Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2845/13.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / DEVERES DO TRABALHADOR / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 127, 130, 821.
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª edição, Almedina, 559.
- Bernardo Lobo Xavier, Justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova, 190.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 548.
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 280 e ss..
- Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2013, 6.ª Edição, Almedina, 472, 914.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 128.º, N.º 1, ALÍNEAS C), E), H).
Sumário :
1. O trabalhador, que exerce funções de vendedor de equipamentos, que não cumpre uma ordem dada pelo empregador, sem qualquer justificação, apesar de lhe terem sido feitas várias insistências, para proceder à elaboração diária de um relatório das atividades por si desenvolvidas, nomeadamente, contendo a informação de visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e prospeção de mercado que andasse a fazer, viola o dever de obediência, a que está adstrito, nos termos do art.º 128.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho;

2. O mesmo trabalhador ao não enviar prontamente as propostas de venda aos clientes, ao não fazer o acompanhamento das propostas junto dos mesmos, ao não prestar informações aos colegas de trabalho sobre o estado das vendas, ao não acompanhar a execução das obras para tentar resolver eventuais problemas, não atuou da forma que era de esperar de um trabalhador médio, violando os deveres de zelo e diligência e de promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, previstos no art.º 128.º, n.º 1, alíneas c) e h), do Código do Trabalho.

3. O comportamento do trabalhador ao não apresentar os relatórios que lhe foram solicitados pelo empregador e a falta de zelo e diligência na execução do trabalho, constituem atos graves, ilícitos e culposos, com reflexos negativos na organização do empregador, quer ao nível do seu negócio, quer a nível da disciplina interna da empresa.

4. Os referidos atos ilícitos e culposos, pela gravidade das suas consequências, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, integrando justa causa para despedimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

1. AA (trabalhador) propôs ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra BB, S.A., (empregador), nos termos do art.º 98.º- C, do Código de Processo do Trabalho.

O empregador motivou o despedimento imputando ao trabalhador, no respetivo processo disciplinar, os seguintes comportamentos: desobediência sistemática do trabalhador em cumprir as ordens que lhe eram dadas no sentido de elaborar relatórios sobre a sua atividade como vendedor; negligência no acompanhamento da faturação de várias obras; não atendimento de reclamações apresentadas por clientes; não envio de orçamentos que lhe foram solicitados.

 Acrescentou que estes comportamentos causaram-lhe prejuízos, e concluiu pela existência de justa causa para o despedimento, nos termos do disposto no art.º 351.º, n.os 1 e 2, alíneas d) e e), do Código do Trabalho, bem como pela validade do procedimento disciplinar e pela consequente licitude do despedimento.

O trabalhador contestou a motivação: invocando a caducidade do procedimento disciplinar; a desproporção da sanção disciplinar aplicada, que surgiu como retaliação ao facto de não ter aceitado a redução da sua retribuição; negando os comportamentos que lhe foram imputados, defendendo que não violou nenhum dos deveres a que estava adstrito, não tendo assim preenchido os pressupostos previstos no art.º 351.º, do Código do Trabalho.

Terminou pugnando pelo reconhecimento da ilegalidade da redução da retribuição, pela caducidade do procedimento disciplinar e pela ilicitude do despedimento.

Deduziu reconvenção, na qual peticionou a condenação do empregador a pagar-lhe as indemnizações previstas nos artigos 389.º, 390.º e 391.º, do Código do Trabalho, a serem fixadas por reporte à retribuição que lhe venha a ser reconhecida no processo n.º 1858/13.9 TTLSB, a correr no Tribunal do Trabalho de Lisboa, e a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.    

O empregador respondeu à matéria de exceção da caducidade, invocando que a mesma não se verifica, porquanto a factualidade imputada ao trabalhador foi praticada a título continuado.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar o despedimento do trabalhador ilícito e, em consequência, condenou o empregador:

a) A pagar ao trabalhador uma indemnização correspondente a 30 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, com referência à retribuição referida em AR) dos factos provados (€ 2.700,00 ilíquidos), acrescida de juros legais a partir do trânsito em julgado da sentença e até integral pagamento;

b) A pagar ao trabalhador as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, aí se incluindo a retribuição das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, deduzidas das importâncias previstas nas alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 390.º, do Código do Trabalho, acrescidas de juros legais a partir da data do referido trânsito em julgado e até integral pagamento, a liquidar, se necessário, em execução de sentença;

c) – A pagar ao trabalhador o montante de € 2.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros legais a partir do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento.

2. O empregador interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu julgar a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, absolvendo a recorrente do pedido.

 

3. Inconformado com esta decisão, o trabalhador interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. Considerou o Coletivo que “o recorrido manteve sempre o comportamento desobediente às ordens que legitimamente recebeu da recorrente. Se esse foi um comportamento suficientemente grave e culposo, é algo de que se não deve duvidar, atendendo àquilo que se podia esperar de um bom Bonus paterfamilias”.

E considerou-o com base na matéria dada como provada nas alíneas M), N), O) e  P).

II. Considerou, também, “…desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, da prestação de trabalho”, sustentando tal entendimento pelo que resultou provado nas alíneas V), W), X), Y) Z), AA), AB), AC), AD), AE), AF), AK), AL) e AM).

III. Permitindo-se concluir que a convicção do Coletivo se alicerçou nos factos constantes das alíneas M), N), O) e P), V), W), X), Y) Z), AA), AB), AC), AD), AE), AF), AK), AL) e AM) e em nenhuns outros, considerando que estes violaram os deveres de zelo e obediência, colocando em crise a relação de confiança necessária à manutenção da relação laboral, determinado a cessação da mesma por despedimento com justa causa.

IV. A convicção do Coletivo assenta, a nosso ver, numa desvalorização dos factos não provados e numa errada convicção formada sobre os factos provados.

V. Desde logo e porque o Acórdão o omite, a Sentença de 1ª instância não se limitou a dizer que “não se julgaram provados quaisquer outros factos, constantes do articulado de motivação do despedimento ou da contestação, com interesse para a decisão da causa” - como reproduz o Acórdão.

A sentença recorrida diz “Não se consideraram provados quaisquer outros factos, em virtude de não ter sido produzida prova bastante, por quem tinha o respetivo ónus, sobre a sua ocorrência (art.º 342.º, nº 1, do Cód. Civil), sendo que, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita e a questão decide-se contra a parte onerada com a prova - artigos 414.º do Código de Processo Civil e 346.º, parte final, do Código Civil.

Quanto aos factos alegados pela empregadora no articulado motivador do despedimento e considerando que sobre ela impende o ónus da prova dos que imputou ao trabalhador na nota de culpa e na decisão do despedimento, importa ter presente que os factos conclusivos não podem ser levados ao probatório – neste sentido vide, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/12/2010, Proc. 838/06.5TTMTS.P1.S1.”

De onde,

VI. Caberia à Empregadora e em concreto na matéria de facto atendida pelo Acórdão de que se recorre, provar que:

a) O não cumprimento das determinações emanadas pelo Diretor Comercial e pelo Conselho de Administração, não dando quaisquer informações ou justificação – alíneas O) e P), desde 2012 traduzia uma falta no exercício das funções que a Empregadora considerava grave (quer pelo dever de respeito e obediência quer pela importância das informações para dinâmica de gestão da empregadora).

Desde logo, resulta das alíneas M) e N) dos factos provados que, o reajustamento dos procedimentos internos levados a cabo pela Empregadora, pretendiam “desenvolver a área comercial” e ajustar um posicionamento no mercado, por forma a “corrigir desvios de quebras acentuadas de vendas”.

Tendo presente o que resultou provado sob o Ponto M) dos factos provados na douta sentença, afigura-se esclarecer o seguinte: o ora recorrente, nos anos de 2008 a 2011, apresentou os seguintes resultados de vendas:

• Ano de 2008: volume global de vendas no valor de € 1.771.995,90;

• Ano de 2009: volume global de vendas no valor de € 1.803.459,37;

• Ano de 2010: volume global de vendas no valor de € 2.969.855,38;

• Ano de 2011: volume global de vendas no valor de € 2.212.336,60 – cfr. mapas que constituem os oito documentos juntos pela Empregadora com o requerimento de 3 de Abril de 2014.

Ou seja, durante aquele lapso temporal (2008-2011), o recorrente aumentou consideravelmente o seu volume de vendas: em 2009 o volume de vendas foi superior 1,78% ao do ano anterior; no ano de 2010 o volume de faturação foi superior 64,68%, aquele que se havia verificado em 2009; em 2011 ocorreu um ligeiro decréscimo do volume global de faturação (25,51%), ao que não indiferente a enorme crise que assolou o mercado nacional.

Ainda assim e apesar de uma pequena diminuição, a verdade é que o volume de vendas foi superior em € 440.340,70 relativamente aquele que o recorrente faturou em 2008 e, superior em € 408.877,23 comparativamente aquele que se verificou em 2009.

Donde resulta que, o recorrente em plena crise da economia nacional aumentou significativamente o seu volume de vendas, decorrente de todo o brio, empenho e dedicação com que sempre desempenhou as suas funções.

Por outro lado, não podemos deixar de enquadrar os resultados obtidos pelo recorrente, com o volume global da faturação registada pela Empregadora naquele mesmo lapso temporal que desconhecemos; contudo e tendo em conta as informações disponíveis relativamente aos anos de 2014 e 2015 (www.....com), se comparamos os resultados com aqueles que levaram a Empregadora a entender que era necessário efetuar um reajustamento da sua atividade comercial em 2012, percebemos que os negócios aportados apenas pelo recorrente são em larga medida superiores ao conjunto global das vendas da Empregadora verificadas em 2015;

O que diz muito acerca do empenho, lealdade, zelo e diligência com que o trabalhador exercia a sua atividade e deita por terra os argumentos da Empregadora.

Posto isto, esta pequena “nota informativa” que se acabou de elencar, assume particular relevo e importância, quando conjugada com os restantes factos dados como provados e, acima de tudo, a sua relevância e apreciação para que se compreenda se, na posse destes elementos e, daqueles que infra se farão referência, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa poderia ter concluído como concluiu no acórdão agora em crise.

E que:

b) Os factos dados como provados nas alíneas V), W), X), Y) Z), AA), AB), AC), AD), AE), AF), AK), AL) e AM) foram suficientes a provar a matéria constante na Nota de Culpa.

- Em Janeiro de 2013 foi apresentada proposta ao cliente CC e que o trabalhador não acompanhou e, por isso, foi adjudicado a outro fornecedor

Dos factos provados nas alíneas V), W), X) e Y) resulta apenas que a 1ª instância considerou que o trabalhador não respondeu à Colega DD prestando esclarecimentos sobre o processo do cliente CC; que o trabalhador não estava a acompanhar o processo e que o cliente adjudicou a obra a outra empresa.

De onde se retira que a adjudicação a outra empresa se deveu por falta de acompanhamento do processo?

De onde se retira que o facto de o trabalhador não ter respondido à Colega DD, não tenha prestado esclarecimentos a outros colegas e até à direção?

Na verdade, não vem a Empregadora dizer que o superior hierárquico do trabalhador o questionou sobre o assunto e este não respondeu, apenas não respondeu a uma colega.

E, não foi igualmente relevado o facto de que, pese embora o recorrente tenha solicitado a elaboração da proposta em 24 de Outubro de 2012, a verdade é que a sua colega EE apenas remeteu proposta ao cliente em 18 de Janeiro de 2013 – cfr. documento n.º 2 junto com o articulado motivador do despedimento?

Quase três meses após a solicitação da mesma? Não seria pelo facto de não ser dada uma resposta atempada por parte dos serviços da Empregadora que os negócios não se concretizaram?

O “reajustamento interno” a que a Empregadora alude não seria a este facto? Ao qual o recorrente é totalmente alheio?

Aquilo que a Empregadora não refere, como aliás se impunha, é em que data foi aquela obra adjudicada a uma empresa concorrente? Se o tivesse feito, talvez tivesse sido possível perceber que uma empresa que demora tanto tempo a entregar um orçamento, não terá grande sucesso em aportar determinado negócio! Algo que uma vez mais se reitera, não era da responsabilidade do recorrente!

Não seria mais lógico e credível que a perda de interesse do potencial cliente não adviesse da não entrega da proposta por parte da Empregadora nos dias ou semanas que se seguiram à prospeção?

E, ainda que assim tivesse sido, que não foi, quem poderia garantir que o recorrente conseguisse aportar o negócio se, porventura existisse uma proposta mais atrativa de uma empresa concorrente?

- Em fevereiro de 2013 o trabalhador solicitou uma proposta para o cliente FF, não mais dando indicações sobre o decurso da mesma.

Resultando da matéria de facto provada nas alíneas Z), AA), AB) AC) e AD) que foi entregue uma proposta ao Trabalhador para este entregar ao cliente mas, nada se provou sobre se e quando a proposta foi entregue ao trabalhador para entregar ao cliente e, ainda que se admitisse que o trabalhador tenha recebido a proposta, e a tenha entregado ao cliente, ia em tempo útil ou se nessa data o cliente já tinha adjudicado o fornecimento a outra empresa.

E, nesta parte, não podemos deixar de referir que, pese embora a proposta tenha sido solicitada/elaborada em 28 de fevereiro de 2013, a verdade é que, apenas foi remetida pela colaboradora da Empregadora DD, em 10 de abril de 2013 – cfr. documento n.º 4 junto com o articulado motivador do despedimento.

Data na qual o recorrente já havia sido suspenso de funções e impedido de entrar nas instalações da Empregadora.

Pelo que, também nesta sede, os factos provados não permitem por si, atribuir culpa ao trabalhador pela não concretização do negócio e nem sequer da dimensão dessa culpa.

- Em 11 de setembro de 2012 o cliente GG solicitou uma estimativa de custos que lhe foi fornecida, não tendo o trabalhador reportado qualquer evolução sobre essa proposta, dizendo o cliente que esse processo estava encerrado.

Conforme as alíneas AE) e AF) reproduzem, ficou provado apenas que em setembro de 2012 o cliente GG solicitou uma estimativa de custos para uma intervenção no Instituto.

E que, essa proposta foi enviada pelo trabalhador, não existindo no dossier do cliente informação sobre o estado do processo de fornecimento.

Resultou da própria inquirição de colaborador do cliente GG que aquele projeto ficou encerrado e só mais tarde foi retomado.

E, se a proposta apresentada pela Empregadora fosse atrativa para o potencial cliente, por certo que o mesmo teria contactado com o recorrente ou com a sua entidade patronal, o que não sucedeu!

A Empregadora relativamente a estes dois pontos, não produziu qualquer prova como lhe competia de que o recorrente não cumpriu com as exigências que lhe eram expectáveis no sentido de concretizar o negócio! Em abono da verdade, a Empregadora relativamente a esta matéria salvo melhor entendimento, não faz prova nenhuma!

Limita-se a dizer que o recorrente violou os deveres que lhe incumbiam… será possível que a Empregadora por cada proposta que emite concretiza um negócio? Ou será que para aquela, como para as demais empresas do sector funciona o princípio da livre concorrência?

Resulta assim que nenhuma prova foi feita por parte da Empregadora relativamente à negligência no desempenho das funções pelo trabalhador. O processo ficou encerrado porque o próprio cliente o suspendeu.

- Na execução da obra da PT pela cliente HH a trabalhadora EE detetou várias incoerências e interpelou o trabalhador  para as esclarecer tendo este respondido que a obra era para executar como estava pedido, tendo posteriormente se verificado os erros detetados, o que demonstra falta de acompanhamento e interesse pelo trabalhador.

Quanto a este ponto da Nota de Culpa, vertido nas alíneas AK), AL) e AM) dos factos provados da sentença, resultou provado que:

A trabalhadora EE detetou várias incoerências na última implantação da obra que foi rececionada do cliente, tendo interpelado o trabalhador para que esclarecesse essas dúvidas.

Ao que este respondeu que a obra era para executar conforme estava, sendo que na fase de execução se verificou existirem problemas e que não eram solucionáveis em tempo.

Também aqui a testemunha II veio esclarecer que as causas do problema se deviam a errada encomenda por parte do cliente relativamente aos materiais que solicitou e, não a erro do trabalhador, que se limitou a pedir o que o cliente solicitou.

Desta realidade que surtiu da produção de prova em audiência decidiu e bem a 1ª instância que:

 “Ora, os factos trazidos aos autos pela entidade empregadora, acima referidos, não são suficientes, salvo melhor opinião, para se chegar à conclusão a que chegou na decisão de despedimento.

Na verdade, do confronto entre o teor da nota de culpa, transcrito em F) e o que ficou referido nas alíneas L) a NA), resulta que a prova que foi feita pela empregadora é escassa relativamente ao que fez constar na nota de culpa.

Ao que acresce que, dos factos provados não resultam comportamentos que possam ser imputados ao trabalhador e que se mostrem circunstanciados, em termos de tempo, lugar e modo da respetiva prática, de modo a poder chegar-se à conclusão a que chegou a empregadora.

Não se mostrando, atendendo à referida insuficiência de prova, preenchida qualquer das causas exemplificativamente enumeradas no n.º 2 do art.º 351.º CT, nem a cláusula geral constante do n.º 1 do mesmo preceito legal.

Pelo que, terá que ser considerado improcedente o motivo justificativo do despedimento e, em consequência, tal despedimento considerado ilícito, nos termos do disposto no art.º 381.º al. b) do CT.”

VII. Aqui chegados, importa realçar que, quando o Tribunal de Primeira Instância conclui que - dos factos dados como provados, não resultaram comportamentos que se possam imputar ao trabalhador - ou seja, pesem embora se tenham provado determinados factos, os mesmos não foram suficientes para formar na convicção do julgador que, aquilo que é alegado na nota de culpa e que se imputa ao trabalhador (que serviu de base ao despedimento), tenha sido provado e que, acima de tudo, daí resulta a culpa do mesmo.

Contudo, da alegação e dos factos vertidos na nota de culpa e nos articulados apresentados, a Empregadora parece pretender passar todos os ónus e riscos decorrentes da sua atividade para o recorrente… O recorrente é “culpado” de a empresa não adjudicar um negócio; de um cliente não pagar; de optar por uma solução de um concorrente mais atrativa, etc…

Contudo o mais curioso é que, que pese embora tudo quanto a Empregadora alegou, a verdade é que o resultado da atividade do recorrente, representava uma parte bastante significativa da faturação daquela.

E ainda quanto à prova testemunhal produzida em audiência, não pode deixar de se realçar o percurso que as testemunhas, trabalhadores, da Empregadora tiveram;

Ou seja, a testemunha que teve um papel determinante nos factos que resultaram provados, ao contrário dos seus colegas, foi “premiada” com o seu testemunho, a um lugar de destaque comparativamente aquelas que anteriormente desempenhava…

O que demonstra bem aquilo que sucede na Empregadora!

VIII. Em face do exposto e salvo o devido respeito que é muito, afigura-se que a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação de Lisboa deveria ter tido a mesma profundidade e amplitude do julgador que efetuou o julgamento em primeira instância.

Se assim não for, não ficará plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição que cremos não ter sucedido no caso sub judice.

IX. E a este propósito, relembremos que o Tribunal de Primeira Instância entendeu que os factos trazidos aos autos e provados por parte da Empregadora, “não foram suficientes para chegar à conclusão a que chegou na decisão de despedir”; que “não resultaram provados comportamentos que possam ser imputados ao trabalhador e se mostrem circunstanciados de modo a poder chegar-se à conclusão a que chegou a empregadora”.

X. Por último, e relativamente à apreciação da matéria de direito em discussão, salientamos que, o despedimento por justa causa, apenas poderá ter lugar dentro de parâmetros definidos por lei, de forma a serem salvaguardados os interesses da entidade patronal e do trabalhador, habitualmente parte mais fraca na relação contratual

Assim, o despedimento por justa causa deve ter em linha de conta o que dispõe a Constituição da República Portuguesa quanto a esta matéria nos seus artigos 18.º e 53.º.

A Constituição da República Portuguesa, pretendeu proteger o trabalhador e garantir a segurança, de modo a reduzir ao mínimo ou a tornar infrequentes a situação de desemprego e as suas dramáticas consequências.

Assim e no que concerne à justa causa, o artigo 351.º, n.º 1 do Código de Trabalho, define “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.

E sendo a justa causa, um conceito indeterminado, procurou-se, tornar adequada a sanção aplicável ao ilícito cometido, limitando nessa matéria o poder disciplinar do empregador, proibindo a aplicação de sanções abusivas.

A este propósito, pronunciou-se Menezes Cordeiro, onde refere que a justa causa sendo um conceito indeterminado, a sua aplicação nunca pode ser automática.

Antes, deve ser valorado e enquadrado dentro de um quadro tipo legal…

E como foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça, “existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição de empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma incompatível e injusta imposição ao empregador”.

Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1. Estes requisitos, de verificação cumulativa, são os seguintes:

- Um elemento subjetivo, consistente na conduta culposa e ilícita do trabalhador, grave em si mesmo ou pelas suas consequências, seja ela uma ação ou uma omissão, praticado com dolo ou negligência;

- Um elemento objetivo consistente na impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral;

- E, a verificação de um nexo de causalidade entre o elemento subjetivo e o objetivo, no sentido em que o segundo tem que decorrer, efetivamente, do primeiro

A “justa causa” pressupõe assim, a existência de um ato ou omissão culposa do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho… isto é, exige-se que o comportamento do trabalhador seja um comportamento culposo. O comportamento é culposo quando o trabalhador não procede com o cuidado a que segundo as circunstâncias estaria obrigado e seria capaz.

Apesar de não resultar expressamente do art.º 351.º, n.º 1 a exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador, em matéria de responsabilidade contratual não se pode dissociar a culpa da ilicitude (artigos 798.º e seguintes do Código Civil).

A este propósito, escreveu Maria Palma Ramalho que “a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais que são afetados pelo comportamento do trabalhador, o que se compadece com situações em que, em si mesmo, o comportamento não seja ilícito.

A culpa é apreciada casuisticamente por um critério objetivo: segundo a diligência média exigível a um trabalhador daquele tipo, nos termos em que se desenvolve a relação laboral e atendendo às circunstâncias do caso (art.º 487.º, n.º 2 do Código Civil)

Pelo que, terá sempre que ser avaliada em termos objetivos, segundo o critério do bonus pater familias e da causa adequada à impossibilidade de subsistência do nexo de causalidade, pois pode atingir os valores que as normas constitucionais pretendem garantir”

Como se lê num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “a culpa e a gravidade da infração disciplinar hão de apurar-se, na falta de critério legal definidor, pelo entendimento de um bom pai de família e em face do caso concreto, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, só se podendo considerar como grave o que resultar da aplicação desses critérios”.

Contudo, o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral específico e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes.

Para além do comportamento culposo e ilícito, para que ocorra justa causa, se aquele comportamento for tão gravoso que implique uma consequência: a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho.

Sendo assim, o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não é, por si só, justa causa para despedimento, isto é, será insuficiente para decidir da existência de uma situação de justa causa a mera verificação dos vários comportamentos do n.º 2, do art. 351.º: por exemplo, não é suficiente a falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho (al. h) do n.º 2 do art.º, 351.º); decisivo será averiguar se esse comportamento revestiu tal “gravidade e consequências” que tornou inviável a prossecução da relação laboral.

É necessário reconduzir os factos que estão na base da justa causa – “o comportamento culposo do trabalhador” – a uma dada situação; a situação de “impossibilidade de subsistência da relação de trabalho”.

Não basta que se lhe torne mais difícil aquela permanência, mas é necessário que a mesma lhe seja impossível face ao que lhe pode ser razoavelmente exigível, o que não sucedeu in caso.

Acerca desta querela, Bernardo Xavier escreveu que existe justa causa para o despedimento quando o comportamento do trabalhador, dadas as suas gravidade e consequências, crie uma situação tal em que a “desvinculação torna-se tão valiosa juridicamente que a ela não pode obstar a proteção da lei à continuidade tendencial do contrato nem a defesa da especial situação do trabalhador”, isto é, a impossibilidade ou inexigibilidade é referida ao futuro da relação.

Para averiguar da verificação de uma situação de justa causa para despedir, necessário se torna reconduzir todos os factos que estão na sua base a uma dada situação: a impossibilidade de subsistência da relação laboral, a qual se “deve avaliar em concreto e de modo relacional”, isto é, pelo confronto dos interesses contrastantes das partes, à luz dos valores presentes no ordenamento.

Relativamente ao terceiro elemento, a impossibilidade prática de manutenção do vínculo contratual, resulta dos factos que em termos imediatos dessa infração do trabalhador devido à sua gravidade e consequências na relação laboral. Se a impossibilidade de subsistência resultar de outros fatores, que não do comportamento culposo do trabalhador, já não poderá este ser despedido.

Por nunca existirem duas situações iguais, importa a apreciação dos comportamentos prefigurados na lei, à luz das circunstâncias em que ocorreram, do nível cultural e social do infrator, do respetivo meio de trabalho, e de todas as demais circunstâncias suscetíveis de convencerem da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, sempre com grande ponderação e cuidada fundamentação.

XI. Cumpre, assim, concretizar os conceitos de “desobediência ilegítima” e de desinteresse repetido (violação do dever de zelo e diligência).

A desobediência ilegítima às ordens do empregador ou superiores hierárquicos corresponde à violação pelo trabalhador do seu dever de obediência.

Com efeito, o trabalhador tem o dever de “cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina no trabalho […] que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias”.

Contudo, não é qualquer desobediência do trabalhador que justifica o seu despedimento. A desobediência tem de ser ilegítima, o que pressupõe que a correspondente ordem do responsável hierarquicamente superior deva ser legítima.

A desobediência do trabalhador só configura uma situação de justa causa de despedimento quando este comportamento lhe seja imputável a título de culpa, revista gravidade e tenha consequências suscetíveis de tornar prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Pois caso assim não seja, não poderá elencar o conceito de desobediência para efeitos de aplicação da justa causa.

Relativamente ao desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo, corresponde à violação de deveres principais para com a entidade empregadora, tais como deveres de zelo e diligência.

Deve atender-se, por um lado, às qualidades, à experiência, à idade, e à formação profissional do trabalhador, e por outro lado, às exigências da atividade laboral que lhe foi confiada.

 Assim,

“II - O despedimento-sanção, correspondendo à ultima ratio das penas disciplinares, reserva-se aos comportamentos culposos e graves do trabalhador subordinado, violadores de deveres estruturantes da relação, que reclamem um forte juízo de censura”(Ac. STJ de 02.12.2013)

XII. Os concretos factos provados conjugados com os que não ficaram provados, na ponderação de que caberia à Empregadora o ónus de provar os factos constantes da Nota de Culpa e ainda que a gravidade ou consequências dos factos impossibilitavam a manutenção da relação laboral, imporiam convicção diversa daquela que o Coletivo teve.

XIII. “Na verdade, do confronto entre o teor da nota de culpa, transcrito em F) e o que ficou referido nas alíneas L) a NA), resulta que a prova que foi feita pela empregadora é escassa relativamente ao que fez constar na nota de culpa.

Ao que acresce que, dos factos provados não resultam comportamentos que possam ser imputados ao trabalhador e que se mostrem circunstanciados, em termos de tempo, lugar e modo da respetiva prática, de modo a poder chegar-se à conclusão a que chegou a empregadora.

Não se mostrando, atendendo à referida insuficiência de prova, preenchida qualquer das causas exemplificativamente enumeradas no n.º 2, do art.º 351.º, do Código do Trabalho, nem a cláusula geral constante do n.º 1, do mesmo preceito legal.

Pelo que, terá que ser considerado improcedente o motivo justificativo do despedimento e, em consequência, tal despedimento considerado ilícito, nos termos do disposto no art.º 381.º, al. b), do Código do Trabalho.”

XIV. Foi em pleno da imediação e oralidade que o Juiz de 1ª instância criou a sua convicção objetiva e subjetiva com a qual considerou provados os factos, aqueles e não outros, e considerou que os factos provados não permitiam concluir pela imputabilidade ao trabalhador dos factos constantes da nota de culpa ou da sua extensão ou gravidade, determinando a ilicitude do despedimento.

XV. “V- São os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e “imediata” podem observar, as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas.

VI- A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro”. (Ac. TRL de 18.07.2013 disponível em www.dgsi.pt)”

“…Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância, pois como ensinava o Prof. Alberto do Reis, citando Chiovenda: ”ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar. – Anotado. vol. IV, págs. 566 e segs.” (Ac. TRG de 20.03.2006 disponível em www.dgsi.pt)

XVI. Não tendo o Coletivo reapreciado meios de prova, e feito uma interpretação formal, restrita e isolada dos factos provados, sem sequer denotar a insuficiência dos mesmos face aos factos invocados na Nota de Culpa, fez uma errada interpretação e aplicação da lei substantiva, na verificação dos artigos 128º, n. 1º, alíneas a),c), d) e) e m) e 351º, n. os 1 e 2, do Código do Trabalho, quando deveria mesmo em diferente consideração,  ter cedido à convicção da sentença em 1ª instância,

O empregador contra-alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:

 I. Alega o ora Recorrente que o Coletivo não reapreciou a prova alegada, não ouviu os depoimentos testemunhais, não condensou a prova documental e que a convicção do Tribunal da Relação de Lisboa se alicerçou (apenas) nos factos constantes das alíneas M), N), O), P), V), W), X), Y), Z), AA), AB), AC), AD), AE), AF), AK), AL) e AM). Ora,

II. Da justa causa para o despedimento - Lê-se no acórdão que resultou claro que a Empregadora repetidamente deu ordens e instruções ao trabalhador respeitantes ao modo deste executar a sua prestação de trabalho e que, desde que tal ocorreu, em 2012, este nunca as cumpriu - isto é, que o trabalhador persistiu no seu comportamento relapso durante pelo menos seis meses desacatando as insistentes ordens que legitimamente a Empregadora lhe deu e fê-lo desde que recebeu as ordens até ser despedido;

III. Ficou provado, o trabalhador nunca deu à Empregadora qualquer informação, nunca lhe deu qualquer justificação, manteve sempre o comportamento desobediente às ordens que legitimamente recebeu da Recorrida -comportamento suficientemente grave e culposo atendendo àquilo que se pode esperar de um Bonus pater familias, i. é, de um trabalhador normal no quadro concreto em que se desenvolveu a relação laboral e segundo critérios de objetividade e razoabilidade;

IV. Mais entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que, tendo a Empregadora procedido ao reajustamento de diversos procedimentos internos tendentes a desenvolver a área comercial, o trabalhador deveria possibilitar-lhe aceder ao conhecimento decorrente da atividade por si desenvolvida (factos provados em L) e N)) - informação, por um lado, necessária ao desenvolvimento do escopo empresarial da Empregadora e por outro, seria aquilo que normalmente poderia esperar de um trabalhador colocado na situação concreta do ora Recorrente;

V. O mesmo considerou a decisão recorrida quanto ao desinteresse repetido pelo cumprimento com a diligência devida da prestação de trabalho, para tal alicerçou a sua convicção nos factos provados em V), W), X), Y), Z), AA), AB), AC), AD), AE), AF), AK), AL) e AM) - ficou claramente demonstrada a total ausência de interesse do trabalhador pela forma como prestou trabalho para a Empregadora, descurando em absoluto o dever de zelo e assumindo um comportamento absolutamente desadequado, desconforme ao esperado de um trabalhador normal a quem tivessem sido cometidas semelhantes funções, não deixando margem para se poder deixar de considerar tal comportamento como de acentuadas gravidade e culpa e tornando impossível a manutenção da relação laboral;

VI. De facto o Recorrente assumiu os seguintes comportamentos:

- Após reajustamentos de procedimentos para correção de quebras de vendas ignorou, abusiva e ostensivamente determinações do seu Diretor (factos provados a M, N e 0);

-Um trabalhador que desobedeceu reiteradamente às ordens do seu Diretor (factos provados a M, N e 0);

- Um trabalhador que fez tábua rasa das ordens recebidas pelo seu Superior Hierárquico (factos provados a M, N e 0) não obstante as insistências;

- Um trabalhador que ignora por completo os interesses da empresa, que não elabora os relatórios da atividade que desenvolve, que não presta contas do que anda a fazer, que não presta informações sobre o seu trabalho, que não presta informações sobre as visitas que efetua aos Clientes, sobre as atividades que exerce, que não presta informações sobre o estado dos processos pendentes, que não presta informações sobre se visita ou não novos Cliente, e que nem informa se efetua a ordenada prospeção de mercado.

- Não satisfeito (e além de ignorar as ordens do seu Diretor), também faz o mesmo quando as ordens e diretrizes para a informação que teria que prestar da sua atividade lhe são emanadas pelo Conselho de Administração (facto provado em M,N, O e P);

- Portanto, a ninguém presta satisfações - sobre o que faz, sobre o que lhe é pedido, sobre o seu trabalho, - quanto a relatórios, visitas, processos pendentes, faturação, desenvolvendo a sua atividade "livremente" e, apesar das insistências que lhe eram feitas, nunca deu qualquer satisfação ou justificação, pasme-se! (factos provado em N,0 e P, Q, R, W,X e U);

- No último ano não acompanhou os processos das obras em que intervinha, das quais diversas, se encontravam pendentes para faturação e o seu comportamento gerou para a entidade empregadora diversas reclamações, que nunca foram corrigidas; (factos provados a Q, R, S, T e V);

- O mesmo sucedeu nas obras do P..., da JJ, processos de faturação de obras em que intervinha e que ficaram pendentes (factos provados em T e U);

- Não enviava os orçamentos que lhe haviam sido entregues para remeter a clientes, resultando, em consequência, a perda de trabalhos para a Recorrente e as adjudicações eram efetuadas a outras empresas que não a sua entidade empregadora, o que foi verificado por uma sua colega após o contacto do cliente (factos provados em V, W, X, Y, Z, AA, AB, AC e AD);

- Não organizava, de acordo com as instruções de entidade empregadora, dossiers de clientes, nem a informação sobre o estado do processo (factos provados em AE, AF e AG);

- No final de 2012 e inícios de 2013, passou a ter comportamentos agressivos e ameaçadores para com uma colega, e teve-o mais do que uma vez (factos provados em AJ e NA);

- Quanto a incoerências e erros na implantação das suas obras, apesar de já anteriormente interpelado por uma colega, que o alertou, dizia que tudo estava conforme (o que não era verdade) e confrontado pela sua colega, o trabalhador imputou a outrem os seus erros, insurgindo-se contra uma colega, usando um tom ameaçatório, não se inibindo, fê-lo perante outra trabalhadora da empresa (factos provados em AJ, AK, NA; AL, AM e  NA);

- E claro, tudo isto enquanto (descansadamente e em prejuízo da empresa) até Outubro de 2012, desenvolvia a sua atividade também numa outra sociedade comercial, mantendo reuniões e trabalhando noutro lado (facto provado a AH e AL).

VII. Se tais factos não eram mais do que suficientes para se concluir pelo despedimento, quais seriam? Existirão dúvidas que o Recorrente ignorava ostensivamente e insistentemente os seus superiores hierárquicos, violando o disposto no art.º 351.º, n.º 2, al. a), do Código de Trabalho? Pode duvidar-se que existe uma notória falta de interesse e uma lesão grave dos interesses da empresa, de quem não entrega (apesar da insistência) relatórios de atividade, das visitas, do estado dos processos e que não acompanha a faturação das obras que são da sua responsabilidade, não acompanha obras nem efetua faturações que ficaram pendentes e/ou não envia orçamentos, e como tal preenche o comportamento descrito art.º 351.º, n.º 2, al. d), do Código do Trabalho? É legítimo que, para a entidade empregadora, devido ao comportamento de um seu trabalhador, decorram reclamações dos seus clientes? Ou que se confronte com as incoerências e erros em implantações de obras das quais era responsável e de que tinha conhecimento, erros que persistiram e não foram eliminados porque o Recorrente nada fez, e ver que por inércia, desleixo e inclusive falta de lealdade do trabalhador, obras foram adjudicadas a empresas concorrentes? Isto não é um comportamento enquadrável em "lesão dos interesses patrimoniais sérios da empresa"? E todas as outras obras que não faturou, tal não é subsumível no disposto no n.º 2, do art.º 351.º al. e), do Código do Trabalho?

 VIII. Isto, sem que se possa colocar em questão que um trabalhador que empreende, deliberadamente, tal conduta enquanto "trabalha para si" numa outra empresa, terá uma notória redução de produtividade;

IX. A matéria provada preenche rotundamente o conceito de justa causa, sendo esses factos subsumíveis no preenchimento da totalidade das alíneas do n.º 2, do art.º 351.º, al. e) do Código do Trabalho.

X. Da impossibilidade imediata de subsistência da relação laboral - os factos provados e supra referidos são a soma de praticamente todos os comportamentos tipificados como justa causa para despedimento nos termos do art.º 351.º, n.º 2, do Código do Trabalho - é isto: uma soma e não um único comportamento;

XI. A Recorrida não despediu com justa causa o Recorrente por este trabalhador ter pura e simplesmente desrespeitado, num ato isolado, os seus deveres, a entidade empregadora, despediu-o sim porque este trabalhador com os comportamentos supra descritos, violou ostensivamente os deveres de lealdade, de obediência, de respeito e urbanidade, de zelo e diligência e de executar atos tendentes à melhoria da produtividade da entidade empregadora (art.º 128.º, n.os 1 e 2, do Código do Trabalho).

 XII. É inequívoco que o papel da confiança nas relações de trabalho, enquanto confiança contratual é particularmente afetada quando se ofende o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina;

XIII. O comportamento do trabalhador que, face às circunstâncias do caso ferir de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, importa a inexigibilidade de manutenção da relação laboral - o que ocorre nestes autos;

XIV. No caso em análise, com os factos provados supra descritos, tinha de ser, s.m.o., como foi, entendido haver justa causa, caso contrário o critério do "bom empregador" ficaria subvertido no critério do "bobo empregador", porque a este trabalhador tudo foi permitido fazer, sem qualquer consequência ao nível da confiança ou abalo irreparável da relação sinalagmática que se estabelece aquando de uma contratação laboral pautada por direitos e deveres de ambas as partes - cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção.

XV. Acresce, por último, a cláusula geral da "justa causa": os comportamentos supra preenchem o elemento objetivo; a notória impossibilidade de manutenção da relação reconduzida à inexigibilidade dessa manutenção (da quebra de confiança e da idoneidade futura da conduta deste trabalhador) preenche o elemento subjetivo e, quanto ao nexo de causalidade, a soma, sucessão e reiterados comportamentos deste trabalhador determinaram tal impossibilidade de subsistência:

XVI. O Recorrente violou os deveres de respeito e urbanidade e probidade [factos provados em N), O),P), AJ) e NA) ], de lealdade, zelo e diligência [ factos provados em N), 0), Q), R), S), T), U), W) e X), V), AC), AD); AE), AF), AK), AL) e AN)], de cumprir ordens e instruções da entidade empregadora na execução e disciplina no trabalho [factos provados em N), O), P), Q), R), S), T), U),V),W), AA), AC), AE), AF), AK), AL), AM) e AN)] e de promover atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa [factos M), N),O), P), Q), R), S), T), U); V), W), X), Y), 2), AA), AB), AC), AD), AE), AK), AL), AM)], causando prejuízos à Recorrida.

XVII. E, mesmo se mais nenhum dos deveres fosse violado (que não é o caso), bastaria que da matéria dada como provada se verificasse a violação culposa e grave do dever de lealdade: não guarda lealdade quem não se preocupa com a faturação pendente ou não acata ordens de forma a corrigir desvios de quebras acentuadas de vendas, que não presta satisfações sobre as suas visitas e atividades, que não acompanha os processos da sua responsabilidade, e sobre tal nenhuma justificação dá e se mantém em incumprimento - tudo provado nestes autos;

 XVIII. A um trabalhador para além da sua obrigação principal de prestar uma atividade intelectual ou manual de acordo com as determinações do empregador, assiste também a obrigação de observar os deveres acessórios convencionados.

XIX. Entende, por isso, a Recorrida que os factos e violação de tais deveres, pela sua intensidade e gravidade, são suficientes para se concluir pela decisão de despedimento lícito nos exatos termos do acórdão proferido.

XX. Quanto à boa-fé, apenas pode a Recorrida concluir pela total ausência da mesma na conduta do trabalhador em questão.

XXI. Não é de todo exigível à Recorrida que creia na idoneidade futura do comportamento deste trabalhador; que tenha como provável que no futuro o Recorrente vá ser um trabalhador cumpridor dos seus deveres, nomeadamente, obedecendo aos seus superiores, não pondo em causa o bom nome da entidade empregadora, isenta de comportamentos desleais e capaz de assumir as responsabilidades e tarefas que lhe são confiadas com zelo e diligência ou ainda assumir eventuais erros que venha a cometer, ou elemento agregador e não gerador de conflitos com os colegas.

XXII. Deve considerar-se como razoável e justificada, a alegada perda de confiança da entidade empregadora no seu comportamento futuro, de tal modo que torna inexigível a manutenção daquele ao seu serviço.

XXIII. Aliás na senda do art.º 351.º, n.º 3, basta responder a simples questões: quem quererá manter um trabalhador com tais características? quem quererá correr o risco de num quadro da gestão de empresa ter um trabalhador que "despreza" os clientes? quem querará ter um trabalhador que ignora a faturação e reclamações de obras? quem quer um trabalhador que se recusa a prestar informações sobre a sua atividade, que não elabora relatórios do trabalho que desenvolve, que a empresa não sabe por onde anda, porque não presta informações, que não faz relatórios nem visitas, que não acompanha os clientes e que não dá resposta ás reclamações? quem quer um trabalhador que faz ouvidos moucos aos pedidos dos superiores hierárquicos e da administração, desconsiderando-os ? quem quer um trabalhador que não envia orçamentos para futuras obras? que não faz prospeção do mercado, tal como solicitado? Que não dá satisfações daquilo que faz a ninguém? E que trabalha numa outra empresa! quem quer um trabalhador que não elabora relatórios que lhe são pedidos diariamente, quem quer um trabalhador que não informa se faz visitas a clientes, e que provavelmente nem faz essas visitas porque os clientes reclamam, e que não acompanha os processos e que deu um prejuízo à empresa por não enviar para faturação diversas obras, e que nunca respondeu nem solucionou as reclamações que lhe eram apresentadas por grandes Clientes da empresa ?

XXIV. Entende a Recorrida, que talvez bastasse uma ou duas respostas afirmativas a uma destas questões para se concluir pelo despedimento.

XXV. Mas, se tal resposta afirmativa o é, em todas, não podemos deixar de pugnar pelo preenchimento quer da cláusula geral do art.º 351.º, n.º 1, (e 3) quer dos comportamentos plasmados no n.º 2 e entender como legitimo o despedimento.

XXVI. Pelo exposto é falso que a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação de Lisboa tenha sido insuficiente (Ponto VIII das conclusões das Alegações do Recorrente).

XXVII. Concluindo-se assim estarem preenchidos os requisitos necessários para se julgar verificada a justa causa invocada, mantendo-se a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.

4. Nas suas conclusões o recorrente suscita uma única questão que consiste em saber se o seu comportamento integra ou não justa causa para despedimento.

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negada a revista, devendo ser confirmado o acórdão recorrido.

O recorrente respondeu, pugnando, tal como nas suas alegações e conclusões, pela revogação do acórdão recorrido.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II

1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos, que não foram objeto de impugnação, e que foram mantidos pela 2ª instância:

           A) Em 26/03/2013[1], o Conselho de Administração da empregadora reuniu e deliberou proceder à abertura de processo disciplinar ao trabalhador, mais determinando a sua imediata suspensão sem perda de retribuição, conforme ata cuja cópia consta de fls. 4 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

            B) Por carta datada de 01/04/2013, cuja cópia consta de fls. 5 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi comunicada ao trabalhador a decisão referida na alínea A).

C) No dia 01/04/2013, a Sr.ª Instrutora nomeada para o efeito, procedeu à abertura de procedimento prévio de inquérito, para averiguação da eventual responsabilidade do trabalhador na prática dos factos descritos na deliberação referida em A), conforme termo de fls. 2 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

D) A empregadora enviou ao trabalhador a cata cuja cópia consta de fls. 28 e 29 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 12/04/2013.

E) Em 30/04/2013, foi elaborada a nota de culpa de fls. 118 a 124 do processo disciplinar apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

F) Na nota de culpa, referida na alínea E), é dito, além do mais:

III

Dos factos imputados ao trabalhador-arguido

11. Encerrado o processo de inquérito prévio à elaboração da presente Nota de Culpa, são os seguintes os factos ilícitos praticados pelo trabalhador-arguido no exercício das suas funções:

No ano de 2012 a Empresa procedeu ao reajustamento de diversos procedimentos internos tendentes a desenvolver a área comercial, para que a empresa pudesse tomar decisões relativamente ao modo como se deveria posicionar no mercado e corrigir desvios de quebras acentuadas de vendas. Com vista a obter todos os dados necessários à boa gestão e tomada de decisões pela Administração, foi solicitado ao trabalhador-arguido a elaboração diária de um relatório das atividades por si desenvolvidas, nomeadamente contendo a informação de visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e prospeção de mercado que andasse a fazer.

O trabalhador-arguido não cumpriu com as determinações emanadas quer pelo Diretor Comercial, quer pelo Conselho de Administração, não dando qualquer informação sobre as atividades por si desenvolvidas, em desrespeito sistemático da ordem superior que lhe havia sido dada. Apesar de todas as insistências que lhe eram feitas, manteve-se em incumprimento, e nunca deu qualquer justificação para o fazer.

No exercício das suas funções, o trabalhador-arguido negligenciou o acompanhamento de processos de fornecimento de equipamentos a clientes novos e a clientes que já tinham relações comerciais com a Empresa há vários anos.

Em Dezembro de 2012, o cliente Instituto Gulbenkian Ciência solicitou o fornecimento de bancadas de laboratório iguais às que já se encontravam instaladas no Instituto e que já tinham sido fornecidas pela Empresa. O trabalhador-arguido ao deslocar--se ao Instituto para efetuar a visita, apesar das diversas indicações que foram dadas pelo responsável do Departamento, não cuidou de proceder à avaliação dos equipamentos fornecidos, tendo apresentado uma solução que não correspondia ao que o cliente pretendia instalar nos laboratórios, com todos os prejuízos inerentes. O comportamento do trabalhador-arguido levou a que o cliente ficasse desagradado e colocasse em causa a honestidade e competência profissionais da Empresa.

Além de negligenciar o exercício das suas funções, o trabalhador-arguido não acompanhava os processos de faturação das obras em que intervinha como vendedor. Assim, a esta data, 30 de abril de 2013, encontram-se pendentes para faturação diversas obras, cujo valor ascende a cerca de € 30.000,00, obras que eram da responsabilidade do trabalhador-arguido, e cuja execução esteve envolta em várias vicissitudes, que foram comunicadas ao arguido e que este negligenciou no acompanhamento. O cliente KK, que executou a obra "LL", apresentou diversas reclamações ao trabalhador-arguido que nunca foram corrigidas; obras da empresa P... (Escola Secundária …, Escola Secundária …), JJ (Hospital …), MM (Hospital …) que ainda se encontram com faturação pendente, e que o trabalhador-arguido não colabora na resolução do problemas para que a empresa possa proceder ao encerramento e faturação dos fornecimentos, antes imputando responsabilidades a terceiros ou até mesmo ao Diretor Comercial.

Em janeiro de 2013, foi solicitado ao trabalhador-arguido a apresentação de uma proposta para fornecimento de equipamentos ao cliente "CC". A proposta foi apresentada em 18 de janeiro de 2013. Desde aquela data e até à instauração do processo disciplinar não houve da parte do trabalhador-arguido qualquer acompanhamento da proposta/processo junto do cliente. Apuradas as circunstâncias que rodearam todo o processo, a Empresa veio a tomar conhecimento de que o fornecimento havia sido adjudicado a uma empresa concorrente e que o trabalhador-arguido nunca acompanhou o processo após a entrega da proposta. A perda deste negócio implicou um prejuízo para a Empresa no valor de € 39.014,68.

Em Fevereiro de 2013, o trabalhador-arguido solicitou a elaboração de uma proposta para a cliente "FF – REP IMP. E EXP., LDA" para fornecimento de equipamentos; a proposta foi elaborada e enviada ao trabalhador-arguido em 01 de março de 2013, para que a remetesse ao cliente. Até à data da suspensão de funções do trabalhador-arguido (26 de março de 2013), não havia qualquer indicação do estado do processo de adjudicação.

Contactado o cliente na pessoa do Dr. NN, verificou-se que o trabalhador--arguido não havia enviado o orçamento elaborado em março de 2013. Tendo cliente solicitado o envio da proposta para que a pudesse avaliar, foi a mesma enviada para aquele, após o que foi a Empresa informada de que os preços do orçamento eram muito interessantes mas que, dada a falta de resposta em tempo útil, a FF foi obrigada a adjudicar a outra empresa. A perda deste negócio implicou para a Empresa um prejuízo no valor de € 10.904,72.

Em 11 de setembro de 2012, o cliente GG -…, cliente habitual da Industrial BB, que era acompanhado pelo trabalhador-arguido, solicitou uma estimativa de custos para uma intervenção no Instituto. O pedido foi prontamente satisfeito, mediante o envio da proposta. Volvidos 7 (sete) meses sobre o envio da proposta, e já na pendência do processo disciplinar, constatou a Empresa que não havia no dossiê do cliente qualquer informação acerca do estado do processo fornecimento. Contactado o cliente, a Empresa foi informada de que já tinham sido tomadas todas as decisões relativas esse processo. A perda deste negócio, representou para a Empresa um prejuízo no valor de € 33.800,00.

A esta data ainda não é possível quantificar todos os prejuízos sofridos pela Empresa em virtude da negligência da atuação do trabalhador-arguido no desempenho das suas funções, encontrando-se junto ao processo de inquérito a listagem de obras do trabalhador-arguido e o estado das mesmas à data de 26 de março de 2013.

No início do ano de 2013, a Empresa tomou conhecimento de que o trabalhador-

-arguido é sócio e gerente de uma sociedade comercial, denominada OO, com sede no concelho de Loures e que no ano de 2011/2012, o trabalhador-arguido dedicou grande parte dos seus dias de trabalho a acompanhar os seus sócios em visitas e reuniões a clientes daquela empresa, quando deveria estar a exercer as suas funções ao serviço da Empresa.

No final do ano de 2012 princípio de 2013, o trabalhador-arguido adotou comportamentos ameaçatórios para com as suas colegas de trabalho, a Sra. D. EE e DD porquanto ameaçava-as de fazer queixas ao Diretor Comercial e à Administração para que elas fossem despedidas, criando um sentimento de instabilidade e medo.

A trabalhadora EE, colega do trabalhador-arguido, colaborava diretamente com ele na elaboração das propostas para enviar aos clientes. Na execução da obra da PT, obra executada pela empresa "HH" a trabalhadora EE detetou várias incoerências na última implantação da obra que foi rececionada do cliente. Interpelado o trabalhador-arguido para que esclarecesse essas dúvidas junto do cliente, limitou-se a dizer que a obra era para executar conforme estava, não cuidando de questionar o cliente acerca das incoerências detetadas. Durante a fase de execução da obra verificou-se que, efetivamente, os problemas inicialmente detetados existiam, e que não era possível solucioná-los em tempo. Perante esta atitude, o trabalhador-arguido imputou à colega EE todos os problemas de execução da obra quando havia sido aquele a negligenciar o acompanhamento e orientação do cliente para corrigir os erros detetados. O trabalhador-

-arguido ao imputar à colega EE os erros assinalados por ela dirigiu-se à colega em altos berros e usando um tom ameaçatório e injurioso perante a outra colega de escritório, DD, transtornando-a e impedindo-a de executar as suas tarefas com a tranquilidade necessária ao desempenho das suas funções.

Ao longo do último ano, o trabalhador-arguido mostrava-se agressivo no trato com as colegas de escritório, impedindo-as de realizar todas as diligências necessárias à boa execução da obra, impedindo-as de contactar com clientes. O trabalhador-arguido, não permitia às colegas de escritório o acesso aos processos de clientes da Empresa, não permitia que as colegas falassem com os demais colegas da Empresa em Albergaria-a-

-Velha, mas não se coibia de lhes imputar todos os erros e fracassos nos processos, imputando-lhes a responsabilidade pelos fracassos das suas propostas e tratando-as de forma desrespeitosa.

Ao longo do ano de 2012 e até ser suspenso do exercício de funções, o trabalhador--arguido negligenciava sistematicamente o acompanhamento dos processos, desde a apresentação da proposta até à entrega das obras aos clientes.

O trabalhador-arguido adotou, no último ano, comportamentos agressivos e desrespeitosos para com as colegas de trabalho do escritório de Lisboa, e desrespeitou todas as ordens e instruções que lhe foram sendo dadas verbalmente e por escrito, quer pelo Diretor Comercial, quer pelo Conselho de Administração.

Em face da falta de acompanhamento dos processos que lhe estavam confiados, o Trabalhador-arguido terá causado à empresa prejuízos avultados, ascendendo nesta data tais valores a € 113.719,40.

Com os comportamentos supra descritos o trabalhador - arguido violou o dever de respeito e tratamento com urbanidade e probidade os seus colegas de trabalho; violou os deveres de zelo e diligência, cumprimento das ordens e instruções da entidade patronal na execução e disciplina do trabalho, e causou avultados prejuízos à entidade patronal.».

G) Por carta datada de 05/05/2013, cuja cópia consta de fls. 125 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, a empregadora notificou o trabalhador da nota de culpa, referida em E).

H) O trabalhador respondeu à nota de culpa, referida em E), nos termos expressos no articulado de fls. 200 a 218 do processo disciplinar apenso e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no final do qual arrolou testemunhas e juntou procuração forense.

I) Em 04/07/2013 foi elaborado o relatório final e proposta de decisão que consta de fls. 237 a 248 do processo disciplinar apenso e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que foi homologado pelo Sr. Presidente do Conselho de Administração da empregadora.

J) Por carta datada de 04/07/2013, cuja cópia consta de fls. 250 do processo disciplinar apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o trabalhador foi informado que tinha sido decidido pela Administração da empregadora aplicar-lhe a sanção disciplinar de despedimento, alegando justa causa.

K) O trabalhador recebeu a carta, referida em J), em 05/07/2013, conforme print e aviso de receção de fls. 254 e 255 do processo disciplinar apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

L) Por contrato individual de trabalho celebrado em 01 de julho de 2003, foi o trabalhador contratado para, sob as ordens, direção e fiscalização da empregadora, exercer as funções inerentes ao cargo de vendedor.

M) No ano de 2012 a Empresa procedeu ao reajustamento de diversos procedimentos internos tendentes a desenvolver a área comercial, para que a empresa pudesse tomar decisões relativamente ao modo como se deveria posicionar no mercado e corrigir desvios de quebras acentuadas de vendas.

N) Com vista a obter todos os dados necessários à boa gestão e tomada de decisões pela Administração, foi solicitado ao autor a elaboração diária de um relatório das atividades por si desenvolvidas, nomeadamente contendo a informação de visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e prospeção de mercado que andasse a fazer.

O) O autor não cumpriu com as determinações emanadas quer pelo Diretor Comercial, quer pelo Conselho de Administração, não dando qualquer informação sobre as atividades por si desenvolvidas.

P) Apesar de todas as insistências que lhe eram feitas, manteve-se em incumprimento e nunca deu qualquer justificação para o fazer.

Q) No decurso do último ano em que esteve ao serviço da empregadora, o trabalhador não acompanhava os processos de faturação das obras em que intervinha como vendedor e que lhe incumbia fazer, à semelhança dos outros comerciais.

R) À data de 30 de abril de 2013, encontravam-se pendentes para faturação diversas obras que eram da responsabilidade do trabalhador.

S) O cliente KK, que executou a obra LL, apresentou diversas reclamações ao trabalhador que nunca foram corrigidas.

T) O mesmo sucedeu relativamente às obras da empresa P... (Escola Secundária …, Escola Secundária …).

U) E com as obras da JJ (Hospital ...), MM (Hospital …) que ainda se encontram com faturação pendente.

V) Em 18 de janeiro de 2013, foi apresentada pela empregadora uma proposta para fornecimento de equipamentos ao cliente “CC”.

W) Apesar de diversas vezes questionado acerca do estado do processo pela sua colega DD, o trabalhador nunca lhe prestou qualquer esclarecimento quanto ao desenvolvimento do processo.

X) Desde aquela data e até à instauração do processo disciplinar não houve da parte do trabalhador qualquer acompanhamento da proposta/processo junto do cliente.

Y) Já no decurso no processo disciplinar a empregadora veio a tomar conhecimento de que o fornecimento havia sido adjudicado a uma empresa concorrente.

Z) Em fevereiro de 2013, o trabalhador solicitou a elaboração de uma proposta para a cliente FF – ..., Ld.ª para fornecimento de equipamentos.

AA) A proposta foi elaborada e enviada ao trabalhador para que a remetesse ao cliente.

AB) Até à data da suspensão de funções do trabalhador (26 de março de 2013), não havia qualquer indicação do estado do processo de adjudicação.

AC) Contactado o cliente pela colaboradora DD, verificou-se que o trabalhador não havia enviado o orçamento que fora elaborado.

AD) Dada a falta de resposta em tempo útil, a FF adjudicou o fornecimento a outra empresa.

AE) Em setembro de 2012, o cliente GG – …, cliente da empregadora que era acompanhado pelo trabalhador, solicitou uma estimativa de custos para uma intervenção no Instituto, cuja proposta foi enviada pelo trabalhador.

AF) Já na pendência do processo disciplinar, constatou a empregadora que não havia no dossiê do cliente qualquer informação acerca do estado do processo de fornecimento.

AG) Contactado o cliente pela colaboradora DD, aquele informou que já tinham sido tomadas todas as decisões relativas esse processo.

AH) Desde março de 2009 até outubro de 2012, o trabalhador foi sócio e gerente de uma sociedade comercial, denominada OO, com sede no concelho de Loures.

AI) Durante os anos de 2011/2012, o trabalhador participou em reuniões daquela empresa.

AJ) No final do ano de 2012, princípio de 2013, o trabalhador passou a ter comportamentos agressivos e ameaçatórios para com a sua colega de trabalho, EE.

AK) Na execução da obra da PT, obra executada pela empresa “HH” a trabalhadora EE detetou várias incoerências na última implantação da obra que foi rececionada do cliente.

AL) Tendo interpelado o trabalhador para que fossem esclarecidas essas dúvidas junto do cliente, este limitou-se a dizer que a obra era para executar conforme estava.

AM) Durante a fase de execução da obra verificou-se que, efetivamente, os problemas inicialmente detetados existiam, e que não era possível solucioná-los em tempo.

AN) O trabalhador imputou à colega EE todos os problemas de execução da obra, por ela e comunicados àquele, dirigindo-se à colega em altos berros e usando um tom ameaçatório perante a outra colega de escritório, DD.

AO) Os factos imputados ao trabalhador relativos ao ano de 2012, concretamente os que se prendem com o cliente Instituto PP, eram do conhecimento da empresa, nomeadamente do seu diretor.

AP) Ao receber a notícia que não poderia entrar no seu local de trabalho, o trabalhador, ficou desapontado e triste por se sentir injustiçado pela empresa, situação que lhe causou problemas de foro psicológico e emocional que se repercutem na sua vida familiar e social.

AQ) Desde de que foi afastado da empresa, o trabalhador está preocupado com o seu futuro e isola-se de amigos, tendo tido necessidade de recorrer ao apoio médico e estando sujeito a medicação.

AR) Na sentença proferida 29/04/2014 no processo n.º 1858/13.9TTLSB, que correu termos na 2.ª secção do 2.º Juízo deste Tribunal, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/05/2015 e transitada em julgado em 04/06/2015, foi decidido que, de 2012 em diante, a ali ré e aqui empregadora estava obrigada a pagar pontualmente ao ali autor e aqui trabalhador a retribuição fixa mensal de € 1.200,00 ilíquidos, a título de vencimento base, e mais € 1.500,00 ilíquidos a título de "comissão fixa".

           

2. Os presentes autos respeitam a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento iniciada em 23/07/2013, referente a factos ocorridos em durante o ano de 2012 até 30/04/2013, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 15/12/2016.

Assim sendo, o regime legal aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

- O Código de Processo Civil na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código do Trabalho na versão dada pela Lei n.º 47/2012, de 29 de Agosto.

3. Como já se referiu a única questão a decidir consiste em saber se o comportamento do trabalhador, ora recorrente, integra ou não justa causa para despedimento.

A sentença do Tribunal da 1ª instância considerou que factos provados eram insuficientes para considerar o despedimento lícito.

As linhas de força da sentença da 1ª instância para sustentar a falta de justa causa foram as seguintes:

- O empregador, em face dos factos descritos na nota de culpa, concluiu que o trabalhador violou os deveres previstos no art.º 128.º do Código do Trabalho, sendo a sua conduta subsumível na previsão do n.º 1 e das alíneas a), c), d), e) e m) do n.º 2 do art.º 351.º, do mesmo diploma legal, que integram o conceito de justa causa de despedimento, porquanto por culposos e graves, tais comportamentos tornam impossível a subsistência da relação de trabalho;

- Os factos trazidos aos autos pelo empregador, acima referidos, não são suficientes, salvo melhor opinião, para se chegar à conclusão a que chegou na decisão de despedimento;

- O confronto entre o teor da nota de culpa, transcrito em F), e o que ficou referido nas alíneas L) a AN), resulta que a prova que foi feita pelo empregador é escassa relativamente ao que fez constar na nota de culpa;

- Dos factos provados não resultam comportamentos que possam ser imputados ao trabalhador e que se mostrem circunstanciados, em termos de tempo, lugar e modo da respetiva prática, de modo a poder chegar-se à conclusão a que chegou o empregado.

Por seu turno, o Tribunal da Relação considerou que a conduta do trabalhador, descrita nas alíneas M), N), O), e P) dos factos provados, consubstancia um comportamento grave e culposo, violador do dever de obediência.

Considerou ainda que os factos descritos nas alíneas V) a AF) e AK) a AM) demonstram um desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, da prestação de trabalho, por parte do trabalhador.

Concluiu, pois, a segunda instância que o comportamento culposo do trabalhador assumiu uma tal gravidade que tornou impossível a manutenção da relação laboral.

Em defesa da decisão da 1ª instância, o recorrente sustenta que o seu comportamento não justificava a aplicação da sanção disciplinar mais gravosa.

Vejamos se a argumentação do recorrente, no sentido da ilicitude do despedimento, suplanta a fundamentação aduzida pelo Tribunal da Relação, em abono da existência de justa causa.

A Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 53.º, garante aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

O art.º 351.º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/2, sob a epígrafe “Noção de justa causa de despedimento” estatui:

1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;

d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;

i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;

j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;

l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;

m) Reduções anormais de produtividade.

3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

  O art.º 126.º, do mesmo diploma legal, estatui que as partes numa relação laboral devem pautar a sua conduta com observância pelo princípio da boa-fé, referindo:

1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.

2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

Por seu turno, o art.º 128.º, sob a epígrafe “ Deveres do trabalhador” dispõe:

1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;

b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;

c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;

d) Participar de modo diligente em ações de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;

e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;

f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;

g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;

h) Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;

i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;

j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.

O conceito de justa causa fornecido pela lei carece, em concreto, de ser preenchido com valorações. Esses valores derivam da própria norma e da ordem jurídica em geral. O legislador, no n.º 2 do art.º 351.º do Código do Trabalho, complementou o conceito com uma enumeração de comportamentos suscetíveis de integrarem justa causa de despedimento.

De qualquer forma, verificado qualquer desses comportamentos, que constam na enumeração exemplificativa, haverá sempre que apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar se a sua gravidade e consequências são de molde a inviabilizar a continuação da relação laboral.

Da noção fornecida pelo legislador no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho podem-se enumerar vários elementos que integram o conceito de justa causa de despedimento.

Apesar de a lei não fazer referência expressa ao conceito de ilicitude o mesmo está subjacente à noção legal, pois só é possível falar de culpa após um juízo prévio de ilicitude.

Nesta linha, o Professor António Menezes Cordeiro[2], citando fonte jurisprudencial, que subscreve, refere que a justa causa postula sempre uma infração, ou seja, uma violação, por ação ou por omissão, de deveres legais ou contratuais.

Assim, decompondo a noção legal de justa causa, temos sempre um comportamento ilícito, censurável em termos de culpa e com consequências gravosas na relação laboral de forma a inviabilizar a mesma.

O recorrente para sustentar a ilicitude do deu despedimento argumenta que os resultados das vendas que efetuou nos anos de 2008 a 2011 demonstram bem o seu empenho, lealdade, zelo e diligência no exercício da sua atividade, contrariamente ao defendido pelo empregador.

Acrescenta que os factos que lhe são imputados, respeitantes à falta de acompanhamento dos processos de vendas a clientes e a consequente falta de concretização dos negócios, não são da sua responsabilidade, devendo-se alguns deles apenas à falta de resposta atempada por parte dos serviços do empregador, ou a encomendas erradas por parte dos clientes, como no caso da execução da obra da PT pela empresa HH.

Por fim, refere que dos factos provados não resultam comportamentos que lhe possam ser imputados, de forma circunstanciada, em termos de tempo, lugar e modo, da respetiva prática, de modo a poder chegar-se à conclusão a que chegou o empregador de que existe justa causa para o despedimento.

O Professor António Monteiro Fernandes[3] ensina que “a justa causa corresponde, pois, a uma situação de «impossibilidade prática» da subsistência da relação laboral.”

Acrescenta ainda que “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço em concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo.”

Ainda o mesmo Autor, citando o Professor Bernardo Lobo Xavier[4], transcreve “Deve-se pois proceder a uma análise diferencial dos interesses em presença, análise essa que será feita em concreto, de acordo com a parificação real das conveniências contrastantes das duas partes”.

A propósito desta questão, o Professor Pedro Romano Martinez[5] clarifica que “Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo.”

No caso concreto dos autos, há que ponderar a posição do trabalhador, que desempenhava as funções de vendedor, e que defende que dos factos provados não se pode retirar que desobedeceu ao empregador e que não exerceu a sua atividade com empenho, zelo e diligência.

Por outro lado, temos a posição do empregador que é uma empresa que se dedica à venda de materiais, interessada em coligir todos os elementos recolhidos pelos seus trabalhadores para desenvolver a sua área comercial e posicionar-se no mercado concorrencial, onde está inserida.

Na análise destes interesses temos de ter presente, como refere o Professor António Menezes Cordeiro [6] , que “como particular característica da atividade laboral surge a subordinação”, que em termos técnico-jurídicos “ analisa-se numa situação de sujeição em que se encontra incurso o trabalhador: a de ver precisar-se, num ou noutro sentido, a sua obrigação de trabalhar”.

O mesmo Autor acrescenta que a sujeição laboral analisa-se em dois pontos:

i. O dever de obediência, que é uma sujeição à heterodeterminação da atividade a prestar. Tem, naturalmente, limites genéricos e específicos, mas é essencial para que se possa falar em Direito do Trabalho, é uma “ resultante fatal de subordinação laboral”. [7]

ii. O poder disciplinar do empregador, que é uma sujeição à aplicação de sanções por violações perpetradas pelo trabalhador.

O dever de obediência, na relação laboral, está intimamente ligado ao dever principal de trabalhar, pelo que assume grande relevo na relação de confiança que se estabelece entre empregador e trabalhador.

Ao qualificar o dever de obediência do trabalhador, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[8] utiliza os termos intensidade e extensão, para sublinhar que “o incumprimento do dever de obediência não se circunscreve ao desrespeito pelas diretrizes do empregador relativas à prestação principal, mas pode também decorrer da violação de regras disciplinares. Assim, a qualificação deste dever como um dever integrante da prestação principal deve entender-se como uma qualificação que atende ao seu conteúdo prevalente.”

A Senhora Professora não deixa de chamar à atenção para os limites gerais e específicos do dever de obediência do trabalhador.

Quanto aos limites gerais do dever de obediência assinala os direitos e garantias do trabalhador, o que resulta da articulação do disposto no art.º 128.º, n.º 1, al. e), do Código do Trabalho, com o disposto no art.º 129.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, assim como os direitos fundamentais e de personalidade do trabalhador e a licitude da própria ordem.

Já no que diz respeito aos aspetos específicos do cumprimento da prestação principal salienta que o dever de obediência do trabalhador está ainda limitado pela autonomia técnica ou deontológica inerente à atividade profissional desenvolvida pelo trabalhador, como deriva do disposto no art.º 116.º, do Código do Trabalho.

No caso concreto dos autos foi imputada pelo empregador ao trabalhador a violação do dever de obediência consubstanciada no facto de não ter cumprido as determinações emanadas quer pelo diretor comercial, quer pelo conselho de administração, não procedendo à elaboração diária de um relatório das atividades por si desenvolvidas, nomeadamente contendo informação de visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e prospeção de mercado que andasse a fazer.

O Tribunal da Relação considerou, atenta a matéria de facto provada nas alíneas M), N), O), e P), que o trabalhador não cumpriu as ordens que lhe foram dadas pelo empregador, mantendo um comportamento desobediente, grave e culposo, que pelas suas consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Em abono da posição defendida, na decisão recorrida, foi escrito:

“…a recorrente repetidamente deu ordens e instruções ao recorrido respeitantes ao modo deste executar a sua prestação de trabalho e que, desde que tal ocorreu, em 2012, este nunca as cumpriu. Ou seja, se considerarmos que o recorrido foi despedido pela recorrente no dia 05/07/2013, persistiu no seu comportamento relapso durante pelo menos seis meses, desacatando as insistentes ordens que legitimamente a mesma lhe deu. Maior circunstanciamento temporal era impossível ser feito, se nos é permitido contrapor ao alinhado na sentença recorrida, uma vez que, conforme se provou, por um lado que o recorrido não lhe deu "qualquer informação" e, por outro, que "nunca lhe deu qualquer justificação". Portanto, o recorrido manteve sempre o comportamento desobediente às ordens que legitimamente receber da recorrente, vale dizer, desde que dela as recebeu até que por ela foi despedido.

Se esse foi um comportamento suficientemente grave e culposo, é algo de que se não deve duvidar, atendendo àquilo que se podia esperar de um Bonus pater familias, isto é, de um trabalhador normal, no quadro do caso concreto em que se desenvolveu a relação laboral e segundo critérios de objetividade e razoabilidade.

Na verdade, tendo a recorrente procedido ao reajustamento de diversos procedimentos internos tendentes a desenvolver a área comercial, para que a empresa pudesse tomar decisões relativamente ao modo como se deveria posicionar no mercado e corrigir desvios de quebras acentuadas de vendas era normal que necessitasse de conhecer dados acerca do seu relacionamento com os clientes que lhe permitissem tomar as decisões necessários à boa gestão e o recorrido estava precisamente em linha para possibilitar-lhe aceder a esse conhecimento uma vez que das atividades por si desenvolvidas, se compreendia, inter alia, visitar clientes, incluindo novos, acompanhar os processos e prospetar o mercado. Portanto, o retorno daquela informação era por um lado necessária ao desenvolvimento do escopo empresarial da recorrente e, por outro, compreendia aquilo que normalmente esta poderia legitimamente esperar de um normal trabalhador colocado na situação concreta do recorrido. E a gravidade desse comportamento e da culpa deste resulta acentuada em toda a sua evidência da repetição prolongada no tempo por mais de seis meses, não sendo despiciendo relevar que, a manter-se, a situação seria notoriamente suscetível até de produzir sério desgaste na autoridade da recorrida na relação com os demais trabalhadores.

Assim sendo, e ressalvando o respeito por melhor opinião, tanto bastava para se poder concluir que outra coisa não seria de esperar dessa persistente desobediência do recorrido que não fosse o rompimento dos laços de confiança supostos numa relação como a estabelecida com a recorrente, e com esse rompimento a evidência de justa causa para proceder ao seu despedimento.”

O recorrente, na linha da decisão da primeira instância, sustenta que os factos dados como provados não integram o conceito de justa causa, pois não se encontram circunstanciados em termos de tempo, lugar e modo da respetiva prática.

Vejamos então o teor da factualidade descrita nas alíneas M), N), O) e P), dos factos dados como provados:

M) No ano de 2012 a Empresa procedeu ao reajustamento de diversos procedimentos internos tendentes a desenvolver a área comercial, para que a empresa pudesse tomar decisões relativamente ao modo como se deveria posicionar no mercado e corrigir desvios de quebras acentuadas de vendas.

N) Com vista a obter todos os dados necessários à boa gestão e tomada de decisões pela Administração, foi solicitado ao autor a elaboração diária de um relatório das atividades por si desenvolvidas, nomeadamente contendo a informação de visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e prospeção de mercado que andasse a fazer.

O) O autor não cumpriu com as determinações emanadas quer pelo Diretor Comercial, quer pelo Conselho de Administração, não dando qualquer informação sobre as atividades por si desenvolvidas.

P) Apesar de todas as insistências que lhe eram feitas, manteve-se em incumprimento e nunca deu qualquer justificação para o fazer.

É verdade que a referida matéria de facto é omissa quanto às datas concretas de determinados factos mencionados, que terão ocorrido no ano de 2012 até à data da decisão do conselho de administração do empregador, 26/03/2013 referida na alínea a) do factos provados, que deliberou proceder à abertura de processo disciplinar ao trabalhador.

Assim, não se precisa a data em foi dada a ordem ao trabalhador para proceder à elaboração do relatório diário das atividades por si desenvolvidas e quando foram feitas as insistências para apresentar o referido relatório.

De qualquer forma, o que resulta da matéria de facto apurada é o seguinte:

- Durante o ano de 2012 o empregador procedeu a um reajustamento de diversos procedimentos internos tendentes a desenvolver a área comercial, e que, nessa sequência, deu uma ordem ao trabalhador para proceder à elaboração diária de um relatório das atividades por si desenvolvidas, nomeadamente contendo a informação de visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e prospeção de mercado que andasse a fazer;

- O trabalhador não apresentou os referidos relatórios;

- O empregador efetuou várias insistências para que os relatórios lhe fossem apresentados;

- O trabalhador não os apresentou até à data em que foi decidido a abertura do processo disciplinar, nem apresentou qualquer justificação para o fazer.

Ora, estes factos são claros e o trabalhador entendeu-os perfeitamente, tendo tido a possibilidade de exercer, plenamente, o seu direito de defesa, quer alegando que não lhe foi dada a referida ordem, ou que a mesma foi dada e foi por si cumprida.

O que resulta destes factos é que o trabalhador não obedeceu à ordem que lhe foi dada, mantendo-se em incumprimento até à abertura do processo disciplinar.

É de salientar, com interesse para o caso concreto, que no dia a dia de uma empresa não é exigível o registo de todas as ordens e insistências para o cumprimento das mesmas.

           Por outro lado, em termos gestionários, nomeadamente a nível dos recursos humanos, alguma tolerância faz parte de uma boa gestão, não devendo ser entendida como o sufragar de comportamentos persistentes em rota de colisão com ordens dadas.

           Com isto queremos dizer que o comportamento do trabalhador ao não apresentar os relatórios que lhe foram solicitados, tendo havido várias insistências, tem de se considerar integrador de desobediência a ordens dadas.

            Esta desobediência tem de se considerar culposa e grave, pois o que foi solicitado ao trabalhador pelo empregador assume uma grande importância para este, com vista ao desenvolvimento da sua área comercial e ao planeamento empresarial.

           Na verdade, para atingir tal desiderato torna-se preciosa a apreciação dos relatórios das atividades desenvolvidas pelos vendedores, nomeadamente a informação sobre as visitas a clientes, estado dos processos pendentes, novos clientes e prospeção de mercado desenvolvida.

No caso, nem se pode dizer que o cumprimento da ordem dada pelo empregador colidia com a autonomia técnica ou deontológica inerente à atividade profissional desenvolvida pelo trabalhador, de vendedor, pois, tratando-se de uma relação laboral, o empregador podia exigir ao trabalhador a referida informação, com vista ao seu posicionamento no mercado concorrencial, sendo certo que não lhe interessa só o volume de vendas atuais, mas também as que poderia fazer no futuro.

Daí que o argumento utilizado pelo trabalhador, de que o volume de vendas por si efetuadas não justificava as imputações que lhe foram feitas pelo empregador, não pode ser considerado no sentido de excluir a culpa e a gravidade da conduta assumida.

O Tribunal da Relação considerou ainda que os factos dados como provados e descritos nas alíneas V) a AF) e AK) a AM) demonstram um desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, da prestação de trabalho, por parte do trabalhador.

Acerca da violação destes deveres, na decisão recorrida, atenta a matéria de facto provada, consignou-se o seguinte:

“Tudo isto demonstra, à saciedade, a total ausência de interesse do recorrido pela forma como prestou trabalho para a recorrente, descurando quase em absoluto o seu dever de zelo e assumindo um comportamento absolutamente desconforme ao esperado de um trabalhador normal a quem tivessem sido cometidas semelhantes funções, não deixando margem para se poder deixar de considerar tal comportamento como de acentuada gravidade e culpa e tornando impossível a manutenção da relação laboral.”

O trabalhador, ora recorrente, defende que os factos que lhe são imputados pelo empregador, respeitantes à falta de acompanhamento dos processos de vendas a clientes e a consequente falta de concretização dos negócios, não foram da sua responsabilidade, devendo-se alguns deles apenas à falta de resposta atempada por parte dos serviços do empregador, ou a encomendas erradas por parte dos clientes, como no caso da execução da obra da PT, pela empresa HH.

Vamos então revisitar os factos em causa, descritos nas alíneas V) a AF) e AK) a AM), da matéria de facto dada como provada:

V) Em 18 de Janeiro de 2013, foi apresentada pela empregadora uma proposta para fornecimento de equipamentos ao cliente “CC”.

W) Apesar de diversas vezes questionado acerca do estado do processo pela sua colega DD, o trabalhador nunca lhe prestou qualquer esclarecimento quanto ao desenvolvimento do processo.

X) Desde aquela data e até à instauração do processo disciplinar não houve da parte do trabalhador qualquer acompanhamento da proposta/processo junto do cliente.

Y) Já no decurso no processo disciplinar a empregadora veio a tomar conhecimento de que o fornecimento havia sido adjudicado a uma empresa concorrente.

Z) Em Fevereiro de 2013, o trabalhador solicitou a elaboração de uma proposta para a cliente FF – …., Ld.ª para fornecimento de equipamentos.

AA) A proposta foi elaborada e enviada ao trabalhador para que a remetesse ao cliente.

AB) Até à data da suspensão de funções do trabalhador (26 de Março de 2013), não havia qualquer indicação do estado do processo de adjudicação.

AC) Contactado o cliente pela colaboradora DD, verificou-se que o trabalhador não havia enviado o orçamento que fora elaborado.

AD) Dada a falta de resposta em tempo útil, a FF adjudicou o fornecimento a outra empresa.

AE) Em Setembro de 2012, o cliente GG – …, cliente da empregadora que era acompanhado pelo trabalhador, solicitou uma estimativa de custos para uma intervenção no Instituto, cuja proposta foi enviada pelo trabalhador.

AF) Já na pendência do processo disciplinar, constatou a empregadora que não havia no dossiê do cliente qualquer informação acerca do estado do processo de fornecimento.

(…)

AK) Na execução da obra da PT, obra executada pela empresa “HH” a trabalhadora EE detetou várias incoerências na última implantação da obra que foi rececionada do cliente.

AL) Tendo interpelado o trabalhador para que fossem esclarecidas essas dúvidas junto do cliente, este limitou-se a dizer que a obra era para executar conforme estava.

AM) Durante a fase de execução da obra verificou-se que, efetivamente, os problemas inicialmente detetados existiam, e que não era possível solucioná-los em tempo.

O dever de realizar o trabalho com zelo e diligência tem por objetivo assegurar a realização do dever principal, podendo variar em função da natureza deste último, como salienta o Professor António Menezes Cordeiro [9] .

O Professor Pedro Romano Martinez [10] frisa que “ Se o trabalhador cumpre o seu dever principal – a realização da atividade – sem atender a determinados parâmetros de diligência, há também um cumprimento defeituoso ”, acrescentando que “ A falta de zelo e a negligência têm de ser aferidas por parâmetros objetivos, segundo o padrão do bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, variando em função da atividade a desenvolver.”

Entroncando no dever de zelo e diligência temos o dever de promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade na empresa, imposto na alínea h), do n.º 1, do art.º 128.º, do Código do Trabalho, que no dizer da Professora Maria do Rosário Palma Ramalho [11], pode ir para além do primeiro, “ porque os atos a realizar para a melhoria da produtividade da empresa ou organização do empregador podem não se circunscrever ao modo de exercício da atividade laboral, mas envolver a colaboração com os colegas.”

É ainda muito avisada a observação do Professor Júlio Manuel Vieira Gomes [12], quando refere que “ ao ajuizar se o trabalhador cumpriu ou não de modo diligente o seu trabalho não pode deixar de atender-se a um padrão abstrato, mas sem esquecer a situação concreta em que o trabalhador se encontra. Assim, a conduta do trabalhador pode ser condicionada pela empresa em que se insere, pela organização desta, pelos instrumentos de trabalho colocados ao seu dispor e até pela cultura da empresa.”

No caso concreto, há que ponderar a posição do trabalhador que, como já se referiu, desempenhava as funções de vendedor, e que sustenta que os factos que lhe são imputados, respeitantes à falta de acompanhamento dos processos de vendas a clientes e a consequente falta de concretização dos negócios, não são da sua responsabilidade, devendo-se alguns deles apenas à falta de resposta atempada por parte dos serviços do empregador, ou a encomendas erradas por parte dos clientes, como no caso da execução da obra da PT, pela empresa HH, pelo que é infundada a acusação do empregador de que não exerceu a sua atividade com empenho, zelo e diligência.

Acrescenta ainda que os resultados das vendas por si efetuadas, nos anos de 2008 a 2011, demonstram bem o seu empenho, lealdade, zelo e diligência no exercício da sua atividade, contrariamente ao defendido pelo empregador.

Por outro lado, temos a posição do empregador que é uma empresa que se dedica à venda de materiais e que no ano de 2012 procedeu ao reajustamento de diversos procedimentos internos tendentes a desenvolver a área comercial, para que a empresa pudesse tomar decisões relativamente ao modo como se deveria posicionar no mercado e corrigir desvios de quebras acentuadas de vendas.

Temos assim que o empregador, na respetiva conjuntura, debatia-se para sustentar a sua posição no mercado, procurando tomar medidas com vista a evitar quebras nas vendas, o que era do conhecimento do trabalhador.

É certo que o empregador não poderia esperar que todas as propostas apresentadas pelo trabalhador aos clientes fossem aceites e que se viesse a concretizar o negócio, no entanto era-lhe lícito esperar que o trabalhador acompanhasse, de perto, os respetivos processos, contactando os clientes e procurando influenciar a decisão de aquisição dos produtos propostos.

Por outro lado, resulta da matéria provada que o trabalhador, na área das vendas, não agia de forma isolada, mas de forma articulada com uma equipa que também acompanhava os processos de vendas.

Ora, dos factos provados resulta que o trabalhador não prestava aos seus colegas, que também procediam ao acompanhamento das vendas, determinadas informações que lhe eram solicitadas.

Foi o caso da proposta para fornecimento de equipamentos apresentada à cliente CC, em 18 de janeiro de 2013. A sua colega de trabalho, DD, questionou-o, por diversas vezes, acerca do estado do processo e nunca lhe prestou qualquer esclarecimento quanto ao desenvolvimento do mesmo, não tendo havido, desde aquela data até à instauração do processo disciplinar qualquer acompanhamento da proposta junto do cliente, por parte do trabalhador. No decurso do processo disciplinar a empregadora veio a tomar conhecimento de que o fornecimento havia sido adjudicado a uma empresa concorrente.

No caso da cliente FF – …., Ld.ª,  provou-se que o trabalhador, em fevereiro de 2013, solicitou a elaboração de uma proposta para fornecimento de equipamentos, tendo a proposta sido elaborada e enviada ao trabalhador para que a remetesse ao cliente.

 Até 26 de março de 2013, data em que o trabalhador foi suspenso, não havia qualquer indicação do estado do processo de adjudicação.

O cliente foi contatado pela colaboradora DD que verificou que o trabalhador não tinha enviado o orçamento que tinha sido elaborado.

A cliente, dada a falta de resposta em tempo útil, adjudicou o fornecimento a outra empresa.

Já em relação à cliente GG – …, que era acompanhado pelo trabalhador, que solicitou em setembro de 2012, uma estimativa de custos para uma intervenção no Instituto, cuja proposta foi enviada pelo trabalhador, constatou-se, já na pendência do processo disciplinar, que não havia no dossier do cliente qualquer informação acerca do estado do processo de fornecimento.

Finalmente, na obra da PT, executada pela empresa “HH”, a trabalhadora EE detetou várias incoerências na última implantação da obra que foi rececionada do cliente, pelo que interpelou o trabalhador para que fossem esclarecidas essas dúvidas junto do cliente, tendo este se limitado a dizer que a obra era para executar conforme estava. Durante a execução da obra verificou-se que, efetivamente, os problemas inicialmente detetados existiam, e que não era possível solucioná-los em tempo.

 De todas estas situações retira-se que o trabalhador não atuou da forma que era de esperar de um trabalhador médio, que desempenhe as funções de vendedor, pois nesta atividade o acompanhamento das propostas é essencial para cativar os clientes e concretizar o respetivo negócio.

Como já se referiu, a falta de zelo e a negligência têm de ser aferidas objetivamente, atendendo a um modelo de trabalhador médio, colocado perante as circunstâncias de cada caso concreto, sofrendo as inerentes variações que advêm da atividade desenvolvida.

No caso concreto, é legítimo concluir que o empregador esperasse que o trabalhador fizesse todas as diligências de acompanhamento adequadas a cativar os clientes, enviando as propostas em tempo, fazendo contactos para avaliar o estado do processo de decisão, registando nos processos o resultado dessas suas intervenções, acompanhando a execução das obras para procurar resolver eventuais problemas que surgissem, e, por fim, colaborando com os colegas de trabalho com espírito de equipa na prossecução dos fins da empresa.

Foi já assinalado que o dever de promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade na empresa, imposto na alínea h), do n.º 1, do art.º 128.ºdo Código do Trabalho, que entronca no dever de zelo e diligência, pode implicar que os atos a realizar para a melhoria da produtividade da empresa tenham de envolver a colaboração com os colegas de trabalho.

No entanto, resulta da matéria de facto provada que o trabalhador não prestou essa colaboração, como aconteceu no caso da cliente CC e da obra da PT, executada pela HH, não prestando, no primeiro caso, as informações solicitadas pela colega DD, e, limitando-se, no segundo caso, a dizer à colega EE que a obra era para executar como estava, sem cuidar de averiguar dos apontados problemas de execução.

Concluindo, temos de afirmar que a não apresentação pelo trabalhador dos relatórios que lhe foram solicitados pelo empregador, como a falta de zelo e diligência na execução do trabalho, constituem atos graves, ilícitos e culposos, com reflexos negativos na organização do empregador, quer ao nível do seu negócio, quer a nível da disciplina interna da empresa.

Os referidos atos ilícitos e culposos, pela gravidade das suas consequências, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, integrando justa causa para despedimento.

Assim, é de manter o acórdão recorrido que decidiu julgar o despedimento lícito, por ter considerado procedente a justa causa invocada pela ora Recorrida.

                                                           III

           

Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 27/04/2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

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[1] Na matéria de facto dada como provada na sentença de 1ª instância e no acórdão do Tribunal da Relação consta a data 26/02/2012, o que se deve a um mero lapso como se pode constatar pela consulta dos articulados apresentados.
[2] Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 821.
[3] Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 559.
[4] Justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova, 190.
[5] Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, Almedina, pág. 914.
[6] Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 127.
[7] Obra citada,  pág. 130.
[8] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, pág. 280 e seguintes.
[9] Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 130.
[10] Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, Almedina, pág. 472.
[11] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, pág. 284.
[12] Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 548.