Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
628/03.7TCFUN.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
CADUCIDADE
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ARTICULADOS - SENTENÇA - RECURSOS
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 303.º, 333.º, 343.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 488.º, 489.º, 496.º, 668.º, N.º4, 721.º, N.º2, 722.º, 712.º, N.º6, 715.º, 729.º, N.º3.
Sumário :

1. Não pode considerar-se suscitada em termos procedimentalmente adequados a excepção peremptória de caducidade do direito de resolução de um contrato, incidente sobre direitos disponíveis, feita camufladamente na contestação, a propósito de defesa que se qualifica expressamente como por impugnação, sem que a parte alegue, como lhe cumpria, os factos concretos que indiciassem o momento em que o autor teve conhecimento do facto violador da disciplina contratual, conformando-se inteiramente o réu com a omissão de tal factualidade na base instrutória – e levando a que a sentença proferida, desconsiderando totalmente a questão da pretensa caducidade, omita de todo pronúncia sobre tal tema.

2. Neste caso, não é lícito ao réu/apelante – sem invocar a nulidade da sentença  por omissão de pronúncia – limitar-se a colocar á apreciação da Relação a questão nova da caducidade, não apreciada na decisão impugnada e situada em matéria – a caducidade de direitos disponíveis – que não é do conhecimento oficioso do tribunal.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

   1. AA intentou contra BB acção declaratória, na forma ordinária, pedindo o decretamento de despejo do local arrendado com fundamento, nomeadamente, na utilização com fim diverso do contratualmente estipulado e na realização de obras não consentidas pelo senhorio e que alteraram substancialmente a estrutura externa e a disposição interna do locado, peticionando ainda o pagamento das rendas em dívida e a condenação na reposição do local arrendado no seu estado originário.

   A R., na contestação apresentada, deduziu defesa por excepção, circunscrita à matéria da autorização pela senhoria das obras em que se fundamenta o pedido de resolução contratual, defendendo-se ainda por impugnação e deduzindo reconvenção, pretendendo ser ressarcida do valor das benfeitorias que diz ter realizado no locado.

   A A. replicou, respondendo à matéria da excepção, e impugnando os fundamentos do pedido reconvencional, a que se seguiu tréplica, em que a R. reiterou a posição assumida nos anteriores articulados.

   Fixada a matéria de facto assente e controvertida, teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença a julgar a acção de resolução do arrendamento procedente, com base na verificação dos fundamentos tipificados nas alíneas b) e d) do nº1 do art. 64º do RAU .

   Inconformada, a R. apelou, começando por impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto. A Relação, usando os seus poderes de reapreciação a decisão de facto, julgou improcedente a argumentação da entidade recorrente, fixando o quadro factual do litígio, descrito a fls.663/667:

1    - Na Conservatória do Registo Predial do Funchal, sob o n°
0000000000 - freguesia da Sé, encontra-se descrito o seguinte prédio:
"Urbano Situado em Funchal (Sé) Rua ........., 00 e 00 e Rua Dr.
........., 00 a 00 1 Área coberta: 321,6 m2 Valor Tributável: 40 807

065,00 PTE Matriz Nr: 000 Composição e confrontações: É formado pelos n°s 00000, fls. 000 do L° B -21, 24853, fls. 12 v e 24 854, fls. 13 ambos do B-68" - Alínea A).
2 - A propriedade do prédio antes descrito encontra-se inscrita a favor da Autora - Alínea B).
3 - Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 2002, transitado em 30 de Janeiro de 2003, foi reconhecido à Autora o direito de propriedade plena e a posse do prédio urbano antes descrito, subsolo e cave do mesmo - Alínea C).
4-0 acórdão antes referido reconheceu que a Réé arrendatária da cave do prédio acima mencionado - Alínea D).

5 - Alude ainda o mesmo acórdão: "Recorde-se que, com a compra de 21 de Fevereiro de 1994, a autora sucedeu à CC na posição contratual de locador no contrato de arrendamento de 29 de Abril de 1978 de que, ao tempo, na parte não extinta (precisamente a que tinha por objecto a cave não reivindicada), era (e continua a ser) locatária da ré, nos termos do art. 1057° do Cód. Civil"-Alínea E).

6 - Também no mesmo acórdão é referido o seguinte: "Com a parcial extinção do arrendamento, por confusão, haverá que determinar em que medida esta circunstância se reflecte no montante da renda (o que terá que ser feito por acordo das partes ou, na sua falta, pelos Tribunais). Mas esta circunstância não tem como consequência que, a partir da extinção parcial, na parte não abrangida pela confusão, o contrato deixe de ser qualificado como arrendamento" - Alínea F).

7-0 prédio acima referido confina a Norte com o prédio da Ré, sito à Rua ......... n° 00 e 00, e com o prédio de J..........., sito nos números 00 e 00 da mesma artéria - Alínea G). 8 - Por documento particular de 29 de Abril de 1978, BB declarou dar de arrendamento a "DD.", que disse aceitar o negócio, a loja do rés-do-chão com o n° 00 de polícia do prédio sito à Rua ........., n°s 00 e 00, inscrito na matriz predial sob o art. 517 da freguesia da Sé, com destino a armazém de mercadoria do comércio da arrendatária, pela renda mensal de 1250$00 - alínea H).

9  - Por escritura de 21 de Julho de 1987, lavrada no Cartório Notarial de Câmara de Lobos, de folhas setenta e cinco verso a setenta e seis verso do livro de notas para escrituras diversas n° 000 - EE, advogado, na qualidade de administrador da massa falida da sociedade "DD, Sucessores" declarou trespassar a FF, que disse aceitar o trespasse, pelo preço de dois milhões e seiscentos e vinte e cinco mil escudos, "um estabelecimento de armazém de mercadorias (armazém de ferro), com todos os elementos que o compõem, móveis, mercadorias e o direito ao arrendamento, e ainda todos os demais elementos constitutivos do mesmo, instalado no rés-do-chão, com entrada pela porta com o número quarenta de polícia, da rua ......... do prédio urbano situado na mesma rua, com os números trinta e quatro a quarenta, freguesia da Sé, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial sob o artigo mil e quarenta,
cujo local está tomado de arrendamento por escrito particular a BB, sendo de noventa e seis mil oitocentos sessenta e quatro escudos a renda anual que vem sendo paga pelo local ocupado pelo referido estabelecimento" - Alínea 1).

10  - Por escritura de 15 de Outubro de 1987, lavrada no Cartório Notarial de Câmara de Lobos, de folhas quarenta a quarenta e uma do livro de notas para escrituras diversas n° 447-A,FF e
mulher, GG, declararam trespassar a "GG.....§ B........, Limitada", ora Ré que disse aceitar o trespasse, pelo preço de dois milhões seiscentos e vinte e cinco mil escudos, "um estabelecimento de armazém de mercadorias (armazém de ferro), com todos os elementos que o compõem, móveis e mercadorias e direito ao arrendamento, e ainda todos os demais elementos constitutivos do mesmo, instalado no rés-do-chão, com entrada pela porta com o número quarenta de polícia, da rua ........., do prédio urbano situado na mesma rua, com os números trinta e quatro a quarenta, de polícia, freguesia da Sé, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial sob o artigo mil e quarenta, cujo local está tomado de arrendamento por escrito particular a BB, sendo de noventa e seis mil oitocentos sessenta e quatro, a renda anual que vem sendo paga pelo local ocupado pelo referido estabelecimento" - Alínea J).

11 -A Ré, sem autorização da demandante, destina a cave, parte do prédio da Autora acima referido, para o fim ou ramo de negócio de venda, de porta a aberta ao público, de vestuário, de confecções de malha e de mercadorias afins de pronto a vestir - Alínea L).
12 - A Ré tem como objecto social o "comércio por grosso de malhas e pronto a vestir" - Alínea M).
13-A Autora nunca recebeu qualquer renda da Ré - Alínea N). 14-J........... é sócio da Ré - Alínea O}.

15 - Por escritura de 19 de Julho de 1952, lavrada no Segundo Cartório Notarial do Funchal de folhas uma a três do livro de notas para escrituras diversas n° 000 - A, HH, por si e na qualidade de procurador de sua mulher, II, declarando-se dono de três prédios urbanos e respectivos quintais situados à Rua ......... (antiga Rua .............), inscritos na Conservatória do Registo Predial da Comarca do Funchal, sob os n°s 0000, a folhas 000 verso do livro B - 21, 24 853 e 24 854, a folhas 12 verso e 13, respectivamente do livro B-70 e referido ainda que no terreno que forma os quintais dos indicados prédios (no subsolo) iniciou uma construção urbana, que consiste em uma cave ocupando a área de cerca de 280 metros quadrados, confrontando a Norte consigo, Sul com a Rua Dr. ............, Leste com JJ e outros e Oeste com KK, declarou vender a LL, que disse aceitar a venda, pelo preço de 80 000$00 "a aludida porção de terreno com a área de cerca de duzentos e oitenta metros quadrados, com todos os seus pertences, servidões e regalias, com reserva, porém, de todo o referido subsolo e da cave nela construída, a qual fica com uma entrada, pelo lado Norte, para o prédio dos vendedores atrás identificados e constituindo uma dependência dos mesmos" - Alínea P)

16 - Em 21 de Abril de 1988, BB intentou no Tribunal Judicial do Funchal, contra FF e mulher, GG, e a Ré uma acção de despejo, tendo como objecto a resolução do contrato referido na alínea h), tendo, porém, desistido do pedido, em 3 de Outubro de 1989 - Alínea Q).

17 - Por documento particular de 1 de Agosto de 1988, BB, declarando-se dona e legítima possuidora do prédio urbano sito à Rua ......... n°s 00 e 00, freguesia da Sé, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 517, disse prometer vendê-lo à Ré, que declarou prometer comprar, o mencionado prédio, "livre de quaisquer ónus ou encargos, excepto no que tange ao arrendamento para habitação em vigor, que continuará a manter-se" -Alínea R).


18 - Declarou ainda a promitente vendedora que "a promitente compradora fica desde já autorizada a entrar na posse do prédio objecto do presente contrato promessa de compra e venda", ficando "outrossim dispensada do pagamento da renda da parte do prédio que ocupa atéà celebração da escritura de compra e venda a que alude a cláusula precedente" - Alínea S).
19 - Declarou também a promitente vendedora que "a promitente compradora fica, outrossim, autorizada a efectuar no prédio as obras que julgue convenientes para o fim que o venha a destinar" - Alínea T).
20 - Em 1 de Março de 1989, BB, na qualidade de proprietária e promitente vendedora do prédio sito à Rua ......... n° 00, freguesia da Sé, concelho do Funchal, autorizou a Ré "a executar as obras de construção e adaptação de uma loja a boutique no rés-do-chão do mesmo prédio, de conformidade com o respectivo projecto de arquitectura devidamente aprovado" - Alínea U).
21 -A cave só tinha acesso à via pública pelas lojas que dava para a Rua ........., pelos n°s 00 a 00 e 00 e 00- Alínea V).
22-0 estabelecimento de armazém de ferro referido nas alíneas g) e h) não era um estabelecimento autónomo de porta aberta, onde se comprava, se facturava, recebia o preço e dava o recibo - Facto 1o.

23-0 ferro era vendido nos estabelecimentos da sociedade "C......., G...., A..... & F......, Sucessores" - Facto 2°.
24 - Em 1998,J..........., na qualidade de sócio-gerente da R., sem autorização e consentimento da Autora, realizou obras em parte da cave arrendada, que consistiram na demolição de uma parede mestra que confina com a parede do prédio confinante, propriedade de MM, sito na Rua ........., nos 00 a 00, com três metros de extensão - Facto 3o.
25 - Com a construção da abertura antes referida a Ré fez comunicar o seu prédio com o prédio da Autora, o referido na alínea a) dos factos assentes - Facto 4o.

26 - No prédio da A. há um troço de viga que apresenta uma fenda a 45° junto de cada um dos apoios, o que aponta para uma deficiente absorção do esforço transverso nos apoios da viga, situação que não é confirmàvel porque a viga se mostra revestida - Facto 5o.
27 - Foi rasgado o peito de uma janela que deita para o saguão, numa altura de cerca de 60 cm - Facto 6o.


28 - A R. construiu várias vigas em betão armado para suportar o segundo piso do prédio da A. - Facto 8o.
29 - O n° 00 da Rua ......... está ligado a parte da cave (cerca de 100 m2) subjacente ao prédio da A., por vão com cerca de 3 m de largura, que se encontra tapada com material ligeiro amovível, com porta de ligação de 0,80 m de largura e cerca de 2 m de altura - Facto 9o.
30 - A Ré rebaixou o solo da cave do prédio da Autora, em mais de um metro de altura, de modo a aumentar em toda a cave o seu pé direito, tendo para o efeito extraído o material de solo que constituía a cave, de pedra e terra - Facto 10°.

31 - Revestiu o solo da cave em mosaico cerâmico e pvc - Facto 1°.
32 - A R. construiu uma parede em alvenaria de blocos, que dividiu em duas partes a cave subjacente ao prédio da A. - Facto 12°.

   E, passando a aplicar o direito a tal factualidade fixada, considerou a Relação , referentemente  à alegada excepção de caducidade do direito à resolução do contrato:

  Admitindo uma deficiente formulação da questão por parte da recorrente e dada a evidência da solução, sempre se dirá que a alteração de actividade e as obras associadas são, sem dúvida, factos duradouros que cabem no nº2 do art. 65º do RAU ( o prazo e caducidade previsto no nº1, quando se trate de facto continuado ou duradouro, conta-se a partir da data em que tiver cessado).

   2. Novamente inconformada, a R. interpôs a presente revista, que encerra com as conclusões de fls. 693/694, que lhe definem o objecto, suscitando duas questões:

- a pretensa contradição entre a matéria de facto fixada nos pontos 11 e 20;

- tendo em conta que tanto as obras efectuadas em 1989 como as realizadas em 1998 foram do conhecimento dos recorridos ao tempo da sua realização, pois foram do conhecimento público, tendo decorrido mais de 1 ano desde que ocorreram até à interposição da acção de resolução, teria caducado o direito à resolução do contrato a decisão a julgar inverificada a excepção de caducidade teria violado a norma constante do ar. 1085º, nº2, do CC.

   Na contra-alegação apresentada, os recorridos sustentam que a questão suscitada quanto à matéria de facto extravasa o âmbito de um recurso de revista, circunscrito à dirimição de questões de direito, notando ainda subsidiariamente que nenhuma contradição existe ente a factualidade ali considerada, por a autorização do senhorio invocada se reportar apenas `a loja existente no prédio sito na Rua ......... – e não à cave do prédio autónomo sobre que incide o presente litígio.

   No que se reporta à questão da caducidade do direito de resolução, consideram que:

- a R. não suscitou na contestação a excepção de caducidade que – como verdadeira excepção peremptória em sede de direitos disponíveis, não pode ser oficiosamente conhecida;

- a sentença proferida em 1ª instância não apreciou, por isso , tal matéria, não tendo a R. invocado na apelação a respectiva nulidade por omissão de pronúncia, pelo que tal questão estaria neste momento irremediavelmente precludida.

   E, para o caso de se apreciar agora tal questão de caducidade, requer a recorrida a ampliação do objecto do recurso, de modo a ser apreciada a nulidade do acórdão proferido pela Relação, por excesso de pronúncia, na parte em que apreciou, embora lateralmente, a questão da caducidade .

   3. A questão suscitada quanto à fixação e coerência da matéria de facto é manifestamente infundada, na óptica de um recurso de revista.

   Assim, no que se refere à primeira questão colocada pela recorrente na sua alegação, é evidente que ela extravasa o objecto de um recurso de revista, tal como flui do disposto nos arts. 721º, nº2, 722º e 712º, nº6 , do CPC: não cabe ao STJ sindicar a livre valoração dos meios probatórios pelas instâncias, apenas lhe competindo apreciar um invocado erro da apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa que implique ofensa de uma disposição legal que expressamente exija certa prova para a demonstração da existência do facto ou que atribua valor legal ou tarifado a certo meio probatório.

   Por outro lado, o nº6 do art. 712º estabelece há muito, de forma clara e inequívoca, que não compete ao Supremo sindicar o acórdão da Relação na parte em que se haja pronunciado sobre alegadas contradições ou insuficiências nas respostas dadas a determinados pontos da matéria de facto.

   Ora, no caso dos autos, para além de não vir invocada, nem se vislumbrar minimamente, qualquer situação de erro na apreciação das provas enquadrável no nº 2 do referido art.722º, é manifesto que – como defende a recorrida – não ocorre qualquer contradição substancial entre os referidos pontos 11 e 20 da matéria de facto, por a autorização do senhorio referida no ponto 20 se referir ao R/c do prédio situado na Rua ......... – ao passo que a matéria do ponto 11 se refere antes à utilização da cave existente no imóvel ora em litígio.

  E, assim sendo, para além de não ter cabimento nesta revista sindicar a livre apreciação das provas que levaram as instâncias a formar convicção sobre o âmbito dessa autorização, não há qualquer contradição material entre factos essenciais que legitime o uso dos poderes próprios do Supremo sobre a decisão de facto das instâncias, orientados para um correcto enquadramento jurídico-normativo da matéria do pleito, previstos no nº3 do art. 729º do CPC.

   4. Passemos, pois, à segunda questão suscitada, referentemente à matéria da caducidade do direito de resolução, verificando - com o indispensável rigor - o que se passou nos autos; assim:

- na contestação apresentada, a fls. 134 e segs.,  ao enunciar o objecto da sua defesa por excepção, a sociedade R. não fez a menor referência à questão da caducidade, circunscrevendo-a à matéria da pretensa autorização do senhorio para a feitura de obras no local arrendado; limitou-se, quanto ao tema da caducidade, a afirmar ( art. 71) em sede de defesa por impugnação, que a alteração de uso, bem como as obras, não obstante a autorização da A, ocorreram há mais de 12 anos, e são, desde esse período, do conhecimento geral, designadamente da anterior e actual senhorias, pelo que caducou o direito da A. resolver o arrendamento com tais fundamentos;

- significa isto que a R. não cumpriu o preceituado na parte final do art. 488º do CPC, especificando separadamente as excepções que pretendia deduzir, criando, por sua culpa, uma situação equívoca, desde logo, para a contraparte, ao incluir uma mera referência genérica à excepção de caducidade no âmbito de defesa que expressamente configurou como sendo por impugnação;

- esta deficiente estratégia processual levou o tribunal a desconsiderar totalmente a matéria da pretensa caducidade, não a apreciando sequer, afirmando-se expressamente na sentença ( fls. 439) que a R., para além de não ter logrado provar que as obras em causa tiveram o consentimento expresso da locadora, não invocou qualquer caducidade do direito da A.;

- na apelação que interpôs, a R. – qualificando erradamente a caducidade como excepção dilatória, susceptível de conduzir a uma absolvição da instância – sustenta ( fls. 477) que suscitou – nos arts. 11 /21 da contestação – a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato: tal afirmação é, porém, inexacta , já que a única e genérica referência ao tema da caducidade figura, como se viu, no art. 71 da contestação, na parte referente à defesa por impugnação.

   Poderá considerar-se, nestas circunstâncias, suscitada, em termos procedimentalmente adequados, a excepção peremptória de caducidade?

   Na verdade, movendo-nos no campo dos direitos disponíveis, é evidente e incontroverso que a matéria da caducidade do direito de resolução do contrato – constituindo verdadeira excepção peremptória - só podia, por força do disposto nos arts.333ºe 303º do CC e 496º do CPC, ser apreciada se devidamente suscitada pela parte interessada, no momento processual próprio ( ou seja: na contestação, por força do princípio consignado no art. 489º do CPC).

   Por outro lado – e perante o estipulado no nº2 do art. 343º do CC - incidia sobre a R. o ónus de alegar e provar que o A. teve conhecimento do facto em que funda a acção para além do prazo de caducidade aplicável : na verdade, estando em causa acção proponível dentro de certo prazo, contado do conhecimento de um facto, o direito probatório material  impõe ao R. o ónus de provar que o autor teve conhecimento do facto há mais tempo do que o prazo legal de que beneficiava para intentar a acção : tais factos carecem, pois, de ser alegados de forma concreta e consistente no momento em que o R. suscita a questão da caducidade, não podendo este refugiar-se em meras conclusões ou imputações genéricas, infundadamente extraídas de uma pretensa publicidade e notoriedade do comportamento violador da disciplina contratual que fundamenta a propositura da acção; e, como é óbvio, tal factualidade, objecto do contraditório da contraparte, carecerá normalmente de ser levada à base instrutória, de modo a apurar-se, na audiência final e perante as provas produzidas, em que preciso momento foi efectivamente conhecido ou cognoscível pelo demandante a prática do facto – violador da relação contratual - que serve de causa de pedir à acção de resolução.

  A deficiente estratégia processual seguida pela R. – levando a ocultar e diluir tal excepção peremptória no âmbito da defesa por impugnação que deduziu – implicou:

-  desde logo, que não tivessem sido consistentemente alegados os factos concretos que permitiam suportar a afirmação de que a conduta ilícita do inquilino já era conhecida do locador há mais de um ano antes de a acção de resolução ter sido proposta ;

- em segundo lugar, tal deficiência de alegação afectou o contraditório da contraparte quanto a essa matéria ( não podendo seguramente extrair-se qualquer efeito cominatório ou preclusivo pelo facto de, na réplica, se não responder à matéria da excepção deduzida camufladamente, no meio da defesa que expressamente se qualifica como por impugnação)

- e repercutiu-se na fixação da base instrutória ( nela se não incluindo quaisquer factos concretos que indiciassem o momento do conhecimento efectivo pelo autor das obras realizadas no locado, que suportariam a defesa por excepção peremptória, cujo ónus de alegação e prova cabia, no caso, ao demandado, por força do preceituado no nº2 do referido art. 343º), sem que este deduzisse qualquer reclamação quanto à organização da base instrutória, na parte em que manifestamente omitia tal factualidade;

-  e, finalmente, levou o tribunal a não ter sequer por relevante a abordagem da  matéria da caducidade do direito de resolução na sentença que proferiu, omitindo totalmente pronúncia sobre o tema da pretensa caducidade.

   Ora, neste preciso circunstancialismo, como defende o recorrido, se o R. dissentia da solução encontrada pelo tribunal de 1ª instância, tinha necessariamente de se prevalecer da invocação de nulidade da sentença  por omissão de pronúncia, sustentando e demonstrando que a suscitação procedimentalmente inadequada da excepção de caducidade na contestação que apresentou não devia ter precludido a respectiva apreciação jurisdicional : mais uma vez, verifica-se que não foi esta a estratégia processual seguida pela recorrente, limitando-se a colocar, na sua apelação, uma questão nova, que não havia sido apreciada na sentença recorrida, tratando todo este tema como se fosse indiscutível a suscitação tempestiva e adequada da questão da caducidade e a sentença a tivesse apreciado, para a julgar improcedente.

   Na verdade, o objecto do recurso é integrado pela decisão recorrida – ou seja, pelas questões nesta efectivamente decididas em sentido desfavorável ao recorrente - não podendo o recurso ter por objecto uma questão que não foi sequer apreciada pela decisão recorrida e que – por se situar no âmbito da caducidade em sede de direitos disponíveis - não pode considerar-se de conhecimento oficioso pelo tribunal ad quem.

   Cabia, pois, à sociedade recorrente – se dissentia da desconsideração pela sentença proferida em 1ª instância da matéria da caducidade do direito de resolução, omitindo de todo pronúncia sobre tal tema, por considerar implicitamente que o R. não havia suscitado adequadamente tal questão na sua contestação - invocar a respectiva nulidade no âmbito do recurso de apelação, facultando, desde logo, ao tribunal a quo o respectivo suprimento, nos termos do art. 668º, nº4, - e cabendo à Relação a apreciação da matéria da nulidade e, sendo a mesma procedente, o exercício do poder que lhe é facultado pelo nº1do art. 715º do CPC.

   Ora, não tendo a R. invocado a nulidade da sentença e não sendo este vício de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso, não cabia efectivamente à Relação pronunciar-se sobre o mérito da questão de caducidade de um direito disponível - matéria não apreciada na sentença recorrida e, constituindo, por isso, questão nova que – num sistema em que os recursos são de reponderação ou reexame – não seja pertinente apreciar quanto ao mérito.

   E, nesta perspectiva, que se tem por correcta, considera-se que a reapreciação de tal matéria pela Relação, em termos, aliás, puramente laterais e subsidiários ( afirmando que, de todo o modo, o direito de invocar a caducidade sempre estaria precludido, por estarmos perante factos duradouros) constitui mero obter dictum, cuja reapreciação não cabe  no âmbito da presente revista – considerando-se, por esta via , prejudicada a pretendida ampliação do objecto do recurso.

   5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.

   Custas pela recorrente.

Lisboa, 07 de Julho de 2012

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor