Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3387/17.2T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: REFORMA DE ACÓRDÃO
LAPSO MANIFESTO
Data do Acordão: 03/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O pedido de reforma da sentença, ou do acórdão, nos termos dos arts. 616º e 666º do CPC, pressupõe que a decisão está afectada por manifesto lapso do juiz.

II. Não pode servir para manifestar discordância com a decisão ou tentar reverter o sentido da mesma.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça



Notificados do acórdão proferido nos autos, vieram os Recorridos AA e mulher BB, CC e mulher DD, pedir a reforma do mesmo, nos termos do art. 616º, nº, alíneas a) e b), ex vi do art. 666º do CPC.

No essencial, alegam que que:

- Não se verifica a nulidade identificada no acórdão, emergente da forma como foi prestado o depoimento de parte do Réu EE, tendo o acórdão da Relação ajuizado bem ao rejeitar o recurso nessa parte;

- A condenação dos RR a restituírem-lhe as quantias que entregaram no âmbito dos contratos promessas não se baseou apenas no depoimento de parte do Réu EE, mas sim noutra prova, prova plena, como são as cópias dos cheques junto aos autos, os escritos de fls. 11, 12, 15 e 15v , os excertos bancários, e a prova que resultou do P. nº 1944/12;

- Não há fundamento para a dúvida sobre quem está obrigado a restituir o dinheiro aos AA, pois consta da matéria de facto provada, (nº 25) que “O réu EE actuou enquanto ..... da CIEDA aquando da celebração dos contratos-promessa.”

- O que torna irrelevante saber o destino que foi dado ao dinheiro, uma vez que está provado que a Ré CIEDA recebeu as quantias entregues pelos AA, os quais nada têm a ver com as relações entre aquela e o Réu EE.

- O acórdão deve ser reformado, decidindo-se que não se impõe a remessa dos autos à Relação, por inexistência de qualquer relevante violação do contraditório.

A Recorrente CIEDA respondeu, pugnando pelo indeferimento do pedido de reforma do acórdão.


///


Decidindo.

Dispõe o art. 616º do CPC, aplicável também aos acórdãos (art. 666º), sob a epígrafe Reforma da sentença:

1. A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no nº 3.

2. Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outros meios de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3. (…).

A partir desta disposição legal, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir de forma constante que “a reforma do acórdão destina-se a corrigir um erro de julgamento resultante de um erro grosseiro, um evidente engano, um desacerto total no regime jurídico aplicável à situação ou na omissão ostensiva da observação dos elementos dos autos, não podendo ser usada para as partes manifestarem discordância do julgado, ou tentarem demonstrar “erro in judicando”, que é fundamento de recurso” (Ac. STJ de 28.01.2021, P. 12380/17.4T8LSB.L1.S1, entre muitos outros).

“O lapso manifesto, a que se reporta o nº 2, tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos exteriores ao despacho, não se reconduzindo a mera discordância quanto ao decidido.” (Código de Processo Civil Anotado, I, Abrantes Geraldes e outros, pag. 739).

 Bastariam estas duas notas para evidenciar a falta de razão dos Requerentes.

 O que o pedido de reforma evidencia é a discordância dos Autores com o decidido, por entenderem não haver justificação para a baixa do processo à Relação.

Outro foi o entendimento do acórdão, como ali se explicitou.

Aproveita-se para reafirmar a justeza da nossa convicção.

O que se discute nos autos é saber se os AA e o Réu revogaram de forma consensual os contratos promessa, e na afirmativa, os termos desse acordo.

A sentença e o acórdão da Relação concluíram pela existência do acordo revogatório a partir dos factos enunciados sob os nºs  12 a 14.

 A prova destes factos foi feita no essencial pelo depoimento de parte do réu EE, como se extrai do seguinte excerto do acórdão da Relação:

“A prova dos pontos 12 a 14, resultou da confissão feita nos autos pelo Réu EE, tal como referiu a decisão recorrida, tendo ainda resultado da testemunha FF que referiu que a certa altura abordou o assunto da celebração dos contratos promessa com o R. EE e que este lhe disse que os AA entregaram os valores decorrentes da celebração dos contratos e que pretendia devolver-lhes tais quantias.”

A co-Ré CIEDA, no recurso de apelação, suscitou a irregularidade da prestação do depoimento de parte, tendo a Relação rejeitado conhecer desse fundamento do recurso, com uma justificação que este Supremo Tribunal não aceitou e daí que tenha anulado o acórdão.

Não se vê que este entendimento do acórdão padeça de algum erro ou lapso manifesto causado por desconhecimento ou má compreensão do regime legal. Os argumentos avançados pelos Requerentes mais não são que a manifestação de discordância relativamente à decisão proferida por este tribunal.

O pedido de reforma do acórdão está, assim, votado ao insucesso.

Sumário:

O pedido de reforma da sentença, ou do acórdão, nos termos dos arts. 616º e 666º do CPC, pressupõe que a decisão está afectada por manifesto lapso do juiz.

Não pode servir para manifestar discordância com a decisão ou tentar reverter o sentido da mesma.


Decisão.

Pelo exposto, indefere-se o pedido de reforma do acórdão e condenam-se os Requerentes nas custas, fixando-se em 3UCs a taxa de justiça.


Lisboa, 03.03.2021


Ferreira Lopes (relator)

Manuel Capelo

Tibério Silva

Nos termos do art.15º-A do DL nº 10-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, o relator atesta que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.