Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
939/16.1T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CURA MARIANO
Descritores: VALORES MOBILIÁRIOS
AÇÕES NOMINATIVAS
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
NULIDADE DO CONTRATO
FORMA DO CONTRATO
FALTA DE REGISTO
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
TRANSMISSÃO
EFICÁCIA REAL
OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. São conhecidas as dúvidas e divergências sobre se a transmissão da titularidade das ações, enquanto valores mobiliários, ocorre solo consensu, ou se, pelo contrário, o contrato em que se acorde essa transmissão apenas tem efeitos obrigacionais, dele apenas resultando o dever e o direito à transmissão pelo modo previsto na lei, que, no caso das ações nominativas, é o previsto no referido artigo 102.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários.

II. Independentemente do posicionamento adotado na querela acima referida, as formalidades previstas naquele preceito - declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o representa – não correspondem, em qualquer das referidas perspetivas, a exigências de forma do negócio subjacente, em que as partes manifestam a sua vontade de proceder à transmissão das ações, pelo que a não verificação dessas formalidade nunca poderá afetar a validade formal desse contrato.

Decisão Texto Integral:

I - Relatório

A Autora propôs ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 695.000,00, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 110.396,73, e vincendos, desde a data da propositura da ação até efetivo e integral pagamento.

Baseou este pedido na alegação dos seguintes factos:

- Em 2.1.2013, a Autora, na qualidade de vendedora/cedente, e a R., na qualidade de compradora/cessionária, celebraram contrato de compra e venda de 34000 ações da Plateau – Engenharia do Ambiente, SGPS, AS, de que aquela era dona, e de cessão de crédito ao reembolso de suprimentos, pelo preço de € 1.445.000,00, tendo o Réu intervindo na qualidade de garante do cumprimento das obrigações pela Ré, e assumindo a posição de garantes do cumprimento das obrigações da Autora, BB e CC.

- Nos termos do contrato, o preço deveria ser pago em 6 prestações, que se venciam até 30.6.2013, o que a Ré não cumpriu, tendo sido celebrado, em 14.2.2014, um acordo de prorrogação de prazo de pagamento do preço, no qual a Ré se reconheceu devedora à A. de € 695.000,00, a pagar até 30.6.2014, devendo acrescer a esse valor juros de mora até efetivo e integral pagamento, o que a Ré não cumpriu, nada mais tendo pago até à data da propositura da ação, não obstante instada para o efeito.

Os Réus contestaram, concluindo pela sua absolvição do pedido e formulando os seguintes pedidos reconvencionais:

a) o contrato celebrado entre a A. e os RR. ser declarado nulo;

b) os Reconvindos Keycapital S.A., BB e CC, ser condenados solidariamente a restituírem à R. 811.146,47€, acrescidos de juros de mora calculados desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento;

ou c) os Reconvindos Keycapital S.A., BB e CC, serem condenados a entregar 34.000 ações nominativas representativas do capital social da sociedade Plateau – Engenharia do Ambiente correspondentes a 17% do capital social da referida sociedade, bem como a promoverem todos os atos de registo necessários ao exercício dos direitos sociais junto da sociedade, devendo igualmente abster-se de praticar quaisquer atos que afetem a propriedade dos RR. sobre as referidas ações;

d) os Reconvindos Keycapital S.A., BB e CC, serem condenados solidariamente a pagar aos RR. o montante global de 2.819.606,40€ acrescidos de juros de mora calculados desde a notificação da reconvenção até efetivo e integral pagamento.

Deduziram ainda incidente de intervenção provocada de BB e CC para contestarem os pedidos reconvencionais contra eles formulados.

Os Réus alegaram na contestação apresentada, além do mais, a nulidade do contrato celebrado com a Autora, por inobservância da forma imposta por lei.

A Autora replicou, pugnando pela improcedência dos pedidos reconvencionais.

Foi deferido o incidente de intervenção principal deduzido pelos Réus e admitidos BB e CC a intervir na ação como reconvindos, os quais, citados, contestaram, invocando a sua ilegitimidade, a ineptidão parcial da PI de reconvenção, e terminam pedindo a procedência da exceção de ilegitimidade invocada, e a sua consequente absolvição da instância; caso assim não se entendesse, pediram a procedência da exceção de ineptidão parcial da reconvenção por falta de causa de pedir, e a sua consequente absolvição da instância nessa parte; e, em todo o caso, a improcedência dos pedidos reconvencionais.

Foi proferido despacho saneador que decidiu que, no que respeita ao pedido reconvencional de entrega das 34.000 ações da Plateau, havia uma contradição entre a causa de pedir e o pedido, e julgou improcedente a exceção de ilegitimidade invocada pelos intervenientes principais.

Realizou-se audiência de julgamento que tendo sido proferida sentença que julgou:

- a ação parcialmente procedente e consequentemente condenou os Réus a pagar à Autora a quantia de € 695.000,00 a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos até 13 de Janeiro de 2016, no valor de € 96.091,84, bem como os vencidos e vincendos, à taxa de juros comerciais, desde essa data até efetivo e integral pagamento e absolveu os Réus do pagamento de € 14.304,89, a título de juros de mora vencidos.

- os pedidos reconvencionais improcedentes e, consequentemente, absolveu os Reconvindos dos pedidos contra si formulados.

Os Réus recorreram desta decisão, tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente, pelo acórdão da Relação ...... de 23.02.2021, que condenou os Réus a pagarem à Autora apenas a quantia de € 665.000,00 a título de capital, acrescida de juros de mora, à taxa de juro comercial, sobre o montante de € 695.000,00, vencidos desde 1.2.2014 até 9.3.2015, inclusive, e sobre o montante de € 665.000,00, vencidos desde 10.3.2015 até integral pagamento, mantendo, no demais, a decisão recorrida.

Os Réus interpuseram para o Supremo Tribunal de Justiça recurso de revista excecional desta decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo, relativamente à questão a decidir no presente recurso:

I - S.m.o, tem relevância jurídica e carece de análise para uma melhor aplicação do Direito, a questão de se apurar se os requisitos referidos no CVM para a transmissão das ações nominativas, contrato de compra e venda, consubstanciam, ou não, requisitos de forma do contrato transmissivo, pelo que a sua falta determinará, conforme consagrado no artigo 220º do CC, a nulidade do contrato celebrado.

II - Entendimento que foi sufragado, nomeadamente, pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.1058/05, de 06/10/2005, em que foi Relator o Senhor Conselheiro Abílio de Vasconcelos.

III - Entende a ora recorrente, conforme se defendeu naquele douto Arresto, que, nos termos do disposto nos artigos 101º e 102º do CVM e 220º do C. Civil, a transmissão de ações nominativas, fora do mercado bolsista, exige como requisito de validade do negócio, a declaração no título, registo na conta do adquirente ou Registo nos livros da sociedade.

IV - O Artigo 101º do CVM estipula claramente uma forma especial de transmissão: “declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário.” Estamos perante claras exigências “formais” de validade do contrato, formalidades ad substanciam, constitutivas, essenciais para que a transmissão da participação social ou das ações ocorra.

V - Os requisitos referidos no CVM para a transmissão de ações nominativas consubstanciam requisitos de forma do contrato transmissivo, pelo que a sua falta determina, conforme se encontra consagrado no artigo 220º do C. Civil, a nulidade do contrato celebrado.

VI - As normas constantes do CVM relativas à transmissão de valores mobiliários são normas especiais e, neste sentido, prevalecem sobre o regime consagrado no C. Civil, afastando o princípio da liberdade de forma consagrado no artigo 219º do C. Civil.

VII - Assim, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal de 1ª instância e o Venerando Tribunal da Relação ..... ao decidirem como decidiram violaram os Artigos 101º, 102º e 104º do CVM, 219º, 220º do C. Civil.

...

A Autora e os Intervenientes apresentaram contra-alegações, pronunciando-se pela inadmissibilidade do recurso.

A Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, proferiu acórdão, em 22.06.2021, que admitiu o recurso de revista excecional, relativamente à questão da nulidade do contrato, por inobservância da forma exigida por lei.

                                               *

II – Objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso, o conteúdo da decisão recorrida e a limitação da matéria a conhecer, efetuada pelo acórdão da Formação a que alude o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a questão a apreciar é a da alegada nulidade do contrato celebrado entre a Autora e os Réus, por inobservância da forma exigida por lei.

III – Os factos:

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão deste recurso:

1. Em 2 de Janeiro de 2013, a Autora KEYCAPITAL, SGPS, LDA., na qualidade de Primeira Contratante ou Vendedora, BB, na qualidade de Primeiro Garante da Vendedora, CC, na qualidade de Segundo Garante da Vendedora, a 1ª Ré BRAINTHINK, SGPS, UNIPESSOAL, LDA., na qualidade de Segunda Contratante ou Compradora e o 2º Réu AA, na qualidade de GARANTE DA COMPRADORA subscreveram um escrito, denominado “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ACÇÕES E DE CESSÃO DE CRÉDITO AO REEMBOLSO DE SUPRIMENTOS”, com o seguinte teor:

“(...) Considerando que:

a)  Os Garantes da Vendedora são donos e legítimos possuidores das ações representativas de 100% (cem por cento) do capital social da sociedade Vendedora;

A Vendedora é dona e legítima possuidora de 34.000 (trinta e quatro mil) ações (AÇÕES PLATEAU), cujos títulos representativos se acham discriminados no Anexo III ao presente contrato) com o valor nominal de €1,00 (um euro) cada, representativas de 17% (dezassete por cento) do capital da PLATEAU - ENGENHARIA DE AMBIENTE, SGPS S.A., com sede (...), com o capital social de €200.000,00 (duzentos mil euros), matriculada (...), de ora em diante também designada PLATEAU SGPS (anexo IV ao presente Contrato).;

A Vendedora é titular do crédito ao reembolso do valor de €1.049.500,00 (um milhão quarenta nove mil e quinhentos euros) que prestou de suprimentos à PLATEAU SGPS, crédito este cujo valor e natureza se acha revelado pelas contas PLATEAU  SGPS (“SUPRIMENTOS PLATEAU” - Anexo V ao presente Contrato);

O Garante da Compradora é dono de 100% (cem por cento) do capital social da sociedade Compradora;

A Vendedora quer vender, e a Compradora quer comprar, as AÇÕES PLATEAU; simultaneamente, a Vendedora quer ceder, e a Compradora quer que lhe seja cedido pela Vendedora, o crédito daquela ao reembolso dos SUPRIMENTOS PLATEAU;

As partes acordaram em que o preço devido pela compra e venda da AÇÕES PLATEAU e pela cessão do crédito ao reembolso dos SUPRIMENTOS PLATEAU seja diferido no tempo;

g)      A Vendedora e a Compradora pretendem concertar a sua atuação enquanto acionistas da PLATEAU SGPS, durante o período que corre entre a data da assinatura do
presente contrato e a data em que deverá ocorrer o pagamento integral do Preço e a transmissão das AÇÕES PLATEAU

É celebrado o presente contrato de compra e venda de ações e de cessão de crédito ao reembolso de suprimentos cujo conteúdo, termos e condições se regem pelos considerandos anteriores e pelas cláusulas seguintes:

CLÁUSULA PRIMEIRA

OBJECTO

1. A Vendedora vende à Compradora, que compra, as AÇÕES PLATEAU. livres de quaisquer ónus ou encargos.

2. A Vendedora cede à Comprador, que aceita essa cessão, o crédito ao reembolso dos SUPRIMENTOS PLATEAU

3. A compra e venda de ações e a cessão do crédito ao reembolso de suprimentos a que fazem referência os parágrafos anteriores são reciprocamente condicionais.

CLÁUSULA SEGUNDA

PREÇO E CONDIÇÕES DE PAGAMENTO

1.   Na presente data, a Compradora declara-se devedora da Vendedor a do valor de €1.445.000,00 (um milhão quatrocentos e quarenta e cinco mil euros) a título de
contrapartida global pela compra das AÇÕES PLATEAU e pela cessão do crédito ao reembolso dos SUPRIMENTOS PLATEAU

2.   O valor da contrapartida global a que faz referência o número anterior compreende o preço de €1.360.000,00 (um milhão trezentos e sessenta mil euros),como contrapartida pela venda das AÇÕES PLATEAU., e de €85.000,00 (oitenta e cinco mil euros)
como contrapartida pela cessão dos SUPRIMENTOS PLATEAU

3.    O pagamento da contrapartida global é feito nos termos e condições seguintes:

€250,000.00 (duzentos e cinquenta mil euros) até dia 15 de janeiro de 2013;

€250,000.00 (duzentos e cinquenta mil euros) até dia 31 de janeiro de 2013;

€250,000.00 (duzentos e cinquenta mil euros) até dia 28 de fevereiro de 2013;

€250,000.00 (duzentos e cinquenta mil euros) até dia 31 de março de 2013;

€250,000.00 (duzentos e cinquenta mil euros) até dia 30 de abril de 2013;

j) €195,000.00 (cento e noventa e cinco mil euros) até dia 30 de junho de 2013;

g) Os valores entregues pela Compradora à Vendedora em cumprimento das estipulações anteriores serão precipuamente imputados ao pagamento do valor devido pela cessão do crédito ao reembolso dos SUPRIMENTOS PLATEAU até à concorrência de 100% (cem por cento) do valor da contrapartida respetiva, sendo o remanescente sucessivamente imputado ao pagamento do preço devido pela compra e venda das AÇÕES PLATEAU

h) O pagamento do preço a que fazem referência os números anteriores é feito mediante a entrega pela COMPRADORA à VENDEDORA de cheques bancários sobre instituição bancária com sede em Portugal.

i) A mora no pagamento de preço nos termos e condições previstos nos números anteriores constitui a Compradora no dever de indemnizar a Vendedora, pelo valor da obrigação legal de juros prevista para as obrigações comerciais.

j) Sem prejuízo do estipulado no número anterior, a mora da Compradora por um período superior a 6 (seis) meses, ou o não pagamento integral do preço acrescido do valor de juros de mora até 31 de Dezembro de 2013, constitui a Vendedora no direito de declarar o contrato definitivamente incumprido e de (i) declarar vencida a obrigação de pagamento da totalidade do preço ou de, em alternativa, (ii) declarar extintas as obrigações de entrega das AÇÕES PLATEAU e de transmissão dos SUPRIMENTOS PLATEAU, mantendo em sua propriedade o valor de preço recebido.

CLÁUSULA TERCEIRA

ACORDO PARASSOCIAL PLATEAU

Com a transmissão das ações, a Compradora assume singularmente os direitos e as obrigações em que a Vendedora se acha investida por força do acordo parassocial relativo determinados direitos e obrigações dos sócios da sociedade PLATEAU SGPS, S.A. (“ACORDO PARASSOCIAL” - Anexo VI ao presente Contrato) que não devam considerar-se extintos por força da cessação da qualidade de acionista da Vendedora.

A Compradora declara, em nome próprio e por conta dos demais Acionistas Fundadores (tal como definidos no Acordo Parassocial), que a assunção singular dos direitos e deveres resultantes do Acordo Parassocial nos termos do número anterior exonera integralmente a Vendedora de quaisquer deveres de que os Acionistas Fundadores pudessem ser credores cujo cumprimento pudesse ser devido desde momento anterior ao da celebração do presente Contrato.

CLÁUSULA QUARTA

REPRESENTAÇÕES E GARANTIAS DA VENDEDORA

1. A Vendedora declara e garante, em benefício da Compradora e do Garante da Compradora, o que segue:

a) A Vendedora tem legitimidade para celebrar o presente contrato e para assumir as obrigações que dele resultam para a mesma;

b) A Vendedora não está sujeita a processo de insolvência ou a qualquer outro de natureza análoga, não ocorrendo relativamente à mesma quaisquer factos de que possa resultar a invalidade ou a ineficácia do presente Contrato ou de qualquer das obrigações que, nos termos e condições deste, a mesma assume;

c) O cumprimento pela Vendedora das obrigações que para a mesma resultam do presente Contrato não dá causa à violação de quaisquer obrigações legais ou contratuais a que a mesma esteja subordinada.

d)      As AÇÕES PLATEAU acham-se livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, quer de natureza real, quer de natureza obrigacional, com exceções das
restrições à respetiva transmissão a terceiros tal como estas se acham previstas e disciplinadas no pacto social da PLATEAU, SGPS;

e) As principais obrigações e responsabilidades da PLATEAU SGPS à data de 31 de dezembro de 2011 acham-se reveladas pelas contas do exercício respetivo;

f) Os SUPRIMENTOS PLATEAU constituem um crédito por suprimentos prestados em dinheiro pela Vendedora à PLATEAU SGPS; porém, a VENDEDORA não garante que a PLATEAU SGPS esteja, ou possa vir a estar, em condições de proceder ao respetivo reembolso quando interpelada para tal.

g) No período em que foram administradores da PLATEAU SGPS, os Garantes da Vendedora não praticaram quaisquer atos ilícitos de que possam ter resultado responsabilidades pela prática de facto ilícito para a PLATEAU SGPS.

2 - As Partes acordam em que a responsabilidade da Vendedora e dos Garantes da Vendedora por violação de qualquer das representações constantes do parágrafo anterior depende da ocorrência de dano efetivo para a Compradora e, bem assim, da imputação dos factos à Vendedora e/ou aos Garantes da Vendedora a título de dolo ou negligência grave.

3 - Sem prejuízo do especificamente previsto no número anterior, a responsabilidade indemnizatória da Vendedora e dos Garantes da Vendedora nos termos dos números anteriores fica limitada ao valor global da contrapartida paga pela venda das AÇÕES PLATEAU e pela cessão do crédito ao reembolso dos SUPRIMENTOS PLATEAU

CLÁUSULA QUINTA

REPRESENTAÇÕES E GARANTIAS DA COMPRADORA

A compradora declara e garante, em benefício da Vendedora e dos Garantes da Vendedora, o que segue:

A Compradora tem legitimidade para celebrar o presente contrato e para assumir as obrigações que do mesmo resultam para a mesma;

A Compradora não está sujeita a processo de insolvência ou a qualquer outro de natureza análoga, não ocorrendo relativamente à mesma quaisquer factos de que possa resultar a invalidade ou a ineficácia do presente Contrato ou de qualquer das obrigações que, nos termos e condições deste, a mesma assume;

A Compradora tem conhecimento, até data não anterior a 30 de julho de 2012, da atividade operacional, situação contabilística e financeira, plano e perspetivas de negócios das sociedades em que a P..... SGPS detém participações e que são as discriminadas no Anexo VII ao presente Contrato;

O cumprimento pela Compradora das obrigações que para a mesma resultam do presente Contrato não dá causa à violação de quaisquer obrigações legais ou contratuais a que a mesma esteja subordinada.

CLAÚSULA SEXTA

ACORDO PARASSOCIAL ENTRE A VENDEDORA E A COMPRADORA

1. No período que decorra entre a data da celebração deste Contrato e a data em que deva ocorrer a transmissão das AÇÕES PLATEAU (o “Período Relevante”), a Vendedora e a Compradora acordam em subordinar a respetiva atuação e as suas relações enquanto acionistas da PLATEAU SGPS às estipulações seguintes:

a) A Vendedora e a Compradora obrigam-se a votar contra quaisquer propostas que sejam apresentadas sobre qualquer das matérias seguintes e que não constituam proposta subscritas por ambas ou relativamente a cuja apresentação e teor as mesmas não hajam previamente acordado:

(i) Alteração dos estatutos;

(ii) Aumento ou redução do capital;

(iii) Fusão, cisão, transformação ou dissolução;

(iv) Relatório e Contas;

(v) Aplicação de resultados;

(vi) Eleição e destituição ou exoneração de membros dos órgãos sociais;

(vii) Quaisquer questões cuja aprovação esteja sujeita a deliberação dos acionistas nos termos dos estatutos da PLATEAU SGPS e /ou do ACORDO PARASSOCIAL PLATEAU;

b) A Vendedora e a Compradora obrigam-se a votar favoravelmente qualquer proposta que qualquer delas subscreva sobre qualquer das matérias a que faz referência a alínea anterior, desde que a respetiva apresentação e teor hajam sido previamente acordadas entre ambas.

Parágrafo Único: A Vendedora e a Compradora acordam, desde já, em que:

(i) No prazo de 30 dias contado da presente data, a Compradora requeira ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da PLATEAU SGPS a emissão de aviso convocatório para reunião extraordinária da assembleia geral de acionistas, tendo como pontos da ordem de trabalhos os seguintes:

1.  Ponto Um: Exoneração de responsabilidade dos administradores cessantes, BB e CC, nos termos do disposto no nº 2 do Artigo 74º do Código das Sociedades
Comerciais.

Ponto Dois: Destituição dos Administradores em exercício, nos termos do disposto no nº 1 do Artigo 403º do Código das Sociedades Comerciais;

Ponto Três: Eleição de novos administradores.

Ponto Quatro: Alteração do Artigo Décimo dos Estatutos;

Ponto Cinco: Aumento do capital social do valor nominal atual de €200.000,00 (duzentos mil euros) para o de €2.000.000,00 (dois milhões de euros), para subscrição pelos acionistas em razão da preferência respetiva, a realizar por novas entradas em dinheiro com o total de €1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros), e com a correspondente emissão de €1.800.000 (um milhão e oitocentas mil) novas ações escriturais, nominativas, com o valor de 1 Euro cada.

Ponto Seis: Em conformidade com o exigido pela deliberação que venha a ser aprovada relativamente ao Ponto Cinco da ordem do dia, discussão e deliberação sobre proposta de alteração do Artigo Quarto, número Um dos Estatutos da Sociedade, com o seguinte teor: “O capital social da sociedade é de €2.000.000,00 (dois milhões de euros), integralmente subscrito e realizado e encontra-se representado por dois milhões de ações com o valor nominal de 1 Euro cada uma.”

(ii) A Vendedora obriga-se, desde já, a votar favoravelmente as propostas que a Compradora venha a apresentar na reunião extraordinária da assembleia geral a que faz referência o parágrafo anterior, nos seguintes termos e condições:

aa. Quanto ao Ponto Dois, a destituição dos Administradores DD, EE e FF, mas apenas nos termos do disposto no nº 1 do Artigo 403º do Código das Sociedades Comerciais;

bb. Quanto ao Ponto Quatro, uma proposta de alteração dos Estatutos quanto à redação do Artigo Décimo com o seguinte teor: “A administração da sociedade será exercida por um conselho de administração composto por um número ímpar de elementos até um máximo de cinco, eleitos no contrato de sociedade ou em assembleia-geral, por períodos de três anos. A assembleia-geral que eleger o conselho de administração designará, de entre os seus membros, o respetivo presidente.”

cc. Quanto aos Pontos Cinco e Seis, a exata proposta que se acha enunciada na minuta de Ordem do Dia.

No caso em que, no Período Relevante, seja deliberado aumento de capital da PLATEAU SGPS por modo diferente do da conversão de reservas, a Compradora obriga-se a disponibilizar à Vendedora os meios financeiros necessários para que esta possa realizar a obrigação que para a mesma resulte da subscrição em aumento de capital, por modo a que, consoante os casos, à Vendedora seja atribuível o número de AÇÕES PLATEAU novas ou seja aumentado o respetivo valor e, em qualquer dos casos, mantido o atual valor percentual da respetiva participação no capital da PLATEAU SGPS.

O incumprimento pela Compradora da obrigação a que faz referência o número anterior determina (i) o acréscimo do valor de preço a que faz referência o número 1 da Cláusula Segunda pelo valor correspondente ao da obrigação de entrada da Vendedora resultante da subscrição do aumento de capital e (ii) o vencimento antecipado da obrigação de pagamento integral do preço, (iii) sem prejuízo do direito da Vendedora à indemnização pelos danos a que tal facto haja dado causa.

4.   A VENDEDORA e os GARANTES DA VENDEDORA assumem perante a COMPRADORA e o GARANTE DA COMPRADORA a obrigação de não desenvolver por conta própria ou alheia, direta ou indiretamente, e independentemente do título ou condição
por que pudessem fazê-lo, qualquer atividade concorrente com a atual atividade que a P..... SGAP desenvolve através das sociedades suas participadas. A obrigação de não
concorrência não impede nem limita a VENDEDORA e/ou os GARANTES DA VENDEDORA
de exercer atividade no domínio de atividade genericamente designado por“indústrias ambientais”, desde que para o exercício de atividade em tal área seja irrelevante o know-how específico mobilizado pela atividade das participadas da PLATEAU SGPS

5.  A violação da obrigação de não concorrência a que faz referência o parágrafo anterior confere à COMPRADORA o direito a ser indemnizada nos termos gerais de direito.

CLÁUSULA SÉTIMA EXECUÇÃO

Na presenta data e em simultâneo com a assinatura do presente Contrato, as PARTES praticam os atos seguintes:

Assinatura pela Vendedora e pela Compradora do Contrato de Constituição de Depósito Fiduciário de Títulos, cujo conteúdo, termos e condições são os previstos na minuta final que constitui o Anexo VII ao presente Contrato;

A Vendedora entrega à Compradora cópias certificadas das declarações de renúncia, emitidas pelos Senhores BB e CC, à administração das sociedades a que faz referência o Anexo IX;

A Compradora assume a obrigação de garantir que, no prazo de 30 (trinta) dias úteis contado da data da assinatura do presente Contrato, as sociedades mais bem identificadas no Anexo IX pratiquem os atos necessários à produção de efeitos das renúncias a que faz referência o número anterior e aprovem deliberações de exoneração de responsabilidade nos termos da minuta final que constitui o Anexo X ao presente Contrato.

CLÁUSULA OITAVA

ANEXOS (...)

CLÁUSULA NONA COMUNICAÇÕES (...)

CLÁUSULA DÉCIMA CONFIDENCIALIDADE (...)

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA LEI E JURISDIÇÃO (...)

2 - Em 14 de Janeiro de 2013, a Autora recebeu, por conta do cumprimento do Contrato referido em 1., a quantia de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil Euros).

3 - Em 31 de Janeiro de 2013, a quantia de €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil Euros).

4 - Em 11 de Março de 2103, a quantia de €30.000,00 (trinta mil Euros).

5 - Em 11 de Maço de 2013, a quantia de €70.000,00 (setenta mil Euros).

6 - E em 5 de abril de 2013, a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil Euros).

8 - A constituição da 1ª Ré BRAINTHINK, SGPS, UNIPESSOAL, LDA. foi registada em 14 de junho de 2012 e desde a constituição tem como seu único sócio e gerente o 2º Réu AA.

9 - A 1ª Ré tem como objeto social “a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.

10 - A constituição da Autora KEYCAPITAL, SGPS, S.A., foi registada em 15 de novembro de 2011, cujo capital social se encontra dividido em duas quotas de €2.500,00 cada pertencendo uma quota à sociedade SIGMASTAGE - SGPS, LDA. e a outra à sociedade AMLC - SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., tem como gerentes BB e CC.

11 - A constituição da sociedade PLATEAU - ENGENHARA DE AMBIENTE, SGPS, SA. foi registada em 9 de maio de 2005 e tem como objeto social a “......”.

12 - A PLATEAU - ENGENHARA DE AMBIENTE, SGPS, SA. tem um capital social de €200.000,00 totalmente realizado, correspondente a 200.000 ações nominativas.

...

17  - Em 2012, a totalidade do capital social da PLATEAU - ENGENHARA DE AMBIENTE, SGPS, S.A. encontrava-se distribuído nos seguintes termos:

GG - 9.800 ações WIKIWAVE, LDA. - 29.400 ações

BRAINTHINK, LDA. - 27.300 ações

AA - 9.100 ações

HH - 36.400 ações

KEYCAPITAL, LDA. - 34.000 ações

FF - 34.000 ações

PARTENERG, S.A. - 20.000 ações.

...

31 - As ações existentes da PLATEAU são na sua totalidade nominativas.

32 - A Autora nunca entregou as 34.000 ações nominativas, com o valor nominal de €1,00 aos Réus.

33 - A Autora nunca colocou nos respetivos títulos a transmissão a favor da 1ª Ré.

34 - A Autora nunca procedeu ao registo junto a sociedade da transmissão efetuada.

...

41  - Entre 14.2.2014 e 30.6.2014, a Ré não pagou mais nada da quantia em dívida.

42 - A Ré não procedeu a qualquer pagamento da quantia em dívida até ao dia 12.9.2014.

43 - Nem em qualquer data posterior até à presente data.

                                               *

IV – O direito aplicável

1. Uma coligação de contratos

Em 02.01.2013 a Autora, na qualidade de vendedora e de cedente, e a Ré, na qualidade de compradora e de cessionária, celebraram, simultaneamente, um contrato de transmissão de 34.000 ações tituladas nominativas de uma sociedade anónima (a Plateau - Engenharia de Ambiente, SGPS, S.A.) e de cessão de um crédito ao reembolso de suprimentos da Autora a esta sociedade, no valor de €1.049.500,00, pelo preço global de €1.445.000,00, correspondendo €1.360.000,00 ao preço das ações e €85.000,00 ao preço do direito de crédito.

Estamos perante uma coligação de contratos, unidos por um nexo funcional recíproco, por vontade das partes (Cláusula 1.ª, n.º 3 - a compra e venda de ações e a cessão do crédito ao reembolso de suprimentos a que fazem referência os parágrafos anteriores são reciprocamente condicionais).

 Um dos contratos é de compra e venda de ações tituladas nominativas de uma sociedade anónima e o outro é de cessão onerosa de um crédito.

Os Réus alegam que o contrato de compra e venda das ações é nulo por inobservância da forma prescrita na lei, uma vez que o artigo 102.º do Código dos Valores Mobiliários exige que a transmissão de ações nominativas, fora do mercado bolsista, se efetue através da declaração de transmissão nos respetivos títulos e registo na conta do adquirente ou registo nos livros da sociedade, formalidades ad substanciam que não foram cumpridas no presente caso.

O acórdão recorrido, por sua vez, considerou que  as referidas normas do CVM não consagram uma exigência “formal”, enquanto condição de validade da declaração negocial, mas de requisito de produção de efeitos, quer perante a sociedade (só com a posse da ação contendo a competente declaração, e o registo é que o adquirente pode exercer os direitos que a esta são inerentes), quer perante terceiros (para a alienar, penhorar, etc), pelo que julgou improcedente a arguição da nulidade do contrato outorgado entre as partes, por inobservância de forma.

O artigo 219.º do Código Civil adotou o princípio da liberdade declarativa negocial, dispondo que a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir.

O artigo 102.º, nos n.º 1 e 5, do Código dos Valores Mobiliários, dispõe:

1 - Os valores mobiliários titulados nominativos transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o representa.

...

5 - A transmissão produz efeitos a partir da data do requerimento de registo junto do emitente.

...

As ações de uma sociedade anónima, além de terem a natureza de representações das participações sociais, conferindo aos seus titulares o estatuto de sócio, com os inerentes direitos e deveres, são também unidades de valor ou de capital, com aptidão para circular, como forma de riqueza mobiliária. São valores mobiliários. Quanto à forma de representação, as ações são tituladas ou escriturais e, em qualquer das hipóteses, podem ser nominativas ou ao portador.

As ações tituladas nominativas são, cumulativamente, unidades de participação social e de valor, representadas por títulos e registadas, pelo que a sua transmissão apenas tem eficácia plena, ocorrendo um ato translativo material e o seu registo, conforme resulta da leitura dos artigos 102.º, n.º 1, 55.º, n.º 1, e 56.º do Código dos Valores Mobiliários.

No entanto, subjacente a essas formalidades, nas transmissões por atos voluntários entre vivos, encontra-se a celebração de um negócio jurídico através do qual transmitente e transmissário manifestam a sua vontade de proceder à transferência da titularidade das ações transacionadas. Neste caso, um contrato de compra e venda.

São conhecidas as dúvidas e divergências sobre se a transmissão da titularidade das ações, enquanto valores mobiliários, ocorre solo consensu, em que a transferência do direito real resulta do próprio ato pelo qual é declarada a vontade de transmitir para o património de outrem esses valores, como ocorre em regra [1] com os contratos translativos de direitos reais (artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil), designadamente com a compra e venda (artigo 879.º, a), do Código Civil), sem prejuízo da necessidade de, complementarmente, ser necessária a prática dos atos previstos no artigo 102.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, que conferem eficácia, perante terceiros, designadamente a sociedade, a essa transmissão [2], ou se, pelo contrário, esse contrato apenas tem efeitos obrigacionais, dele apenas resultando o dever e o direito à transmissão pelo modo previsto na lei, que, no caso das ações nominativas, é o previsto no referido artigo 102.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários [3].

No contrato de compra e venda de ações celebrado entre a Autora e a Ré, as partes diferiram a transmissão das ações para um momento posterior à celebração do contrato.

Com efeito, no considerando sob a alínea g), do contrato, prevê-se a existência de um período, denominado, na cláusula sexta, como “período relevante” que corre entre a data da assinatura do presente contrato e a data em que deverá ocorrer o pagamento integral do Preço e a
transmissão das AÇÕES PLATEAU.

Na Cláusula Terceira, prevê-se a assunção pela compradora dos direitos e deveres de um acordo parassocial entre os sócios da sociedade a que pertencem as ações objeto do negócio de compra e venda, em momento coincidente com a transmissão das ações, o qual será posterior à celebração do contrato.

Na cláusula 6.ª são firmados vários compromissos quanto ao comportamento das partes enquanto acionistas da sociedade a que pertencem as ações objeto do contrato de compra e venda, no período que decorra entre a data da celebração deste Contrato e a data em que deva ocorrer a transmissão das AÇÕES PLATEAU. (o “Período Relevante”).

Assim, lendo as declarações negociais das partes, com o sentido que lhes daria um declaratário normal, colocado na posição destas (artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil), não oferece dúvidas que foi diferido para momento posterior ao da celebração do contrato a efetivação da transmissão da titularidade das ações que foram objeto do contrato de compra e venda. A transmissão das ações para a comparadora só ocorreria após se mostrar paga a totalidade do preço acordado pelas ações e cessão do crédito.

Nestas situações, em que as partes acordam que a transmissão do direito real apenas ocorra em momento posterior à celebração do contrato, nada se altera, mesmo para aqueles que defendem a eficácia real do contrato de compra e venda. Apesar da diferença temporal entre o momento da celebração do contrato e o momento da transmissão da titularidade das ações, para esses autores, esta continua a ocorrer por mero efeito do contrato e não devido ao cumprimento das formalidades previstas no artigo 102.º, do Código dos Valores Mobiliários[4]. Daí que, neste caso, face ao acordado pelas partes, nessa lógica, a transmissão das ações ocorreria, desde logo, com o pagamento da última prestação do preço, independentemente da realização das formalidades previstas no artigo 102.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, como consequência direta da outorga do contrato de compra e venda.

Na perspetiva da tese contrária, a existência de contratos como aquele que se encontra sob análise, em que as partes subordinam a transmissão das ações vendidas a um evento posterior, só reforça a sua visão meramente obrigacional do contrato de compra e venda, verificando-se a transmissão das ações apenas com a prática dos atos exigidos pelo artigo 102.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, em cumprimento do contratado.

Independentemente do posicionamento adotado na querela acima referida, as formalidades previstas neste preceito - declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o representa – não correspondem, em qualquer perspetiva, a exigências de forma do negócio subjacente, em que as partes manifestam a sua vontade de proceder à transmissão das ações, neste caso um contrato de compra e venda, pelo que a sua não verificação nunca poderá afetar a validade formal desse contrato [5].

Na verdade, seja a compra e venda de ações tituladas nominativas um contrato real quoad effectum ou meramente quoad constitucionem, o disposto no artigo 102.º do Código dos Valores Mobiliários, não se lhe aplica, sendo ele regulado pelas regras do Código Civil, designadamente pelo disposto nos artigos 874.º e seguintes, pelo que a não observância dessas formalidades poderá, consoante as perspetivas, não produzir efeitos, relativamente a terceiros e à sociedade, ou traduzir-se num incumprimento do contrato, mas nunca afetará a validade formal do mesmo, não sendo causa da sua invalidade[6].

Por estas razões, deve improceder o recurso interposto pelos Réus, confirmando-se a decisão recorrida.

                                               *

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelos Réus, confirmando-se o acórdão recorrido.

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Custas do recurso pelos Réus.

                                               *

Notifique.

                                               *

Lisboa, 28 de outubro de 2021

João Cura Mariano

Fernando Baptista

Vieira e Cunha                                                     

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[1] Devido ao elevado número de exceções ao princípio do consensualismo, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Transmissão contratual da propriedade – entre o mito da consensualidade e a realidade de múltiplos regimes, Themis, Ano VI (2005), n.º 11, pág. 5, duvida que essa seja a regra.
[2] Defendendo esta perspetiva, já na vigência do Código dos Valores Mobiliários, ALMEIDA COSTA e EVARISTO MENDES, Transmissão de ações tituladas nominativas, “Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, vol. III, Universidade Católica Editora, 2011, pág. 41-48, MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito das Sociedades, vol. II, Das Sociedades em Especial, Almedina, 2006, pág. 663-665, PEDRO DE ALBUQUERQUE, Direito das Obrigações. Contratos em Especial, vol. I, 2.ª ed., Almedina, 2019, pág. 93-107, EVARISTO MENDES, Nota sobre o princípio da consensualidade na transmissão de ações valores imobiliários, Cadernos de Direito Privado, n. 70, Abri/Junho de 2020, pág. 39-51, RUI SOARES PEREIRA, Ainda a eficácia (real da compra e venda de ações, O Direito, 149.º (2017) III, pág. 575-601, ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários, Instrumentos Financeiros e Mercados, vol. 2, 7.ª ed., Coimbra Editora, 2013, pág. 37, e CLÁUDIA PEREIRA DE ALMEIDA, Relevância da Causa na Circulação das Ações das Sociedades Anónimas Fora do Mercado Regulamentado, Coimbra Editora, 2007, pág. 133-134.
[3] Adotando esta posição, na vigência do Código dos Valores Mobiliários, CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Registo de Valores Mobiliários, “Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos”, vol. I, Almedina, 2005, pág. 926-930, COUTINHO DE ABREU, Curso de Direito Comercial, vol. II, 5.ª ed., Almedina, 2017, pág. 348-349, ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Títulos de Crédito e Valores Mobiliários, Almedina, 2018, pág. 79, ANA AFONSO, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 71, VERA EIRÓ, A Transmissão de Valores Mobiliários – As Ações em Especial, Themis VI, n.º 11, 2005, pág. 145-185, PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª ed., Almedina, 2011, pág. 328, ALEXANDRE BRANDÃO DA VEIGA, Transmissão de Valores Mobiliários, Almedina, 2010, pág. 65-66, MARIA JOÃO MIMOSO e  RICARDO ALEXANDRE CARDOSO RODRIGUES, Reconfiguração do Consensualismo Contratual: As Ações Tituladas Nominativas e os Limites à Transmissão, em Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, vol. 48 (2014), n.º 1, MARGARIDA COSTA ANDRADE, A transmissão inter vivos de ações tituladas e eventuais conflitos entre a titularidade, legitimação e posse. Comentário ao Ac. do STJ de 5 de fevereiro de 2019, “Diálogos com Coutinho de Abreu”, Almedina, 2020, pág. 649, e ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.03.2007, Proc. 07A379 (Rel. Sebastião Póvoas), de 15.05.2008, Proc. 08B153 (Rel. Santos Bernardino), e de 5.02.2019, Proc. 95/14 (Rel. Paulo Sá).
[4] PEDRO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., pág. 100, e MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. III, 5.ª ed., pág. 26-27,
[5] EVARISTO MENDES, Nota sobre o princípio da consensualidade na transmissão de ações valores mobiliários, cit., pág. 42, e Transmissão de ações e exercício de direitos sociais. Breve comentário de jurisprudência, pág. 33, em www.evaristomendes@eu.
[6] Neste sentido, coincidem defensores de ambas as teses, como, por um lado, PEDRO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., pág. 98, EVARISTO MENDES, Nota sobre o princípio da consensualidade na transmissão de ações valores mobiliários, cit., pág. 42, e, por outro lado, COUTINHO DE ABREU, ob. cit., pág. 349, VERA EIRÓ, ob. cit., pág. 168, e ANA AFONSO, ob. cit., pág. 71, assim tendo também decidido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2008, citado na nota 3.
  Já um outro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.10.2005, Proc. 10058/05 (Abílio Vasconcelos), inédito, após ter enunciado a sua adesão à tese que atribui ao contrato de compra e venda de ações apenas eficácia obrigacional, constituindo as formalidades necessárias à transmissão acordada, formalidades ad substanciam dessa transmissão, concluiu, de um modo ambíguo, que não se provando que essas formalidades tenham ocorrido, o contrato é nulo (artigo 294.ºdo Cod. Civil), ficando a dúvida, até por força do dispositivo citado, se essa declaração de nulidade se referia ao contrato de compra e venda ou ao ato de transmissão, no cumprimento daquele contrato.