Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ00028006 | ||
| Relator: | TORRES PAULO | ||
| Descritores: | COOPERATIVA SOCIEDADE COMERCIANTE PROVA EM MATÉRIA COMERCIAL | ||
| Nº do Documento: | SJ199509260875601 | ||
| Data do Acordão: | 09/26/1995 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N449 ANO1995 PAG299 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Área Temática: | DIR COM - SOC COMERCIAIS. | ||
| Legislação Nacional: | DL 218/82 DE 1982/06/02 ARTIGO 2 N1 N2. CSC86 ARTIGO 1. CCOM888 ARTIGO 13. CCOOP80 ARTIGO 75 G ARTIGO 76 N4. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO RP DE 1993/11/09 IN CJ ANOXVIII 1993 TV PAG202. | ||
| Sumário : | I - As cooperativas não são sociedades. II - A cooperativa é comerciante quando fizer do comércio profissão. III - Não o sendo, não há que fazer prova dos factos referidos no n. 3 do artigo 403 do Código de Processo Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Agrava-se do Acórdão da Relação do Porto folhas 51 a 54 que manteve o despacho que decretou arresto nos bens imóveis que os justificantes A e mulher B, no 1. juízo cível da Comarca de Braga, indicaram, ao justificarem arresto contra "C - Cooperativa Habitacional CRL". 2 - Nas suas alegações a agravante C Cooperativa Habitacional, CRL, conclui: a) As cooperativas de habitação podem, em certos casos, ser consideradas comerciantes - n. 1 artigo 13 C. Comercial, pois não é essencial a essa qualificação o intuito lucrativo. b) Assim, não se pode decidir que as cooperativas de habitação não revestem a qualidade de comerciantes sem uma análise em concreto da sua actividade. c) Sendo as cooperativas consideradas comerciantes, o arresto a seus bens estaria sujeito à exigência inscrita no n. 3 do artigo 403 do Código de Processo Civil. d) Assim, deveria o Tribunal da Relação do Porto ter ordenado ao Meritíssimo Juiz da primeira instância a averiguação em concreto da actividade da Cooperativa agravante, para posteriormente decidir da aplicabilidade ou inaplicabilidade da exigência de prova prescrita no artigo 403 n. 3 do Código de Processo Civil para decretar ou não o arresto. Os agravados defendem a solução das instâncias. 3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir. 4 - Está provado. a) Os requerentes são funcionários públicos, enquanto a requerida se dedica à construção e comercialização de habitações sociais. b) No exercício dessa actividade, a requerida celebrou no dia 25 de Junho de 1990 com os requerentes um contrato promessa de compra e venda, pelo qual, aquela prometeu vender a estes que, por sua vez, prometeram comprar, o apartamento tipo T2 a implantar no lote 34-A hoje descrito na conservatória sob o n. ..., sito em Braga, pelo preço de 4600 contos. c) O apartamento prometido vender seria entregue pela requerida aos requerentes, pronto a habitar, até finais de Junho de 1991 e a escritura de compra e venda seria celebrada até finais de Junho de 1991, tendo os requerentes e requerida submetido aquele contrato à cláusula de execução específica. d) Os requerentes pagaram, há mais de um ano, a totalidade do preço do apartamento. e) Quando foram contactados para celebrar a escritura de compra e venda tiveram conhecimento que a referida fracção se encontrava hipotecada à Caixa Geral de Depósitos. f) Hipoteca que foi feita pela requerida a favor daquela instituição de crédito, sendo o valor da hipoteca de cerca de 7500000 escudos. g) A requerida tem-se negado a pagar os 7500000 escudos alegando que não tem dinheiro e que tem um défice de 160000000 escudos. h) O único património livre em nome da requerida são os lotes para construção ns. 29-A; 29-B; 30-A; metade indivisa do prédio rústico, lotes 31, 81 e 82, que se encontram registados na conservatória de registo predial sob os ns. ..., ..., ... e ..., do referido loteamento das Verdosas. i) A requerida vem procedendo à venda dos últimos lotes que possui no referido loteamento das Verdosas, não lhe sendo conhecidos quaisquer outros bens. 5 - A agravante invoca o incumprimento da exigência prescrita no n. 3 do artigo 403 do Código de Processo Civil, atenta a sua qualidade de comerciante. A agravante é uma Cooperativa Habitacional. O artigo 2 n. 1 do Decreto-Lei n. 218/82, de 2 de Junho estatui: "São cooperativas de construção e habitação as que tenham por objecto principal a construção ou a sua promoção e a aquisição de fogos para habitação dos seus membros, bem como a sua reparação ou remodelação". E no seu n. 2 permite-se que eles apoiem ou prossigam outras iniciativas de interesse para os cooperadores nos domínios "social, cultural, material e de qualidade de vida". Elas são um dos ramos do sector cooperativo - 41 alínea e) artigo 4 do Código Cooperativo - aprovado pelo Decreto-Lei n. 454/80, de 9 de Outubro. Para implementação do direito à habitação visado no artigo 65 da Constituição, parte relevante de dignificação da vida pessoal e familiar, a constituição define um amplo campo de iniciativa e apoios: - às comunidades locais - aos particulares, através do fomento de autoconstrução - às cooperativas de habitação - à iniciativa privada, através de estímulos, subordinado, no entanto, aos interesses gerais. Portugal é dos poucos países europeus cujas constituições reconhecem as cooperativas, para além da Itália, da Jugoslávia, da Checoslováquia e URSS. Considera a nossa Constituição ser, entre outros, dever do Estado: - estimular e apoiar as iniciativas conducentes à criação de novas cooperativas - n. 1 artigo 61 - fomentar a actividade dos já existentes - n. 1 artigo 84 - promover sector cooperativo, com vista ao desenvolvimento da propriedade social - n. 3 artigo 89 e n. 1 artigo 90 (ver as cooperativas na Constituição da República Portuguesa Doutora Maria Manuela Leitão Marques, Revista Crítica de Ciências Sociais, Outubro 1983, n. 12, páginas 105 a 109). 6 - Etimologicamente cooperação provem do verbo latino cooperare (cum+operare=operar juntamente com alguém). O movimento cooperativo nasceu em Rochdale, próximo de Manchester, quando 28 fundadores da cooperativa de Rochdale se juntaram, visando construir uma pequena comunidade com fabricos próprios em ordem a permitir aos seus participantes habitarem casas construídas pela sociedade para eles - Lei 1. de Rochdale. Frente à consolidação do movimento cooperativo publicou-se em 1852 a primeira lei sobre cooperativas "Industrial and President Societis Act". E em 2 de Junho de 1867 apareceu a segunda, nossa, obra de Andrade Corvo, onde no seu artigo 1 dispunha: "Sociedades cooperativas são associações de número ilimitado de membros, e de capital indeterminado e variável, instituídas com o fim de mutuamente se auxiliarem os sócios no desenvolvimento da sua indústria, do seu crédito e da sua economia doméstica". Daqui resulta que um grupo de pessoas vivendo necessidades comuns para as superar vai juntar-se, criando uma empresa cujo objectivo é precisamente a satisfação daquelas necessidades. É a doutrina de Georges Fanquet (sector cooperativo, Ensaio sobre o lugar do homem nas instituições cooperativas e destas na economia) que distingue na instituição cooperativa dois elementos: o social, traduzido na associação de pessoas, e o económico, repassado na empresa comum. Por isso apresentava cinco grandes princípios: - solidariedade e compromisso recíproco - igualdade - economia de serviço - equidade - educação cooperativa E eles inspiraram as novas regras da Aliança Cooperativa Internacional emanadas do 23. Congresso, realizado em Viena em 1966. Saber se deve destacar na cooperativa o elemento pessoal, se o patrimonial, ou seja, o surpreender a natureza jurídica de cooperativa, foi ponto de larga controvérsia, desde a citada lei de Andrade Corvo, passando pelos nossos cds. Comerciais e Civis. Hoje é ponto assente: não são sociedades. Tal resulta do artigo 1 do Código das Sociedades Comerciais (ver Parecer do Conselho Técnico da Direcção Geral de Registos e Notariado, de 24 de Janeiro de 1991 e anotação Regista - Revista Direito Registral, ano XI, n. 4, página 63). 7 - Mas poderá ser comerciante, nos termos do n. 1 do artigo 13 do Código Comercial? Atenta a sua função produtiva que entronca numa estrutura jurídica da empresa, poder-se-á, na realidade, ver tal função no aspecto comercial ou não comercial. Daí que o problema só se ponha para a cooperativa cujo objecto seja comercial. E mesmo assim poder-se-ia dizer, contra tal, que toda e qualquer cooperativa está excluída do regime de falência. Com efeito o artigo 75 do Código Cooperativo ao tratar da dissolução de uma cooperativa, prevê na alínea g) que ele opera por decisão judicial transitada em julgado que declare a cooperativa impossibilitada de cumprir as suas obrigações. Aplicando-se, neste caso, com as necessárias alegações, o processo de liquidação em benefício de credores, previsto na secção I, do capítulo XV, do título IV do Código de Processo Civil - n. 4 artigo 76. Mas como não há referência à sujeição de insolvência é de aceitar a tese do agravante defendida pelo Professor Oliveira Ascenção - Direito Comercial, vol. I, 1988, páginas 370 a 374 e seguido pelo Acórdão da Relação do Porto de 9 de Novembro de 1993, C.J. 1993, ano XVIII, tomo V, página 202 - isto em tese geral. Ou seja, uma cooperativa será comerciante, quando fizer do comércio profissão. "Se for comercial pode praticar actos mercantis reservados a empresas comerciais, como o transporte, por exemplo" - obra citada, página 373. 8 - Mas tal não é o caso da agravante, como bem se acentuou no douto Acórdão recorrido. É que custo do fogo é determinado pelos índices insertos nas alíneas do artigo 12 do Decreto-Lei 218/82, onde não existe qualquer índice de obtenção de lucro, mas sim efectivos custos de construção e das demais taxas e encargos administrativos e financeiros. E se uma operação com um não cooperador, incluído no objecto social de cooperativa, determinar um excedente líquido, ele revestirá para a reserva legal - artigos 9 e 10. 9 - Não sendo a agravante comerciante não teriam os agravados de efectuar a prova de factos referidos no n. 3 artigo 403 do Código de Processo Civil. Termos em que negando provimento ao agravo confirma-se o douto Acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 26 de Setembro de 1995. Torres Paulo. Ramiro Vidigal. Cardona Ferreira. |