Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA DE ALMEIDA | ||
Descritores: | DIREITO DE PROPRIEDADE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA AQUISIÇÃO DERIVADA PROVA DE RECONHECIMENTO POSSE RELEVANTE REGISTO PREDIAL PRESUNÇÃO JURIS TANTUM PODER DISCRICIONÁRIO DO TRIBUNAL DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 07/13/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL / DIREITOS REAIS - DIREITO PROCESSUAL CIVIL | ||
Doutrina: | - Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, págs. 124 e 125. - Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2.º, p. 353 . - Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra Editora, 1963, p. 185. - M. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa - Lex p. 303. - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed. Rev. e Act., p. 115. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 264.º, N.º 1 E 342.º, 344.º, N.º 1, 350.º, 1251.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º,1263.º, AL. A), 1287.º,1288.º, 1296.º, 1311.º E 1316.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º-A, 159.º, N.º 1, 201.º, N.º1, 204.º A 207.º, 264.º, 268.º, 273.º, 489.º E 490.º, 508.º, N.ºS 1 AL. A), 2, 3 , 4, 5 E 6, 508.º-A, N.º 1, AL. C), 510.º, N.º 2. CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRP): - ARTIGOS 5.º, N.º 1 E 7.º . | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 7-7-1999, IN CJSTJ, TOMO II/99, P. 164; - DE 22-6-2005, PROC. N.º 1781/2005, 7.ª SECÇÃO; - DE 21-11-2006, IN CJSTJ, TOMO III/2007; - DE 25-1-2007, IN CJSTJ, TOMO I/2007, PP. 45 A 47. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. A compra e venda, a doação e a sucessão não podem considerar-se a se como constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito. Torna-se necessário, pois, provar que o direito já existia na esfera jurídica do transmitente (dominium auctoris). II. A exigência da prova - a fazer pelo autor em acção de reivindicação (art.º 1311.º do CC) - de se haver operado uma aquisição originária do direito de propriedade ou uma ou várias aquisições derivadas que formem uma cadeia ininterrupta a desembocar numa aquisição originária do mesmo direito - «vale também para os casos em que o proprietário se limita a pedir a declaração de que é dono» (acção de simples apreciação positiva). III. A conciliação ou «articulação entre essa exigência de prova e a força da presunção resultante da inscrição registral da aquisição por outro, faz-se no sentido de que tal inscrição dispensa o seu titular de provar a aquisição originária (inversão do ónus da prova – art.º 344.º, n.º 1, do CC), bem como a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever», já que deriva do registo a presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito (presunção legal relativa ou juris tantum) - (art.ºs 5.º, n.º 1 e 7.º do CRPred). IV. Sempre que contenha um convite a qualquer das partes para correcção (suprimento) de insuficiências ou imprecisões no cumprimento do ónus da alegação, afirmação ou dedução da matéria de facto, assume o despacho pré-saneador a designação de despacho de aperfeiçoamento (art.º 508.º, n.º 3), o qual possui como momentos processuais próprios para a respectiva prolação o do terminus dos articulados (art.º 508.º, n.ºs 1 aI. a) e n.º 3) ou a audiência preliminar (art.º 508.º-A, n.º 1, al. c)). V. Nas (duas) modalidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2 do art.º 508.º do CPC, o despacho pré-saneador assume um carácter vinculado ou obrigatório; já na prevista no n.º 3 do mesmo preceito (despacho de aperfeiçoamento) – endereçamento de convite para suprimento de imprecisões discursivas ou de concretização/substanciação da matéria de facto já alegada (cfr. o n.º 3 do art. 508.º) assume natureza essencialmente discricionária ou facultativo. VI. A não prolação de despacho de aperfeiçoamento não acarreta, assim, qualquer nulidade processual subsumível na previsão do n.º 1 do art.º 201.º e com o regime de arguição regulado nos art.ºs 204.º a 207.º, todos do CPC. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.AA e BB instauraram, com data de 16-9-2005, contra CC e seu marido DD, todos devidamente identificados nos autos, acção declarativa sob a forma de processo ordinário, pedindo fosse declarado que o prédio rústico sito no Vale da A..., freguesia do Vale da Senhora da Póvoa, concelho de Penamacor, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ... - Secção F e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor sob o n.º ..., da dita freguesia, prédio esse melhor identificado no art.º 2.º da p.i, pertence à herança aberta por óbito de EE e sua mulher FF(constituindo a verba n.º 13 desse do respectivo inventário). Imóvel esse ora registado na respectiva Conservatória, a favor dos RR., através da inscrição G1 do sobredito art.º ..., mas realmente pertencente àquela herança (o que deveria ser declarado por sentença), declarando-se ainda a nulidade do sobredito registo à luz do art.º 16.º, als. a), b) e c) e ordenar-se o seu cancelamento com base no disposto nos art.ºs 8.º, n.º 1, e 13.º, ambos esses preceitos do CReg.Pred.. *** 2. Por sentença de 1 de Junho de 2009, a Mma Juíza do Tribunal Judicial de Penamacor julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo, em consequência, os RR de todos dos pedidos contra os mesmos deduzidos. *** 3. Inconformados com tal decisão, dela vieram os AA apelar, mas o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 2-2-2010, negou provimento ao recurso, assim confirmando a sentença recorrida. *** 4. De novo irresignados, desta feita com esse aresto, dele vieram os AA recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões: «… I. Os recorridos não podem beneficiar da presunção do art.º 7.º do Código do Registo Predial. II. Por escritura pública de partilha, datada de 20-11-2003, o prédio rústico melhor identificado nos presentes autos integrou os bens a partilhar por óbito de GG e HH, estando identificado como a verba n.º sete. III. O prédio identificado na al. A) está inscrito na matriz predial sob o art.º ..., secção F) a favor da herança aberta por óbito de EE e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., freguesia de Vale da Senhora da Póvoa, a favor de CC casada com DD. IV. O referido prédio rústico foi inscrito no registo predial, tendo servido como base ao registo de aquisição a referida escritura de partilha. V. As recorrentes alegaram, em sede de petição inicial, a nulidade do registo a favor dos recorridos, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 16.º do Código do Registo Predial. VI. Impugnando-se o registo por insuficiência de documentos e violação do trato sucessivo, tal não pode deixar de abalar a credibilidade do registo e a sua eficácia, que é precisamente a presunção de que existe um direito cuja existência é colocada em causa pela presente acção. VII. Porque os recorridos não podem beneficiar da presunção da titularidade do registo, as recorrentes não tinham que ilidir a presunção da titularidade do direito de propriedade sobre o prédio descrito em A), nem tampouco demonstrar a verificação, a seu favor, dos pressupostos da aquisição originária do direito de propriedade. VIII. Quer GG, quer os seus herdeiros, nunca foram possuidores do referido prédio rústico, mas apenas e tão-somente meros detentores precários na sequência de um contrato promessa de compra e venda. IX. O detentor precário na sequência da celebração de um contrato-promessa não pode adquirir o direito de propriedade por usucapião. X. Para além disso, os factos dados como provados não são suficientes para se entender que os recorridos poderiam adquirir o prédio por usucapião. XI. O registo é nulo quando tiver sido lavrado com violação do princípio do trato sucessivo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 16.°, al. e), do Código do Registo Predial, sendo um dos seus corolários do princípio do trato sucesso o princípio da legitimação plasmado no art.º 9.º do Código do Registo Predial. XII. Os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo, excepto nas situações previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 9.º do Código do Registo Predial. XIII. O prédio identificado na alínea A) dos factos assentes encontra-se no concelho de Penamacor. XIV. A Lei n.º 2049, de 6 de Agosto de 1951, veio instituir o regime do registo predial obrigatório nos concelhos onde vigorasse o cadastro geométrico da propriedade. XV. No concelho de Penamacor, o cadastro geométrico da propriedade rústica vigora desde 30-09-1984, pelo que na mesma data entrou em vigor o registo predial obrigatório. XVI. Vigorando à data de 1-10-1984 o registo predial obrigatório no concelho de Penamacor, e tendo a transmissão a favor dos recorridos ocorrido após 1-10-1984, não se pode lançar mão da excepção prevista no art.º 9.º, n.º 3, do Código do Registo Predial. XVII. Não podia ter sido lavrado o registo de aquisição a favor dos recorridos sem que se mostrasse definitivamente inscrito o direito a favor da pessoa de quem se adquire o direito. XVIII. O registo de aquisição lavrado a favor dos recorridos pela Ap. 2 de 2005/06/20 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor sob o art.º ..., da freguesia de Vale da Senhora da Póvoa, é nulo, por violação do principio do trato sucessivo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 16.º, aI. e), do Código do Registo Predial. XIX. Sendo o registo nulo, por violação do trato sucessivo, deve ser ordenado o cancelamento do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 13.º do Código do Registo Predial. XX. Considerando o tribunal que as recorrentes não alegaram qualquer facto que pudesse conduzir depois à demonstração da aquisição (quer por via originária, quer por via derivada, ou mesmo até por via de presunção legal) pela sobredita herança do direito de propriedade sobre o imóvel objecto de litigio nesta acção" devia ter convidado aquele a suprir as alegadas deficiências da petição inicial, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 265.º, 265.º-A, 266.º e 508.º, todos do CPC. XXI. O convite ao aperfeiçoamento dos articulados destina-se, por um lado, a suprir as irregularidades, designadamente, quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (n.º 2 do art.º 508.º do CPC); e, por outro lado, a suprir as insuficiências ou imprecisões da causa de pedir na exposição ou concretização da matéria de facto (n.º 3 do art.º 508.º do CPC). XXII. Estando em causa o êxito ou malogro da acção, são de subsumir no n.º 2 do art.º 508.º do CPC, com a consequente vinculação, os poderes do juiz ali referidos. XXIII. A sentença recorrida viola os art.ºs 7.º, 9.º, 13.º e 16.º do Código do Registo Predial, Lei n.º 2049, de 6 de Agosto de 1951 e os art.ºs 1251.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1263.º, al. a), 1287.º, 1296.º e 1316.º, todos do CC». «Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que julgue procedente a acção. Ou, caso assim não se entenda, deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que convide as recorrentes a aperfeiçoar a petição inicial». *** 5. Contra-alegaram os RR propugnado a improcedência do recurso, para o que formularam as seguintes conclusões: «… 1.ª - O registo estabelece a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito no mesmo e, sendo obrigatório, só produz efeitos contra terceiros após a data do respectivo registo (art.ºs 7.º e 5.º, n.º 1, do C. R. Predial). 2.ª - O imóvel em causa está inscrito no registo predial a favor dos recorridos, pelo que existe a presunção da sua titularidade. 3.ª- Ora, os recorrentes não ilidiram a presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o prédio descrito em A), atento o assente em M), sendo que, por força da mesma, se presumem os recorridos os titulares do direito de propriedade sobre o dito prédio rústico. 4.ª - Cabia aos recorrentes demonstrar a verificação, a seu favor, dos pressupostos da aquisição originária do direito de propriedade sobre o mesmo prédio - os actos materiais compatíveis com o exercício de tal direito, os respectivos carácter ostensivo e continuidade temporal e a convicção de actuação com animus de donos, o que seria essencial, à face do regime legal aplicável (cfr. os art.ºs. 1251.º, 1259.º, 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1263.º, al. a), 1287.º, 1296.º e 1316.º, todos do CC) -, reputando-se de irrelevantes, para este efeito, as menções constantes das alíneas L), Q), R) e S), da matéria assente. 5.ª - Ao contrário, o que se demonstrou foi que foram os recorridos e, antes destes, os seus antepassados, que desenvolveram actos materiais compatíveis com a qualidade de proprietários, susceptíveis de conduzir à aquisição do direito de propriedade por usucapião (vd, assentes A), B), C), F), G), H), I), U), V) e X). 6.ª - A aquisição por parte dos recorridos do imóvel identificado em A) dos factos assentes deriva do direito de propriedade, tendo por fonte a sucessão por morte, o que está expressamente previsto no art.º 1316.º, do CC (cfr. as alíneas O) e P) da matéria assente) -, estando documentalmente demonstrado que tal bem havia sido incluído na escritura de partilhas por óbito de GG e mulher, tendo por objecto um bem que não pertence ao domínio público e sendo sucessores, além do mais, os aqui recorridos. 7.ª - Por outro lado, o título formal para a transmissão do direito de propriedade foram escrituras públicas, em estrita conformidade legal, como prescrevem as normas conjugadas dos art.ºs. 2102.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC, e 80.º, n.º 2, al. j), e 82.º a 84.º, todos do C. do Notariado (escritura de divisão de patrimónios hereditários e escritura de habilitação notarial). 8.ª- As escrituras públicas, revestem força probatória plena, nos termos dos art.ºs. 369.º a 372.º do CC. 9.ª- Sendo o registo de aquisição do direito de propriedade efectuado tendo por fonte a sucessão por morte, as escrituras públicas que lhe serviram de base são os bastantes, face à lei, para o registo. 10.ª- Nada no processo indica que não tenha sido respeitado o trato sucessivo, cabendo tal ónus às recorrentes, nos termos do art.º 342.º do CC. 11.ª- De acordo com o art.º 9.º, n.º 1, do CRegPred., "Os factos de que resulte transmissão de direitos ou constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito ou contra a qual se constitui o encargo". 12.ª- Acontece que o n.º 3 do artigo 9.º estabelece uma excepção ao princípio referido no na 1 da mesma norma, ao dizer "tratando-se de prédio situado em área onde não tenha vigorado o registo obrigatório, o primeiro acto de transmissão posterior a 1 de Outubro de 1984 pode ser titulado sem a exigência prevista no n.º 1 se for exibido documento comprovativo ou feita justificação simultânea do direito da pessoa de quem se adquire". 13.ª - A situação vertente integra-se precisamente na excepção referida, porquanto se trata do primeiro acto de transmissão de prédio situado em concelho onde não vigorou o registo obrigatório. 14.ª - Situando-se o acto de transmissão em data posterior a 1-10-1984, constitui documento comprovativo do direito, para efeitos desta norma excepcional, aquele que comprove o direito, como é o caso, por exemplo, da certidão da escritura de habilitação de herdeiros, veja -se neste sentido o Parecer da DGNR n.º 23/92-RP 4, in BRN 5/95, p. 12. 15.ª - Face ao exposto, o registo não é nulo. 16.ª - Como igualmente, não poderá o registo ser cancelado. 17.ª- O n.º 3 do art.º 508.º do CPC visa permitir que o juiz convide as partes a suprimir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto. 18.ª- Assim, o art.º 508.º, n.º 3, visa permitir o aperfeiçoamento de insuficiências ou imprecisões da matéria de facto alegada, que não permitir a introdução de novos factos concretos que não foram, ainda que de forma insuficiente ou imprecisa, alegados nas peças processuais. 19.ª - Para que o juiz convidasse as recorrentes a aperfeiçoar a petição inicial era necessário, nos termos do art.º 508.º, n.º 3, que estas tivessem alegado matéria de facto de forma insuficiente ou imprecisa. 20.ª - Uma vez que não foi alegada qualquer matéria de facto, não podia o juiz convidar à supressão de insuficiências ou imprecisões dessa suposta matéria de facto. *** 6. Colhidos os vistos legais, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir. *** 7. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos: A)- Desde 1983/1984, até a data do óbito de GG (02.08.1993) e desde dois/três anos após esta última data - quando HH e os filhos conseguiram arranjar pessoa para o cultivar, sob sua autorização -, o prédio rústico localizado no Vale da A..., na freguesia de Vale da Sra. da Póvoa, confrontando a norte com caminho público, sul com ribeiro, nascente com LL e poente com GG, inscrito sob o art.º ...-F, foi cultivado e foram colhidos os produtos agrícolas nele cultivados. B)- À vista e com conhecimento de todos, incluindo EE até à data da sua morte, sem que alguém, alguma vez, se opusesse, na convicção de serem os seus donos, com exclusão de outrem e de não lesarem direitos de ninguém. C)- Desde 1983/1984, até à data dos respectivos óbitos, GG e HH limparam as árvores de fruto e colheram os respectivos frutos. D)- Em data não concretamente apurada, foi redigido escrito do seguinte teor: “Contrato de Promessa de Compra e Venda Entre JJ, solteiro, natural de Vale da Sr.ª Póvoa, concelho de Penamacor e residente na mesma freguesia, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de EE, contrib. ..., como promitente vendedor e, ... GG, casado, natural e residente da freguesia de Vale da Sr.ª Da Póvoa, contrib. ..., na qualidade de promitente-comprador, é estabelecido o seguinte contrato promessa de compra e venda O promitente vendedor promete vender ao promitente comprador um prédio rústico, localizado no Vale da A..., na freguesia de Vale Sr.ª de Póvoa, confrontando a norte com caminho público, sul com ribeiro, nascente com LL e poente com GG, inscrito sob o art. 144-F, pelo preço de 500.000$00 – Quinhentos mil escudos. Que nesta data ele promitente vendedor recebeu do promitente comprador a quantia de Esc 500.000$00 (Quinhentos mil escudos) como pagamento integral, devendo efectuar-se a respectiva escritura logo que toda a documentação esteja em ordem. E por ser verdade fazem este contrato em duplicado. Penamacor, vinte e cinco de Agosto de mil novecentos e oitenta e seis [Assinatura dos outorgantes] “ E)- Pelo menos o valor de 500.000$00 foi entregue pelo GG a EE, como forma de pagamento do preço relativo à compra do prédio identificado em A), em data não concretamente apurada, «mas no máximo em 1986». F)- Pelo menos desde 25-8-1986, até a data do óbito de GG (2-8-1993), e desde dois/três anos após esta última data - quando HH e os filhos conseguiram arranjar pessoa para cultivar, sob sua autorização, o prédio descrito em A) –, o mesmo prédio foi cultivado e foram colhidos os produtos agrícolas nele cultivados. G)- Pelo menos desde 25-8-1986, até a data do óbito de GG e mulher HH, foram limpas as árvores de fruto existentes no prédio descrito em A) e colhidos os respectivos frutos. H)- Sempre à vista e com conhecimento de todos quantos os vissem e sem que alguém, alguma vez, se tivesse oposto. I)- Após a morte de HH, passaram os seus filhos a mandar limpar e lavrar o prédio descrito em A) e limpar as árvores de fruto, bem como fazer seus os frutos destas. J)- O pai das AA., recebeu, em 1998, no Brasil, em mão, pela Sra. Maria de Jesus Pires da Silva, a parte que lhe cabia dos 500.000$00 que o GG havia entregue a EE, a título de pagamento do preço relativo à compra do prédio referido em A). k) As AA. não enviaram a certidão de assento de nascimento de sua mãe. L)- No âmbito do processo de inventário, que sob o n.º 88/03.2TBPNC corre no Tribunal Judicial de Penamacor, foi relacionado sob a verba treze o seguinte bem imóvel: prédio rústico, sito no Vale da A..., Freguesia do Vale da Senhora da Póvoa, Concelho de Penamacor, formado por pinhal, cultura arvense, cultura arvense de regadio, figueiras, oliveiras e leito de curso de água, com a área de 1,2320 hectares, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ... – Secção F, a confrontar do Norte com II e MM, do Sul com a Fazenda Nacional, de Nascente com caminho e de Poente com NN, com o valor patrimonial de 217,39€. M)- O referido prédio rústico encontra-se inscrito na correspondente matriz predial sob o art.º ....º, secção F a favor da herança aberta por óbito de EE e descrito na Conservatória do Registo Predial de Penamacor sob o n.º .../... a favor de CC, casada com DD, no regime de comunhão de adquiridos, por partilha extrajudicial deixada por óbito de GG e mulher HH. N)- Por escritura pública de habilitações datada de 20-11-2003, efectuada no Cartório Notarial de Penamacor, OO, PP, QQ referiram que: “(…) têm perfeito conhecimento de que no dia dois de Agosto de mil novecentos e noventa e três, na freguesia de Vale da Senhora da Póvoa, concelho de Penamacor, de onde era natural e onde residia habitualmente, faleceu GG, que também usava e era conhecido por J... P... C..., no estado de casado em primeiras núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral, com HH. Que o falecido não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido os seguintes herdeiros: O CÔNJUGE HH, actualmente já falecida, (…) FILHOS a) RR (…); b) CC, casada com DD, (…); c) SS, (…); d) TT, (…); e) UU, (…); f) VV (…). Que, posteriormente no dia vinte e cinco de Outubro de dois mil e dois, na freguesia de Setúbal (São Sebastião), concelho de Setúbal, faleceu a referida HH, (…), no estado de viúva de GG. Que a falecida não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como únicos herdeiros seus atrás devidamente identificadas (…)”. O)- Por escritura pública de partilha datada de 20-11-2003, efectuada no Cartório Notarial de Penamacor, o prédio referido em A) integrou os bens a partilhar por óbito de GG e HH, estando identificado como verba sete e foi adjudicado a CC. P)- O registo na Conservatória de Registo Predial de Penamacor do prédio rústico acima referido foi requerido pelos RR. utilizando as mencionadas “habilitação” e “escritura pública de partilha”. Q)- O mesmo prédio foi arrolado nos autos de providência cautelar que correm os seus termos nesta comarca sob o nº 101/03.3TBPNC à ordem e em benefício da herança aberta por óbito de EE e sua mulher FF. R)- O referido arrolamento foi registado através da inscrição F, Ap. 3 de -2-8-2005. S)- No mencionado processo de inventário exercia funções de “cabeça de casal” II. T)- O pai das AA. não deu o seu acordo expresso para a venda do prédio rústico a GG. U)- Após a referida partilha, por óbito de GG e HH, os RR. passaram a cuidar e tratar do mencionado prédio rústico, pagando a limpeza e lavra do mesmo e auferindo dos frutos colhidos. V)- GG e HH reconstruíram o poço existente no prédio rústico, referido em A), tendo dispendido a quantia de €500,00. X)- Colocaram no prédio rústico referido em A) bocas de regadio para beneficiar da água para regadio proveniente da barragem da Meimoa, tendo dispendido a quantia de € 500,00. *** 8. O acórdão da Relação, proferido per remissionem, ao abrigo do disposto no n.º 5, do art.º 713.º do CPC (na versão anterior à introduzida pelo Dec.Lei n.º 303/2007 de 24/8, e nesta sede aplicável ex-vi do disposto nos art.ºs 11, n.º 1, e 12, n.º 2, desse diploma), debruçou-se sobre a questão temática central da decisão de 1.ª instância consistente em saber se o prédio rústico acima identificado pertence realmente (ou não) à herança por óbito de a EE e de sua mulher FF e dos pedidos conexos de saber se é ou não nulo o registo de propriedade efectuado sobre tal prédio a favor dos RR e se, em caso afirmativo, deve em consequência ser cancelado esse registo. Tudo sem deixar de acrescentar que, quer se considere estarmos perante uma acção de simples apreciação positiva (“e é essa a classificação da espécie que deve prevalecer face ao pedido final formulado”), quer se considere estar-se perante uma acção de condenação (qualificação que as AA começaram por sugerir (no art.º 10.º da p.i) e depois abandonaram), a causa de pedir deve radicar num correspondente facto jurídico de que emirja aquele direito de propriedade que se quer ver reconhecido a favor da dita herança (art.º 498.º, n.º 4, do CPC). Isto em termos em tudo semelhantes aos da acção de reivindicação prevista no art.º 1311.º do CC, ainda que o pedido se haja cingido ao simples reconhecimento (pronuntiatio) que não também à restituição (condemnatio) da coisa às AA, ora recorrentes. Thema decidenda. *** 9. Prova da alegada propriedade (originária/derivada). No que tange à prova da propriedade, para efeitos da procedência da acção, há que dizer, na esteira de Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed. Rev. e Act., p. 115, que «se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito. Mas, se a aquisição é derivada (compra e venda, sucessão ou doação), não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa, que esta lhe foi transmitida por herança ou que a mesma lhe foi doada. «Nem a compra e venda, nem a doação, nem a sucessão se podem considerar constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (nemo plus juris ad alium transferre potest quam ipse habet). Torna-se necessário, pois, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris), o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir: probatio diabólica como diziam os antigos. Daí que, não raras vezes, haja que convocar, como elemento decisivo, as presunções legais resultantes da posse (se ela puder ser oposta ao detentor). Designadamente, e para efeitos da usucapião, se houver necessidade de invocar este título de aquisição originária, têm também o maior interesse as regras sobre sucessão e acessão da posse (art.ºs. 1255.º e 1256.º do CC e as presunções dos art.ºs 1254.º e 1255.º, n.º 2, todos do CC, quer as presunções resultantes do registo predial (art.ºs. 1268.º do CC e 7.º e ss do CReg.Pred.)». De resto, e tal como se considerou, v.g. no acórdão deste Supremo Tribunal de 7-7-99, in CJSTJ, Tomo II/99, p. 164, a exigência da prova - a fazer pelo autor em acção de reivindicação (art.º 1311.º do CC) - de se haver operado uma aquisição originária do direito de propriedade ou uma ou várias aquisições derivadas que formem uma cadeia ininterrupta a desembocar numa aquisição originária do mesmo direito, «vale também para os casos em que o proprietário se limita a pedir a declaração de que é dono». E - ainda na peugada do mesmo aresto - a conciliação ou «articulação entre esta exigência de prova de uma aquisição originária a fundamentar a existência do direito de propriedade invocado, por um lado, e a força da presunção resultante da inscrição registral da aquisição por outro, faz-se no sentido de que tal inscrição dispensa o seu titular de provar a aquisição originária, bem como a eventual cadeia de aquisições derivadas anteriores à aquisição que conseguiu fazer inscrever». Impendia, pois sobre as ora recorrentes a prova de que o direito por si invocado já existia na esfera jurídica pessoal do transmitente (prova da aquisição originária do invocado direito de propriedade por banda do autor ou autores das heranças de que se arrogavam titulares). Isto porque, face ao preceituado no art.º 350.º do CC, uma presunção legal, embora ilidível, dispensa quem dela beneficia de provar o facto a que ela conduz (facto desconhecido). Ademais, derivando do registo a presunção de que o direito existe e pertence ao titular nele inscrito, e se o mesmo assumir natureza obrigatória, só produz efeitos contra terceiros após a data da respectiva realização (art.ºs 5.º, n.º 1 e 7.º do CRPred). Ora, o imóvel em apreço encontrava-se inscrito no registo predial a favor dos RR, ora recorridos, pelo que existe a favor destes uma presunção da respectiva titularidade, presunção essa que, porque meramente relativa ou juris tantum, sempre poderia ser ilidida por prova em contrário, a cargo dos ora recorrentes, quiçá excepcionando com a invocação da prescrição aquisitiva (usucapião); ilisão essa da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o prédio descrito em A), atento o assente em M), que não foi feita, e daí que haja que presumir os RR, ora recorridos, como titulares do direito de propriedade sobre o dito prédio rústico (inversão do ónus da prova – art.º 344.º, n.º 1, do CC). O que tudo vale por dizer - tal como bem se obtempera no acórdão recorrido - que caberia aos recorrentes o encargo de demonstrar a verificação, a seu favor, dos pressupostos da aquisição originária do direito de propriedade sobre o mesmo prédio, por banda dos (de cujus) seus progenitores, isto é «dos actos materiais compatíveis com o exercício de tal direito, os respectivos carácter ostensivo e continuidade temporal e a convicção de actuação com verdadeiro animus domiii», o que tudo seria essencial, à face do regime legal aplicável (cfr. os art.ºs. 1251.º, 1259.º, 1260.º, 126F, 1262.º,1263.º, a), 1287.º,1296.º e 1316.º, todos do CC). Mas - bem pelo contrário - o que veio a demonstrar-se foi que os RR (aqui recorridos) e, antes deles, os seus antepassados, desenvolveram relativamente ao prédio em causa actos materiais compatíveis com a qualidade de proprietários, conducentes à aquisição do direito de propriedade por usucapião (vd, factos assentes A), B), C), F), G), H), I), U), V) e X), sendo que, durante mais de 20 anos - desde 1983/1984 até à data da citação para a presente acção em 2-11-2005 -, nunca houve oposição a essa posse, a qual sempre se manteve, de modo ininterrupto, por mais de 20 anos e sempre de modo pacífico, de boa fé e exercida sem oposição de quem quer que fosse. O que, de harmonia com o preceituado nos art.ºs 1287.º e 1296.º do CC, facultaria aos possuidores (GG e mulher) - o que o tribunal poderia ter declarado se tal lhe houvesse sido pedido em sede reconvencional que não em sede de mera excepção peremptória extintiva - a aquisição do correspondente direito de propriedade por usucapião, efeitos esses (da prescrição aquisitiva) que sempre teriam que retroagir à data do início da posse (art.º 1288.º do CC), pelo que aquisição da propriedade do prédio identificado a A) dos factos assentes por banda dos antepossuidores e pelos próprios recorridos se deve dar como operada desde 1983/1984. Fruição possessória essa exercida materialmente não só sobre o corpus do prédio em apreço por GG e mulher e, após a morte destes, pelos seus herdeiros, sempre com "animus" de verdadeiros proprietários, não olvidando haver ficado demonstrado direito que o preço do mesmo havia já sido integralmente pago e que os adquirentes e sub-adquirentes nesse prédio identificado na alínea A) do elenco dos factos assentes haviam já feito nele os significativos investimentos aludidos nas alíneas V) e X) do mesmo assentamento factual. Nem se diga, em contrário, como fazem os recorrentes, que a posse dos recorridos, porque meramente precária ou de mera tolerância, porque baseada em contrato-promessa, seria insusceptível de conduzir à aquisição do imóvel por prescrição (art.º 1290.º do CC). Isto porque, na verdade - e tal como vem documentalmente demonstrado na alínea D) do citado elenco factual -, sob a epígrafe de contrato-promessa, o que esse documento realmente pretendia titular era um contrato de compra e venda definitivo, tanto mais que o preço havia já sido pago na íntegra (ao alienante progenitor das recorrentes) e a posse do imóvel já havia sido entregue (imediata traditio) aos respectivos adquirentes GG e mulher em 1983/1984, funcionando tal documento como um simples recibo (quitação) do preço pago ao anterior proprietário. Como resulta do art.º 1316.º do CC, o direito de propriedade adquire-se por contrato, por sucessão por morte, por usucapião, por ocupação, por acessão e ainda nos demais casos previstos na lei. Era, assim, aos AA que incumbia, ex-vi das regras estabelecidas nos n.ºs 1 dos art.º s 264.º e 342.º do CC, o ónus da alegação e da correspondente prova dos factos tendentes a substanciar e demonstrar uma qualquer dessas causas de pedir tendentes à procedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade da sobredita herança sobre o imóvel em pareço (cfr. o n.º 1 do art.º 342 do CC). Ónus da alegação ou dedução e ónus da prova (ónus subjectivos ou formais) esses que não lograram satisfazer nos momentos processuais oportunos, assim havendo que fazer funcionar as regras do ónus da prova objectivo ou material em seu desfavor (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, Coimbra Editora, 1963, p. 185). *** 10. Alegada nulidade e consequente pedido de cancelamento do registo do registo de aquisição do prédio a favor dos ora recorridos. Nada a apontar à decisão das instâncias no sentido da plena legalidade da efectivação do registo a favor dos RR, ora recorridos e, consequentemente, da respectiva subsistência na ordem jurídica, tal como os ora recorridos bem demonstram na sua contra-alegação de revista (conclusões 6.ª a 15.ª, para as quais se remete), assim bem julgados terem sido como improcedentes os correspondentes pedidos. Nada no processo indicia que não hajam sido respeitadas as regras do chamado trato sucessivo nos termos e para os efeitos do disposto ns art.º 9.º, 16.º, al. e) e 34.º do CRP), por força da putativa violação do princípio da legitimação (seu principal corolário), sendo que impenderia igualmente sobre os recorrentes o ónus da eventual preterição de tais princípios, igualmente ex-vi do art.º 342.º do CC. *** 11. Alegada falta do convite (do tribunal) ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. Sustentam agora os recorrentes que deveriam ter sido (oportunamente) convidados a suprir o deficit alegatório relativo à sobredita aquisição originária do direito de propriedade por si arrogado, e respaldadora da subsequente aquisição derivada do prédio em causa, convite que deveria (mesmo agora) ser-lhes dirigido a título oficioso Isto partindo do (nítido) pressuposto de que tal convite seria de cumprimento obrigatório ou vinculado por parte do tribunal. Sem qualquer razão, porém, Sempre que contenha um convite a qualquer das partes para correcção (suprimento) de insuficiências ou imprecisões no cumprimento do ónus da alegação, afirmação ou dedução da matéria de facto, assume o despacho pré-saneador a designação de despacho de aperfeiçoamento (art.º 508.º, n.º 3). O despacho de aperfeiçoamento pode, pois, ter lugar, quer em face do autor (para completar ou rectificar a causa de pedir), quer em face do réu (para completar ou rectificar uma excepção ou um pedido reconvencional), considerado o conjunto dos articulados por cada um deles apresentado. Constitui um remédio no sentido da clarificação dos factos alegados por autor ou réu (destinados a substanciar a causa de pedir ou as excepções). Assim acontecerá também se as partes tiverem limitado a sua alegação a expressões de conteúdo puramente técnico-jurídico sem a suficiente integração fáctica (v.g., detenção, justo título, boa-fé, má fé, mera posse, incumprimento do contrato, etc.). Fora da previsão do preceito estão as situações em que a causa de pedir ou a excepção não se apresentem identificadas com suficiente inteligibilidade, mediante a alegação de elementos de facto bastantes para o efeito, o que poderá constituir causa de ineptidão da petição inicial ou de nulidade da dedução da excepção. O momento processual próprio para a emissão do convite judicial ao aperfeiçoamento dos articulados é o do primeiro contacto do juiz com o processo finda a respectiva fase, ou seja o da prolação do despacho pré-saneador (art.º 508.º, n.ºs 1 aI. a) e n.º 3), podendo também sê-lo o na audiência preliminar (art.º 508.º-A, n.º 1, al. c)). Na primeira hipótese, é fixado prazo à parte para apresentação, por escrito, do articulado de aperfeiçoamento (art.º 508.º, n.º 3). Na segunda, o aperfeiçoamento é feito verbalmente e ditado para a acta (art.º 159.º, n.º 1), sem prejuízo de a audiência poder ser suspensa para o efeito de o articulado ser apresentado por escrito (como a lei expressamente admite para o despacho saneador: art.º 510.º, n.º 2). Nada impede, de resto, que a própria parte, dando-se conta da insuficiência ou imprecisão alegatória, proceda ela própria ao suprimento dessa insuficiência por ex. na réplica, ou no seio da própria audiência preliminar se a ela tiver havido lugar, ainda que sujeito o exercício desse direito potestativo de natureza processual, quer ao contraditório da contraparte, quer ao subsequente escrutínio do tribunal (cfr., neste sentido, Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2000, p. 125.). O despacho de aperfeiçoamento e o subsequente articulado da parte «deverão conter-se no âmbito da causa de pedir ou excepção invocadas» (Cfr Lebre de Freitas, A Acção Declarativa cit., p. 124). As alterações à matéria de facto alegada previstas nos n.º s 3 e 4 (do art.º 508.º) devem cingir-se aos limites estabelecidos pelo art.º 273.º (se introduzidos pelo autor) e pelos art.ºs 489.º e 490.º (se introduzidas pelo réu) - cfr. o n.º 5 do art.º 508.º. Para além do suprimento das excepções dilatórias, deve e pode (respectivamente) o despacho pré-saneador assumir duas outras modalidades (cfr. o art.º 508.º, n.º 1, alíneas a) e b)): a vertida no n.º 2 destina-se ao suprimento de anomalias (formais) dos próprios articulados, enquanto que a do n.º 3 visa a correcção de insuficiências ou imprecisões da exposição ou narração fáctica "qua tale". Modalidades distintas, a que correspondem, por isso, consequências processuais díspares, seja quanto à sua não prolação, seja quanto ao seu não acatamento quando proferido. No que há que atentar na diversidade da expressão legal. Assim: “o juiz convidará” (isto é deve ou tem que convidar) as partes a suprirem as irregularidades dos articulados ou a juntarem o documento essencial em falta (cfr. o n.º 2 do art.º 508.º) - dever vinculado ou obrigação; e “pode ainda o juiz” endereçar convite para suprimento de imprecisões discursivas ou de concretização/substanciação da matéria de facto já alegada (cfr. o n.º 3 do art. 508.º) - dever não vinculado ou mera faculdade - cfr. o acórdão do STJ de 25-1-2007, CJSTJ, Tomo I/2007, pp. 45 a 47 e ainda Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2.º, p. 353 e M. Teixeira de Sousa, Estudos cit., p. 303. O despacho do n.º 3 do art.º 508.º é, pois, proferido no exercício de um poder essencialmente discricionário (em todo o caso de um poder-dever), pelo que a sua não prolação não se traduz na omissão de um acto imposto por lei, não acarretando, por isso, qualquer nulidade processual subsumível na previsão do n.º 1 do art.º 201.º e com o regime de arguição regulado nos art.ºs 204.º a 207.º, todos do CPC. De resto, face ao disposto no o n.º 2 do art.º 203.º, jamais poderia arguir a uma tal nulidade a parte que lhe houvesse dado causa, devendo as partes suportar as consequências da sua negligente actuação processual (princípio da auto-responsabilidade das partes). Ora, ao omitirem a suficiente integração fáctica da causa de pedir invocada, teriam os AA ora recorrentes dado causa à necessidade de aperfeiçoamento, pelo que lhes seria vedado arguir em seu favor a suposta nulidade (é esta a jurisprudência do STJ - cfr., v.g., os acórdãos de 22-6-2005 - Proc. n.º 1781/2005, 7.ª Sec. e de 21-11-2006, CJSTJ, Tomo III/2007). A irrecorríibilidade da prolação/não prolação do despacho de aperfeiçoamento (a se), deriva da sua natureza provisória e interlocutória (art.º 508.º, n.º 6). Essa irrecorribilidade estende-se à contraparte da convidada, à qual restará arguir uma eventual nulidade processual se tal despacho levar à prática de um acto proibido por lei ou relegar a sua impugnação para a reclamação da base instrutória ou para o recurso do despacho saneador, quando qualquer desses actos do juiz cooneste uma actuação da parte convidada que seja infractora dos comandos legais. Face, contudo, à controvérsia gerada na acção e à prova factual nela adregada, surgiria agora, ex-post, como totalmente despropositado o endereçamento de um tal convite. Tal como os recorridos sustentam nas conclusões 19.ª e 20.ª, «para que o juiz convidasse as recorrentes a aperfeiçoar a petição inicial, era necessário, nos termos do art.º 508.º, n.º 3, que estas tivessem alegado matéria de facto de forma insuficiente ou imprecisa; mas, uma vez que não foi alegada qualquer matéria de facto (acerca da alegada aquisição originária), não se tratava propriamente do suprimento de quaisquer simples insuficiências ou imprecisões dessa suposta matéria de facto (por ex. para integração de conceitos jurídicos pela parte já chamados à colação) Volvendo à hipótese dos autos, não se tratou de simples imprecisões ou insuficiências dos factos essenciais (principais ou complementares/concretizadores) efectivamente alegados; tratou-se antes da omissão da alegação de factos essenciais ao reconhecimento do direito arrogado em juízo (radicação desse direito na esfera jurídica do subsequente transmitente), pelo que a facultação aos recorrentes, nesta fase (soit disant post-decisória) da possibilidade de alegar ex-novo factos essenciais seria, a um tempo, abstractamente violadora dos princípios da igualdade das partes (art.º 3.º-A,), dispositivo (art.º 264.º) e até da estabilidade da instância quanto ao objecto (art.º 268.º) todos do CPC). *** 12. Improcedem, por conseguintes, as conclusões dos recorrentes, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura. 13. Decisão: Em face do exposto, decidem: - negar a revista; - confirmar, em consequência, o acórdão recorrido. Custas pelas recorrentes. * Supremo Tribunal de Justiça,Lisboa, 13 de Julho de 2010. Ferreira de Almeida (Relator) Azevedo Ramos Silva Salazar |