Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
Descritores: | ACÇÃO CÍVEL CONEXA COM A ACÇÃO PENAL CONTUMÁCIA INSTRUÇÃO EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL INDEMNIZAÇÃO CIVIL IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE CASO JULGADO PENAL INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ20070614017316 | ||
Data do Acordão: | 06/14/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | 1. Os artigos 71º do Código de Processo Penal e 306º, nº 1, do Código Civil não regulam os efeitos da pendência do processo-crime no prazo de prescrição do direito de indemnização pelos factos ilícitos que dele são objecto. 2. Não há similitude entre o caso de extinção do procedimento criminal por via da prescrição e os pressupostos da previsão do artigo 674º-B do Código de Processo Civil que permita aplicação analógica deste àquele. 3. Tendo o arguido feito fez cessar a sua situação de contumácia e requerido a abertura da instrução, quedou ineficaz o despacho designativo da data do julgamento a que se reportam os artigos 311º a 313º do Código de Processo Penal. 4. Declarada a extinção do procedimento criminal no termo da instrução criminal, queda inaplicável, quanto ao pedido cível enxertado na acção penal, o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 3/2002, de 17 de Janeiro. 5. Deduzido o pedido cível na acção penal, a extinção do procedimento criminal só implica a extinção da parte da instância cível por impossibilidade superveniente da lide, sem qualquer reflexo no direito de indemnização decorrente da prática do crime. 6. Para efeito do disposto no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, a dedução do pedido cível na acção penal implícita o pedido de notificação do arguido e requerido para contestar. 7. Resultando a interrupção do prazo de prescrição do direito de indemnização fundada em cometimento de crime resultado de a notificação do pedido cível ao arguido não ter sido possível por causa não imputável ao requerente, o novo prazo de prescrição só começa a correr depois do trânsito em julgado do despacho que declarou a extinção do procedimento criminal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I O Banco AA SA intentou, no dia 18 de Novembro de 2004, contraBB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 23 441,03, acrescidos de juros de mora desde a citação, com fundamento no prejuízo derivado de factos ilícitos praticados pelo réu no exercício das suas funções de gerente na sua Dependência do Marquês do Pombal, no Porto. Em contestação, o réu invocou a prescrição do direito de crédito afirmado pelo autor e impugnou os factos por este articulados na petição inicial e, no saneador, foi relegado para final o conhecimento daquela excepção. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 15 de Maio de 2006, por via da qual foi a excepção de prescrição julgada improcedente e o réu condenado no pagamento ao autor de € 20 141, 46 acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação. Interpôs o réu recurso de apelação, também impugnando a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 9 de Janeiro de 2007, negou provimento ao recurso. Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - deduzido pelo recorrido na acção penal o pedido cível e declarada a prescrição do procedimento criminal, extinguiu-se aquele, não podendo ser deduzido em separado; - a Relação incorreu em erro de interpretação e de aplicação do artigo 72º, nº 1, alínea b), por referência ao artigo 71º, ambos do Código de Processo Penal; - deve ser declarada a extinção do direito de accionar e o recorrente se absolvido do pedido; - a Relação violou os artigos 71º do Código de Processo Penal e 306º, nº 1, do Código Civil, por eles não estatuírem sobre os efeitos da pendência do processo crime no decurso do prazo de prescrição do direito de indemnização civil por factos ilícitos objecto daquele processo; - como a recorrida não requereu a notificação do recorrente na qualidade de arguido para contestar o pedido cível, a prescrição não foi interrompida, por não se verificar a hipótese prevista no artigo 323º, nºs 1 e 2, do Código Civil; - os factos provados não revelam a suspensão nem a interrupção do prazo de prescrição; o caso julgado decorrente da decisão de extinção do procedimento criminal proferida no processo crime tem a força probatória prevista no artigo 674º-B, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, analogicamente aplicável; - a Relação violou, por erro de interpretação e de aplicação, os artigos 323º, nºs 1 e 2 e 498º, nºs 1 e 3, do Código Civil, 71º e 72º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, 205º, nºs 1 e 4, alínea b) e 5 do Código Penal e 674º-B, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. - deve considerar-se não interrompida a prescrição, julgada procedente a excepção da prescrição e absolver-se o recorrente. Respondeu o recorrido, em síntese de alegação: - o recorrente podia ser accionado como o foi porque o procedimento criminal se extinguiu antes do julgamento, por culpa dele – artigo 72º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal; - a prescrição do procedimento criminal é na espécie de dez anos, porque o recorrente foi pronunciado pela prática de um crime de abuso de confiança, previsto então no artigo 300º do Código Penal – agora 305º - cuja pena era de dez anos de prisão; - interrompeu-se a prescrição porque a recorrida exprimiu directamente a intenção de exercer o seu direito de indemnização através da dedução do pedido cível no dia 20 de Maio de 1997, começando então a correr novo prazo de dez anos – artigos 323º, nº 1 e 326º, nºs 1 e 2, do Código Civil; - a recorrida deduziu o pedido cível no processo crime, o tribunal dirigiu-lhe a notificação para contestar e, só o não foi, por virtude de ter optado por fugir à justiça; - é aplicável na espécie o disposto no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, visto que a notificação não se realizou no prazo de cinco dias por causa não imputável ao recorrido, pelo que o prazo de prescrição se interrompeu decorrido aquele prazo; - o artigo 674º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil não se aplica ao caso vertente porque o recorrente não foi absolvido no processo crime, porque prescreveu o procedimento criminal antes do julgamento. II É a seguinte a factualidade declarada assente no acórdão recorrido: 1. O réu foi funcionário do Banco Fonsecas & Burnay SA desde 1985 até Janeiro de 1993, exercendo as funções de gerente na Dependência do Marquês do Pombal, no Porto. 2. É costume no comércio bancário, relativamente a clientes considerados interessantes, serem os próprios funcionários do Banco a deslocarem-se ao local de trabalho daqueles a fim de receberem deles as quantias destinadas a depósito nas respectivas contas. 3. O réu, para além das funções de gerente tinha a incumbência de se deslocar ao consultório do Doutor .., no Largo .., nº 00, 2º andar, sala nº 000, Porto, a fim de receber as quantias resultantes da actividade profissional daquele cliente do Banco e efectuar o depósito na sua conta domiciliada no balcão do Marquês do Pombal, nº 0000000000000. 4. Para o efeito, deslocava-se ao consultório do Doutor .., recebia a quantia a depositar, quer em numerário, quer em cheques, bem como o respectivo talão de depósito preenchido, conferia o total recebido com a declaração e, uma vez na posse das quantias recebidas, incumbia-lhe proceder ao seu depósito na conta bancária mencionada sob 3. 5. O réu recebeu do médico ...4 038 000$, que lhe pertenciam, valor que lhe foi entregue em sete parcelas, de 636 000$, 592 000$, 517 000$, 589 000$, 521 000$, 654 000$ e 529 000$, em 21, 22, 23, 24, 27, 28 e 29 de Julho de 1992. 6. O réu não depositou na conta mencionada sob 3 o dinheiro referido sob 4, aproveitando-se dele, e, no período entre Abril de Julho de 1992, efectuou, posteriormente à data das entregas, os depósitos das quantias que lhe eram entregues pelo Doutor Tallon, e este reclamou disso junto do autor por carta de 31 de Janeiro de 1993. 7. No dia 3 de Maio de 1993, o Banco Fonsecas & Burnay SA apresentou uma queixa-crime contra o réu com fundamento na prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punível, então, pelo artigo 300º do Código Penal. 8. No dia 24 de Abril de 1997, o Ministério Público deduziu acusação contra o réu pela prática de um crime de abuso de confiança previsto e punível no artigo 205º, nºs 1 e 4, do Código Penal. 9. No dia 20 de Maio de 1997, o Banco Fonsecas & Burnay SA deduziu contra o réu pedido de indemnização cível no valor de 6 494 450$, correspondentes a 4 038 000$ de capital e a 2 456 450$ de juros de mora. 10. Recebida a acusação pela 1ª Vara Criminal do Porto, foi o réu pronunciado e o seu julgamento agendado para o dia 28 de Setembro de 1998, e declarado contumaz por despacho proferido naquela Vara no dia 28 de Janeiro de 1999. 11. Já com o julgamento de novo agendado para o dia 2 de Fevereiro de 2004, o réu requereu a abertura da instrução, que culminou com a declaração de extinção do procedimento criminal, nos termos do artigos 118º, nº 1, alínea b) e 121º, nº 3, do Código Penal, e foi citado para a acção no dia 30 de Janeiro de 2005. 12. O autor, que exerce a actividade bancária, resultou da denominação do Banco do Fomento Exterior SA que incorporou, por fusão, o Banco Fonsecas & Burnay SA e o Banco Borges & Irmão SA, cujos representantes, em escritura pública lavrada no dia 22 de Maio de 1998, no 4º Cartório Notarial do Porto, declararam transmitir todos os direitos e obrigações. III A questão essencial decidenda é a de saber o recorrido tem ou não direito a exigir do recorrente o montante indemnizatório de € 20 141, 46 e juros de mora. Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente e pelo recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática: - síntese do quadro de facto relevante no recurso e das decisões das instâncias; - âmbito interpretativo do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2002, de 17 de Janeiro; - extinguiu-se ou não o direito do recorrido de accionar o recorrente no foro civil; - prazo de prescrição do direito de crédito que o recorrido fez valer no confronto do recorrente; - decorreu ou não o mencionado prazo de prescrição? - síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei. Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões. 1. Comecemos pela síntese do quadro de facto relevante no recurso e das decisões das instâncias. O recorrente, como empregado, e o antecessor do recorrido, como empregador, estavam, em 1992, vinculados por um contrato de trabalho, com obrigações recíprocas (artigos 1º do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969 e 12º, nº 1 e 1152º do Código Civil). Entre 21 e 29 de Julho de 1992, o recorrente recebeu de um cliente de um dos antecessores do recorrido, para o depositar na concernente conta de depósitos, o equivalente a € 20 141 45, mas assim não procedeu, apropriando-se desse valor. O referido cliente do antecessor do recorrido reclamou junto dele, por carta datada de 31 de Janeiro de 1993, o depósito na sua conta daquela quantia, o que ele realizou. No dia 3 de Maio de 1993, apresentou o antecessor do recorrido queixa-crime contra o recorrente, no dia 24 de Abril de 1997 deduziu o Ministério Público acusação, e, no dia 20 de Maio de 1997, formulou o primeiro pedido cível. A acusação foi judicialmente recebida, o recorrente foi pronunciado e foi marcado o julgamento para o dia 28 de Setembro de 1998, e, por despacho proferido no dia 28 de Janeiro de 1999, foi declarado contumaz. A declaração de contumácia do recorrente foi judicialmente declarada quatro meses depois do agendamento do julgamento, por não ter sido possível operar a respectiva notificação e implicou a suspensão de todos os termos do processo não urgentes até à sua apresentação em juízo (artigos 335º, nº 1 e 336º, nº 1, do Código de Processo Penal). Agendado o julgamento para o dia 2 de Fevereiro de 2004, na sequência da sua apresentação em juízo, requereu o recorrente a abertura da instrução, a qual culminou na declaração da extinção do procedimento criminal, e, no dia 18 de Novembro seguinte, intentou o recorrido a presente acção, para a qual o recorrente foi citado no dia 30 de Janeiro de 2005. No tribunal da primeira instância, qualificada a situação como de responsabilidade civil contratual e o não decurso do prazo geral de prescrição de vinte anos, julgada improcedente foi a excepção peremptória da prescrição do direito de crédito do recorrido. Na Relação foi requalificada a situação como de responsabilidade civil extracontratual decorrente de crime de procedimento prescritível no prazo de dez anos, considerou-se não ter ainda ocorrido a prescrição por virtude de não terem passado dez anos entre a data do despacho que declarou a extinção do procedimento criminal e a citação do recorrente para a acção. 2. Atentemos agora no âmbito interpretativo do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 3/2002, de 17 de Janeiro. Pela Secção Criminal deste Tribunal foi proferido o referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, no qual se expressa que “extinto o procedimento criminal por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o artigo 311º do Código de Processo Penal, antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido o pedido de indemnização cível prossegue para conhecimento deste” (Diário da República, I Série-A, de 5 de Março de 2002). Na fundamentação do referido Acórdão, expressou o colectivo dos juízes que “se o lesado instaurar ou pretender intentar, como constituiu sua faculdade, acção cível em separado, nos termos do artigo 72º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, não tem de vir ao processo requerer o seu não prosseguimento, já que, nesta matéria, o impulso ou o contra-impulso a si pertence”. Portanto, resulta do mencionado Acórdão que a circunstância de haver sido deduzido pedido cível no processo penal e de ocorrer a extinção do procedimento criminal depois da prolação do chamado despacho saneador do processo penal, a que se reporta o artigo 311º do Código de Processo Penal, não implica necessariamente o prosseguimento do processo penal para julgamento daquele pedido. Na realidade, o prosseguimento do processo-crime naquelas circunstâncias depende da vontade do lesado civilmente, ou seja, de que ele não intente, depois da extinção do procedimento criminal, a acção cível no tribunal civil. No caso vertente, porém, o processo foi remetido para julgamento antes de ter havido instrução e de o recorrente, na sua posição de arguido haver sido notificado da acusação (artigos 287º, nº 1 e 311º, nº 2, do Código de Processo Penal). Por isso, quando o recorrente fez cessar a situação de contumácia e requereu a abertura da instrução, tornou-se, naturalmente, ineficaz o despacho que designou a data do julgamento a que se reportam os artigos 311º a 313º do Código de Processo Penal. E como a extinção do procedimento criminal ocorreu no termo da instrução, na chamada decisão instrutória, a que alude o artigo 307º do Código de Processo Penal, ou seja, antes da prolação do despacho a que se refere o artigo 311º daquele diploma, queda inaplicável no caso espécie a interpretação da lei decorrente do mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência. 3. Atentemos agora na questão de saber se ocorreu ou não a extinção do direito do recorrido de accionar o recorrente no foro civil. Alegou o recorrente ter o recorrido perdido o seu direito de o accionar nesta acção por virtude de se haver extinguido porque o pedido cível foi deduzido no processo penal que terminou por extinção do procedimento criminal. Justificou não permitir a lei a dedução sucessiva do pedido cível no processo penal e em separado na acção cível, dada a extinção definitiva do procedimento criminal por prescrição. Está assente que o recorrido deduziu pedido cível no processo penal em que o recorrente era arguido pelos factos que agora servem de causa de pedir na acção e que o procedimento criminal foi declarado extinto com fundamento na prescrição do procedimento criminal, na imediata sequência da instrução criminal. Temos, assim, que a extinção do procedimento criminal em causa ocorreu antes da fase do julgamento no concernente processo-crime. Estabelece a lei que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal cível, nos casos previstos na lei (artigo 71º do Código de Processo Penal). Trata-se, pois, da regra da obrigatoriedade de dedução do pedido cível em processo penal, fundado no chamado princípio da adesão do exercício do direito de indemnização ao exercício da acção penal, mas que comporta várias excepções de admissibilidade de dedução do pedido cível em separado. Com efeito, se o processo-crime não tiver conduzido à acusação em oito meses após a notícia do crime ou estiver sem andamento durante esse prazo – como ocorreu no caso vertente - o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado perante o tribunal civil (artigo 72º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal. Trata-se, neste caso, de mera faculdade, ou seja, a circunstância de o antecessor do recorrido não ter deduzido pedido cível em separado é insusceptível de lhe implicar alguma consequência negativa. Acresce que a lei estabelece poder o pedido cível ser deduzido perante o tribunal civil, além do mais, quanto o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento (artigo 72º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal). A referência da lei de processo penal ao pedido cível envolve a vertente processual que veicula o pedido de indemnização, ou seja, o que tem sido designado por acção cível enxertada no processo penal. A referida vertente processual é, naturalmente, realidade diversa do direito de indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual decorrente de normas de direito substantivo. No que concerne ao pedido cível, o que se extingue, por virtude da extinção do procedimento criminal, é a parte da instância cível, por impossibilidade superveniente da lide (artigos 4º do Código de Processo Penal e 287º, alínea e), do Código de Processo Civil). A referida extinção, porque envolvida de fundamento legal adjectivo, não interfere com o direito de indemnização cível da vítima do crime, que se mantém enquanto se não verificar alguma causa da sua extinção. Por isso, ao invés do que o recorrente alegou, não ocorreu, em relação ao recorrido, a extinção do seu direito de acção cível em separado da acção penal. O artigo 674º-B do Código Civil reporta-se à eficácia nas acções cíveis das decisões penais absolutórias com fundamento em o arguido não ter praticado os factos que lhe são imputados. Não há similitude mínima entre o caso de extinção do procedimento criminal por via da prescrição e a previsão do artigo 674º-B do Código de Processo Civil que permita a sua aplicação analógica ao caso vertente (artigo 10º, nºs 1 e 2, do Código Civil). Não tem, por isso, fundamento legal a alegação do recorrente no sentido da aplicação analógica do referido normativo à situação fáctico-jurídica em análise. 4. Vejamos agora a sub-questão do prazo de prescrição do direito de crédito que o recorrido faz valer na acção no confronto do recorrente. A prescrição é a extinção de direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, sendo que, completada que seja, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artigo 304º, nº 1, do Código Civil). Estamos perante uma situação de responsabilidade civil extracontratual baseada em factos que constituem um crime continuado de abuso de confiança, a que correspondia e corresponde a pena de um a oito anos de prisão (artigo 300º, nºs 1 e 2, alínea a), primeiro, e 205º, nºs 1 e 4, alínea b) e 5, depois, do Código Penal). Na lei penal vigente ao tempo dos factos, e na que lhe sucedeu, o prazo de prescrição do procedimento criminal era de dez anos (artigos 117º, nº 1, alínea b), e 118º, nº 1, alínea b), do Código Penal). A regra é a de que o prazo de prescrição no quadro da responsabilidade extracontratual é de três anos a contar do conhecimento do direito que lhe compete ou do cumprimento relativamente ao direito de regresso entre os responsáveis (artigo 498º, nºs 1 e 2, do Código Civil). A excepção ocorre no caso de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, que é o aplicável (artigo 498º, nº 3, do Código Civil). Ora como os factos ilícitos imputados pelo recorrido ao recorrente, que constituem a causa de pedir na acção, constituem crime para o qual a lei estabelece o prazo de prescrição de dez anos, é este o aplicável. 5. Atentemos agora se decorreu ou não o mencionado prazo de prescrição. O antecessor do recorrido indemnizou o seu cliente lesado, depositando o dinheiro antes subtraído ao depósito na conta convencionada, no quadro da respectiva responsabilidade civil contratual objectiva (artigos 406º, nº 1, 798º e 800º, nº 1, do Código Civil). Ele conheceu os factos penalmente ilícitos e dolosos cometidos pelo recorrente, pelo menos, por via da carta que o cliente lhe enviou no dia 31 de Janeiro de 1993. Entre a referida data do conhecimento dos factos pelo antecessor do recorrido, por via da comunicação do cliente lesado, e a citação do recorrente para a acção em causa, decorreram doze anos menos um ou dois dias. Isso significa que, aquando da citação do recorrente para a acção, já havia decorrido o prazo de dez anos de prescrição normal, contado da data em que ocorreram os factos ou da data em que o antecessor do recorrido deles teve conhecimento. Mas importa saber se o referido prazo de prescrição se interrompeu ou não, do que depende a conclusão sobre se procede ou não a excepção peremptória de tipo extintivo invocada pelo recorrente no confronto do recorrido. Com efeito, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto de interrupção, ficando a nova prescrição sujeita ao primitivo prazo de prescrição (artigo 326º do Código Civil). Já foi entendido, quanto a casos como o vertente, sob a invocação do impedimento a que alude o nº 1 do artigo 306º do Código Civil, que a apresentação de queixa-crime, bem como a declaração do lesado no inquérito de que pretendia deduzir pedido cível constituía o exercício do direito a indemnização e interrompia a respectiva prescrição durante a pendência do processo crime. Certo é, tal como o recorrente alegou, que os artigos 71º do Código de Processo Penal e 306º, nº 1, do Código Civil não regulam os efeitos da pendência do processo-crime no prazo de prescrição do direito de indemnização pelos factos ilícitos que dele são objecto. Decorre da lei a regra de que a prescrição se interrompe por via do conhecimento pelo obrigado, através de citação ou notificação judicial, de que o credor pretende exercer o direito (artigo 323º, nº 1, do Código Civil). Todavia, se a citação ou notificação não se fizer em cinco dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (artigo 323º, nº 2, do Código Civil). Sucede que, no caso vertente, um dos antecessores do recorrido deduziu, no dia 20 de Maio de 1997, pedido cível indemnizatório contra o recorrente, mas os factos não revelam que ele tenha requerido expressamente a notificação do último para o contestar. Mas é a própria lei que determina que a pessoa contra quem for deduzido pedido de indemnização cível é notificada para, querendo, contestar no prazo de dez dias (artigo 78º, nº 1, do Código de Processo Penal). Assim, ao deduzir o pedido cível no processo penal, o antecessor do recorrido requereu implicitamente a notificação do arguido, ora recorrente. Não tem, por isso, fundamento legal a alegação do recorrente no sentido de que o antecessor do requerido não requereu a sua notificação para contestar o pedido cível em causa. Os factos revelam que a não notificação do recorrente do pedido de indemnização cível nos cinco dias seguintes à sua apresentação em juízo não é imputável ao antecessor do recorrido. Por isso, o referido prazo de prescrição interrompeu-se cinco dias depois da apresentação em juízo do instrumento relativo ao mencionado pedido de indemnização cível, ou seja, no dia 25 de Maio de 1997. Assim, não releva a alegação do recorrente no sentido de que só a notificação e não a mera dedução do pedido cível é susceptível de interrompe prescrição do direito de crédito em causa. Mas como a interrupção resultou da circunstância de a notificação do pedido cível ao recorrente não ter sido possível por causa não imputável ao antecessor do recorrido, o novo prazo de prescrição de dez anos só começou a correr depois do trânsito em julgado do despacho que declarou a extinção do procedimento criminal (artigo 327º, nº 1, do Código Civil). O trânsito em julgado do despacho que declarou a extinção do procedimento criminal por virtude da prescrição foi proferido no decurso do ano de 2004, altura em que começou a correr o novo prazo de prescrição do direito de indemnização em causa de dez anos. Por isso, tendo o recorrente sido citado para a presente acção no dia 30 de Janeiro de 2005, certo é que não pode proceder a excepção peremptória da prescrição invocada pelo recorrente. 6. Vejamos, finalmente, a síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei. A extinção da parte da instância cível do processo-crime, porque envolvida de mero fundamento legal adjectivo, não interfere com o direito de indemnização cível do recorrido. Por isso, não ocorreu, em relação ao recorrido, a extinção do seu direito de acção que fez valer no tribunal cível na sequência da extinção da acção penal por virtude da prescrição do procedimento criminal. A lei não exige, para efeitos de interrupção da prescrição, o requerimento expresso do lesado de notificação do responsável civilmente, bastando para a apresentação em juízo do instrumento do pedido indemnizatório cível. O prazo de prescrição do direito de indemnização que o recorrido fez valer na acção, legalmente computado em dez anos por virtude de a causa de pedir ser relativa a factos constitutivos de responsabilidade criminal envolvente da pena até oito anos de prisão, apenas se interrompeu em 2004 com o trânsito em julgado do despacho extintivo do procedimento criminal. Citado o recorrente para a acção em causa no dia 30 de Janeiro de 2005, a conclusão é no sentido de que não prescreveu o direito de indemnização que o recorrido fez valer na acção no seu confronto. O disposto no artigo 674º-B do Código de Processo Penal não é aplicável no caso de o arguido beneficiar, no processo-crime, da extinção do procedimento criminal por virtude da prescrição. Tendo em conta os factos mencionados sob II 3 a 6, o recorrente cometeu um facto civilmente ilícito e culposo lato sensu gerador para o antecessor do recorrido de um dano reparável que foi computado no montante de € 20 141, 46. Constituiu-se, por isso, o recorrente na obrigação de indemnizar o recorrido por via do pagamento do mencionado montante (artigos 483º, nº 1, 562º, 563º e 566º, nº 1, do Código Civil). Além disso, tal como foi pedido pelo recorrido, por virtude da mora, deve o recorrente indemnizá-lo por via do correspondente à taxa de juros legal (artigos 559º, 804º e 805º, nº 1, do Código Civil). Improcede, por isso, o recurso. Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). IV Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se o recorrente no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 14 de Junho de 2007. Salvador da Costa (relator) Ferreira de Sousa Armindo Luis |