Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
610/15.1PCLSB.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: TENTATIVA DE HOMICÍDIO
TENTATIVA
HOMICÍDIO SIMPLES
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
REGIME PENAL DOS JOVENS ADULTOS
CO-AUTORIA
EXCESSO DO CO-AUTOR
CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES
FUNCIONAMENTO SUCESSIVO DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONCURSO DE CRIMES
REGIME DE PROVA
Data do Acordão: 09/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMA DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - REGIME PENAL PARA JOVENS - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
Doutrina:
- Fernanda Palma, Da tentativa possível em Direito Penal, Coimbra: Almedina, 2006, 79 e ss..
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421 (291), § 271, 13/§§ 45, 47 e 49 (372, 374 e 375) e 28/§§ 10 e 12, (693 e 694-5); Direito Penal I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 31/ § 32 (793), 43/§ 11 e ss. (1011 e ss.), § 28, (1021).
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa: UCP, 3.ª ed., 2015, artigo 22.º (nota 3), 185.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 9.º, 23.º, N.º 2, 41.º, N.º 1, 73.º, N.º 1, ALS. A) E B), 50.º, N.ºS 1 E 5, 51.º, 52.º, 53.º, N.º 3, 54.º, N.º 3, 131.º.
DECRETO-LEI N.º 401/82: - ARTIGO 4.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 08.10.2008, PROC. N.º 08P2830, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 11.07.2012, PROC. N.º 123/10.8GAVLP.P1.S1, DE 02.04. 2009, PROC. N.º 3277/08, DE 11.09.2008, PROC. N.º 587/08, DE 23.11.2006, PROC. N.º 3770/06, DE 08.06.2006, PROC. N.º 3356/05.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/95, DE 7 DE JUNHO, DR, I SÉRIE-A, DE 06.07.1995, 4298.
Sumário :
I — O recorrente participou com os demais arguidos na prática de um crime violação da integridade física, tendo, porém, excedido o acordado, pelo que apenas o arguido agora recorrente deve ser punido pelo excesso.

II — Porém, não podemos esquecer a decisão conjunta e a execução conjunta de todos os intervenientes na agressão física ao ofendido, pelo que não fica afastada a co-autoria inicial.

III — Mas, tendo depois praticado um crime de homicídio na forma tentada, em claro excesso relativamente ao que tinha sido decidido anteriormente, punir o arguido pelo crime de violação da integridade física qualificada e pela tentativa do crime de homicídio seria punir duas vezes o mesmo facto, e por isso apenas foi condenado pelo crime de homicídio simples na forma tentada, dado que apenas deve ser punido pelo crime dominante.

IV — Assim, sem que se viole o princípio da proibição da reformatio in pejus deve, no entanto, ter-se em consideração que a avaliação da pena deverá ter em conta todo o circunstancialismo praticado pelo arguido.

V — Tendo em conta a matéria de facto provada, o arguido agiu com dolo eventual, e admite-se tentativa com dolo eventual, na linha da doutrina maioritária e da jurisprudência deste tribunal.

VI — Nos termos do art. 131.º, do CP, é aplicável ao homicídio a pena de prisão entre 8 e 16 anos, sendo atenuada nos casos de tentativa, nos termos dos arts. 23.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do CP, pelo que a moldura da pena aplicável ao caso dos autos é entre 10 anos e 8 meses e 1 ano, 7 meses e 6 dias. Caso se entenda que o regime da atenuação especial para jovens adultos (cf. art. 4.º, do decreto-lei n.º 401/82), aplicável por força do disposto no art. 9.º, é passível de aplicação no presente caso, e fazendo funcionar as diversas circunstâncias atenuantes segundo o regime sucessivo, a moldura da pena seria de prisão entre 6 anos, 3 meses e 10 dias e 1 mês (cf. arts. 73.º, n.º 1, al. b) e 41.º, n.º 1, ambos do CP).

VII — A jovem idade do delinquente não é requisito que automaticamente permita ao julgador atenuar especialmente a moldura abstrata do crime em que aquele será condenado. A idade jovem é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial.

VIII — Abstratamente analisando qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização sempre que a pena seja menor. Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados.

IX — Todos os factos provados, o apoio familiar, mas também os factos praticados que levaram à condenação aliado ao facto de se tratar de um delinquente primário, não evidenciam, apesar de tudo, um prognóstico completamente negativo relativamente à possibilidade da ainda integração do jovem delinquente num mundo afastado do crime e externamente condizente com as regras sociais.  Na verdade, se, por um lado, a gravidade dos factos praticados são de molde a colocar-nos algumas dúvidas quanto à possibilidade de integração na sociedade, por outro lado, o apoio familiar e a tentativa de afastar o arguido do ambiente de “conflito e rivalidade intergrupal” (facto provado 29.1.) apresentam um relevante indício positivo no sentido da reintegração do jovem.

X — Entendemos, pois, que não podemos simplesmente retirar da gravidade do crime praticado a impossibilidade de reintegração do agente. Na realidade, sempre que resulte algum dado que nos permita considerar que a atenuação especial trará vantagem para a ressocialização do delinquente, esta atenuação deve ser aplicada, sem que as exigências de prevenção geral por si só sejam de molde a afastar este regime especial.

XI — Ainda que as exigências de prevenção especial se mostrem igualmente importantes, tendo em conta a idade jovem do arguido, a pena concreta deve situar-se claramente acima do meio da moldura penal, por força das exigências de prevenção geral. Mas, não podemos esquecer que o arguido agiu com dolo eventual, pelo que consideramos que a pena adequada, sem esquecer as significativas exigências de prevenção geral, deverá estar apenas ligeiramente acima do meio da moldura, ou seja, consideramos a pena de prisão por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses como adequada às exigências de prevenção geral e especial e dentro do limite da culpa.

XII — Uma vez que o arguido apenas vem condenado por estes dois crimes e não constando do seu registo criminal outras condenações, não temos elementos que nos permitam concluir por uma carreira criminosa. Ou seja, tudo evidencia que se tratou de uma pluriocasionalidade, pelo que as exigências de prevenção especial se mostram significativas de modo a que seja aplicada uma pena perto daquele limite mínimo, mas ainda apta a salvaguardar as exigências de prevenção geral. Assim sendo, consideramos como adequada a pena única de 5 anos de prisão.

XIII — O arguido já beneficiou da aplicação do regime aplicável aos jovens delinquentes, porém as exigências de prevenção especial que determinaram esta aplicação serão mais fortemente asseguradas se, respeitando as exigências de prevenção geral, possamos assegurar o contexto necessário para que esta integração se atualize.

XIV — Ora, trata-se de um delinquente primário que, tendo em conta o apoio familiar que apresenta, nomeadamente, a possibilidade de poder retomar a vida afastando-se dos grupos de jovens que de algum modo determinaram o seu comportamento, e sabendo que se mostrou arrependido e apresentou algum juízo de auto-censura, considera-se que a simples ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, pelo que é de aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, de acordo com o disposto no art. 50.º, n.º 1, do CP pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP.

XV — Atenta a idade do arguido, a suspensão deve ser acompanhada de regime de prova nos termos do art. 53.º, n.º 3, do CP.

XVI — Nos termos do art. 54.º, n.º 3, do CP, o tribunal pode impor deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º, do CP, pelo que, atento todo o circunstancialismo que envolveu a prática do crime e envolveu o jovem delinquente, o tribunal considera necessário impor desde já, ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 1, al. c), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP, a frequência de curso profissional no local onde vier a residir caso não esteja a trabalhar, bem como, complementarmente, a obrigação de se afastar dos bairros circundantes à zona onde vivia na altura dos factos praticados e julgados nestes autos (cf. art. 52.º, n.º 2, al. b), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP), e a obrigação de não ter em seu poder objetos capazes de facilitar a prática de crimes quando se ausenta da residência autos (cf. art. 52.º, n.º 2, al. f), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:



I

Relatório



1. Nestes autos, foi condenado por acórdão, de 05 de abril de 2016, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Instância Central — 1.ª secção criminal — juiz 20), entre outros, o arguido AA pela prática, em concurso efetivo,

-  de uma tentativa de um crime de homicídio, previsto e punido nos termos dos art. 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, todos do Código Penal (doravante CP), na pena de prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, e

- de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do art. 86.º, n.º 1, al. d), e art. 2.º, n.º 1, al. m), ambos da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de prisão de 9 (nove) meses, e

-  em cúmulo, na pena única de prisão de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses.

2. O arguido, inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando as seguintes conclusões:

«1. O Arguido e ora Recorrente foi condenado como autor material de um crime de homicídio sob a forma tentada p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 73º e 131º todos do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão e autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. nos termos dos artigos 2º / 1 / m) e 86º / 1 / d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 9 meses de prisão;

2. E em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos a 9 meses de prisão,

3. O presente recurso visa apenas e tão só a medida da pena aplicada ao Arguido, uma vez que nos parece elevada, visto que, com todo o respeito e que muito é, que por parte do Tribunal a quo houve um excesso de zelo no momento da aplicação da pena ao ora Recorrente.

4. O Arguido e ora Recorrente não se conforma com a condenação sofrida, nem com os moldes em que a mesma se sustenta, daí apresentar o presente recurso ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

5. No entanto, entendemos, sempre salvo o devido respeito que o Tribunal a quo não respeitou nem deu cumprimento ao artigo 71º do Código Penal.

6. Isto porque, e sempre salvo o devido respeito, o Tribunal a quo no momento da aplicação da pena de multa ao arguido e ora recorrente, não se socorreu ou sopesou de critérios de razoabilidade.

7. Para quem não tem antecedentes criminais, como é o caso do Arguido e ora Recorrente, a pena a aplicar, não se situando nos mínimos legais, deveria ter sido fixada pouco acima destes mínimos, até um pouco abaixo da metade do limite máximo aplicável.

8. Contudo, entendemos que a pena aplicada ao Arguido é uma condenação demasiadamente elevada, condenando o Recorrente muito para além da sua culpa.

9. A pena a aplicar ao Arguido e ora Recorrente, em cúmulo jurídico, nunca deveria ter ultrapassado entre os 4 anos e os 4 anos e 10 meses de prisão, suspensos na sua execução.

10. Sendo esta uma pena, sujeita a forte regime de prova, mais facilmente encaminharia este jovem nos “carris da Lei e do Direito”, no sentido de “arrepiar caminho” para a sua ressocialização.

11. É nosso entendimento que o Arguido e ora Recorrente merece que lhe seja dada uma oportunidade por parte de V. Exas., Venerandos Desembargados, sendo que o futuro nos dirá que mereceu essa oportunidade.

12. Salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal a quo não se socorreu de critérios de razoabilidade e bom senso no momento da condenação aplicada.

13. Pelo que o Acórdão nos moldes em que foi proferido não poderá nem deverá subsistir, devendo ser substituído por outro que atente aos fundamentos ora expostos.

Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogado o Acórdão que condena o Arguido e ora Recorrente, em cúmulo jurídico, numa pena 5 anos e 9 meses de prisão, visto que é uma pena demasiado elevada, a qual condena o arguido muito além da sua culpa, substituindo-a por uma outra aplicando ao arguido uma pena menos severa, entre os 4 anos e os 4 anos e 10 meses de prisão, suspensos na sua execução e com um forte regime de prova, acautelando-se deste modo todas as finalidades de prevenção geral e especial, e em particular a ressocialização do Recorrente.»


3. O recurso foi admitido por despacho de 11.05.2016 (cf. fls. 907), e remetido, por despacho de 17.06.2016 (cf. fls. 917), diretamente para o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (doravante CPP).

4. O Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Lisboa (Lisboa — Procuradoria Instância Central — 1.ª secção criminal) respondeu, tendo concluído que

1. A sanção foi aplicada na medida certa pelo Tribunal que enunciou, com profundidade bastante, as razões que o levaram a tal decisão. Teve em linha de conta os factores a considerar para a determinação da medida concreta da pena de prisão, que decorrem dos arts. 40.º, 70.º e 71.º, todos do C.Penal, doseando a pena no “quantum” adequado.

2.Pelo que deverá considerar-se o recurso interposto pelo arguido improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos.” (cf. fls. 914 e ss).

5. Uma vez subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça apresentou parecer concluindo pelo “provimento quanto à alteração da pena de prisão por autoria do crime de homicídio tentado e da pena única, que também poderá ser suspensa na sua execução” (cf. fls. 932); considera que a partir da matéria de facto provada não deverá estabelecer-se um “juízo de prognose desfavorável ao AA” (cf. fls. 928), pelo que “se poderá visualizar uma vantagem ainda que eventualmente “ténue” ao prognóstico do seu comportamento futuro, pelo que será possível a aplicação do regime especial e eventual atenuação especial da pena ao arguido AA por se verificarem alguns pressupostos, face aos factos provados” (cf. fls. 929), considerando o comportamento do arguido como “ocasional” (idem), entendendo que “as penas parcelar e única aplicada poderá ser alteradas ou por ser considerada a atenuação especial quando o arguido tinha apenas 18 anos, bom comportamento até então ou se tal não for entendido, a medida da pena de homicídio tentado quanto ao número de anos ficar pelos 4 anos e 6 meses e a pena única resultante do concurso poderá ser fixada próxima dos 5 anos de prisão suspensa na sua execução mas subordina[da] a condições e regime de prova” (cf. fls. 931).

6. Foi este parecer notificado ao arguido que, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu (cf. fls. 935 e ss), reafirmando as motivações do recurso apresentadas e mostrando a sua total concordância com o parecer apresentado.

7. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.



II


Fundamentação


A. Matéria de facto

1. Matéria de facto assente nas instâncias (não se transcreve a matéria de facto exclusivamente referente aos outros arguidos não recorrentes, como a relativa à sua condição pessoal):

«1. Os arguidos AA, BB, CC e DD, vivem no Bairro da …, no Seixal, local onde EE também viveu, até há cerca de três ou quatro anos atrás.

2. Por este motivo, aquele conhecia os arguidos, tendo inclusivamente sido colega de escola do arguido AA.

3. No dia 20 de Junho de 2015, os arguidos AA, BB, CC e DD, decidiram ir à praia de Carcavelos, tendo para esse efeito apanhado o barco no Seixal, localidade onde residiam, em direcção a Lisboa.

4. Cerca das 13h20m, chegaram à estação fluvial do Cais do Sodré, tendo encontrado FF, que era amigo dos arguidos, e que vivia no mesmo bairro daqueles.

5. O FF disse então aos arguidos que havia acabado de acontecer uma altercação entre ele e um grupo de indivíduos do qual fazia parte EE.

6. De imediato os arguidos decidiram entre todos "retaliar" contra EE, que viram sentado num banco situado nas imediações da estação.

7. Ao aperceber-se que os arguidos o queriam atingir fisicamente, EE tentou fugir do local onde estava sentado ;

8. Nessa altura EE foi rasteirado pelo arguido DD, e caiu no chão, desamparado.

9. Os arguidos acercaram-se então do ofendido ;

10. Tendo o arguido BB desferido pelo menos uma chapada na cara e dois pontapés no corpo do EE ;

11. Por sua vez, o arguido CC atingiu o ofendido com uma corrente de metal com cerca de 80 cm de comprimento, desferindo-lhe duas pancadas que o atingiram na zona das costas.

12. Entretanto o arguido AA retirou uma faca que tinha consigo, e com este instrumento desferiu três golpes no corpo do ofendido, que o atingiram na região posterior do tórax (dois deles) e na região lombar (o outro).

13. Após o desferimento destes últimos golpes, o ofendido, apesar de ferido, ainda se conseguiu levantar para fugir, tendo entretanto perdido a consciência e caído.

14. Alguns transeuntes que se encontravam na via pública gritaram então por ajuda, tendo-se entretanto os arguidos colocado em fuga, apanhando juntos um barco de volta para o Seixal, na estação do Cais do Sodré.

15. Acabaram por ser detidos pela Polícia Marítima, no interior da embarcação denominada "GG" ainda antes do barco chegar ao seu destino.

16. Foi apreendida a faca utilizada pelo arguido AA, e que este havia embrulhado nuns calções e depositado junto a umas cadeiras da embarcação, tentando assim dissimulá-la (cfr. auto de fls.16).

17. Tratava-se de uma faca de cozinha, de marca "Kitchendelight", de lâmina com 16 cm de comprimento, com o cabo em plástico preto.

18. Foi apreendida ao arguido CC a corrente de metal por ele utilizada na prática dos factos.

19. O ofendido EE foi transportado ao Hospital de S. José, em Lisboa, onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica de urgência, tendo ficado internado naquele estabelecimento de saúde durante o período de 9 dias, e permanecido 48 horas na respectiva Unidade de Cuidados Intensivos.

20. Como consequência directa e necessária das agressões infligidas pelo arguido AA resultaram para o ofendido EE as seguintes lesões físicas :

- ao nível do hábito externo :

- duas feridas torácicas posteriores,

- e uma ferida lombar,

- apresentando a superior perfurante direita para lá da grelha costal com eventual perfuração pleural; a ferida inferior para mediana esquerda já em posição lombar apresentava um trajecto oblíquo que contactava corpo vertebral; e a ferida intermédia paramediana esquerda, de maiores dimensões e com secção muscular,

- ao nível do hábito interno :

- hemnopneumotórax bilateral, mais expressivo à direita, com colapso do parênquima pulmonar adjacente,

- baço com laceração completa / rotura

- hemoperitoneu em todos os recessos peritoneais 

- a nível retroperitoneal peri-renal esquerdo, hematoma não expansivo com solução de continuidade peritoneal,

- hematoma não expansivo retroperitoneal por continuidade ao longo do psoas esquerdo,

- laceração diafragmática.

21. Em virtude dessas lesões, o ofendido foi imediatamente após os factos conduzido para o Hospital de São José, em Lisboa, onde no mesmo dia foi submetido a intervenção cirúrgica de emergência, no âmbito da qual, e designadamente, foi executada esplenectomia total (remoção do baço) e se procedeu ao encerramento dos vários ferimentos indicados – após a qual o ofendido permaneceu 48 horas na unidade de cuidados intensivos, e ficou em situação de internamento hospitalar até 28/06/2015.

22. Em consequência Estas lesões determinaram ao ofendido 90 dias de doença com incapacidade para o trabalho.

23. O arguido AA, ao agir da forma descrita, nomeadamente ao espetar pela forma descrita a região posterior do tórax e a região lombar do ofendido EE socorrendo-se da aludida faca, este arguido previu que poderia tirar a vida do ofendido, pois estava bem cientes da violência que imprimia aos golpes infligidos e que estava a ser utilizada aquela arma branca como instrumento letal de agressão ;

24. Conformou-se o arguido AA com esse resultado, bem sabendo que as zonas corporais onde atingiu o ofendido alojavam órgãos vitais e vasos sanguíneos importantes, pelo que lhe poderia causar a morte com a sua conduta.

25. Tal resultado apenas não ocorreu por motivos alheios à sua vontade, mormente pela intervenção médico-cirúrgica atempada a que o ofendido foi sujeito.

26. Por seu turno, os arguidos BB, CC e DD, ao actuarem pela forma como actuaram, fizeram-no com o intuito, que cada um logrou alcançar, de atingir o corpo do ofendido EE pela forma como o fizeram, sabendo cada um que actuava em conjunto com os outros e que todos tinham o intuito de atingir fisicamente o mesmo ofendido;

27. O arguido AA estava bem ciente de que estava a ser por si utilizada uma arma branca, e o CC estava bem ciente de que estava a ser por si utilizada uma corrente em ferro, sendo que cada um destes arguidos conhecia as características do objecto que cada um respectivamente detinha – o AA da faca e o CC da corrente -, e cuja posse e detenção naquelas circunstâncias bem sabiam ser proibida.


28. Todos os arguidos agiram livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta lhes era vedada e censurável por lei.

        Dos percursos de vida e condições sócio-económicas dos arguidos

29.1.    O arguido AA é o único filho do relacionamento entre os pais, os quais se separaram quando o arguido tinha cerca de 8 anos. Durante os anos de vivência em comum com os pais, a dinâmica sócio familiar revelou-se pouco estruturante para o arguido já que o pai constituiu-se como uma figura pouco presente no seu processo educativo, com fraca vinculação à família, e que delegou, quase em exclusivo na mãe, o papel de providenciar a sustentabilidade familiar. O pai do arguido tinha poucos hábitos de trabalho e não dava habitualmente dinheiro para a casa, sendo a mesma sustentada pelo seu trabalho, como balconista na restauração. Mantinha ainda para com a progenitora uma postura agressiva e violenta, que deu origem a vários processos de violência doméstica e á sua condenação a uma pena de prisão suspensa na sua execução por 5 anos. Contudo o facto do mesmo ter permanecido na morada de família, recusando-se a abandonar a mesma, levou a progenitora a abandonar a habitação com o arguido e ficar a viver temporariamente em casa da sua mãe, avó materna de AA. Após a separação o pai manteve uma ligação pouco vinculativa com o filho, e com o tempo foi-se distanciando do mesmo.

AA iniciou a escolaridade em idade regular e fez um percurso normal e integrado até ao 5° ano de escolaridade. Tendo manifestado interesse pelo futebol desde criança foi integrado num clube local, onde tinha treinos regulares que lhe ocupavam habitualmente vários dias da semana em horário pós-escolar.

Nessa fase, já separada do pai e a viver em casa arrendada com o filho, próximo da avó materna, a mãe mantinha sozinha a sustentabilidade familiar com alguma dificuldade, mas assegurando as necessidades do filho, e sem que este manifestasse qualquer problema de comportamento quer em casa como na escola, na decorrência desta dinâmica familiar.

Este contexto contudo veio a alterar-se a partir da adolescência do arguido, numa fase em que o mesmo começou a manifestar desinteresse pela escola e tendência para faltar às aulas para ficar com os amigos no recinto escolar e a ocupar-se com estes com actividades lúdicas, e a mãe dispunha de menos condições para o controlar, dado ter mudado de emprego, para caixa de um supermercado e estar sujeita a horários desfasados e por turnos.

Ainda que a mãe procurasse acompanhar e impor regras ao quotidiano do filho, AA ficava sozinho ou com a presença da avó materna com alguma frequência, sobretudo em horários pós escolares. Este contexto situacional, aliado à regra imposta pela mãe, de AA não levar amigos para casa na sua ausência, facilitou que este procurasse no exterior companhia, junto dos pares do mesmo nível etário e estreitasse laços com estes.

A nível escolar, o arguido regista dificuldades de adaptação sobretudo a partir do 5° ano de escolaridade, evidenciando desmotivação e falta de interesse pela aprendizagem. Reprovou vários anos desde o 5° ano e encontrava-se a frequentar o equivalente ao 7° ano num curso vocacional que lhe daria equivalência ao 9º ano, quando foi preso pelo presente processo.

À data dos factos, o arguido assentava o seu modo de vida sobretudo na relação com o grupo de pares da escola e do bairro, sendo que a vivência destes grupos se traduzia também numa postura de conflito e rivalidade intergrupal com outros de outras zonas habitacionais.

Não obstante a família do arguido, nomeadamente a mãe, mostra disponibilidade para acolher e apoiar AA quando este estiver em liberdade e dispõe das condições para assegurar a sua manutenção. Contudo, ciente actualmente dos riscos a que o filho poderá estar sujeito, por parte dos grupos de jovens dos bairros circundantes, se este voltar ao meio residencial, pretende emigrar com o mesmo para o Luxemburgo, onde tem familiares, quando a sua situação jurídico-penal o permitir.

Actualmente detido em prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, no E.P. de Lisboa, o arguido tem a visita regular dos seus familiares.

(...)

          Dos antecedentes criminais dos arguidos

30. Os arguidos nunca foram condenados pela prática de qualquer ilícito criminal.»


B. Matéria de direito

1. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente aquando da interposição do recurso, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo do conhecimento oficioso de nulidades e dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.

Tendo em conta as conclusões apresentadas, o arguido apenas recorre da medida da pena parcelar relativa à tentativa do crime de homicídio e da medida da pena única, nomeadamente por considerar que deveria ter sido aplicado o regime de atenuação especial da pena para jovens delinquentes, e por entender que as penas não são adequadas por demasiado elevadas, dado que, tratando-se de um arguido sem antecedentes criminais, a pena deveria ter sido fixada em medida pouca acima do mínimo da moldura permitindo a possibilidade de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, ainda que sujeita a “forte regime de prova”.

Tratando-se de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão e de uma pena única conjunta também superior a este limite, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP é admissível recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Da matéria de facto provada, verifica-se que o recorrente participou com os demais arguidos na prática de um crime violação da integridade física, tendo, porém, excedido o acordado, pelo que apenas o arguido agora recorrente deve ser punido pelo excesso, como sucedeu. Na verdade, “se as acções de singulares co‑autores que vão para além dela [decisão conjunta] tiverem lugar (casos ditos de excesso), sejam elas praticadas com dolo ou por negligência, só podem ser imputadas em princípio ao(s) seu(s) autor(es) singular(es)” (Figueiredo Dias, Direito Penal I, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 31/ § 32, p. 793). Por isso, a tentativa de crime de homicídio qualificado, que tinha sido (aquando da acusação) imputada em co-autoria aos quatro arguidos, foi, após alteração da qualificação substancial dos factos nos termos legais, apenas imputada ao arguido agora recorrente, tendo os restantes três arguidos sido condenados, em co-autoria, pelo crime de violação da integridade física qualificada (nos termos dos arts. 145.º n.º 1, al. a) e n.º 2, 143.º, e 131.º, n.º 2, al. h) [no dispositivo, por lapso, refere-se o art. 13.º, n.º 2, al. h)], todos do CP).

Porém, não podemos esquecer a decisão conjunta e a execução conjunta de todos os intervenientes na agressão física ao ofendido EE. De acordo com a matéria de facto provada, nomeadamente o facto provado 6 — “De imediato os arguidos decidiram entre todos "retaliar" contra EE, que viram sentado num banco situado nas imediações da estação” — e facto provado 9 — “Os arguidos acercaram-se então do ofendido” —, verifica-se que todos atuaram em ordem à execução da decisão conjunta. Porém, esta apenas abrangia a agressão física sem que tivessem decidido matar a vítima, e apenas por isto o excesso apenas deve ser imputado ao arguido agora recorrente. Mas, isto não o afasta da co-autoria inicial. Pelo que, tendo depois praticado um crime de homicídio na forma tentada, em claro excesso relativamente ao que tinha sido decidido anteriormente, punir o arguido pelo crime de violação da integridade física qualificada e pela tentativa do crime de homicídio seria punir duas vezes o mesmo facto (cf. neste sentido, Figueiredo Dias, ob. cit. supra, 43/ § 28, p. 1021), e por isso apenas foi condenado pelo crime de homicídio simples na forma tentada, dado que apenas deve ser punido pelo crime dominante. Porém, aquando da determinação da pena concreta não deve ser olvidado o ilícito dominado (cf. Figueiredo Dias, ob. cit. supra, 43/§ 11 e ss, p. 1011 e ss).

Apesar disto, consideramos que a punição pela tentativa do crime de homicídio foi a adequada, pelo que não entendemos estar a fazer uma qualificação distinta, ainda que consideremos ser admissível o conhecimento oficioso da qualificação jurídica dos factos (cf. acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/95, de 7 de junho, DR, I série-A, de 06.07.1995, p. 4298). Na verdade, questionando-se sobre se “o Supremo Tribunal de Justiça poderá ou não alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal dos factos recolhidos na instância recorrida e sobre os quais esta erigiu a decisão que, uma vez proferida, subiu em recurso à instância superior” (acórdão cit., p. 4298-9), entendeu-se que o que “está em debate é a admissibilidade ou não da qualificação jurídica dos factos feita na instância em caso de recurso, quando a mesma qualificação não esteja em debate, ou seja, não constitua objecto de impugnação” (acórdão cit., p. 4299), tendo-se concluído, e fixado jurisprudência, no sentido de que

“O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”.

Assim, ainda que em obediência ao princípio da proibição da reformatio in pejus não possa o tribunal superior “modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes” (cf. art. 409.º, n.º 1, do CPP), e ainda que o recurso esteja limitado pela sua motivação e conclusões, não podemos deixar de considerar que o arguido agora recorrente, tendo em conta a matéria de facto provada, participou igualmente no crime que esteve na base da decisão conjunta de todos os arguidos — a agressão ao ofendido. Porém, atendendo à tentativa de homicídio praticado, deverá apenas ser punido pelo ilícito dominante, tal como aconteceu de acordo com a decisão recorrida, mas sem que se deixe de ter em consideração a sua anterior participação naquele outro crime. Assim, sem que se viole o princípio da proibição da reformatio in pejus deve, no entanto, ter-se em consideração que a avaliação da pena deverá ter em conta todo o circunstancialismo praticado pelo arguido.

3. Cumpre ainda referir que o recorrente foi punido pela tentativa do crime de homicídio dando-se como provado que  o “ arguido AA, ao agir da forma descrita, nomeadamente ao espetar pela forma descrita a região posterior do tórax e a região lombar do ofendido EE socorrendo-se da aludida faca, este arguido previu que poderia tirar a vida do ofendido, pois estava bem cientes da violência que imprimia aos golpes infligidos e que estava a ser utilizada aquela arma branca como instrumento letal de agressão” (facto provado 23), e “[c]onformou-se o arguido AA com esse resultado, bem sabendo que as zonas corporais onde atingiu o ofendido alojavam órgãos vitais e vasos sanguíneos importantes, pelo que lhe poderia causar a morte com a sua conduta” (facto provado 24), ou seja, o arguido agiu com dolo eventual (cf. art. 14.º, n.º 3, do CP). Isto é, ou atuar como atou decidiu-se pelo risco da sua conduta, decidiu-se pela possibilidade real da existência de risco para a vida do ofendido decorrente da conduta que assumiu. Assim, entende-se que ainda há aqui uma margem de decisão necessária à integração da tentativa [no mesmo sentido, cf. Figueiredo Dias, Direito Penal cit. supra, cf. 13/§§ 45, 47 e 49 (p. 372, 374 e 375) e 28/§§ 10 e 12, (p. 693 e 694-5), e bibliografia e jurisprudência aí referida; também no sentido da admissibilidade da tentativa com dolo eventual, entre outros, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa: UCP, 3.ª ed., 2015, art. 22/nota 3, p. 185, Fernanda Palma, Da tentativa possível em Direito Penal, Coimbra: Almedina, 2006, p. 79 e ss] pelo que, de acordo com jurisprudência deste tribunal, entende-se ser possível a punição da tentativa nestes casos (cf. entre outros, acórdão do STJ, de 11.07.2012, proc. n.º 123/10.8GAVLP.P1.S1, Relatora: Cons. Isabel Pais Martins, de 02.04. 2009, proc. n.º 3277/08, Relator: Cons. Souto Moura, de 11.09.2008, proc. n.º 587/08, Relator: Cons. Rodrigues da Costa, de 23.11.2006, proc. n.º 3770(06, Relator: Cons. Santos Carvalho, de 08.06.2006, proc. n.º 3356/05, Relator: Cons. Arménio Sottomayor).

4.1. O recorrente começa por considerar que a pena aplicada ao homicídio tentado, de 5 anos e 6 meses de prisão, não é a adequada, pois devia ter sido aplicado o regime especial para jovens (decreto-lei n.º 401/82, de 23.09) uma vez que o arguido tinha 18 anos à prática dos factos (os factos foram praticados a 20.06.2015 e o arguido nasceu a 03.02.1997), e, portanto, a moldura devia ser atenuada.

Na verdade, nos termos do art. 131.º, do CP, é aplicável ao homicídio a pena de prisão entre 8 e 16 anos, sendo atenuada nos casos de tentativa, nos termos dos arts. 23.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do CP, pelo que a moldura da pena aplicável ao caso dos autos é entre 10 anos e 8 meses e 1 ano, 7 meses e 6 dias. Caso se entenda que o regime da atenuação especial para jovens adultos (cf. art. 4.º, do decreto-lei n.º 401/82), aplicável por força do disposto no art. 9.º, é passível de aplicação no presente caso, e fazendo funcionar as diversas circunstâncias atenuantes segundo o regime sucessivo (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal — Consequências Jurídicas do crime, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1993, § 271), a moldura da pena seria de prisão entre 6 anos, 3 meses e 10 dias e 1 mês (cf. arts. 73.º, n.º 1, al. b) e 41.º, n.º 1, ambos do CP).

Se, por um lado, não existe qualquer dúvida quanto à atenuação resultante da tentativa do crime de homicídio, por outro lado, já o mesmo não podemos afirmar relativamente à aplicação da atenuação especial resultante da idade do jovem delinquente.

Ora, nos termos do art. 9.º, do CP, são aplicáveis as normas relativas a maiores de 16 anos e menores de 21 anos estabelecidas em legislação especial — decreto-lei n.º 401/82, de 23.09, e de acordo com ao art. 4.º do diploma referido, “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Assim, verificamos que a atenuação especial não constitui um “efeito automático” resultante da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar caso a caso, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que nos permitam concluir que a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena menor. Conciliando as exigências especiais de prevenção no sentido de integração do delinquente na sociedade e as exigências de prevenção geral, deve a pena ser reduzida para que aquelas exigências de prevenção especial sejam asseguradas entendendo o legislador que ainda assim as exigências de prevenção geral não são demasiadamente comprimidas. Ou seja, cabe ao julgador, por força do disposto no art. 9.º, do CP, averiguar se é possível aplicar as normas especiais aplicáveis a delinquentes com idade entre os 16 anos e os 21 anos, devendo aplicá‑las sempre que admita, com uma razoabilidade evidente, que daí possam resultar vantagens para a ressocialização daquele jovem. Ou seja, a jovem idade do delinquente não é requisito que automaticamente permita ao julgador atenuar especialmente a moldura abstrata do crime em que aquele será condenado. A idade jovem é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial — estes requisitos são a existência de “sérias razões” que lhe permitam “crer” que daquela atenuação resulte alguma vantagem para uma mais fácil reintegração do jovem agente. Abstratamente analisando qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização sempre que a pena seja menor. Sabendo do efeito altamente criminógeno da pena de prisão, tudo aponta no sentido de que quanto menor a pena de reclusão for menor será aquele efeito e, consequentemente, maior a possibilidade de uma vez fora da prisão, o jovem poder optar por uma vida longe do crime. Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados. Ora, para tanto o julgador deverá munir-se de elementos necessários que lhe permitam objetivamente decidir, e neste âmbito o relatório social integrado nos autos assume um relevo especial. 

Tendo em conta a matéria de facto provada, verificamos que o arguido participou nas agressões desferidas contra a vítima e num claro excesso relativamente ao que tinha sido previamente acordado utilizou a faca de cozinha com uma lâmina de 16 cm de comprimento (facto provado 17) e desferiu 3 golpes no ofendido (facto provado 12), dos quais resultaram diversas e graves lesões (facto provado 20) que determinaram uma permanência nos cuidados intensivos por um período de 48 horas, um internamento por 8 dias (facto provado 21), e uma incapacidade para o trabalho por 90 dias (facto provado 22) e a remoção do baço (facto provado 21); só não resultou a morte do ofendido por causa da pronta intervenção (alheia à vontade do arguido) de terceiro (facto provado 25). Os factos por si só são de extrema gravidade, não só pelo que causaram como ainda pelo facto de evidenciarem que o arguido já saiu de casa portador de uma arma branca, sem que soubesse à partida o que iria suceder — é que, de acordo com a matéria de facto provada, o arguido saiu para ir à praia (facto provado 3) e apenas quando chegou à estação fluvial dos Cais do Sodré soube da agressão de que o amigo João Cruz  teria sido vítima e é perante esta informação que todos resolveram “retaliar” (factos provados 3, 4, 5 e 6).

No que respeita à sua situação pessoal, sabe-se que é delinquente primário (facto provado 30), e sabe-se que, apesar de ter vivido até à adolescência num ambiente onde a “dinâmica sócio-familiar [se revelou] pouco estruturante” (facto provado 29.1) o arguido fez um percurso escolar normal até ao 5.º ano de escolaridade, “sem que este [arguido] manifestasse qualquer problema de comportamento quer em casa como na escola, na decorrência desta dinâmica familiar” (facto provado 29.1). Porém, a partir da adolescência, o quadro mudou: passou a “manifestar desinteresse pela escola”, passou a ter “tendência para faltar às aulas”, nos horários pós-escolares passou a ficar sozinho ou apenas com a presença da avó materna, o que aliado ao facto de a mãe não permitir que levasse amigos para casa originou a que “procurasse no exterior companhia, junto dos pares do mesmo nível etário e estreitasse laços com estes” (facto provado 29.1); passou a ter dificuldades de adaptação ao nível escolar, e “evidenciando desmotivação e falta de interesse pela aprendizagem” (facto provado 29.1). Assim, à “data dos factos, o arguido assentava o seu modo de vida sobretudo na relação com o grupo de pares da escola e do bairro, sendo que a vivência destes grupos se traduzia também numa postura de conflito e rivalidade intergrupal com outros de outras zonas habitacionais” (facto provado 29.1.). Apesar de tudo isto, a mãe mostra-se motivada para o apoiar uma vez em liberdade “e dispõe das condições para assegurar a sua manutenção” (facto provado 29.1.), “[c]ontudo, ciente actualmente dos riscos a que o filho poderá estar sujeito, por parte dos grupos de jovens dos bairros circundantes, se este voltar ao meio residencial, pretende emigrar com o mesmo para o Luxemburgo, onde tem familiares, quando a sua situação jurídico-penal o permitir” (facto provado 29.1.). Além do mais, o arguido tem usufruído da visita regular dos familiares no estabelecimento prisional onde está detido (facto provado 29.1).

Todos estes factos, o apoio familiar, mas também os factos praticados que levaram à condenação aliado ao facto de se tratar de um delinquente primário, não evidenciam, apesar de tudo, um prognóstico completamente negativo relativamente à possibilidade da ainda integração do jovem delinquente num mundo afastado do crime e externamente condizente com as regras sociais.

Na verdade, se, por um lado, a gravidade dos factos praticados são de molde a colocar-nos algumas dúvidas quanto à possibilidade de integração na sociedade, por outro lado, o apoio familiar e a tentativa de afastar o arguido do ambiente de “conflito e rivalidade intergrupal” (facto provado 29.1.) apresentam um relevante indício positivo no sentido da reintegração do jovem.

Entendemos, pois, que não podemos simplesmente retirar da gravidade do crime praticado a impossibilidade de reintegração do agente. Na realidade, sempre que resulte algum dado que nos permita considerar que a atenuação especial trará vantagem para a ressocialização do delinquente, esta atenuação deve ser aplicada, sem que as exigências de prevenção geral por si só sejam de molde a afastar este regime especial.

Tanto mais que não estamos a analisar casos em que se pretenda não aplicar a pena de prisão, mas sim a considerar que as exigências de prevenção geral ainda são asseguradas com uma atenuação especial da moldura abstrata da pena de prisão, e dentro desta deverá então ser aplicada a pena em atenção às exigências de prevenção e tendo em conta a culpa do condenado. Ou seja, se a culpa for bastante elevada, até poderemos entender que, apesar de a moldura ter sido diminuída ainda assim a pena deverá situar-se perto do limite máximo ainda comportável por aquela culpa. Isto para dizer que não é a culpa do arguido consubstanciada no facto concreto que praticou que nos poderá limitar a aplicação do regime especial de jovens adultos. A única coisa que a lei impõe como limite à aplicação desta atenuação especial é a consideração de que o arguido não tirará quaisquer vantagens para a sua reintegração social daquela diminuição. Ora, saber se tirará vantagens ou não apenas resultará do que ele estará disposto a fazer uma vez em liberdade — o que nos poderia ser dado, por exemplo, pelo modo como encara agora os factos praticados e pelos quais está a ser julgado: embora nada conste da matéria de facto provada, todavia no acórdão refere-se que todos os arguidos “admitiram a prática objectiva dos actos” (cf. fls. 853), apesar de o arguido agora recorrente não ter admitido que tivesse atuado “com intuito de tirar a vida ao ofendido” (cf. acórdão a fls. 854), mas “todos ao quatro arguidos reconheceram a gravidade da sua actuação, de que se disseram arrependidos, de forma que se reput[ou] relativamente sincera, ainda que altamente condicionada pelas graves consequências jurídico-penais em equação nos presentes autos” (idem), tendo concluído o acórdão que “denotaram assim os arguidos, e apesar de tudo, algum juízo de auto-censura” (ibidem)  — e do que o esperará cá fora quando sair da prisão, aliado a um menor tempo na prisão para assim ficarem diminuídos, pelo menos teoricamente, os efeitos criminógenos daquela.

Ou, por outras palavras, poderemos ainda dizer: «A atenuação especial da pena não implica a aplicação de uma pena meramente simbólica ou sequer aligeirada, antes o reconhecimento de que a imaturidade, própria de quem tem a personalidade ainda em desenvolvimento, merece da sociedade, em regra, uma menor severidade do que aconteceria se os mesmos crimes fossem cometidos por um adulto. Ao menos aos jovens deve ser reconhecida uma oportunidade de refazer a vida. Deve recordar-se que no domínio do C. Penal de 1886, impregnado de valores que não são os democráticos de hoje, não era permitida, em caso algum, uma pena superior a 8 anos de prisão aos menores de 18 anos e superior a 16 anos de prisão aos menores de 21 anos. É certo que a criminalidade de hoje é muito diferente do que era no passado, que os fenómenos juvenis são agora diversos e que há um maior acesso ao conhecimento por parte dos mais novos; mas a maturidade só se adquire com a experiência de vida.» (acórdão do STJ, de 08.10.2008, proc. n.º 08P2830, Relator: J. Santos Carvalho).

No acórdão recorrido considerou-se, quanto à “não aplicação do regime especial para jovens aos arguidos”, que:

Atenta a idade dos arguidos à data dos factos, aos mesmos poderia ser aplicável o Regime Penal Especial para Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, previsto no D.L. 401/82, de 23 de Setembro.

    De acordo com o disposto no art. 4º deste diploma legal, se for aplicável pena de prisão deve o Tribunal atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Cód. Penal quando tiver razões para crer que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado.

     A aplicação deste regime não é, assim, obrigatória nem automática, sendo necessário que se tenha estabelecido positivamente que há razões para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem sem ser afectada a exigência de prevenção geral, isto é, de protecção dos bens jurídicos e da validade das normas (cfr. Ac. do S.T.J. de 08/04/1987, in BMJ 366º-450, e Ac. do S.T.J. de 15/01/1997, in Col. Jur.-STJ, ano V, tomo I, p.182).

      No caso concreto destes arguidos, não vislumbra o Tribunal qualquer facto que permita uma tal prognose eminentemente positiva. Não ficou demonstrada, na verdade, qualquer perspectiva verdadeiramente concreta de em termos de apoio pessoal ou social aos arguidos, que uma tal atenuação potenciasse, além de que essa eventual atenuação mostra-se claramente desaconselhada em face das exigências de prevenção que aqui se impõem.

Nestes termos, entende o Tribunal não poder concluir-se que resulte especialmente favorável à reinserção social do arguido a atenuação da sua pena, pelo que não se procederá a aplicação do regime legal aqui em causa.” (cf. fls. 854-5).

Ora, tendo em conta a matéria de facto provado no ponto 29.1., considerando que o arguido apresenta apoio familiar e que este apoio demonstra preocupação em tentar afastá-lo do ambiente que acabou por culminar nos factos praticados sob julgamento, não podemos concluir que não tenha ficado demonstrada qualquer possibilidade de um futuro apoio pessoal no sentido de permitir uma socialização do arguido. E, como como dissemos supra, a não aplicação do regime da atenuação especial não se baseia na maior gravidade do crime praticado ou na gravidade da ilicitude do comportamento ou na culpa do agente; pelo que não poderemos considerar, como se entendeu no acórdão recorrido, que uma possível atenuação não possa potenciar a integração do agente; tanto mais que as exigências de prevenção geral não constituem, como vimos, critério de afastamento da possibilidade de aplicação do regime especial aqui em discussão, mas apenas elemento a ponderar em sede de determinação da pena a partir da moldura que for aplicável.

Assim sendo, consideramos que estão cumpridos os pressupostos que permitem a aplicação deste regime especial de atenuação especial, pelo que procede nesta parte o recurso.

Deste modo, a determinação da pena a aplicar à tentativa de crime de homicídio será realizada a partir da moldura da pena de prisão entre o máximo de 6 anos, 3 meses e 10 dias e o mínimo de 1 mês, de acordo com o disposto nos arts. 9.º, 23.º, 41.º, n.º 1, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 131.º, todos do CP, e art. 4.º, do decreto-lei n.º 401/82, de 23.09).

4.2. A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-á ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor ou contra o arguido, nomeadamente os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenham sido tomadas em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).

Ora, no presente caso, não devendo a pena ultrapassar o limite imposto pela culpa, deve cumprir as exigências de prevenção geral e especial atenta a gravidade do crime cometido. Trata-se de um crime lesivo de bens eminentemente pessoais, causador de forte abalo social, atento o modo de atuação com fortes exigências de prevenção geral. Ainda que as exigências de prevenção especial se mostrem igualmente importantes, tendo em conta a idade jovem do arguido, a pena concreta deve situar-se claramente acima do meio da moldura penal, por força daquelas exigências de prevenção geral. Na verdade, a atitude do agente revelada, no facto de sair de casa já trazendo consigo uma arma branca e a sua imediata utilização no contexto de uma retaliação, demonstra uma indiferença pelas regras da sociedade em que vive. Mas, não podemos esquecer que o arguido agiu com dolo eventual (factos provados 23 e 24), pelo que consideramos que a pena adequada, sem esquecer as significativas exigências de prevenção geral, deverá estar apenas ligeiramente acima do meio da moldura, ou seja, consideramos a pena de prisão por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses como adequada às exigências de prevenção geral e especial e dentro do limite da culpa.

Porém, o recorrente foi ainda condenado pelo crime de detenção de arma proibida, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, al. m) e 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 3.02, na pena de prisão de 9 meses. Quanto a este crime, não só o arguido não interpôs recurso, como este não era admissível para este Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP.

Mas, recorre da pena única resultante do concurso de crimes, que iremos analisar de seguida.

5. O recorrente entende ainda que a pena aplicada ao concurso de crimes é demasiado elevada, “condenando o Recorrente muito além da sua culpa” (conclusão 8).

Nos casos de concurso de crimes[1], a determinação da pena única conjunta tem que obedecer (para além daqueles critérios gerais) aos critérios específicos determinados no art. 77.º do Código Penal. A partir dos critérios especificados é determinada a pena única conjunta, com base no princípio do cúmulo jurídico. Assim, após a determinação das penas parcelares que cabem a cada um dos crimes que integram o concurso, é construída a moldura do concurso, tendo como limite mínimo a pena parcelar mais alta atribuída aos crimes que integram o concurso, e o limite máximo a soma das penas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (de harmonia com o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP).

A partir desta moldura, é determinada a pena conjunta, tendo por base os critérios gerais da culpa e da prevenção (de acordo com o disposto nos arts. 71.º e 40.º do CP), ao que acresce um critério específico — na determinação da pena conjunta, e segundo o estabelecido no art. 77.º, n.º 1 do CP, "são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". Assim, a partir dos factos praticados, deve proceder-se a uma análise da "gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique"[2]). Na avaliação da personalidade ter-se-á que verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime, ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa. Apenas quando se possa concluir que se revela uma tendência para o crime, quando analisados globalmente os factos, é que estamos perante um caso onde se suscita a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso. Para além disto, e sabendo que também influem na determinação da pena conjunta as exigências de prevenção especial, dever-se-á atender ao efeito que a pena terá sobre o delinquente e em que medida irá ou não facilitar a necessária reintegração do agente na sociedade; exigências, porém, limitadas pelas imposições derivadas de finalidades de prevenção geral de integração (ou positiva).

Ora, sabendo que o arguido é condenado na a pena de prisão de 4 anos e 6 meses pelo crime de homicídio na forma tentada, e na pena de 9 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, nos presentes autos a moldura do concurso é de pena de prisão entre 5 anos e 3 meses e 4 anos e 6 meses. Será no âmbito desta moldura que deverá ser determinada a pena concreta a aplicar a este concurso de crimes, tendo em conta os critérios atrás enunciados.

Na verdade, e uma vez que o arguido apenas vem condenado por estes dois crimes e não constando do seu registo criminal outras condenações, não temos elementos que nos permitam concluir por uma carreira criminosa. Ou seja, tudo evidencia que se tratou de uma pluriocasionalidade, pelo que as exigências de prevenção especial se mostram significativas de modo a que seja aplicada uma pena perto daquele limite mínimo, mas ainda apta a salvaguardar as exigências de prevenção geral. Assim sendo, consideramos como adequada a pena única de 5 anos de prisão.

6. Uma vez considerada como adequada a pena de prisão de 5 anos, deverá equacionar-se a possibilidade (ou não) de aplicação de uma pena de substituição como a pena de suspensão da execução da pena de prisão.

O nosso sistema de reações criminais é claramente caracterizado por uma preferência pelas penas não privativas da liberdade — cf. art. 70.º do CP — devendo o tribunal dar primazia a estas quando se afigurem bastantes para que sejam cumpridas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. O arguido já beneficiou da aplicação do regime aplicável aos jovens delinquentes, porém as exigências de prevenção especial que determinaram esta aplicação serão mais fortemente asseguradas se, respeitando as exigências de prevenção geral, possamos assegurar o contexto necessário para que esta integração se atualize. Ora, trata-se de um delinquente primário que, tendo em conta o apoio familiar que apresenta, nomeadamente, a possibilidade de poder retomar a vida afastando-se dos grupos de jovens que de algum modo determinaram o seu comportamento (segundo o facto provado 29.1 “nomeadamente a mãe mostra disponibilidade para acolher e apoiar João Pinheiro quando este estiver em liberdade” e “ciente actualmente dos riscos a que o filho poderá estar sujeito, por parte dos grupos de jovens dos bairros circundantes, se este voltar ao meio residencial, pretende emigrar para o Luxemburgo, onde tem familiares, quando a sua situação jurídico-penal o permitir”), e sabendo que se mostrou arrependido e apresentou algum juízo de auto-censura (cf. acórdão a fls. 854), considera-se que a simples ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, pelo que é de aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, de acordo com o disposto no art. 50.º, n.º 1, do CP pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP.

Atenta a idade do arguido, a suspensão deve ser acompanhada de regime de prova nos termos do art. 53.º, n.º 3, do CP.

Nos termos do art. 54.º, n.º 3, do CP, o tribunal pode impor deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º, do CP, pelo que, atento todo o circunstancialismo que envolveu a prática do crime e envolveu o jovem delinquente, o tribunal considera necessário impor desde já, ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 1, al. c), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP, a frequência de curso profissional no local onde vier a residir caso não esteja a trabalhar, bem como, complementarmente, a obrigação de se afastar dos bairros circundantes à zona onde vivia na altura dos factos praticados e julgados nestes autos (cf. art. 52.º, n.º 2, al. b), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP), e a obrigação de não ter em seu poder objetos capazes de facilitar a prática de crimes quando se ausenta da residência autos (cf. art. 52.º, n.º 2, al. f), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP).

7. Do exposto pode concluir-se que:

a) O recorrente participou com os demais arguidos na prática de um crime violação da integridade física, tendo, porém, excedido o acordado, pelo que apenas o arguido agora recorrente deve ser punido pelo excesso.

b) Porém, não podemos esquecer a decisão conjunta e a execução conjunta de todos os intervenientes na agressão física ao ofendido, pelo que não fica afastada a co-autoria inicial.

c) Mas, tendo depois praticado um crime de homicídio na forma tentada, em claro excesso relativamente ao que tinha sido decidido anteriormente, punir o arguido pelo crime de violação da integridade física qualificada e pela tentativa do crime de homicídio seria punir duas vezes o mesmo facto, e por isso apenas foi condenado pelo crime de homicídio simples na forma tentada, dado que apenas deve ser punido pelo crime dominante.

d) Assim, sem que se viole o princípio da proibição da reformatio in pejus deve, no entanto, ter-se em consideração que a avaliação da pena deverá ter em conta todo o circunstancialismo praticado pelo arguido.

e) Tendo em conta a matéria de facto provada, o arguido agiu com dolo eventual, e admite-se tentativa com dolo eventual, na linha da doutrina maioritária e da jurisprudência deste tribunal.

f) Nos termos do art. 131.º, do CP, é aplicável ao homicídio a pena de prisão entre 8 e 16 anos, sendo atenuada nos casos de tentativa, nos termos dos arts. 23.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do CP, pelo que a moldura da pena aplicável ao caso dos autos é entre 10 anos e 8 meses e 1 ano, 7 meses e 6 dias. Caso se entenda que o regime da atenuação especial para jovens adultos (cf. art. 4.º, do decreto-lei n.º 401/82), aplicável por força do disposto no art. 9.º, é passível de aplicação no presente caso, e fazendo funcionar as diversas circunstâncias atenuantes segundo o regime sucessivo, a moldura da pena seria de prisão entre 6 anos, 3 meses e 10 dias e 1 mês (cf. arts. 73.º, n.º 1, al. b) e 41.º, n.º 1, ambos do CP).

g) A jovem idade do delinquente não é requisito que automaticamente permita ao julgador atenuar especialmente a moldura abstrata do crime em que aquele será condenado. A idade jovem é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial.

h) Abstratamente analisando qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização sempre que a pena seja menor. Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que o delinquente, uma vez fora da prisão, tem um ambiente propício a que se afaste de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados.

i) Todos os factos provados, o apoio familiar, mas também os factos praticados que levaram à condenação aliado ao facto de se tratar de um delinquente primário, não evidenciam, apesar de tudo, um prognóstico completamente negativo relativamente à possibilidade da ainda integração do jovem delinquente num mundo afastado do crime e externamente condizente com as regras sociais.  Na verdade, se, por um lado, a gravidade dos factos praticados são de molde a colocar-nos algumas dúvidas quanto à possibilidade de integração na sociedade, por outro lado, o apoio familiar e a tentativa de afastar o arguido do ambiente de “conflito e rivalidade intergrupal” (facto provado 29.1.) apresentam um relevante indício positivo no sentido da reintegração do jovem.

j) Entendemos, pois, que não podemos simplesmente retirar da gravidade do crime praticado a impossibilidade de reintegração do agente. Na realidade, sempre que resulte algum dado que nos permita considerar que a atenuação especial trará vantagem para a ressocialização do delinquente, esta atenuação deve ser aplicada, sem que as exigências de prevenção geral por si só sejam de molde a afastar este regime especial.

k) Ainda que as exigências de prevenção especial se mostrem igualmente importantes, tendo em conta a idade jovem do arguido, a pena concreta deve situar-se claramente acima do meio da moldura penal, por força das exigências de prevenção geral. Mas, não podemos esquecer que o arguido agiu com dolo eventual, pelo que consideramos que a pena adequada, sem esquecer as significativas exigências de prevenção geral, deverá estar apenas ligeiramente acima do meio da moldura, ou seja, consideramos a pena de prisão por 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses como adequada às exigências de prevenção geral e especial e dentro do limite da culpa.

l) Uma vez que o arguido apenas vem condenado por estes dois crimes e não constando do seu registo criminal outras condenações, não temos elementos que nos permitam concluir por uma carreira criminosa. Ou seja, tudo evidencia que se tratou de uma pluriocasionalidade, pelo que as exigências de prevenção especial se mostram significativas de modo a que seja aplicada uma pena perto daquele limite mínimo, mas ainda apta a salvaguardar as exigências de prevenção geral. Assim sendo, consideramos como adequada a pena única de 5 anos de prisão.

m) O arguido já beneficiou da aplicação do regime aplicável aos jovens delinquentes, porém as exigências de prevenção especial que determinaram esta aplicação serão mais fortemente asseguradas se, respeitando as exigências de prevenção geral, possamos assegurar o contexto necessário para que esta integração se atualize.

n) Ora, trata-se de um delinquente primário que, tendo em conta o apoio familiar que apresenta, nomeadamente, a possibilidade de poder retomar a vida afastando-se dos grupos de jovens que de algum modo determinaram o seu comportamento, e sabendo que se mostrou arrependido e apresentou algum juízo de auto-censura, considera-se que a simples ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, pelo que é de aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, de acordo com o disposto no art. 50.º, n.º 1, do CP pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP.

o) Atenta a idade do arguido, a suspensão deve ser acompanhada de regime de prova nos termos do art. 53.º, n.º 3, do CP.

p) Nos termos do art. 54.º, n.º 3, do CP, o tribunal pode impor deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º, do CP, pelo que, atento todo o circunstancialismo que envolveu a prática do crime e envolveu o jovem delinquente, o tribunal considera necessário impor desde já, ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 1, al. c), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP, a frequência de curso profissional no local onde vier a residir caso não esteja a trabalhar, bem como, complementarmente, a obrigação de se afastar dos bairros circundantes à zona onde vivia na altura dos factos praticados e julgados nestes autos (cf. art. 52.º, n.º 2, al. b), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP), e a obrigação de não ter em seu poder objetos capazes de facilitar a prática de crimes quando se ausenta da residência autos (cf. art. 52.º, n.º 2, al. f), do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, do CP).



III


Decisão

Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em dar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, determinando que

a) o arguido seja condenado na pena de prisão de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses, pela prática do crime de homicídio na forma tentada, nos termos dos art. 131.º, 23.º, 73.º, todos do CP, e art. 4.º, do Decreto-lei n.º 401/82, de 23.09, e

b) na pena única — resultante do concurso de crimes entre o crime de homicídio na forma tentada e o crime de detenção de arma proibida, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, al. m) e 86.º, n.º 1, al. d), da lei n.º 5/2006, de 23.02, em que vinha condenado na pena de 9 (nove) meses de prisão — de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, nos termos dos arts. 50.º e 53.º, n.º 3, ambos do CP, a fixar pelo IRS,

- tendo em conta a imposição de frequentar curso profissional no local onde vier a residir caso não esteja a trabalhar, bem como, complementarmente,

- a obrigação de se afastar dos bairros circundantes à zona onde vivia na altura dos factos praticados e julgados nestes autos e a obrigação de não ter em seu poder objetos capazes de facilitar a prática de crimes quando se ausenta da residência,

- imposições determinadas por este tribunal ao abrigo do disposto no art. 52.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, als. b) e f) do CP, ex vi art. 54.º, n.º 3, todos do CP;

c) No mais mantém-se a decisão recorrida, nomeadamente, a recolha e integração do perfil de ADN na base de dados criada ao abrigo da Lei n.º 5/2008, de 12.02.

Nos termos do art. 513.º, n.º 1, do CPP, não são devidas custas


Supremo Tribunal de Justiça, 8 de setembro de 2016


Os juízes conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

Nuno Gomes da Silva

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[1] Ou seja, em obediência ao princípio constitucional da legalidade criminal, a pena única apenas pode ser aplicada caso estejam verificados os seus pressupostos de aplicação, isto é, caso estejamos perante uma situação de concurso efetivo de crimes.
[2] Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421 (p. 291).