Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CABRAL | ||
Descritores: | ACÓRDÃO ABSOLUTÓRIO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TRIBUNAL COLECTIVO TRIBUNAL DA RELAÇÃO TRIBUNAL DO JÚRI | ||
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Data do Acordão: | 04/30/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - LEI DAS ARMAS / RESPONSABILIDADE CRIMINAL E CRIMES DE PERIGO COMUM. DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS | ||
Doutrina: | - Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria de Interpretação das Leis, p. 150. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º1, ALS. D) E E), 414.º, 420.º, 432.º, N.º 1, AL. C). LEI N.º 5/2006, DE 23-02: - ARTIGO 86.º, N.º 1, AL. D). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 29-04-2009, PROCESSO N.º 329/05.1PTLRS.S1. | ||
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Sumário : | I - O disposto no art. 400.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP, quer na redacção anterior à Lei 20/2013, quer na redacção introduzida por esta lei, deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o STJ das decisões absolutórias está dependente de as mesmas se reportarem a crimes julgados pelo tribunal colectivo ou de júri, ou seja, se inscrevam no catálogo do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP. II - Deste modo, não admite recurso para o STJ a decisão do Tribunal da Relação que, concedendo provimento ao recurso, absolveu o arguido da prática do crime de detenção de arma proibida do art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23-02, em que tinha sido condenado em 1.ª instância, em processo sumário, em pena não privativa da liberdade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Ministério Público veio interpor recurso da decisão absolutória proferida pelo Tribunal da Relação do Porto nos presentes autos em que é arguido AA. Em primeira instância e por sentença, proferida em 2012/01/04, no processo sumário n.º 322/11.5GAALJ, do Tribunal Judicial de Alijó, foi o arguido condenado, pela prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2.º, n.º 1, al. an), 3.º, n.º 1, al. i) e 86.º, n.º 1, al. d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o montante total de € 600,00 (seiscentos euros São as seguintes as razões de discordância elencadas nas conclusões da respectiva motivação de recurso: I) - Na perspetiva do Ministério Público, não ocorreu qualquer busca já que, segundo o depoimento do agente da autoridade, o arguido lançou um objeto para o chão ao avistar a GNR e, como se tratava de um local referenciado com o consumo de estupefacientes, abordaram-no, tendo presenciado o bastão extensível que se encontrava na porta do carro que foi aberta para que o arguido saísse, limitando-se o agente a recolher tal objeto, no âmbito das medidas cautelares e de polícia; II) - Na douta sentença proferida em primeira instância, deu-se como não provado que "os militares da GNR tenham procedido à busca à viatura do arguido e o tivessem feito sem autorização'". A contrario sensu, conclui-se que não foi realizada qualquer busca ao veículo do arguido, tendo a apreensão sido efetuada com o seu consentimento; III) - Ainda que se entenda, como o faz o douto Acórdão recorrido, que "a busca ocorreu, mesmo que numa forma muito sumária", ainda assim, é forçoso concluir-se que não estamos perante uma diligência nula; Vejamos IV) - O único fundamento da nulidade evocado na decisão recorrida prende-se com a inobservância das exigências contempladas no n.° 6 do art.0 174.° do Código de Processo Penal, por força do disposto no art.0 251.°, n.° 2, a saber, a diligência teria de ser comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada, em ordem à sua validação; V) - Acontece que os agentes de autoridade apreenderam o bastão no dia 19/10/11, pelas 21 h e 50 m, tendo notificado o arguido para comparecer no Tribunal Judicial de Alijó no dia seguinte. O expediente foi apresentado ao Ministério Público que validou a apreensão do bastão e requereu a submissão do arguido a julgamento em processo sumário. Por despacho proferido a 2/11/11, o Mm.° Juiz ordenou a imediata realização de julgamento em processo sumário, o que efetivamente veio a acontecer. Ora, a questão da nulidade da "apreensão/busca" foi suscitada pelo arguido na contestação, tendo sido objeto de decisão pelo Tribunal que concluiu que "não se verifica a nulidade invocada pelo arguido, com o consequente indeferimento da mesma" (cfr. a gravação da sentença ditada oralmente para a ata, transcrita pelo Ministério Público na proficiente resposta ao recurso, a fls. 214/215); VI) - Na verdade, ao ter sido requerida (e deferida) a submissão imediata do arguido a julgamento em processo sumário, ter-se-á de considerar que a "validação" imposta pelo art.° 174.°, n.° 6, do Código de Processo Penal (ex vi do art.0 251.°, n.° 2) se transfere do juiz de instrução para o juiz de julgamento; VII)- Foram violados os art.°s 2.°, n.° 1, al. an), 3.°, n.° 1, al. i), 86.°, n.° 1, al. d), e 107.°, n.° 1, al. c), todos da Lei n.° 5/2006, de 23/2, e art.°s 174.°, n.°s 5 e 6, 249.°, n.° 2, al. c), e 251.°, n.° 2, do Código de Processo Penal. Termina pedindo que seja considerada válida a apreensão do bastão extensível e, consequentemente, mantida a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Alijó que condenou o arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, Respondeu o arguido defendendo a improcedência do recurso. Neste Supremo Tribunal de Justiça a foi emitido proficiente parecer advogando a não admissibilidade do recurso. Os autos tiveram os vistos legais. * Cumpre decidir. Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade: 1º - No dia 19 de Outubro de 2011, cerca das 21h50, quando o arguido se encontrava na Avenida ......., em Alijó, no interior do seu veículo automóvel, marca “SEAT”, matrícula 00-00-00, detinha na sua posse um bastão extensível, de cor preta, de comprimento aberto correspondente a 54 cm e fechado correspondente a 21 cm. 2º - O arguido não é titular de qualquer licença de uso e porte de arma que o habilitasse a deter e transportar a arma supra descrita. 3º - E ainda assim decidiu transportá-la e detê-la no interior do seu veículo automóvel. 4º - O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 2.1.1.1. Deu-se ainda como provado: Que o arguido se encontra desempregado há cerca de um ano; Que anteriormente exercia a actividade profissional de picheleiro por conta de outrem, auferindo quantia mensal de € 600,00 (seiscentos euros); Que reside com os pais sendo estes quem o sustenta não contribuindo com qualquer quantia para as despesas do respectivo agregado. Que tem como habilitações literárias o quarto ano de escolaridade. E tem antecedentes criminais tendo já sido condenado a 22 de Março de 2011, no âmbito do processo 60/11.9GAALJ, que correu os seus termos neste Tribunal Judicial de Alijó, pela prática a 6 de Março de 2011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, do art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de cinco euros, perfazendo o total de € 300,00 (trezentos euros), e bem assim na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, por um período de três meses. 2.1.2. Factos não provados: I) Que os militares da GNR tenham procedido a busca à viatura do arguido, e que o tivessem feito sem a sua autorização. II) Que o arguido tenha encontrado o bastão apreendido nos autos junto das bombas de abastecimento de combustível “Avia”, sitas no lugar da Chã, freguesia de Vila Chã, concelho de Alijó. III) Que, nessa sequência, pegou no dito objecto e que, achando-lhe graça, o tenha colocado no carro. IV) Que o arguido desconhecesse que o objecto apreendido nos autos se tratasse de arma proibida. I I Admissibilidade do recurso O presente recurso incide sobre o segmento da decisão do tribunal da Relação do Porto que concedeu provimento ao recurso interposto absolvendo o arguido ou seja, a decisão em causa tem por objecto um acórdão absolutório que se pronunciou sobre uma pena não privativa de liberdade aplicada em sede de primeira instância. Será admissível recurso daquela decisão de absolvição para o Supremo Tribunal de Justiça? A questão em apreço está hoje perfeitamente clarificada no sentido da inadmissibilidade com a redacção das alíneas d) e e) introduzidas pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro. Porém, importa acentuar que, mesmo pressupondo a aplicabilidade da redacção dos normativos em causa vigente á data da decisão recorrida, não obteríamos diferente conclusão Na verdade, sobre este tema importa repristinar algumas das considerações que expendemos a propósito, nomeadamente no Acórdão: 29-04-2009 proferido no processo 329/05.1PTLRS.S1.Rerere-se ali que: -Sobre o sistema de recursos em processo penal constante da redacção inicial do Código de Processo Penal começou a gerar-se uma suspeição de ineficiência patente na motivação apresentada pelo Secretário de Estado da Justiça em relação á alteração introduzida pela Lei 59/98 (Confrontar Revista Portuguesa de Direito Criminal Ano VIII Pag 63). Explicitando as razões pelas quais se alterava o regime de recursos do Código de Processo Penal afirmava-se que as soluções iniciais do respectivo Código privilegiavam os objectivos de celeridade e efectividade do duplo grau de jurisdição e se caracterizavam pela linearidade quase esquemática dos princípios e, ainda, por uma forte sensibilidade às conexões entre o processo e a organização judiciária. Neste contexto, as ideias de tramitação unitária, de competência baseada na natureza do tribunal a quo, ou de revista alargada exprimiam um singular compromisso entre a teoria e as exigências práticas. Lapidarmente, afirmava o mesmo responsável legislativo que, não obstante os seus aspectos positivos, a experiência postulada pela redacção inicial do mesmo Código tinha ficado aquém das expectativas. A explicação apresentada pelos críticos situar-se-ia na circunstância de, por dificuldades de aplicação, se ter tomado manifesta a erosão de alguns princípios, de que eram exemplo, nomeadamente: “a precarização dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça que, pelo seu estatuto tende a alhear da matéria de facto, ainda que na fórmula mitigada que o Código perfilha; a incomunicabilidade entre instâncias de recurso resultante de os poderes das relações e do Supremo Tribunal de Justiça incidirem, por regra, sobre objecto diferente (os primeiros, sobre recursos interpostos do tribunal singular e os segundos sobre recursos interpostos do tribunal colectivo ou de júri); a indesejável duplicação de tribunais de recurso que julgam, por regra, em última instância; a debilitação de garantias, com a reduzida aplicação de institutos instrumentais, como são os relativos à renovação a prova: à oralidade e à presença efectiva dos intervenientes processuais; o enfraquecimento da função real e simbólica o Supremo Tribunal de Justiça como tribunal a quem comete decidir, em ultima instância, sobre a “lei e o direito”. Se o esquema dos recursos proposto pela versão inicial do Código de Processo Penal enfermava de tais patologias a alteração legislativa introduzida era apregoada como portadora de um alto grau de aperfeiçoamento e consubstanciadora da descoberta de soluções em que se congregava um boa amálgama dos melhores princípios. É, assim, que se referia que,” com as mesmas alterações, se restitui ao Supremo Tribunal de Justiça a sua função de tribunal que conhece apenas de direito, com excepções em que se inclui a do recurso interposto do tribunal de júri; ressalva-se a ideia da tramitação unitária que deixa, no entanto, de corresponder à configuração de um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da dupla conforme, harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça a casos de maior gravidade; admite-se o recurso per saltum, justificado pela medida da pena e pela limitação do recurso a matéria de direito; retoma-se a ideia de diferenciação orgânica, mas apenas fundada no princípio de que os casos de pequena ou média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça; ampliam-se os poderes de cognição das relações, evitando-se que decidam, por sistema, em última instância; assegura-se um recurso efectivo em matéria de facto; estabelece-se a possibilidade de o recurso ser julgado em conferência quando, não houver lugar a alegações orais e não for necessário renovar a prova; altera-se o regime do recurso para uniformização da jurisprudência, valorizando as ideias de independência dos tribunais e de igualdade dos cidadãos perante a lei e evitando os riscos de rigidez jurisprudencial.» Mais claro nas razões da alteração regime de recursos foi o Presidente da Comissão, Professor Germano Marques da Silva, que, ao justificar a bondade das reformas, e perante a Assembleia da República, adiantou como principais justificações, que: a)- No projecto apresentado na Comissão para discussão partiu-se do princípio de que não é aceitável que o regime dos recursos em processo penal possa ser mais restrito do que os recursos em processo cível b)- O sistema vigente em sede de recursos podia e devia ser aperfeiçoado porque “não satisfaz ninguém” razão de tal não satisfação é de que a actual organização judiciária não permitia ainda que os tribunais colectivos adquirissem o prestígio que é pressuposto do regime de recursos vigentes e não é previsível que o adquira a médio prazo. c)- A confiança na qualidade da justiça realizada em primeira instância é sempre relativa. Igualmente era convicção do mesmo Professor de que a aspiração generalizada dos meios jurídicos era a possibilidade do registo e prova produzida na audiência de julgamento e que esse desejo está intimamente relacionado com a quebra da confiança na qualidade da Justiça administrada em primeira instância. Acrescia, ainda, na sua perspectiva, o facto de a conflitualidade entre os diversos sujeitos processuais entre magistrados e advogados, ser muito aguda. Argumentação linear, afastada de grandes elaborações jurídicas, tem sobre si o ónus de arrancar de juízos de valor subjectivos, das impressões pessoais dos membros da Comissão e de uma incorrecta compreensão dos conceitos. Em relação ao argumento mais bem elaborado, e fundamentado, da equiparação do sistema de recursos estamos inteiramente em sintonia com José Damião da Cunha quando referia que a interposição de um novo grau de recurso em matéria de facto não pode deixar de constituir um gravame nos propósitos de celeridade e economia processual. Solução tanto mais discutível, quanto ao acto formal de constituição como arguido, na fase de inquérito, está associado uma exigência de cumprimento de prazos na definição do estatuto processual do arguido - exigência essa que parece ter sido integralmente para as fases posteriores. É certo que parecerá pouco compreensível que num mesmo ordenamento jurídico o processo civil ponha à disposição das partes um duplo grau de jurisdição de em processo penal o recurso e o processo penal - sobretudo analisado numa a perspectiva garantistica - se baste com um só grau de recurso. Porém, pondo de lado o facto de mesmo no próprio processo civil a matéria dos recursos - e, em especial, o chamado princípio do duplo grau de jurisdição de mérito estar hoje sujeito também a revisão e não reiterando na demonstração da diferenciação da lógica interna dos recursos (no processo civil vigora ainda o princípio do pedido e a total disponibilidade do processo pelas partes), a verdade é que, no processo civil, vigoram regras que permitem atenuar as consequências nefastas de uma longa duração do processo: assim, desde logo, na determinação das consequências (os juros de mora, etc) mas, mais ainda, tal como sucede no vigente CPC nacional, a tramitação dos recursos é também diferenciada, sendo admissível que, em certos casos, os recursos apenas tenham efeito meramente devolutivo e, portanto, não produzam o efeito suspensivo, sendo, assim, a sentença provisoriamente executiva. Ora, tal não poderá obviamente suceder no processo penal: nem o arguido inocente é devidamente salvaguardado de um repetir de juízos desnecessários, nem a condenação e os efeitos preventivos que se querem actuados pela aplicação da pena são compensados. Não obstante os grandes propósitos, e na prática, a maior novidade das alterações em sede de recurso referia-se aos recursos interpostos de decisões do tribunal colectivo. Analisando a tramitação introduzida nos recursos das decisões daqueles tribunais verifica-se que, no caso de o recurso versar exclusivamente matéria de direito, passou a ser admitido o recurso per saltum para o STJ; no caso de o recurso versar sobre matéria de facto, o recurso é interposto para o Tribunal da Relação (no caso de um eventual cumulo de recursos, uns versando somente matéria de direito, outros abrangendo também matéria de facto, serão julgados conjuntamente os perante o Tribunal da Relação). Na redacção inicial do C.P.P. a decisão do tribunal colectivo apenas era susceptível de ser impugnada em termos de direito e no Supremo Tribunal de Justiça. Da decisão do Tribunal da Relação há a possibilidade de se interpor um novo recurso para o STJ. Para obviar a uma eventual repetição desnecessária de juízos, em sede de recursos, o legislador socorreu-se de um mecanismo impeditivo de acesso à jurisdição do ST J, a que denominou de «dupla conforme» sempre que a decisão do Tribunal da Relação fosse uma decisão absolutória que confirmasse decisão de primeira instância, ou se fosse uma decisão condenatória que confirmasse decisão de primeira instância por crime não punível com pena superior a 8 anos, nestes casos ficaria precludido o acesso ao STJ. Assim, neste esquema de tramitação de recursos, poderiam aceder ao ST J - tendo sido exercitado o recurso em matéria de facto - os casos em que se verificasse uma controvérsia nas decisões antecedentes e os casos de condenação por crime grave (pena superior a 8 anos). Por qualquer forma a regra imperativa do conhecimento pelo Tribunal da Relação, e só por este, das decisões do Tribunal singular nunca foi objecto de qualquer controvérsia doutrina ou jurisprudencial e muito menos atraiu a atenção do legislador. - Na prática a gestão de todo o sistema de recursos nos Tribunais Superiores foi alterado pelas inovações introduzidas cuja grande preocupação, embora não explicitada, foi o de criar condições para o controle da matéria de facto nos julgamentos de tribunal colectivo Os riscos inerentes a uma tal concepção são, quanto a nós, evidentes e a existência de um duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto é um factor acrescido de insegurança do sistema. Na prática o que se pretendia não era um recurso como forma de sindicar os vícios da decisão recorrida, ou um “recurso remédio”, mas sim um recurso que era uma forma encoberta de uma nova reapreciação da matéria de facto decidida pelo tribunal colectivo, isto é, de um segundo julgamento. A tentação de conseguir a alteração, numa outra instância, da decisão que não é favorável provoca uma insegurança na definição do direito que, por forma alguma, é compensada com eventuais benefícios. A possibilidade da existência de dois juízos diferentes sobre a mesma matéria de facto não abona sobre a fiabilidade do Sistema sendo certo que no tribunal de recurso é postergado o princípio da mediação e a percepção da prova produzida é feita indirectamente com referência à produzida na primeira instância que se encontra devidamente documentada. Aliás, é patente a contradição do legislador que mantém o tribunal colectivo considerando que a colegialidade e a composição são uma garantia reforçada de uma avaliação fiável da prova produzida e das garantias dos cidadãos mas que, por outro lado, numa manifestação de desconfiança, introduz o recurso em termos de matéria de facto de tal decisão. E, saliente-se, recurso esse que tem por base a mesma prova que foi produzida perante o tribunal colectivo. Ao menos que o legislador tivesse a coerência patente na reforma de processo civil em que a sindicância da matéria de facto pelo tribunal superior tem por contraposição a decisão de juiz singular. De qualquer forma é legítima a afirmação de que, face ao regime de recursos inicialmente previsto no Código de Processo Penal, bem como aos propósitos do legislador na reforma que lhe sucedeu, constituía uma afronta ao mesmo regime a admissibilidade de recurso de uma decisão do tribunal singular para o Supremo Tribunal de Justiça- confrontar artigo 13 e seguintes; 400 e 432 do Código de Processo Penal A alteração introduzida pela lei 48/2007, em relação á matéria do sistema de recursos, enuncia, em termos de proposta, que é objectivo do legislador “restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas.” Tal propósito, por alguma forma redutor, omite, por um lado, o esforço no sentido de afirmar a função nomofilática do Supremo Tribunal de Justiça a que se refere Medina de Seiça quando alude a uma função de defesa já não da lei, ou da norma positivamente encarada, mas do próprio direito e da intenção de justiça que o constitui. Uma função que, refere o mesmo Autor, por antonomásia, lhe pertence, pois constitui o topo da hierarquia judiciária e é nela institucionalmente único. Uma função que se mostra cada vez mais necessária em face da pulverização legislativa e da multiplicação de processos para assegurar a efectividade do princípio da legalidade penal, bem como dar consistência à pretensão preventivo-geral do sistema normativo que se ganha (ou perde) em grande medida no modo como a proibição e a punição se actualizam na realidade judiciária. Por igual forma se dirá que se situaram fora do âmbito das preocupações do legislador a praxis quotidiana imposta pelo recurso relativo á matéria de facto inserido pela anterior reforma e a necessidade de uma repristinação da lógica inicial do sistema de recursos que, sufragando a Constituição, constituía uma construção sólida de leitura linear. Para a necessidade de uma ponderação sustentada de tal necessidade se referiu Pinto de Albuquerque em sede de Unidade de missão para a Reforma Penal (acta nº17) Na verdade, a grande preocupação do legislador, para além da alteração do modelo de admissibilidade baseado na pena aplicável para a pena efectivamente aplicada, foi o de conseguir um sistema de impugnação da matéria de facto que, transpondo conceitos importados do processo cível, inaugurasse um novo capítulo que, prognosticamos, ser particularmente complicado no que respeita á mesma impugnação Em consonância com aquele primeiro propósito formatou-se o artigo 400.º do Código de Processo Penal com a seguinte proposta de redacção: Decisões que não admitem recurso 1 - Não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos; Tal redacção do artigo em causa estava em consonância com o disposto no artigo 432 alínea c) da Proposta e não é mais do que concretização do propósito afirmado pelo legislador, dentro da lógica do sistema de recursos. Todavia, dentro do percurso de consolidação e feitura da lei, alguém, menos conhecedor de princípios básicos de processo penal, conseguiu que a alínea e) do artigo citado assumisse a redacção seguinte: De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade. Por seu turno dispunha a referida alínea e), na redacção anterior, que não eram admissíveis os recursos proferidos pelas relações em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16º nº 3. A comparação da mesma alínea nas duas redacções elencadas, numa interpretação literal, imprime a conclusão de que, face ao caso vertente, o recurso penal interposto para este Supremo Tribunal será agora admissível sendo certo que não o era na redacção anterior. Na verdade, cerceada a alínea e) da sua referência á pena abstracta, coincidente com a competência do tribunal singular, emerge a alínea d) do normativo em causa que refere a irrecorribilidade aos acórdãos absolutórios proferidos em recurso, pelas relações que confirmem a decisão da primeira instância. Por exclusão e argumento “a contrario sensu”as decisões absolutórias que não confirmem a decisão de primeira instância serão recorríveis, Esta a razão de ser da questão suscitada nos presentes autos, ou seja, saber se, admitindo que uma interpretação literal das mesmas alíneas conduz á conclusão de que a decisão absolutória proferida pelo tribunal singular conduz á admissibilidade do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, determinar se tal interpretação está de acordo com o propósito do legislador firmado nas sucessivas intervenções relativas á lei adjectiva penal ou se, pelo contrário, é imperativo efectuar uma interpretação correctiva. A questão fundamental na análise de tal questão centra-se, assim, na interpretação das alíneas em causa e da sua conjugação com o artigo 432 alínea c) do Código de Processo Penal. Tal tarefa reconduz-se á aplicação de princípios fundamentais, visando a consagração de uma interpretação permitida pela lei e arredando a possibilidade de uma analogia proibida por situada á margem do princípio da legalidade Tendo presente tais pressupostos na tarefa interpretativa a elaborar a primeira conclusão que se pode extrair é a de que a redacção atribuída á referida alínea e) não está de acordo com princípios que desde sempre regeram o sistema de recursos pois que permite, em última análise, que da decisão de juiz singular alterada pelo Tribunal da Relação, e impondo uma absolvição, se possa recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Tal admissibilidade viola frontalmente aqueles princípios. Aliás, saliente-se que, no domínio da interpretação de que se discorda, a decisão do juiz singular é susceptível de recurso para o Tribunal da Relação-artigo 427 do Código de Processo Penal- o qual pode ser restrito á matéria de direito. Por seu turno, ainda no domínio da mesma interpretação, a decisão da Relação é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, se a decisão aplicada for emitida pelo tribunal colectivo, e se restringir á matéria de direito, apenas pode ser dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça-artigo 432 nº1 alínea c) do Mesmo diploma. A interpretação literal consagra, assim, um duplo grau de recurso em termos de matéria de direito em relação ás decisões do juiz singular alteradas pelo tribunal da Relação nos sobreditos termos, conferindo-lhes um superior coeficiente garantistico o que, convenhamos, é algo totalmente despropositado na lógica do sistema e reflecte a incorrecção da mesma interpretação. Já nos Comentários ao Código de Processo Penal Paulo Pinto Albuquerque detectava a evidente aporia referindo que “ A nova regra do triplo grau de jurisdição coloca uma questão adicional conexa com o artigo 432, nº 1, al. c), e nº 2. Esta disposição era consonante com a redacção do artigo 400, nº 1, al. e), da proposta governamental n. ° 109/ X, de acordo com a qual eram irrecorríveis os acórdãos proferidos em recurso, pelas Relações que aplicassem pena de prisão não superior a cinco anos. Contudo, esta disposição do artigo 400, nº 1, al. e) foi arredada na AR, mas manteve-se o artigo 432 nº1, al. c), e nº 2. Deste modo, surgiu uma discrepância notória entre as duas disposições. O artigo 400 nº1 alínea e) admite o recurso para o STJ de acórdãos do TR proferidos, em recurso em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão, mas o artigo nº 1, al. c), e nº 2, só impõe o recurso directo para o STJ dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal de júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, que visem exclusivamente matéria direito. Ou seja, o recurso da sentença do tribunal singular condenatória da pena de prisão que visa exclusivamente o reexame de matéria de direito deveria ser interposto para o TR e / ou para o STJ. Este tratamento de privilégio dos arguidos julgados pelo tribunal singular não tem nenhum fundo objectivo e, por isso, o artigo 432, nº 1, al. c), deve ser aplicado analogicamente ao recurso da sentença do tribunal singular condenatória em prisão, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito. “ Quanto a nós, perfilhamos o entendimento de que é incontornável a constatação de que o sentido literal das referidas alíneas d) e e) não coincide com a vontade da lei, tal como se deduz da interpretação lógica: há desconformidade entre a letra e o pensamento da lei. Analisando a disposição do ponto de vista lógico, vê-se que resulta outro sentido que não é aquele que das palavras transparece imediatamente. Como diz Manuel de Andrade [1] “Ora as palavras são um meio para tomar reconhecível a vontade, e se é certo que sem alcançar expressão nas formas constitucionais uma vontade legislativa não tem existência jurídica, certo é outrossim que basta uma manifestação defeituosa ou errónea, através da qual se possa reconstruir e vislumbrar essa vontade Pois que o meio deve sacrificar-se ao fim, o pensamento deve triunfar da forma, a vontade da escama verbal: prior atque potentior est quam vox, mens dicentis .O confronto da interpretação lógica com a literal há-de ter por efeito operar uma rectificação do sentido verbal na conformidade e na medida do sentido lógico. Tratar-se-á de corrigir a expressão imprecisa, adaptando-a e entendendo-a no significado real que a lei quis atribuir-lhe. A modificação refere-se às palavras, que não ao pensamento da lei”. A imperfeição linguística pode manifestar-se de duas formas: ou o legislador disse mais do que queria dizer, ou disse menos, quando queria dizer mais. A sua linguagem pode ser demasiado genérica, e compreender aparentemente relações que conceitualmente dela estão excluídas, ou demasiado restrita, e não abraçar em toda a sua amplitude o pensamento visado. Em suma, o legislador pode pecar por excesso ou por defeito. A interpretação, para fazer corresponder o que está dito ao que foi querido, procede acolá restringindo e aqui alargando a letra da lei: num caso há interpretação restritiva, e no outro há interpretação extensiva. No caso concreto impõe-se uma leitura restritiva das referidas alíneas reconduzindo-as não só ao espírito do legislador como á sua interpenetração com o disposto no artigo 432 nº1 alínea c) do Código de Processo Penal. A interpretação restritiva, ainda nas palavras de Manuel de Andrade, aplica-se quando se reconhece que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, todavia quis referir-se a uma classe especial de relações. A interpretação restritiva tem lugar particularmente nos seguintes casos: 1º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto de lei; 2º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum);3. o se o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado. É exactamente a primeira hipótese que se verifica no cotejo e conjugação das duas normas em causa pelo que a contradição existente deve ser resolvida dentro daquele que desde sempre tem sido o propósito invocado pelo legislador de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça às decisões que o mereçam pela sua relevância e necessariamente decisões emitidas pelo tribunal colectivo e de júri. É exactamente a primeira hipótese que se verifica no cotejo e conjugação das duas normas em causa pelo que a contradição existente deve ser resolvida dentro daquele que desde sempre tem sido o propósito invocado pelo legislador de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça às decisões que o mereçam pela sua relevância e necessariamente decisões emitidas pelo tribunal colectivo e de júri. Assim, conclui-se que o disposto no artigo 400 nº1 alíneas d) e e) do Código de Processo Penal quer na redacção anterior á Lei 20/2013 quer na redacção introduzida por esta Leo deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões absolutórias ou decisões que aplicam penas privativas de liberdade está dependente do facto de as mesmas penas se inscreverem no catálogo do nº1 alínea c) do artigo 432 do mesmo diploma, ou seja, serem superiores a cinco anos. * Não se ignora que tal interpretação foi objecto de acerba crítica por parte de Figueiredo Dia e Nuno Brandão em Revista Portuguesa de Direito Criminal (Ano 20 tomo IV pag 630 e seg) que assenta fundamentalmente em nos seguintes pontos a)-A matéria do artigo 432 nº 1 nada tem a ver com a questão da recorribilidade mas sim com a questão da competência. b)-O recurso á norma citada para aferir da questão da recorribilidade configura um alargamento por via da analogia do âmbito de aplicação da alínea e) do nº1 do artigo 400 do Código de Processo Penal o que constitui um procedimento metodológico proibido por lei Existiu uma intencionalidade normativa no franquear da admissibilidade do recurso nomeadamente expresso na desconformidade entre o proposto pela Unidade de Missão para a Reforma Penal e o legislado pela Assembleia da Republica. Face a tais críticas não se pode deixar de recordar o supra exposto na afirmação de um sistema coerente de recursos construído na versão inicial do Código Processo Penal. Tal edifício, de que é construtor o Prof. Figueiredo Dias, tinha como um dos eixos essenciais o facto o recurso da decisão do tribunal singular (de facto e de direito) se dirigir ao Tribunal da Relação enquanto que o recurso da decisão do tribunal colectivo (de direito) se dirigir ao Supremo Tribunal de Justiça. Poder-se-ia discordar dos fundamentos de tal estrutura, mas não se podia negar a lógica e coerência do sistema. É, assim, com surpresa, que se vê o mesmo Autor a terçar armas por um sistema de recursos que já nada tem a ver com aquele que desenhou e que constitui uma manta de retalhos fruto de sucessivas reformas legislativas em que a incoerência sistémica marcou presença. Na verdade, a primeira questão que aflora ao espírito do intérprete é a de saber se a interpretação literal e positivista ora proposta oferece um critério lógico e razoável de integração do sistema de recursos. A resposta é decididamente negativa e os Autores referidos não dão resposta á circunstância de, na interpretação que agora aparecem como paladinos, a decisão do juiz singular ser susceptível de recurso para o Tribunal da Relação-artigo 427 do Código de Processo Penal- o qual pode ser restrito á matéria de direito. Por seu turno, ainda no domínio da mesma interpretação, a decisão da Relação, se aplicar pena privativa de liberdade, é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, se a decisão aplicada for emitida pelo tribunal colectivo, e se restringir á matéria de direito, apenas pode ser dirigida ao Supremo Tribunal de Justiça-artigo 432 nº1 alínea c) do mesmo diploma. A incoerência desta interpretação literal tem por consequência, um duplo grau de recurso em termos de matéria de direito em relação às decisões do juiz singular alteradas pelo tribunal da Relação, conferindo-lhes um superior coeficiente garantístico o que, convenhamos, é algo totalmente despropositado na lógica do sistema e reflecte a incorrecção da mesma interpretação. Efectivamente, é transversal a todo o percurso histórico do sistema de recursos, e á lógica que lhe está subjacente, que a decisão do juiz singular não pode ser objecto de um sistema de garantias superior àquele que existe em relação á decisão do tribunal colectivo. Então, a conclusão é a de que existe uma incoerência sistémica que tem de ser resolvida em sede de interpretação da lei. Sucede aqui que, contrariamente ao pretendido pelos mesmos Autores, o artigo 432 do Código de Processo Penal, não é uma entidade exógena ao sistema cujo uso como critério interpretativo das regras de admissibilidade de recurso constitua uma “heresia” jurídica. Bem pelo contrário, a partir do momento em que concluímos que o artigo 400 nº1 alínea e) necessita de uma leitura interpretativa esclarecedora e afastada de um pretenso sistema auto poiético é evidente que o referencial será exactamente aquele que delimita a fronteira do conhecimento por parte dos tribunais superiores. O flagelar com o anátema de um irreflectido uso da analogia não nos demove do convencimento de que, face ao entendimento que propomos, estamos perante uma interpretação restritiva justificada pela incoerência do resultado de uma interpretação literal. O último argumento utilizado, de natureza substancial e enraizado em razões de justiça, que não formais, é, quanto a nós, portador de uma maior carga argumentativa. Na verdade, o arguido absolvido na primeira instância e condenado em prisão efectiva inferior a cinco anos no Tribunal da Relação fica privado, na interpretação que se defende, de recorrer tal decisão. Porém, compreendendo-se a delicadeza de tal situação no âmbito das garantias de que o arguido é portador não podemos escamotear que é assim como sempre foi e que tal interpretação teve, desde sempre, o aval do Tribunal Constitucional (acordão 49/2003; 255/2005 e 487/2006).Na verdade, a grande diferença para o passado é a circunstância de anteriormente o critério fundamentar-se num pena aplicável enquanto que a alteração introduzida pela Lei 48/2007 o critério é a pena aplicada. * Assumimos assim uma interpretação do segmento da norma em análise que conduz á conclusão de que a admissibilidade de recurso fundamentada nas suas alíneas d e e) apenas existe caso a pena seja superior a cinco anos de prisão. Consequentemente, a decisão absolutória proferida em primeira instância a que se tenha sucedido uma decisão condenatória em pena privativa de liberdade inferior a cinco anos proferida pelo Tribunal da Relação não é susceptível de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Simetricamente, também a decisão condenatória em pena do mesmo tipo que tenha sido alterada para uma decisão absolutória proferida pelo Tribunal da Relação não é susceptível de recurso. O entendimento contrário consubstanciaria uma ofensa do princípio da igualdade. Por igual forma se dirá em relação á decisão absolutória que não confirmou a decisão de primeira instância. Poderá objectar-se que, nesta hipótese, configurada nos autos, não existe uma pena efectivamente aplicada que permita delimitar a admissibilidade face ao critério desenhado e, nomeadamente, á exigência de a pena ser superior a cinco anos. Na verdade, o acórdão foi absolutório pelo que não existe pena. Porém, tal reserva é afastada pela consideração de que o Tribunal da Relação está condicionado, em qualquer circunstância, pela proibição de “reformatio in pejus” pelo que a condenação da primeira instância será sempre um critério delimitativo. Por exclusão de partes o acórdão absolutório proferido pelo Tribunal da Relação apenas será admissível quando a pena, em abstrato, possa ser superior a cinco anos sendo certo que tal entendimento tem seguido de forma quase uniforme por este Supremo Tribunal de Justiça conforme se pode verificar da enumeração exaustiva constante de Acórdão de 97-07-2009 Assim, conclui-se que o disposto no artigo 400 nº1 alíneas d) e) do Código de Processo Penal, em qualquer uma das redacções em apreço, deve ser interpretado no sentido de que a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões absolutórias está dependente do facto de as mesmas se reportarem a crimes julgados pelo tribunal colectivo, ou de júri, ou seja, se inscrevam no catálogo do nº1 alínea c) do artigo 432 do mesmo diploma, isto é, serem punidas com penas superior a cinco anos. Termos em que, ao abrigo dos artigos 420 e 414 do CPP, não se admite o recurso penal interposto, determinando-se a sua rejeição. Sem custas Lisboa, 30 de Abril de 2013 Santos Cabral (Relator) Oliveira Mendes ___________________________- [1] Ensaio sobre a teoria de Interpretação das Leis pag 150 |