de a colocar após o roubo numa situação de tal forma degradante - amarrada com uma coleira de cão após ter ficado despida da cintura para baixo - e que já não era necessária nem justificável com a intenção de apropriação, demonstrando uma total ausência de valores humanos raiando um verdadeiro comportamento amoral. A isto acresce que deixaram a vítima presa com uma coleira e cão a um lavatório e dificultaram ao máximo a possibilidade de a mesma se soltar ou sequer pedir auxílio fechando as portas e janelas da habitação. Estamos perante uma culpa intensa, e profunda, expressa na forma como se desprezou a dignidade humana da vítima num processo progressivo de violência que ocorreu na própria casa da vítima No que diz respeito à prevenção geral positiva, entendida, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (Ac. STJ, 11/1/96, CJSTJ, T.I, p.176), as frequentes situações de roubo a pessoas idosas e indefesas associados muitas vezes a sequestros, exigem das autoridades uma repressão intensa de tais comportamentos de molde a não deixar quaisquer dúvidas sobre o desvalor das mesmas. Com efeito, há que atender à criminalidade crescente no que se refere a ambos os crimes, o qual tem por consequência deixar em sobressalto a sociedade, contribuindo para fomentar um sentimento de insegurança e para a diminuição da confiança da comunidade na ordem jurídica vigente. Neste sentido, veja-se o sumário do acórdão do S.T.J. proferido no Proc. 2780/00 da 3ª secção in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “O crime de roubo, pela extrema frequência com que vem sendo praticado e pelos traços de insuportável violência de que geralmente se reveste, é daquelas infracções que causam maior alarme social, contribuindo, claramente, para aumentar o sentimento geral de insegurança em que vive a sociedade portuguesa dos nossos dias, insegurança que tem sido acelerada pela manifesta brandura das nossas leis penais e de processo penal” Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena10. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de proteção dos bens jurídicos (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.214). Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir. Neste plano, é acentuada a necessidade de prevenção especial, dada a personalidade dos arguidos manifestada nos factos conforme já supra exposto. Por outros, releva quanto ao arguido AA os seus antecedentes criminais que se traduzem na prática regular de crimes de 1972 até à presente data, sendo que a última condenação foi pela prática de um crime de sequestro, roubo e furto de uso de veículo ocorrido em 2006 tendo cumprido pena de prisão de 4 anos e 6 meses. Em favor dos arguidos apenas temos a confissão dos arguidos, a qual tem um reduzido valor atenuativo uma vez que a prova pré-constituída corroborada pelas declarações da demandante já levariam à prova segura da culpabilidade dos arguidos, sendo esta realidade a condicionar a conduta dos arguidos. Por outro lado, o arguido BB ainda que seja um jovem já foi condenado por três por crimes de menor gravidade o que demonstra já uma acentuada dificuldade de pautar a sua conduta pelas regras impostas pela comunidade, sendo revelador de tal dificuldade a sua própria atuação em todo o desenrolar dos factos uma vez que sempre assumiu um papel principal não obstante a sua idade e eventual inexperiência. Por fim, há que atender ao facto de o mesmo ter tido sempre uma intervenção ativa em todo o desenrolar dos factos não denotando estar influenciado pelo arguido AA, o que afasta, a nosso ver, qualquer diminuição da culpa pela idade que poderia encerrar uma maior permeabilidade a pessoas mais velhas. Nestes termos, as penas a aplicar aos arguidos não se poderão nunca situar perto do limiar mínimo da moldura penal antes devendo situar-se perto do meio da moldura abstrata da pena de cada um dos crimes imputados, sendo que ainda que a atuação de ambos os arguidos seja equivalente, deverá fazer-se uma distinção entre ambos em benefício do arguido BB uma vez que é jovem, com antecedentes de menor gravidade - pelo seu número e natureza - e desde a fase de inquérito colaborou com a investigação confessando os factos. Tudo ponderado, tem-se por proporcionado, adequado e suficiente condenar os arguidos nas seguintes pena; Arguido AA […] Arguido BB na 7 (sete) anos de prisão pela prática de um crime de roubo agravado e na pena de 5 (cinco) anos de prisão pela prática de um crime de sequestro agravado.”
4. Concorda-se com tal desiderato, apenas havendo a assinalar, como refere o Dig.mo Magistrado do Ministério Público, que “não obstante a sua juventude, entendemos que não só razões de prevenção especial, mas também necessidades de prevenção geral positiva – [que se aferem tendo em conta, como ensina Figueiredo Dias[10], a forma concreta de execução do facto, a sua específica motivação e as consequências que dele resultaram, a situação da vítima e a conduta anterior do agente] – impõem uma censura penal com uma dimensão suficiente para reforçar na comunidade a ideia de efectiva vigência da norma violada e, do mesmo passo, pacificar os sentimentos de incompreensão, e até de revolta, que um comportamento como o do arguido, assumido dentro de um meio relativamente fechado, necessariamente suscita.”
Aliás, como já referia o Ministério Público na 1ª instância, “Com efeito, se tivermos em conta, por um lado, que as molduras penais abstractas dos crimes de roubo e sequestro imputados ao arguido são, respectivamente, de 3 a 15 anos de prisão e 2 a 10 anos de prisão, e por outro, se se atentar no elevadíssimo grau de culpa do arguido, cuja conduta se revestiu de uma violência inusitada e mesmo desnecessária, atentando contra o mais elementar sentido de pudor da vítima, humilhando-a da forma mais vil, a fixação das penas parcelares em 7 e 5 anos de prisão, se censura merece, é a de ser demasiado benevolente. Uma maior diminuição da medida das penas concretamente aplicadas, como se pretende, para além de desatender injustificadamente ao grau de culpa do arguido abundantemente reconhecido na decisão recorrida, frustraria irremediavelmente as necessidades de prevenção já assinaladas.”
Sobre a pena do cúmulo : 1- Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema da acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. (v. artºs 77º nº 1 e, 78º nº1, ambos do CP) O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes. Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. As qualidades da personalidade do agente manifestada no facto devem ser comparadas com as supostas pela ordem jurídica e a partir daí se emitam juízos, mais fortes ou mais acentuados, de valor ou desvalor. Importante na determinação concreta da pena conjunta será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» -Figueiredo Dias, ibidem; e v.g. Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e Secção. Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.”
2- Quanto à pena conjunta, fundamentou a mesma decisão: “Nos termos do artigo 78° n° 1 do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena” sendo que, por força do nº 2 do artigo 77º do mesmo Código, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretas aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. A pena aplicável à punição do concurso será encontrada dentro de uma moldura abstracta fixada […] entre 7 anos e 12 anos de prisão para o arguido BB. Por força do nº 1 do artigo 77º do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto os factos e a personalidade do agente. Assim, atendendo ao conjunto das circunstâncias já anteriormente consideradas na determinação da medida da pena e ainda ao facto de ambos os crimes decorrerem do mesmo circunstancialismo de facto entende-se adequada a pena única de […] 9 anos para o arguido BB”
3- Embora seja parca, a fundamentação quanto à determinação da pena do cúmulo, a raiar a nulidade, pode o Supremo tribunal supri-la, por os seus elementos constarem da matéria fáctica provada.(artº 379º nº 2 do CPP).
Valorando o ilícito global perpetrado, a ilicitude do facto (violação de bens de natureza pessoal e patrimonial), o modo de execução e os sentimentos reveladores da sua personalidade na pratica dos mesmos e por eles projectada, e forte intensidade do dolo, revelam não só fortes exigências de prevenção geral pela necessidade de confiança nas normas violadas sendo certo que embora não haja elementos bastantes para se concluir que os factos praticados, provieram de tendência criminosa, e assim têm a sua génese em mera ocasionalidade, revelam porém, tendo ainda em conta as condenações já havidas e o que consta da sua condição pessoal e iter de vida, que revela falta de preparação para manter conduta lícita, a exigir fortes exigências de prevenção especial na dissuasão de comportamentos delituosos, sendo a culpa deveras intensa.
Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)
Tendo em conta o exposto e. os limites legais da pena, constantes dos ilícitos criminais praticados e a pena aplicada, conclui-se que não se revelam desadequadas, nem excessivas, quer as penas parcelares, quer a pena única, aplicadas, resultando a pena única, em cúmulo, da ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido BB, nos termos do artº 77º nºs 1 e 2 do CP,
C- Relativamente à indemnização por danos morais
1. Quanto ao pedido de indemnização civil, por danos não patrimoniais, considera o coarguido ora recorrente, ser o valor de 20.000€ (vinte mil euros) excessivo, dado que, a demandante, embora se admita que, durante algum tempo, se sentisse perturbada, continua a fazer uma vida com normalidade, não tendo qualquer receio em viver sozinha em sua casa, não se sentindo constrangida em virtude dos acontecimentos, cfr factos não provados no Acórdão recorrido. Ou seja, a demandante não sofreu danos não patrimoniais que justifiquem a indemnização no valor do pedido, devendo quantificar-se um valor não superior a 5.000,00€.
Como se sabe, a indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arºs 562º, a 564º e 569º do Código Civil)
Relativamente a danos não patrimoniais dispõe o artigo 496º nº 1 do CC, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;
Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito, tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e, não de harmonia com percepções subjectivas, ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano, justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.(em sentido idêntico – Acórdão deste Supremo de 18 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt) A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar o lesado, da ofensa imerecida, ao bom nome e dignidade O artº 494º do C.C. alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.
Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim, um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele (v. Ac. do S.T.J. de 19-4-91 in A.J. 18º, 6) Na atribuição dessa indemnização deve respeitar-se «todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p, 501 e, entre outros, Ac. deste Supremo de 05-11-2008, in Proc. n.º 3266/08 desta 3ª Secção) A expressão “em qualquer caso”, constante do artº 496º do CC, tanto abrange o dolo como a mera culpa (v. C.J. 1986, 2º, 233 e, Vaz Serra in Rev. Leg. Jur., 113º-96). Por sua vez, “demais circunstâncias do caso” é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda.
Por outro lado, Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». (v.v.g. Acórdão do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04, e de 3-7-2008 in proc. 1228/08, ambos da 5ª secção)-
Tem-se feito jurisprudência no sentido de que tal como escapam à admissibilidade de recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (arts. 400º., n.1, al. b), do CPP e 679. do C PC), em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras – cf., entre outros, Acs. de 29-11-01, Proc. n. 3434/0º1; de 08-05-03, Proc. n.º 4520/02; de 17-06-04, Proc. nº, 2364/04 e de 24-11-05, Proc. nº. 2831/05, todos da 5.ª Secção. Ac. do STJ de 07.12. 2006, Processo n.º 3053/06 - 5.ª Secção.
2. Considerou a decisão recorrida: “Estão assim provados todos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 483º do Código Civil. A estes danos patrimoniais acresce os danos não patrimoniais sofridos pela demandante traduzidos no sofrimento tido com os atos de violência contra si praticados os quais foram de tal forma degradantes e humilhantes que atenta contra os mais elementares padrões de convivência comunitária e provocam pela sua própria natureza graves prejuízos na vítima, o facto de ter estado presa por mais de 5 horas e de após estes factos sofrer de forte angústia a qual é agravada dada a idade da demandante e o seu próprio estado de saúde. No que respeita à indemnização deste tipo de danos importa tecer algumas considerações. Nomeadamente que, “Em relação à personalidade humana, e uma vez que esta não integra propriamente o património do lesado, sucede que o acto lesivo produz "directa e principalmente danos não patrimoniais ou morais, isto é, prejuízos de interesse de ordem biológica, espiritual, ideal e moral, não patrimonial, que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados, que não exactamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente” […] No mesmo sentido, escreveu Vaz Serra que “ a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que esta, sendo ofensa moral, não é susceptível de equivalente ( in BMJ 83ª-83). A lei lançou mão de um critério genérico segundo o qual se atende só àqueles danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496 do C.C ). Esta gravidade deve ser apreciada objectivamente, como ensina o Prof. Antunes Varela […]. Com efeito, a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às particularidades de cada caso, e não à luz de factores subjectivos (como uma sensibilidade exacerbada ou requintada), e tudo segundo critérios de equidade, devendo ter-se ainda em conta a comparação com situações análogas decididas em outras decisões judiciais […} e que a indemnização a arbitrar tem uma natureza mista: a de compensar esses danos e a de reprovar ou castigar, no plano civilístico, a conduta do agente15. Neste sentido, a lei remete a fixação do seu montante para juízos de equidade, tendo em atenção o referido no art. 494º do C.C (grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias […]. Tendo em conta os critérios supra referidos e os factos provados já sobejamente enunciados supra, bem como os princípios legais a este respeito consagrados, de acordo com um critério de equidade e atendendo à culpa dos arguidos, afigura-se adequado fixar em 20,000,00 Euros a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante.”
3. Pesquisando a matéria de facto provada, (com negritos nossos): O arguido e outro constrangeram a cidadã de nacionalidade inglesa CC, residente na ..., com 75 anos de idade, através do uso da força física e de ameaça, e mediante o uso de um objecto em tudo similar a uma arma de fogo, a entregar objectos de valor, dinheiro e cartões multibanco com os respectivos códigos, que se encontrassem na sua residência. no dia 18 de Fevereiro de 2013, cerca das 9 horas dirigiram-se à residência da referida CC, e cerca das 10 horas, quando avistaram a ofendida a regressar a casa, o arguido BB, empunhando um objecto em tudo similar a uma arma de fogo e com o rosto tapado com um gorro com orifícios para olhos e boca, e o arguido AA, usando uma meia elástica que cobria a totalidade do rosto, saíram subitamente do interior da caravana, agarraram a vítima e abanaram-na com violência. 5 - Após, o arguido BB retirou abruptamente as chaves das mãos da ofendida, e abriu a porta da residência, tendo o arguido Luís Viana empurrado CC para o seu interior. 6 - Uma vez no interior da residência, sob constantes ameaças e gritos de “money, money” e “i kill you, i burn your house, i burn you”, os arguidos amarraram a ofendida com fita adesiva nos pés e nas mãos, em cima do sofá.. 7 - Após, os arguidos agarraram a ofendida pelos braços e pés, e levaram-na para um quarto no andar de cima, onde a deitaram sobre a cama e remexeram as gavetas dos armários. 8 - Enquanto a ofendida se encontrava deitada na cama, os arguidos continuaram a proferir ameaças, exigindo-lhe dinheiro e cartões bancários, e retirando as coisas que tinha na sua carteira, onde encontram um cartão multibanco de débito, referente a uma conta do Banco ..., propriedade da ofendida. 9 - De seguida, porque a arguida não forneceu o código secreto do cartão de débito, os arguidos transportaram novamente a ofendida para o piso inferior, levando-a para a casa de banho tendo-lhe retirado as calças, deixando-a nua da cintura para baixo. 10 - Após sucessivos empurrões e ameaças, o arguido BB agarrou numa vassoura e ameaçou introduzir a ponta do cabo no interior da vagina da ofendida, a fim de constranger a mesma a dizer o código secreto do referido cartão de débito, o que sucedeu. 11 - Acto contínuo, os arguidos empurraram a ofendida e apropriaram-se de um telemóvel, um passaporte, uma máquina fotográfica, de valor global não concretamente apurado, mas sempre superior a 102 €, que fizeram seus e integraram no seu património, gritando á ofendida para não chamar a polícia, caso contrário voltariam para a matar. 12 - De seguida, os arguidos ausentaram-se do local, trancando todas as portas atrás de si e desfazendo-se das respectivas chaves, deixando a ofendida completamente amarrada e amordaçada, com as mãos e troncos amaradas na coluna do lavatório com fita adesiva e com a trela da sua cadela. 13 - A ofendida apenas conseguiu libertar-se da fita adesiva e gritar por socorro cerca das 15 horas e 15 minutos, vindo a ser resgatada por volta das 20 horas, com necessidade de arrombamento das portas da sua residência para esse efeito. Da conduta praticada pelos arguidos resultaram para a ofendida lesões no crânio, face, tórax, membros superiores e inferiores. Mais resultaram para a ofendida, lesões ao nível da região genital e peri-genital, tendo sido observada equimose avermelhada no vestíbulo da vagina, (ocupando toda a face medial do pequeno lábio esquerdo, face medial do pequeno lábio direito entre as 10-12 horas, fossa navicular e região peri-uretral), bem como na coluna anterior da vagina. Tais lesões determinaram para a ofendida um período de 7 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral por 3 dias. Os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços, na prossecução de um plano previamente elaborado entre ambos, dividindo tarefas entre si. Actuaram com o propósito concretizado de constranger a vítima a entregar todos os objectos móveis que tivesse na sua posse e na sua residência, usando de violência, força física e ameaças, e munidos com um objecto em tudo similar a uma arma de fogo, assim colocando a ofendida na impossibilidade de resistir, o que sucedeu. Agiram ainda com a intenção conseguida de se apropriarem ilegitimamente de todos os objectos e/ou valores que conseguiram constranger a vítima a entregar-lhes. Os arguidos agiram com a intenção conseguida de privar a ofendida, com 75 anos e fisicamente debilitada, da sua liberdade pessoal e locomoção, colocando-a na impossibilidade de se deslocar do local onde fora amarrada e amordaçada, durante pelo menos 7 horas. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Os arguidos antes de abandonarem a residência da ofendida além de a amordaçarem fecharam a casa à chave e deixaram todas as janelas trancadas, visando impedir que a ofendida solicitasse auxílio. A ofendida sentiu grande angústia durante o tempo que esteve presa e após tais factos.
4. A factualidade assinalada, com negrito nosso, constitui danos de intensa gravidade pela sua natureza, variedade, modo de realização e tempo que perdurou, que pela sua gravidade merece a tutela do direito.
Como já referia por ex, o Acórdão deste Supremo. de 11 de Setembro de 1994 (Col. Jur. Acs do S.T.J. ano II tomo III -1994 p. 92), A indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496º do Cód. Civil e, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação
Também sobre a actualidade da indemnização já o acórdão deste Supremo, de 16-12-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181 referia «É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios.”
O aumento do custo de vida e as exigências da dignidade humana e de realização comunitária assim o exigem.
A vítima tinha 75 anos de idade e foi vítima dos danos na sua própria residência, ocorrendo os factos em 2013.
Tendo em conta o exposto, não se revela desproporcionada aos danos havidos a quantia arbitrada.
O recurso não merece provimento,
- Termos em que, decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª secção- em
Rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, por intempestividade legal nos termos dos artº 414º nº 2, e 420º nº 1 al. b), do CPP
Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, e mantêm a decisão recorrida.
Tributar o recorrente AA em 5 UCs e o recorrente BB em 10 UCs de taxa de Justiça
Condenar o recorrente Luís na importância de 3 Ucs nos termos do nº 4 do artº 420º do CPP
Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Outubro de 2014 Elaborado e revisto pelo relator Pires da Graça Raul Borges
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