Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P1610
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: OBJECTO DO PROCESSO
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO ESPAÇO
LUGAR DA PRÁTICA DO FACTO
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
ACTOS DE EXECUÇÃO
ÂMBITO DO RECURSO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
QUESTÃO NOVA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
TRANSCRIÇÃO
DESTRUIÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
NOTIFICAÇÃO
FALTA
IRREGULARIDADE
LEITURA PERMITIDA DE AUTOS E DECLARAÇÕES
VALOR PROBATÓRIO
Nº do Documento: SJ20070711016103
Data do Acordão: 07/11/2007
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
I - Só a falta de inquérito (ou de instrução) constitui nulidade insanável – art. 119.º, al. d), do CPP –, situação que só se verifica perante inexistência de facto ou de direito daquela fase processual.
II - A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, qual seja a de insuficiência de inquérito, nulidade esta dependente de arguição, a qual deverá ser deduzida até ao encerramento do debate instrutório – al. c) do n.º 3 daquele artigo. O mesmo sucede relativamente à falta de constituição de arguido, nos casos em que é obrigatória.
III - Deste modo, tendo aquelas omissões sido arguidas após o encerramento do debate instrutório, é evidente que a eventual nulidade cometida se encontra sanada.
IV - Em todo o caso, o arguido carece de legitimidade para a arguição da nulidade em causa, consabido que invoca, para tanto, a falta de interrogatório e de constituição como arguidos de outros intervenientes processuais, legitimidade que só a estes caberia.
V - Entendendo o arguido que da acusação e da pronúncia constam factos praticados por pessoas que não figuram no processo, o que prejudica a sua defesa, violando o correspondente direito, constitucionalmente consagrado, não é na fase de julgamento, ainda que antes do início da respectiva audiência, que o arguido pode e deve pugnar pela alteração ou eliminação dos factos que foram insertos na acusação e/ou na pronúncia, mas sim no requerimento para abertura da instrução, no decurso desta e, em certos casos, no recurso do despacho de pronúncia – arts. 287.º, 309.º e 310.º, todos do CPP.
VI - Transitado em julgado o despacho de pronúncia, e salvo as excepções previstas nos arts. 358.º e 359.º do CPP, o objecto do processo fixa-se, sem possibilidade de modificação ou reformulação.
VII - De acordo com o art. 19.º, n.º 1, do CPP, a competência do tribunal deve ser aferida em função do facto ou dos factos objecto do processo.
VIII - A nossa lei substantiva penal adoptou em matéria de aplicação da lei no espaço o chamado princípio da territorialidade, segundo o qual a lei penal portuguesa se aplica a factos praticados em território nacional – art. 4.º, al. a), do CP.
IX - Por outro lado, no que respeita à questão da sede do crime, ou seja, do local onde o crime se deve ter por praticado, optou-se pela chamada solução plurilateral ou da ubiquidade, em termos amplos e consonantes com a ideia da plenitude da soberania portuguesa sobre o território nacional, bastando para a competência dos tribunais portugueses que a infracção tenha com o território português qualquer dos elementos de conexão referidos no preceito – acção, nos crimes respectivos; acção esperada nos crimes de omissão; ou resultado típico – para que deva concluir-se ter sido o crime praticado em Portugal.
X - Tal solução legislativa, como referiu Eduardo Correia no seio da Primeira Comissão Revisora, é exigida pelo interesse de que, em virtude de diferentes critérios usados pelas leis de diferentes países, os criminosos não fiquem impunes.
XI - Deste modo, basta que o crime tenha com o território nacional qualquer dos elementos de conexão mencionados no n.º 1 do art. 7.º do CP – acção, omissão ou resultado típico – para que deva considerar-se praticado em Portugal. Nesta perspectiva, para determinar a competência dos tribunais portugueses relativamente a acções típicas complexas e de plurilocalização, é relevante que algum acto, sob qualquer forma de comparticipação, tenha ocorrido em território nacional.
XII - Tendo a questão da incompetência territorial do tribunal sido suscitada na contestação, há que considerar os factos constantes do despacho de pronúncia.
XIII - Ora, este despacho considerou indiciados os crimes de associação criminosa com vista ao tráfico de estupefacientes (art. 28.º, n.ºs 1 e 2, do DL 15/93, de 22-01) e de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do mesmo diploma), e, segundo o factualismo vertido na acusação – peça processual para onde a decisão instrutória remete, nos termos do n.º 1 do art. 307.º – todos os arguidos, incluindo pois o ora recorrente AM, cometeram em território português actos subsumíveis à norma do art. 28.º, n.ºs 1 e 2, do DL 15/93, bem como actos integrados no plano criminoso, por todos conhecido e a que todos aderiram, tendo em vista a importação de cocaína, com transporte aéreo da Venezuela para Portugal, transporte que não se chegou a verificar, visto que a aeronave, onde a cocaína chegou a ser introduzida, não levantou voo, face à participação que o comandante do voo fez às autoridades venezuelanas, pelo que dúvidas não restam quanto à competência dos tribunais portugueses para o conhecimento dos factos objecto do processo.
XIV - No que concerne à questão da determinação do tribunal português competente em razão do território, tendo o tribunal recorrido assumido a competência para o conhecimento dos factos objecto do processo, sob a justificação de que, de acordo com a acusação pública, o último acto de execução cometido em território nacional, com referência ao transporte da cocaína apreendida na Venezuela, foi a saída da aeronave do aeroporto da Portela com destino à Venezuela – art. 22.º, n.º 2, do CPP – e de que os termos da acusação não permitem, relativamente à associação criminosa, seja perfeitamente localizado no tempo e no espaço o acordo que exprime a adesão ou colaboração perene e estável, sendo na área de Lisboa onde primeiro houve notícia do crime – art. 21.º, n.º 2 –, nada há a censurar à decisão recorrida.
XV - Constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, o qual em processo penal se define e delimita através das conclusões formuladas na motivação de recurso.
XVI - Daqui decorre que – excepcionando-se, obviamente, as questões de conhecimento oficioso – o tribunal de recurso só pode conhecer as questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas, ou o devessem ter sido, na decisão recorrida, sob pena de incorrer na nulidade prevista na última parte da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
XVII - Resultando do exame do processo que o juiz de instrução, após audição das intercepções telefónicas realizadas no âmbito do processo, por si devidamente autorizadas, não só ordenou a transcrição das intercepções telefónicas por si tidas por relevantes para a prova, como determinou a destruição de todas as demais, foi dado cabal cumprimento ao procedimento previsto no n.º 3 do art. 188.º do CPP.
XVIII - Aliás, este STJ vem entendendo que os procedimentos para a realização das intercepções telefónicas e respectivas gravações estabelecidos no art. 188.º, após ordem ou autorização judicial para o efeito, constituem formalidades processuais cuja não observância não contende com a validade e a fidelidade da prova, razão pela qual à violação dos procedimentos previstos naquele normativo é aplicável o regime das nulidades sanáveis previsto no art. 120.º, pelo que, posto que o arguido só no presente recurso veio arguir tal nulidade, a ocorrer a mesma, sempre estaria sanada.
XIX - Saber se entre a convicção do tribunal e a prova produzida existe ou não correspondência implica necessariamente sindicar aquela, ou seja, reapreciar a prova.
XX - Ora, circunscrevendo-se os poderes de cognição do STJ ao reexame da matéria de direito, não pode este Tribunal averiguar, conforme pretende a arguida, se o tribunal recorrido na sua actividade de apreciação da prova violou ou não o princípio geral de apreciação da prova consignado no artigo 127.º do CPP, mais concretamente se a sua convicção relativamente à participação da arguida nos factos se formou sem prova, com prova insuficiente, ou se esta foi apreciada pelo tribunal contra as regras da experiência.
XXI - Decorrendo da factualidade provada que a arguida FR, não só tinha conhecimento do verdadeiro motivo da viagem aérea à Venezuela, mas também que participou, directa e activamente, no plano relativo ao transporte para Portugal da cocaína, tendo executado vários actos para concretização desse concerto criminoso, sendo ela que procedeu naquele país aos contactos necessários ao embarque da cocaína, embarque que veio a materializar-se, tendo em vista o seu posterior transporte aéreo, não enferma o acórdão recorrido do vício de insuficiência da matéria provada para a decisão, previsto na al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
XXII - Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, ou seja, a de 4 a 12 anos de prisão, e tendo em consideração que:
- estamos perante um crime cujo grau de ilicitude se situa em patamar elevado, atenta a quantidade e a qualidade do produto – 298 kg de cocaína, com 91,86% de pureza –, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção – transporte aéreo da Venezuela para Portugal, com destino à comercialização, tendo em vista, obviamente, a obtenção de lucro;
- o dolo é directo;
- a arguida FR cresceu em contexto familiar equilibrado, tendo o pai falecido quando tinha dez anos de idade;
- o seu processo educativo foi assegurado sobretudo pela mãe, com o apoio dos irmãos mais velhos;
- iniciou actividade profissional na adolescência, primeiro desempenhando tarefas indiferenciadas por conta de outrem, posteriormente por conta própria, tendo aberto dois estabelecimentos, um ligado à realização de produtos manufacturados, o outro na área de reparação de motas e comercialização de automóveis;
- separou-se do cônjuge cerca de 2 anos antes da sua detenção, sendo que à data desta residia com os filhos e netos em habitação própria;
- conquanto haja sido detida em Espanha três vezes, por tráfico de estupefacientes, nunca foi objecto de condenação;
- em matéria de prevenção, é manifesta a necessidade de prevenir o tráfico de estupefacientes, consabido haver ocorrido um relevante aumento da criminalidade, visível nas múltiplas e consideráveis quantidades de estupefacientes apreendidas, e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade, conduzindo a que parte significativa da população prisional cumpra pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico de estupefacientes;
tudo ponderado, sem esquecer a concreta comparticipação da arguida no plano criminoso, tendo em vista o facto de aquela ser primária e de a cocaína não ter chegado a entrar no circuito comercial, entende-se reduzir a pena (aplicada pelo tribunal de 1.ª instância, de 8 anos e 6 meses de prisão) para 7 anos e 6 meses de prisão.
XXIII - A falta de notificação ao arguido da junção ao processo do relatório de exame psicológico, por si requerido e realizado ainda antes da dedução da acusação (dele tendo, ou podendo ter, o arguido conhecimento, pelo menos, desde a notificação da acusação), não constitui uma nulidade insanável. Poderia, quando muito, constituir mera irregularidade, a qual, por só arguida no recurso da decisão final, se terá de considerar sanada – art. 123.º, n.º 1, do CPP.
XXIV - Tendo sido ordenada pelo tribunal, ao abrigo do art. 357.º, n.º 1, al. b), do CPP, a leitura das declarações prestadas pelo arguido perante o JIC, não se verifica proibição de valoração de tais declarações, que, obviamente, são livremente sopesadas pelo tribunal, no sentido de que este fica livre para atribuir credibilidade às declarações que entender, ou seja, às prestadas em audiência ou às anteriormente prestadas.
XXV - A escuta, sendo legalmente permitida e validamente efectuada, é um meio de prova autónomo apto a provar o conteúdo da própria conversação interceptada e registada e, por isso mesmo, pode e deve ser valorada independentemente do confronto das pessoas escutadas com aquilo que disseram e foi registado, a menos que haja dúvida sobre a sua genuinidade ou fidelidade, designadamente se a defesa suscitar a questão da falsidade. De outra forma, seria um meio de prova desprovido de qualquer interesse e utilidade, designadamente nos casos em que a presença em audiência das pessoas escutadas se mostrasse inviável, por falecimento ou outro motivo irremovível.
XXVI - De acordo com a teoria do reconhecimento implícito, que perfilhamos, não sendo a paternidade ou origem das conversações e comunicações refutadas pelas pessoas a quem se atribuem, serão tidas por fidedignas, sendo que é à defesa que cabe o ónus processual de impugnar a autenticidade ou genuinidade dos fluxos comunicacionais.
XXVII - De igual modo, é à defesa que cabe a invocação de que os segmentos transcritos estão descontextualizados ou de que as palavras registadas não têm o sentido e alcance que lhes pretende atribuir a acusação – cf. Armando Veiga/Benjamim Rodrigues, Escutas Telefónicas, 2.ª ed., págs. 340-342, onde se faz apelo aos ensinamentos de Rodriguez Lainz, La intervención de las comunicaciones telefónicas…, págs. 229-230.
XXVIII - É esta a posição mais curial e a única que se mostra consonante com o fim do processo penal – a descoberta da verdade e a administração da justiça –, posto que, se a intercepção foi devidamente autorizada e validamente efectuada, sendo a transcrição processada e feita de acordo com o formalismo legal, há que presumir da genuinidade dos fluxos comunicacionais e da fidelidade da transcrição.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No processo comum com intervenção do tribunal de júri n.º 140/04, da 7ª Vara Criminal de Lisboa, após contraditório foi proferido acórdão cujo teor do dispositivo é o seguinte: «Por todo o exposto, acordam os Juízes que integram o Tribunal de Júri em:
A) Julgar a acusação parcialmente procedente, por não provada;
B) Absolver os arguidos AA, BB e CC da prática de um crime de associação criminosa p. e p. pelo art° 28° nºs 1 e 2 do D.L. 15/93, de 22/21;
C) Absolver o arguido CC da prática, como autor, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos art°s 21° n°1 e 24° als. b) e c) do D.L. 15/93, de 22/21;
D) Absolver o arguido DD, da prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos art°s 21° n°1 e 24° als. b) e c), D.L. 15/93, de 22/21;
E) Condenar a arguida AA pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º nº1 do D.L. 15/93, de 22/1, com referência à tabela anexa I-B, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;
F) Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º nº1 do D.L. 15/93, de 22/1, com referência à tabela anexa I-B, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
G) Condenar os arguidos AA e BB nas custas, com 15 (quinze) Ucs de taxa de justiça para cada um, mínimo de procuradoria (solidária) e em 1% da taxa de justiça, ora aplicada, de harmonia com o disposto no artº 13º nº3 do D.L. 423/91, de 30/10;
H) Declarar perdidos a favor do Estado os veículos Chrysler Stratus, matrícula 00-00-LO e Chrysler Voyager, matrícula 00-00-OZ e os bens referidos a fls. 552 e 554 (artº 35º nº1 do D.L. 15/93, de 22/1);
I) Ordenar, após trânsito, a entrega dos bens e valores referidos em 89 dos factos provados;
J) Após trânsito, remeta certidão ao processo referido a fls. 2960, atento o decidido relativamente aos demais bens e valores apreendidos
K) Tendo em atenção a indicação do arguido CC de que os rendimentos referidos em 8 não foram objecto de declaração fiscal, remeta certidão desta decisão à DGCI;
L) No cumprimento da pena será considerado a privação da liberdade à ordem destes autos (artº 80º do CP), em curso, quando ao arguido BB, desde 24/10/2004 (fls. 593), e desde 23/06/2005, quanto à arguida AA (fls. 1984);
M) Declarar cessadas as medidas de coacção impostas aos arguidos CC e DD (artº 214º nº1 al.d) do CPP);».
*
Interpuseram recurso os arguidos AA e BB -(1) .
A arguida AA extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões:

A recorrente impugna o douto aresto recorrido, tanto nas suas conclusões de facto, como de Direito, nos termos do artigo 410º, n.º1 do CPP;

A recorrente discorda da circunstância de se haver dado como provado o seguinte elenco de factos, pois não há prova que imponha tais conclusões, tal como acima mencionou aqui reitera:

(1)
Que fosse a ora recorrente o"elo de ligação", ou seja, a intermediária, entre indivíduos que se encontravam na Venezuela, os alegados produtores, e que esta, como consequência necessária e directa da sua conduta, introduziria em momento oportuno produto estupefaciente na Europa.

(2)
Que a ora recorrente exercesse um forte domínio e controlo sobre a alegada "missão", pelo que era a sua presença imprescindível para a concretização desta operação.

(3)
A conclusão de que a ora recorrente "após a chegada à Venezuela, procedeu a contactos com indivíduos não identificados naquela país, os quais procederam ao acondicionamento de 298 kg. de cocaína em 12 malas".

(4)
Quando, afinal, o que se pode perguntar e colocar em crise é saber-se (i) como é que o Tribunal de Júri tirou tais conclusões, com ausência total de prova testemunhal, (ii) nada relevando as declarações da arguida, que desde o início colaborou com a justiça, explicando o porquê de ter aceite o convite para viajar, bem como o porquê da sua permanência em Caracas, (iii) qual o motivo de não ter sido realizada perícia ao Cd onde, consta o registo da gravação da conversa aludida, e que ocorreu no dia 21710/2004, apenso 11, tis 86, em que alegadamente, será a a voz da arguida, (iv) por que razão foi a arguida condenada por tráfico de estupefaciente p. e p. no artigo 21. °, n.º l, do Dl15/93
de 22 de Janeiro, sem existir qualquer apreensão de droga em Território Nacional?(v)por que razão criou o Douto Tribunal de Júri a convicção de que esta arguida, a ora recorrente, efectivou actos de execução, bem como de efectivo auxílio na prática de acto ilícito dessa natureza, quando na viagem realizada a 30 de Abril de 2004, apesar de toda a prova testemunhal indiciar a entrada no aeródromo de Tires de várias malas, o mesmo tribunal não considerou provado o transporte de qualquer porção de cocaína.

(5)
Na verdade, lendo o aresto recorrido, verifica-se que a matéria dada como provada é referida, conforme resulta da acusação, de uma forma genérica, mas sem o apoio em factos da qual ela resulte evidenciada.

(6)
Lendo a parte da decisão atinente à "motivação de facto", verifica-se que ali não há qualquer menção especificada ao modo como se atingiu esta conclusão o que, como veremos, faz a decisão enfermar de vício processual de falta de fundamentação, como a seguir se dirá na parte atinente à matéria de direito.
(7)
O aresto recorrido, com todo o respeito pelo Tribunal, não apreciou a prova produzida em audiência, de acordo com os critérios legais (artigo 127º do CPP) e fazendo apelo às regras da experiência comum.

O aresto enferma de insuficiência da matéria provada para a decisão tomada [alínea a) do n.º 2 do artigo 410° do CPP]:

Permitimo-nos supor que o acórdão recorrido poderá estar inquinado, salvo o merecido respeito, do vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, isto é, de insuficiência da matéria provada para a decisão tomada.

O Douto Tribunal de Júri, violou o preceituado disposto nos artigos 40.º, nºs.1, e 2, artigo 71.º, n.º 2, aliena a), b) do C.P.

O Tribunal face a todos os factos alegados, para fundamento da decisão de condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artigo 21°, n.º 1, do DL15/93 de 22 de Janeiro, fez uma errada interpretação das normas contidas nos artigos acima enunciados, sendo que no caso em concreto a ora recorrente deveria ter sido absolvida.
Por sua vez, o arguido BB formulou na motivação de recurso as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da parte do douto acórdão proferido pelo Tribunal de Júri da 7.ª Vara Criminal de Lisboa, 1ª Secção, nos autos acima referenciados em que se decidiu "Condenar o arguido BB pela prática em co-autoria de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º n.º 1 do D.L. 15/93, de 22/01, com referencia à tabela anexa 1-8, na pena de 7 (sete) anos 6 (seis) meses de prisão”, e versa sobre a matéria de facto e de direito, julgada por provada e não provada, tendo os seguintes fundamentos de discordância:
-Violação dos princípios constitucionais da presunção de inocência e do in dubio pro reo constantes e Inerentes ao art. 32.º, da C.R.P."
-Erro notório na apreciação da prova contradição insanável entre a factualidade julgada por provada e não provada, inexistência de factualidade típica e insuficiência de elementos que permitam qualificar a conduta do arguido como de tráfico de estupefacientes – arts. 410. °, n.º 2, als. a), b) e c), todos do C.P.P.
-Violação do disposto nos arts. 71º e sgs., do Código Penal.
b) Lamentavelmente, desde o início deste processo que o arguido ora recorrente viu a sua sentença pré anunciada.
c) Foram inúmeras e gritantes as inconstitucionalidades e ilegalidades contra si cometidas quer em sede de inquérito, quer em sede de julgamento, quer em sede de acórdão;
d) Facto que, aliás, vem à saciedade demonstrado no conteúdo dos 2 recursos interpostos pelo arguido os quais irão subir a final juntamente com o presente;
e) Por esta razão, à matéria desses recursos - de que não abdicamos -não nos iremos agora referir sendo certo que, contendo os mesmos inúmeras e pertinentes questões prévias que não foram consideradas na decisão final;
f) E que importariam a não realização do julgamento ou, pelo menos a realização do mesmo com elementos de prova completamente diferentes, dando ao arguido todas as possibilidades de defesa estabelecidas na lei.
g) E é assim que o douto acórdão recorrido no primeiro parágrafo a seguir a “II. Factos provados” começa por querer emendar a mão relativamente ao que se passou nos autos.
h) Afirmar agora que: " Naturalmente... serão expurgados os segmentos pertinentes unicamente aos arguidos em relação aos quais foi efectuada separação de processos e a MP entretanto falecido. Ainda... acusação/pronúncia... ".
i) É ir contra a tese/posição errada e desde sempre por nós impugnada assumida pelo Tribunal de Júri.
j) Quando não deu cumprimento ao doutamente ordenado pelo Juiz de Instrução e indeferiu o que foi por nós oportunamente requerido relativamente a serem expurgadas da acusação pronuncia todas as referências a pessoas objecto de separação de processos, ao arguido então falecido e à eliminação da transcrição das escutas -matéria objecto de recurso separado.
I) Mas não, o Tribunal ad quo, levou, até ao momento da prolação do acórdão, a sua errada opinião e distribuiu acusações/pronúncias aos arguidos e jurados onde constavam referências, parágrafos e artigos aos arguidos cujos processos foram separados, ao falecido arguido MP e manteve, integralmente no corpo da acusação/decisão instrutória todas as transcrições das escutas.
m) Por forma a que os jurados fossem irremediavelmente influenciados e ficassem com a opinião pré-formada, em clara violação dos aludidos princípios constitucionais da "presunção da inocência" e do “in dubio pro reo", tal como já consta do nosso penúltimo recurso.
n) Só assim se compreende que no inicio do número 11. Factos provados o Tribunal pretenda emendar a mão e fazer tábua rasa da sua posição anterior, relativamente à qual bem sabe estar eivada de manifesta inconstitucionalidade, o que desde já se argúi.
o) Em sede de acórdão é feita referência ao exame de folhas 1.732 e sgs dizendo-se que o arguido apresenta algumas ambivalências: introspectivo, ansioso e inibido... asserção.
p) Ora, sucede que tal exame embora requerido pelo arguido nunca foi notificado aos seus mandatários, os quais não se puderam pronunciar sobre o mesmo, facto que configura uma nulidade que se revela insanável e que impede o Tribunal de se pronunciar sobre tal documento.
q) Ainda por cima porque de tal documento o Tribunal apenas retirou consequências negativas ou menos favoráveis para traçar o perfil psicológico do arguido.
r) O Tribunal apenas retirou do exame os aspectos menos bons ou mais desfavoráveis da personalidade do arguido, ignorando, por completo, a sua formação, postura, modo de actuação e comportamento, razão pela qual, nesta parte, o acórdão padece dos vícios de contradição insanável e insuficiência da matéria de facto o que gera a nulidade do acórdão, que desde já se argúi.
s) Outra contradição insanável verifica-se a folhas 24 quando se refere que "... na posição genérica desse arguido de que tudo o que fez decorreu de ordens que lhe foram dirigidas por MM por decorrência de subordinação laboral", ora, tal facto afirmação, conjugado com o teor do Relatório Social do arguido implicariam, forçosamente, que fossem considerados provados os factos constantes dos artigos 47.°, 48.°, 49.º e 62.° da contestação e os factos e constantes das alíneas r) e u) dos factos julgados como não provados.
t) O que implicaria, forçosamente uma decisão diferente e absolutória para o arguido.
u) Por outro lado, o acórdão recorrido assenta a sua fundamentação para condenar em duas situações que transcreve, por inúmeras vezes, a saber:
-Nas declarações prestadas pelo arguido ao Juiz de Instrução Criminal, aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido;
-Na escutas telefónicas transcritas na acusação/pronuncia.
v) Quanto ao referido na alínea a) que antecede não poderão as declarações prestadas pelo arguido ao JIC ser levadas em consideração.
x) Desde logo porque o arguido a tal se opôs em sede de audiência de julgamento,
z) Em segundo lugar porque a versão dos factos assumida pelo arguido perante o JIC, ao contrário do que se pretende veicular no acórdão, não sendo coincidente com a prestada em audiência de julgamento, como o próprio Juiz Presidente nessa sede referiu, em nada poderá prejudicar o arguido sendo que, em caso de contradição, deverá funcionar o princípio do "in dubio pro reo", isto é, aproveitar-se a versão que mais favorece o arguido em nome da presunção da inocência.
aa) Quanto às escutas telefónicas, bastará folhear o acórdão para se constatar que foram as mesmas que estiveram na base da condenação do arguido, não obstante do teor das escutas e respectivas transcrições nada se poder retirar que comprometa o arguido.
ab) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo do nosso recurso anterior que sobe conjuntamente, o qual já indica a nossa posição quanto às escutas, previamente ao julgamento.
ac) Mas os nossos fundados receios vieram a concretizar-se, ou seja,
ad) O Tribunal deu como provadas conversas existentes entre pessoas que nunca foram constituídas arguidas nos presentes autos - vide escutas telefónicas obtidas de conversas entre MM, AV, MV e outros.
ae) Os quais não depuseram, em qualquer qualidade, no presente julgamento.
af) Relativamente aos quais não pode ser constatada a veracidade e conteúdo das conversas, quem as fez, se a voz constante dos registos é a indicada na pronuncia e acórdão e sobre isto nada sequer se refere em tal peça processual.
ag) Ou seja, dão-se por provadas conversações entre pessoas que nos presentes autos não existem e relativamente ás quais não foram realizadas quaisquer diligências de prova e com tais escutas pretende referenciar-se o arguido e inclui-lo em conversações sobre as quais não se pode defender pois não foi interveniente, nem pode exercer o direito de contraditório porquanto os visados não foram inquiridos.
ah) Tal é uma afronta aos princípios fundamentais da presunção da inocência, do ónus da prova, do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito, que configura inconstitucionalidades e nulidades insanáveis que desde já se deixam arguidas.
ai) Mas o mais caricato ainda vem a seguir. Dão se por provadas conversas/escutas mantidas com um arguido falecido em data anterior ao julgamento.
aj) É caso para se dizer que já nem os mortos se podem defender? Dão-se por reproduzidas e fazem-se abundantes referencias ao arguido falecido MP sem que se possam confirmar a origem e a recepção de tais chamadas telefónicas, quem as fez, a partir do quê e em que condições já que este arguido faleceu sem que se pudesse defender das imputações que lhe são feitas.
ai) Como pode o recorrente lutar e defender-se de tais imputações se o próprio autor ou receptor dessas conversas não se encontra no mundo dos vivos para e negar ou assumir o teor/conteúdo das mesmas?
am) Sendo certo e assente que nenhuma das escutas telefónicas existentes nos autos foi confirmada ou assumida pelo arguido ou por qualquer outro meio de prova designadamente testemunhal, documental ou pericial, tais meios de prova, desacompanhados da respectiva confirmação/infirmação, de nada valem por si só já que os intervenientes não tiveram oportunidade de esclarecer o teor e contexto de tais conversas, impedindo o arguido de conhecer as respectivas versões e, consequentemente de se defender.
an) Por fim naquilo que vem sendo um dos cavalos de batalha do arguido, desde o principio, como é possível proferir decisão condenatória sem inquirir a testemunha MM.
ao) Tal situação foi objecto de recurso, que sobe conjuntamente com o presente, mas tem aqui especial pertinência porquanto foram julgados como provados e não provados factos a que só esta arguida em separado (embora, estranhamente, nunca constituída como tal) estaria habilitada a responder.
ap) Desde logo, numa clara inversão do principio do ónus da prova e da presunção da inocência não se considera provado a matéria da alínea u) dos factos não provados -que o arguido acedeu na utilização da sua conta bancária porque esta lhe alegou que não podia passar cheques.
aq) Ou seja, este é apenas um dos exemplos em que o arguido ficou impedido de se defender e de provar aquilo que alega por lhe ter sido vedada a possibilidade de inquirição por carta rogat6ria da arguida MM.
ar) A não ser através do depoimento de MM que outra hipótese teria o arguido de provar tal facto por si oportunamente alegado em sede de defesa.
as) Ou seja, em face da dúvida, tal como aconteceu aos factos penaliza dores e culpabilizadores do arguido deveria tal facto ter sido remetido para o elenco dos factos provados, fazendo fé nas declarações prestadas pelo arguido em julgamento.
at) Por outro lado, a folhas 29 do acórdão refere-se que o arguido tinha pleno conhecimento de que era esperado efectuar o transporte de 500 quilogramas.
au) Pergunta-se, quinhentos quilogramas de quê? É que os autos reportam-se ao eventual transporte de 298 quilogramas de cocaína, número que é muito distante de 500. Será que se está a falar de droga, de pessoas, de livros de compras, de dinheiro, de diamantes -a dúvida subsiste e subsistirá.
av) Quanto aos factos provados no número 101 como é possível que o BB tenha decidido juntamente com AA e outros indivíduos tenha decidido assegurar a obtenção e o transporte da droga se o arguido apenas privou com a AA no transporte de Espanha para Portugal, nem sequer a conhecendo previamente.
ax) E com outros indivíduos -quais indivíduos o acórdão não o menciona, numa clara falta de fundamentação e insuficiência de indícios para condenar o arguido;
az) Como é possível em face da matéria provada e da personalidade do arguido demonstrada nos autos que este tenha decidido -vida declarações do Inspector ..., única testemunha que viu o arguido, uma vez, mas que o definiu como um individuo passivo.
ba) Sendo certo que, em sede de audiência de julgamento nunca o arguido referiu ter ante uma situação de transporte/tráfico de droga.
bb) Por esta razão deverão ser suprimidas todas as referencias às declarações prestadas pelo arguido perante o JIC, as quais só constam do acórdão para prejudicar o arguido e para conduzirem à sua condenação, em violação clara do principio fundamental da presunção da inocência, vicio que desde já se invoca e deixa arguido e implica a anulação do douto acórdão recorrido
bc) Nos termos do disposto no art. 71.º foram atendidos para a fixação da medida da pena os seguintes elementos:
bd) O grau de ilicitude do facto;
be) A intensidade do dolo, do qual discordamos pelos motivos adiante expostos;
bf) Motivação,
bg) Exigências de prevenção geral e especial;
bh) A ausência de antecedentes criminais.
bi) Não foram, de todo, considerados e valorados os seguintes elementos:
-Os sentimentos manifestados no cometimento do crime;
-Os fins ou motivos que o determinaram;
-As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
-A conduta do agente anterior e posterior aos factos;
bj) De igual modo, não foram, de todo, consideradas as seguintes circunstâncias atenuantes especiais:
-As circunstancias anteriores ao crime que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto (art. 72.º do C.P.)
-Ter o agente actuado sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência (art.o72.º al. a) do C.P.);
bl) Ora, resulta clara e inequivocamente dos autos, a fls... vide relatório social do arguido que:
-O arguido é oriundo de uma família estruturada em termos relacionais bem integrado no seu meio sócio/habitacional;
-Detentora de uma situação económica modesta decorrente da actividade agrícola desenvolvida pelos progenitores;
-O arguido desenvolveu no seio do seu sistema familiar de incentivos para habilitações escolares que lhe permitissem o exercício de uma profissão mais diferenciada da dos seus progenitores;
- Frequentou o espaço escolar até ao 11º ano que não chegou a completar, abandonando o percurso escolar aos 18 anos para cumprimento do serviço militar obrigatório;
-Terminada aquela obrigação em 1998 regressou à sua zona de origem e começou a trabalhar como motorista para a mesma entidade patronal, actividade que desempenhou até à data da sua detenção;
-É detentor de um estilo de vida centrado por um lado na sua actividade profissional e nas relações de trabalho e por outro na família, nos seus tempos livres;
-O arguido apresenta uma estrutura de personalidade caracterizada pela introversão, revelando uma CAPACIDADE DE DESEMPENHO FUNCIONAL ADEQUADA' SEM RECURSO A ESTRATÉGIAS COGNITIVAS ELABORADAS.
-As normas de conduta social vinculadas pelos progenitores são caracterizadas pela valorização do trabalho e da existência de vínculos estáveis A PAR DE ATITUDES DE SUBSERVIÊNCIA PERANTE OS OUTROS RECONHECIDOS COM MAIOR ESTATUTO SOCIAL.
-Sendo certo que de todas as pessoas que possuem a qualidade de arguidos nos presentes autos, ou naqueles que destes foram separados, o arguido é a pessoa de menor estatuto social, o mais pobre, o que nasceu e sempre viveu em meio rural, em família de modesta condição social, habituada a "trabalhar para os outros" .
-No seu quotidiano o arguido mantinha um estilo de "ida reservado, passando os seus tempos de lazer no ambiente familiar;
-O arguido no meio é referenciado como um indivíduo pacato, detentor de hábitos de trabalho, e Integrado numa família reconhecida como idónea;
-A família mostra-se decidida a continuara facultar-lhe todo o apoio necessário em qualquer circunstância;
-No que concerne ao meio social não se registam repercussões negativas face ao presente processo, mantendo-se a imagem social do arguido e da família sem qualquer alteração;
bm) Lamentavelmente, nada do que acima se referiu e documentalmente do relatório social existente nos autos, foi relevado na fixação da medida da pena.
bn) O Tribunal de Júri, ostensivamente, escamoteou todas as circunstancias atenuantes acima referidas, em clara violação do disposto no art. 71.º, n.ºs 1 e 2 do C.P., tendo sido, claramente, desrespeitados os critérios de proporcionalidade, equilíbrio, igualdade e justiça na aplicação da pena.
bo) A pena de prisão aplicada ao arguido é manifestamente desproporcionada;
bp) O Tribunal de Júri considerou apenas, na conduta do arguido, as circunstâncias agravantes e não considerou a sua personalidade nem as necessidades de prevenção especial (neste caso inexistentes);
bq) A manter-se a decisão e a condenar-se o arguido em pena de prisão, facto que só por razões de mero raciocínio se concede, deverá o mesmo beneficiar de atenuação especial e não das agravantes constantes do acórdão;
br) Razão pela qual, em caso de condenação, deveria o arguido ser condenado na pena mínima de 4 anos de prisão, beneficiando de 1/3 de desconto nessa pena por força do disposto nos arts. 72º e 73°, ambos do C.P.. os quais foram ignorados e, consequentemente violados neste acórdão, fixando-se a pena a aplicar ao arguido em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Os recursos foram admitidos.
*
O arguido BB, como já se deixou consignado, interpôs dois recursos interlocutórios, os quais foram admitidos a subir com o recurso da decisão final, nos quais declara manter interesse, conforme exarou na motivação e conclusões atinentes ao recurso do acórdão condenatório.
São do seguinte teor as conclusões formuladas na motivação respeitante ao primeiro recurso interlocutório:

a) DA NULIDADEFORMAL E MATERIAL DA ACUSAÇÃO PÚBLICA E DO
DESPACHO DE PRONUNCIA
73. -Em sede de Contestação escrita o ora recorrente suscitou, a questão de que a Acusação/pronuncia, da forma como se mostra elaborada e apresentada é manifestamente manipuladora e condicionadora dos julgadores.
74. -Da leitura de tal peça processual, quem tem o dever de decidir (em especial os jurados) ficará, forçosa e inevitavelmente, condicionado no seu raciocínio e sugestionado quanto ao decurso do processo, porquanto;
75. -O M.P., de uma forma que não poderemos qualificar de ingénua, antes pelo contrário, pretende trazer para julgamento factos e matéria que são completamente alheios ao mesmo.
76. -Os quais se reportam a factos, situações, locais, personalidades e demais elementos que não são, nem poderão aqui ser objecto de apreciação, análise e julgamento.
77. -Fazem-se, ao longo de toda a referida peça processual, referências a MM, LV, MV e MC.
78. -Os quais não são arguidos nestes autos nem em quaisquer outros que corram termos em Tribunais portugueses, já que a "separação de culpas" de revela uma actuação meramente cosmética e ficcionada pois reporta-se a cidadãos que nem sequer foram constituídos arguidos.
79. -Ou seja, constrói-se toda uma teia, alheia à conduta e comportamentos dos ora arguidos, designadamente do BB, composta por terceiros julgados ou foragidos no estrangeiro, por forma a criar um preconceito no espírito dos julgadores, misturando o "trigo com o joio".
80. -O M.P., nunca notificou qualquer um dos arguidos atrás referidos, não obstante, pelo menos três deles se encontrarem detidos na Venezuela, em morada pública e conhecida de todos, em geral, e dos autos em especial;
81. -Pelo contrário, levou a acusação por diante, sem os constituir arguidos, sem os interrogar e sem diligenciar, quanto aos mesmos, pela realização de qualquer meio de prova.
82. -É óbvio que o fez apenas com o intuito de, sob a capa de poder formular uma acusação conjunta -art. 283.º n.º 4 do C.P.P.- por detrás de uma aparente conexão de processos, levar a sua ficção acusatória até ao fim, para que a acusação fosse una e indivisível e, a final, pedir a separação das culpas/separação dos processos, mantendo, no entanto, o libelo acusatório tal como fora formulado inicialmente.
83. -Diga-se que é uma atitude inteligente, mas ilegal já que se retirarmos ao libelo acusatório todos os factos imputados aos arguidos que estão fora do processo, actuação que se solicita e de que não se prescinde, teremos que a acusação ficará um "esqueleto" reduzido a cinzas, ainda por cima espalhadas ao vento.
84. -Porquanto, a mesma, analisada, exclusivamente, na perspectivado arguidos que são objecto deste julgamento pois só assim a mesma deve ser interpretada - cairá, irremediavelmente, por terra por manifesta falta de rigor, objectividade, imparcialidade e isenção, equivalendo a uma situação de omissão de inquérito, o que configura a nulidade estabelecida pelos arts. 119º, al) d (e não al.c) como por notório lapso de escrita se escreveu na contestação, e 120º, n.º 2 do C.P.P. (que se consigna expressamente aludir à al. d), a qual desde já se deixa arguida para todos os devidos e legais efeitos).
85. -Termos em que, caso a acusação/pronuncia em apreço, tal qual se encontra sistematizada/organizada, seja aquela que vai ser objecto de análise pelo Tribunal ad quo, requer-se que a mesma seja definitiva e completamente reformulada e expurgada de
todas as referencias a factos, locais e pessoas que não são arguidas nem testemunhas nos presentes autos, a saber:
a) Eliminação, na acusação/pronuncia, da identificação dos arguidos:
LV, MM, e MV, MC e;
b) Bem assim, de todos os artigos que aos mesmos se referem, porquanto estes nem sequer têm a qualidade de arguidos já que nunca foram constituídos nem inquiridos como tal;
c) O mesmo sucedendo, relativamente aos arts. 71. °, 85.°, 86.°, 90.°, 92.°, 114.°, 128.°, 132.°, 142.°, 143.°, 146.°, 148.°, 149.°, 150.°, e 151.°
86. -Sob pena de se tal não acontecer, ficar o processado eivado de nulidade insanável equivalente à ausência ou insuficiência da acusação, o que prejudica de forma clara rave e inequívoca o principio da presunção da inocência constitucional e legalmente consagrados, bem como o dever de imparcialidade.
87. -Com o respeito ou salvo melhor opinião que para nós pouco ou nada diferem na ideia a transmitir, o que está aqui em causa, é a violação de um preceito constitucional fundamental, do conhecimento oficioso de qualquer Tribunal, que está obrigado a conhecer da violação da lei fundamental - O DIREITO À DEFESA - consagrado no Artigo 32.° nºs 1, 2 e 5 da Constituição da Republica Portuguesa.
88. -A argumentação do Meritíssimo Juiz de que num lapso de escrita na indicação da alínea do art. 119º e de que as nulidades devam ser arguidas até ao encerramento do debate instrutório, são suficientemente satisfatórias no nosso modesto entender, para justificar o que injustificável.
89. -Na verdade, no art. 32.° da C.R.P. condensam-se os mais importantes princípios materiais do processo criminal.
90. -O direito processual penal anda estreitamente associado a constituição, sendo por isso considerado por alguns como o verdadeiro sismógrafo de uma lei fundamental.
91. -O que se encontra formulado no número um é, sobretudo uma expressão condensada de todas as normas referentes a este artigo, e todas elas são, em última analise GARANTIAS DE DEFESA.
92. -As garantias de defesa englobam indubitavelmente todos os direitos e instrumentos para o arguido se defender da sua posição podendo contrariar a eventual acusação.
93. -Ora encontrando-se a acusação/pronúncia da forma como se encontram formulados e estruturados os factos, ficam eivadas de nulidades insanáveis equivalentes a ausências ou insuficiências de inquérito/acusação prejudicando de forma clara, grave inequívoca o direito a defesa e princípio de presunção de inocência do arguido, previstas no art. 32. ° da C.R..P sendo certo que, violações destas podem e devem ser invocadas e/ou constatadas e/ ou decididas, a qualquer momento, o que o arguido vem fazendo como se disse desde 07-12-2004.
94. -Termos em que o despacho recorrido, nesta parte é manifestamente inconstitucional/ilegal, por violação do disposto nos arts. 32.º da C.R.P., 119.º n.º 1 al. d) e 120. ° n.º 2 al. d), ambos do C.P.P., pelo que deverão a acusação e a pronuncia serem declaradas nulas, e sem qualquer efeito.

b) DA INCOMPETÊNIA TERRITORIAL/NACIONAL DESTE TRIBUNAL
95. -A douta acusação baseia-se em factos ilícitos, alegadamente, praticados em pais estrangeiro -VENEZUELA?
96. -Pretende-se sujeitar à apreciação do Tribunal de Lisboa a prática e eventual verificação de tais factos por parte de terceiros ao processado, em clara violação das mais elementares regras de competência territorial vigentes no ordenamento jurídico português.
97. -Estipula o art. 19. ° n.º 1 do C.P.P que é competente para conhecer de um crime o Tribunal em cuja a área se tiver verificado a consumação, e o n.º 2 estabelece que, para conhecer de crime que se consuma por actos sucessivos... é competente o tribunal em cuja a área se tiver praticado o último acto, ou tiver cessado a consumação.
98. -Porém, o art. 22.º do C.P.P. refere que se o crime for cometido no estrangeiro, como se presume ter sido o caso (em virtude da condenação que desconhecemos se transitou, ou não em julgado, proferida por Tribunal Venezuelano) é competente para dele conhecer o Tribunal da área onde o agente tivesse sido encontrado ou do seu domicílio, e quando ainda assim não for possível determinar a competência esta pertence ao Tribunal da área onde o primeiro tiver havido notícia do crime.
99. -A secção 11 do C.P.P/Competência Territorial consagra uma regra geral -art. 19.º - mas depois, especifica situações pontuais como as do art. 21.º onde se afirma nos n.ºs 1 e 2 que será competente o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia do crime;
100. -Mas, tratando-se de crime cometido no estrangeiro é competente para dele conhecer o tribunal da área onde o agente tiver sido encontrado ou do seu domicílio e se ainda assim não for possível determinada a competência ela remete ao tribunal da área onde o primeiro tiver havido notícia do crime. Em face do exposto.
101. -Citados tais preceitos legais, interessa analisar, em concreto, o que se passa nos presentes autos.
102. -E o que se passa é o seguinte:
a) Os alegados crimes ter-se-ão cometido no estrangeiro -art. 19.º n.º 1 C.P.P.;
b) O arguido não praticou qualquer acto/crime em Portugal – art 19º n.º 2 C.P.P.;
c) O arguido foi detido em Arraiolos, na sua residência -art. 22.º do C.P.P.;
d) Não consta dos autos qual o local onde existiu a noticia do crime. -art. 22.ºC.P.P..
103. -Acresce que, aos factos em apreço, não poderá ser aplicada a lei penal portuguesa por duas razões:
c) Por um lado, porque o ora arguido não praticou, em território nacional, qualquer um dos factos ilícitos que lhe vêm imputados;
d) Por outro porque a terem sido cometidos, por terceiros, factos ilícitos, os mesmos terão supostamente ocorrido em território estrangeiro, fora da jurisdição e soberania do Estado Português sendo que, no caso dos autos, não existe, entre a Republica Portuguesa e a Republica da Venezuela qualquer tratado ou convenção internacional sobre a matéria, nem existe qualquer mecanismo de cooperação ou regras de direito internacional aceites conjuntamente por estes dois Estados Soberanos, por forma a permitir a aplicação, in casu, da lei penal portuguesa.
104. -O despacho recorrido faz uma clara deturpação/confusão dos factos porquanto afirma-se que "o último acto de execução cometido em território nacional com referência ao transporte da cocaína apreendida na Venezuela até Portugal foi a saída da aeronave onde seguiam a MM e a MV alegadamente destinada a essa finalidade e teve lugar no aeroporto da Portela em Lisboa Cfr. arts. 124.° a 126.°da pronúncia é ficcionar, modelar e incriminar, de uma forma abrupta, que o transporte de passageiros a um aeroporto é um crime e que o transporte de cocaína que nunca existiu, é também um crime.
105. -Aliás, nesta parte, não poderemos ignorar que, tendo o ora arguido sido detido na sua residência -Comarca de Arraiolos.
106. -Foi, posteriormente, transportado para primeiro interrogatório judicial de arguido detido, conjuntamente com o arguido Palha, que teve lugar no Tribunal Judicial da Comarca de Elvas - Porquê?, a que título?
107. -E o processo corra agora termos em Lisboa.
108. -Em que ficamos, qual destes quatro tribunais é competente? -Arraiolos, Elvas, Lisboa, Vargas (Venezuela), Ou será que não estamos perante o completo desnorte de uma investigação abortada e precipitada?
109. -Termos em que, este Tribunal, e qualquer outro Tribunal em Portugal, é incompetente, em razão do espaço/território para julgar dos factos em apreço, nos termos do disposto nos arts.6.° e 119. ° al.e), ambos do Código Processo Penal, pelo que se requer tal incompetência seja expressa e judicialmente declarada e em consequência declarado nulo todo o processado com o consequente arquivamento dos autos.
110. -Pelo que, nesta parte o douto despacho recorrido, não se encontra minimamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, e viola de forma clara e inequívoca os normativos constantes dos arts. 6.°, 119.° al. e), 19.° e 22.° do C.P.P..

d) DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
111. -Em sede própria, a fls..., em 07.12.2004, o arguido requereu ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal e aos Serviços do M.P. que:
... c) Mandar proceder à inquirição de MM. Id. nos autos, através de CARTA ROGATÓRIA a expedir ao Tribunal competente à ordem do qual a referida se encontra detida na Venezuela (Caracas/Vargas) sob os seguintes quesitos: Tudo conforme consta dos quesitos 1 a 24 que constam do referido requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
112. -Isto é, em sede própria, no exercício dos seus mais elementares direitos de defesa requereu uma série de diligências a quem de direito, ao Tribunal.
113. -Uma dessas diligências foi-lhe negada, pois a Carta Rogatória nunca se chegou a realizar por quem dirigiu e supervisionou o Inquérito.
114. -Ficando a sua defesa completamente constrangida limitada e indisponível.
115. -Ora, estabelece o art. 32° da Constituição da República Portuguesa que o arguido dispõe de todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação, dada a desigualdade material entre a acusação e a defesa, só a compensação desta mediante especificas garantias pode atenuar a desigualdade de armas.
116. -O arguido foi acusado sem que tivessem sido inquiridas pessoas por si arroladas.
117. -Termos em que os autos estão eivados de uma nulidade insanável que é a inconstitucionalidade a que se reportam os arts.32º da C.R.P. e 60° e 61º do C.P.P. nulidade que implica a anulação de todo o processado desde o referido requerimento.
118. -Era impossível ao arguido, atentas as normas vigentes sobre segredo de justiça, arguir em data anterior ao despacho de pronúncia a aponta nulidade processual.
119. -Já que, não tendo o mesmo acesso à consulta dos autos, e nunca tendo sido notificado do indeferimento do requerido e ou não realização da diligência deprecada;
120. -Só após a notificação do despacho de pronúncia, e subsequente consulta dos autos, veio a constatar que, afinal, sem qualquer justificação plausível ou motivo imperativo, a mesma se não realizou, com o correlativo prejuízo para os mais elementares direitos de defesa do arguido.
121. -Diga-se, em abono da verdade que, os elementos da lei substantiva invocados pelo Juiz "ad quo" de forma alguma poderão sobrepor-se ao ordenamento constitucional vigente, que assegura todas as garantias de defesa escalpelizadas nos arts. 32.° da CRP e 60.° e 61.° do CPP, termos em que nesta parte também deverá ser revogada a decisão proferida anulando-se todo o processado nos autos anteriormente à acusação.

e) DA NULIDADE DAS ESCUTAS TELEFÓNICAS
122. -O que está em causa nas escutas telefónicas realizadas nos presentes autos é o facto de não terem sido respeitados os normativos legais que impõem que das mesmas, após a sua realização, o Juiz efectue uma selecção entre as gravações.
123. -De entre as gravações efectuadas dos elementos relevantes para a prova;
124. -E que só esses elementos sejam valorados, procedendo-se à destruição das demais;
125. -Por forma a impedir uma devassa desnecessária e grosseira da vida privada dos escutados, como meio de prova.
126. -O C.P.P. consagra que os resultados das intercepções telefónicas para serem validadas como meios de prova, deveriam ser transcritas em auto restrito, apenas com as conversações consideradas relevantes pelo TIC.
127. -A forma como foram recolhidas e transcritas as escutas e intercepções toma-as juridicamente inexistentes, não podendo as mesmas ser valoradas como meios de prova, o que desde já se deixa arguido nos termos do disposto nos arts. 187.° e sgs. do C.P.P.
128. -Finalmente se dirá que conforme decidido a fls... dos autos que “a acusação enferma do mesmo vicio várias vezes censurado pelos Tribunais superiores com destaque para o Acórdão do STJ de 12.06.2005, confundindo meios de prova resultado da transcrição de conversas com alegação de factos. Nessa medida será feito o devido corte na expressão do citado aresto”.
129. -O que até à data não foi feito, e que se requer se proceda de imediato.
130. -A fim de que, os jurados, cidadãos anónimos e sem formação jurídica, não inquinem, a priori, o seu subconsciente, nem formem juízos de valor ou de prognose.
131. -Que irão, inevitavelmente inquinar a sua vontade na decisão a tomar, já que a acusação/pronúncia não lhes será apresentada de forma clara e objectiva, expurgada de quaisquer elementos potenciadores de influenciarem e condicionarem a sua vontade e imparcialidade.
132. -Termos em que deverá ser, expressamente ordenada eliminação dos arts. 71.°, 85.°, 86.°, 90.°, 92.°, 114.°, 128.°, 132.°, 142.°, 143.°, 146.°, 148.°, 149.°, 150.°, e 151.°, todos da acusação/pronuncia, por forma a que em tal peça processual deixem de constar as reproduções das transcrições telefónicas, já que as mesmas poderão, quanto muito -o que não se concede -constituir meios de prova -e não factos acusatórios.
133. -Devendo, nesta parte, ser revogado o douto despacho recorrido por violação do disposto nos arts. 187. ° e sgs. do CPP e, em consequência, eliminar-se as referencias/reproduções das escutas constantes dos artigos acima identificados.

*
São do seguinte teor as conclusões formuladas na motivação do segundo recurso interlocutório:
a) O presente Recurso tem por objecto o Douto Despacho de fls. 3957 e segts., o qual tem o seu início, a fls., 3959, e o seu término, a fls. 3960.
b) Mediante o qual se decide “Ponderando, o quadro supra referido e a celeridade imposta pela privação da liberdade em que se encontra o requerente da diligência (...) e também as exigências do principio da continuidade da audiência, entende o Tribunal de Júri, após deliberação, que a inquirição em falta constitui prova de obtenção muito duvidosa, não sendo absolutamente necessária à boa decisão da causa.
c) Isto é, tendo por base o princípio decorrente do artigo 340. ° n.º 4, al. b) do C.PP. emanação do princípio que proíbe a prática de actos inúteis, decide-se inexistir fundamento para interrupção ou adiamento, prosseguindo o julgamento com as alegações dos sujeitos processuais (artigo 328.° n.º 3 a contrario, do C.P.P.).
d) Sob tal perspectiva importa pois esclarecer:
d') que o despacho supra-referido se reporta à diligencia oportuna e ",...reiteradamente requerida, em sede de inquérito, instrução (por outros arguidos) 6;"contestação escrita, para que fosse inquirida, mediante carta rogatória a expedir para a Justiça da Venezuela a testemunha MM, ido a fls... dos autos.
d") que o despacho recorrido mais não faz do que dar forma a uma ilegalidade gritante e,.desde há muito anunciada.
Senão vejamos:
e) Em sede própria, a fls..., em 07.12.2004, o arguido requereu ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal e aos Serviços do M.P. que:
Mandar proceder à inquirição de MM, id. nos autos, através de CARTA ROGATÓRIA a expedir ao Tribunal competente à ordem do qual a referida se encontra detida na Venezuela (Caracas/Vargas) sob os seguintes quesitos: Tudo conforme consta dos quesitos 1 a 24 que constam do referido requerimento, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
f). Em sede, própria e no exercício dos seus mais elementares direitos de defesa requereu uma série de diligências.
g) As quais, não só, lhe foram negadas, como nunca se chegaram a realizar por culpa exclusiva de quem dirigiu e supervisionou o Inquérito.
h) Ficando pois por tal facto a sua defesa completamente, constrangida, limitada e mesmo indisponível.
i) Situação que directamente colide com o disposto no art. 32. ° da Constituição da Republica Portuguesa, segundo o qual o arguido dispõe de todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação, dada a desigualdade material entre a acusação e a defesa.
j) Ora, com o devido respeito que é muito, por parte do arguido BB, praticamente logo, após a, sua detenção foram requeridas uma série de diligências probatórias que não foram realizadas injustificadamente, termos em que o autos ficaram desde logo, e na fase de Inquérito eivados de uma nulidade que é a inconstitucionalidade a que se reportam os arts. 32º da CRP e 60º e 61º do CPP, nulidade que se revela insanável e que implica a anulação de todo o processado desde o referido requerimento.
l) Posteriormente, em sede de Instrução, foi requerida por outro arguido a inquirição da testemunha MM por carta rogatória a expedir para a Justiça Venezuelana, vindo tal pedido a ser indeferido com o fundamento de que o prazo de realização da instrução, atenta a sua curta duração, era incompatível com a realização de tal diligência, pelo que se indeferiu liminarmente o requerido.
m) Por sua vez, o arguido BB voltou, em sede de contestação escrita e posterior requerimento a requerer a inquirição, por carta rogatória, da testemunha MM.
n) Tal diligência foi aceite e deferida vindo o Meritíssimo Juiz ad quo no despacho de fls. 3167, 7. ° parágrafo a dizer o seguinte "... Procede pois, a alegação de que a carta rogatória requerida versa sobre factos essenciais para a defesa, merecendo tal pretensão do arguido BB acolhimento…”
o) Em 30.03.2006 é o próprio Tribunal e este próprio juiz que decide considerar e qualificar a diligência como essencial para a defesa do arguido BB.
p) Mal se compreende, a douta decisão ora recorrida, a qual é manifestamente contraditória com o posição anteriormente assumida por este mesmo Tribunal.
q) A qual de "per si" inquina -na íntegra - a Douta Decisão sobre tal facto proferida, o que, para os devidos efeitos, se invoca na presente sede.
r) Paralelamente, mas não menos importante, não se compreende que no Despacho de que se ora se recorre seja invocado "...considerar como esgotadas as vias de obter o cumprimento da carta rogatória em tempo útil e encontrarmo-nos, em substância, perante recusa do acto solicitado.
s) Sem se indicar que recusa, a que título e de que acto!
t) Até à data apenas fomos notificados de que a carta rogatória havia sido devolvida da Venezuela para Portugal por não se encontrar traduzida na língua oficial do país de destino.
u) É que estão em causa direitos fundamentais de defesa do arguido que foram manifestamente violados, a saber, liberdade e igualdade dos cidadãos e, sobretudo atropelo da presunção da inocência e do livre acesso ao direito/Justiça.
v) Por outro lado faz o Tribunal ad quo referência a que"…a indicação deixada na penúltima sessão de julgamento pelo sujeito processual que requereu a inquirição (arguido BB) de que a testemunha não estaria já na Republica de Venezuela mas sim em parte incerta…”
x) Tal afirmação é desprovida de objectividade e promovida fora do seu contexto factual.
z) Conforme se informou o Tribunal, o arguido tomou conhecimento informal, na sala de audiência, da eventualidade da MM ter sido posta em liberdade na Venezuela e ter, inclusive, saído desse país.
aa) Nessa conformidade o Juiz Presidente, e na mesma sessão de julgamento solicitou à Exma. Procuradora que, em representação do M.P. averiguasse sobre qual o estado em que a deprecada se encontrava.
ab). Na sessão seguinte, o M.P. veio, surpreendam-se, a informar que: " PENDE MANDADO DEDETENÇÃO SOBRE MM".
ac) Mas, nada de concreto informou, designadamente onde é que a testemunha se encontra e em que condições.
ad) Pretende-se, aparentemente, com o despacho recorrido que não seja alargado o prazo da prisão preventiva, naquilo que interessa, quanto ao ora recorrente.
ae) Quando é consabido que o prazo da aplicação dessa medida de coação está prestes a terminar.
af) Acresce que, no despacho recorrido se refere que "... o Tribunal de Júri, após deliberação, ..." sem que, se refira quando e onde ocorreu tal deliberação, qual o sentido de voto dos intervenientes e qual a fundamentação de tal deliberação.
ag) Acontece que o recorrente não foi notificado da realização de qualquer reunião de deliberação nem lhe foi entregue cópia ou notificação de qualquer acta de deliberação do Tribunal de Júri.
ah) O que implica a violação das mais elementares regras de transparência processual, de defesa e de exercício do contraditório, com as demais consequências que dai advêm, as quais importam a nulidade do douto despacho ora recorrido
ai) O Douto Despacho recorrido padece dos seguintes vícios -violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito, da igualdade, da presunção da inocência, do contraditório, de contradição insanável na sua fundamentação, de falta de fundamentação e de ilegalidade violando deforma clara, inequívoca e ostensiva o disposto nos artigos 13°, n.ºs 1 e 2, 20°, 32°, n.ºs 2 e 5 e 205º todas da CRP e artigos 97°, n.º 4, 340°, n.º 1 a contrário e 340, n.º 4, al.a) todos do CPP.
*
Nas contra-motivações apresentadas o Ministério Público pugna pela improcedência de todos os recursos, quer os interlocutórios quer os que incidiram sobre a decisão final.
*
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de o arguido BB ser convidado a aperfeiçoar as conclusões que extraiu da motivação do recurso da decisão final, com o fundamento de que as conclusões por si formuladas são a cópia da motivação, com a única diferença de que a motivação foi apresentada com numeração enquanto as conclusões foram enunciadas sob alíneas, tendo ainda suscitado dúvidas sobre a admissibilidade do primeiro recurso interlocutório interposto por aquele arguido, sob o entendimento de que incide sobre o despacho que saneou o processo e designou dia para julgamento, sendo o mesmo irrecorrível, para além de que a questão nele colocada atinente à eventual incompetência do tribunal foi incorrectamente invocada por não vir indicado o tribunal competente, para além de que deveria ter sido arguida antes de realizada a instrução, visto que a ser considerada pertinente irá pôr em causa aquela concreta fase processual.
Não foi apresentada resposta.
*
No exame preliminar relegou-se para a audiência, por razões de celeridade e de economia processual, o conhecimento das questões suscitadas nos recursos interlocutórios, bem como no parecer emitido pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
***
Começando por apreciar as questões suscitadas pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta relativas à inadmissibilidade do primeiro recurso interlocutório do arguido BB e ao convite deste mesmo arguido para aperfeiçoamento das conclusões que extraiu da motivação respeitante ao recurso da decisão final -(2) .
, começar-se-á por assinalar que a lei adjectiva penal – artigo 412º –, ao contrário do que sucede com a lei adjectiva civil – artigo 690º, n.º 4 –, não prevê o convite para apresentação, completamento, esclarecimento ou síntese das conclusões, omissão que não deve ser entendida como lacuna, antes como opção legislativa, tendo em vista as substanciais diferenças entre a jurisdição civil e a jurisdição penal, designadamente as necessidades de especial celeridade em processo penal, bem como o princípio da oficialidade -(3).
Relativamente à inadmissibilidade do recurso há que ter atenção a cláusula geral em matéria de impugnações constante do artigo 399º, que decorre do princípio constitucional da concessão de todas garantias de defesa em processo criminal, incluindo o recurso (artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), segundo a qual é permitido recorrer de todos os acórdãos, sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
Certo é que a lei adjectiva penal estabelece no n.º 4 do artigo 313º que do despacho que designa dia para audiência não há recurso - (4), no entanto, do exame do processo, mais precisamente do primeiro recurso interlocutório interposto pelo arguido BB, verifica-se que a respectiva impugnação, ao contrário do invocado pela Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta, não incide sobre o despacho que designou dia para audiência, antes sobre despacho posteriormente proferido, despacho que se pronunciou sobre questões que aquele arguido suscitou na contestação que apresentou.
Assim sendo, dúvidas não restam de que o recurso em causa é admissível, independentemente da circunstância de o arguido BB não possuir as condições necessárias para recorrer relativamente a todas aquelas questões que suscitou, concretamente legitimidade.
***
Cumpre pois que conheçamos ambos os recursos interlocutórios interpostos.
Primeiro Recurso Interlocutório
Começando por apreciar o primeiro recurso verifica-se que a primeira questão nele suscitada é a da nulidade (formal e material) da acusação e do despacho de pronúncia, com o fundamento de que daquelas peças processuais constam factos estranhos aos comportamentos dos acusados/pronunciados, factos esses protagonizados e da responsabilidade de terceiros, supostamente envolvidos nos crimes objecto do processo, relativamente aos quais se procedeu a separação de culpas, sem sequer haverem sido ouvidos como arguidos e como tal constituídos, o que constitui omissão de inquérito, inquinando-o de nulidade insanável – artigo 119º, alínea d) e 120º, n.º 2, do Código de Processo Penal –, para além de que prejudica o seu direito de defesa constitucionalmente consagrado, razão pela qual entende deverem ser retirados da acusação e da pronúncia todos aqueles referidos factos.
Como é sabido, só a falta de inquérito (ou de instrução) constitui nulidade insanável – artigo 119º, alínea d) –, situação que só se verifica perante inexistência de facto ou de direito daquela fase processual.
A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120º, número 2, alínea d) - (5), qual seja a de insuficiência de inquérito, nulidade esta dependente de arguição, a qual deverá ser deduzida até ao encerramento do debate instrutório – alínea c) do n.º 3 daquele artigo.
O mesmo sucede relativamente à falta de constituição de arguido nos casos em que é obrigatória.
Deste modo, sendo certo que o arguido BB arguiu aquelas omissões após o encerramento do debate instrutório, é evidente que a eventual nulidade cometida se encontra sanada.
Em todo o caso, sempre se dirá que o arguido BB carece de legitimidade para a arguição da nulidade em causa, consabido que invoca, para tanto, a falta de interrogatório e de constituição como arguidos de outros intervenientes processuais, legitimidade que só a estes caberia - (6)..
Quanto à alegação de que da acusação e da pronúncia constam factos praticados por pessoas que não figuram no processo, o que prejudica a sua defesa, violando o correspondente direito, constitucionalmente consagrado, não se percebe a asserção feita, consabido que tais factos são parte integrante do evento criminoso por que o arguido foi acusado, pronunciado e condenado, como comparticipante, sendo pois essenciais para a descoberta da verdade e para o conhecimento e boa decisão da causa.
Retirar tais factos da acusação e da pronúncia era pura e simplesmente eliminar o objecto do processo, a sua razão de ser.
Ademais, não é na fase de julgamento, ainda que antes do início da respectiva audiência, que o arguido pode e deve pugnar pela alteração ou eliminação dos factos que foram insertos na acusação e/ou na pronúncia.
O momento adequado para isso é bem anterior.
É no requerimento para abertura da instrução, no decurso desta e, em certos casos, no recurso do despacho de pronúncia, que o arguido pode e deve pugnar pela modificação ou eliminação dos factos que lhe são imputados – artigos 287º, 309º e 310º.
Transitado em julgado o despacho de pronúncia é por demais evidente que o objecto do processo, salvo as excepções previstas nos artigos 358º e 359º, se fixa sem possibilidade de modificação ou reformulação.
*
A segunda questão suscitada refere-se à competência do tribunal.
Alega o arguido BB que se verifica a incompetência territorial do tribunal em duas vertentes, visto que Portugal carece de competência para conhecer os factos objecto do processo, porquanto todos aqueles foram supostamente cometidos fora do território nacional, mais concretamente na Venezuela, sendo que a possuí-la não seria o tribunal de Lisboa o competente para conhecê-los, razão pela qual deve ser o tribunal de Lisboa, bem como qualquer outro tribunal português, declarados incompetentes, revogando-se a decisão recorrida, na qual se julgou competente o tribunal de Lisboa, mais concretamente as respectivas Varas Criminais.
De acordo com o artigo 19º, n.º 1, a competência do tribunal deve ser aferida em função do facto ou dos factos objecto do processo, sendo certo que no caso vertente, atenta a fase processual em que foi suscitada a questão ora em apreço, há que considerar os factos constantes do despacho de pronúncia - (7).
Começando por apreciar da competência dos tribunais portugueses constata-se que o despacho de pronúncia considerou indiciados os crime de associação criminosa com vista ao tráfico de estupefacientes (artigo 28º, n.ºs 1 e 2, do DL 15/93, de 22 de Janeiro) e de tráfico de estupefacientes agravado (artigos 21º, n.º 1 e 24º, alínea c), do DL 15/93, de 22 de Janeiro).
Segundo o factualismo vertido na acusação pública de fls.2356/2399, peça processual para onde a decisão instrutória de fls.2971/2983 remete nos termos do n.º 1 do artigo 307º, todos os arguidos, incluindo pois o ora recorrente BB, cometeram em território português actos subsumíveis à norma do artigo 28º, n.ºs 1 e 2, do DL 15/93, bem como actos integrados no plano criminoso, por todos conhecido e a que todos aderiram, tendo em vista a importação de cocaína, com transporte aéreo da Venezuela para Portugal, transporte que não se chegou a verificar, visto que a aeronave onde a cocaína chegou a ser introduzida, não levantou voo, face a participação que o comandante do voo fez às autoridades venezuelanas -(8)
Certo é que a nossa lei substantiva penal adoptou em matéria de aplicação da lei no espaço o chamado princípio da territorialidade, segundo o qual a lei penal portuguesa se aplica a factos praticados em território nacional – artigo 4º, alínea a), do Código Penal.
Por outro lado, face à questão da sede do crime, ou seja, do local onde o crime se deve ter por praticado, optou-se pela chamada solução plurilateral ou da ubiquidade -(9), em termos amplos e consonantes com a ideia da plenitude da soberania portuguesa sobre o território nacional, bastando para a competência dos tribunais portugueses que a infracção tenha com o território português qualquer dos elementos de conexão referidos no preceito – acção, nos crimes respectivos; acção esperada nos crimes de omissão; ou resultado típico – para que deva concluir-se ter sido o crime praticado em Portugal (10) .
Tal solução legislativa, como referiu Eduardo Correia no seio da Primeira Comissão Revisora, é exigida pelo interesse de que, em virtude de diferentes critérios usados pelas leis de diferentes países, os criminosos não fiquem impunes.
Deste modo, basta que o crime tenha com o território nacional qualquer dos elementos de conexão mencionados no n.º 1 do artigo 7º – acção, omissão ou resultado típico – para que deva considerar-se praticado em Portugal. Nesta perspectiva, para determinar a competência dos tribunais portugueses relativamente a acções típicas complexas e de plurilocalização, é relevante que algum acto, sob qualquer forma de comparticipação, tenha ocorrido em território nacional (11).
Como refere Maia Gonçalves a propósito dos casos de comparticipação criminosa, trate-se de autor ou de cúmplice, deve considerar-se como tendo lugar em Portugal a participação aqui realizada em crimes cometidos no estrangeiro
- (12).
Assim sendo, dúvidas não restam da competência dos tribunais portugueses para o conhecimento dos factos objecto do processo.
Passando agora à questão da determinação do tribunal português competente em razão do território, começar-se-á por assinalar que o arguido BB conquanto invoque a incompetência do tribunal de Lisboa, não indica qual o tribunal competente, referindo-se a vários tribunais.
Deste modo, tendo o tribunal recorrido assumido a competência para o conhecimento dos factos objecto do processo, sob a justificação de que, de acordo com a acusação pública (números 124 a 126), o último acto de execução cometido em território nacional com referência ao transporte da cocaína apreendida na Venezuela, foi a saída da aeronave do aeroporto da Portela com destino à Venezuela – artigo 22º, n.º 2 – e de que os termos da acusação não permitem, relativamente à associação criminosa, seja perfeitamente localizado no tempo e no espaço o acordo que exprime a adesão ou colaboração perene e estável, sendo na área de Lisboa onde primeiro houve notícia do crime – artigo 21º, n.º 2 –, nada há a censurar à decisão recorrida.
*
Passando à terceira questão suscitada atinente à não audição no inquérito e na instrução de MM, omissão que o arguido entende constituir nulidade insanável, implicando a anulação da acusação e de todo o processado posterior, omissão que limitou os seus direitos de defesa e prejudicou esta, impedindo-o de contrariar a acusação, com violação das garantias constitucionais consagradas no artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, começar-se-á por observar que é na audiência, no contraditório pleno, que ao arguido são asseguradas todas as garantias de defesa. Só nessa fase é que o arguido pode, sem qualquer limitação, exercer os seus direitos de defesa.
Por outro lado, certo é que a eventual nulidade decorrente de insuficiência de inquérito ou da instrução por omissão de diligência que pudesse reputar-se essencial para a descoberta da verdade, incluindo o interrogatório do arguido nos termos do artigo 272º, n.º 1, em caso algum assume a natureza de insanável, podendo constituir, quando muito, nulidade relativa ou sanável – artigo 120º, n.º 2, alínea d).
Certo é que aquela nulidade, segundo preceito da alínea c) do n.º 3 do artigo 120º, deve ser arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.
Assim sendo, só tendo sido arguida na contestação, mostra-se sanada.
*
A quarta questão colocada incide sobre as intercepções telefónicas efectuadas, as quais o arguido BB entende deverem ser consideradas juridicamente inexistentes e, consequentemente, insusceptíveis de valoração como prova, nos termos do artigo 187º, do Código de Processo Penal, visto que o juiz de instrução não procedeu a selecção das gravações efectuadas, tendo em vista a sua relevância para a prova, procedendo-se à destruição das demais, assim se impedindo devassa desnecessária dos escutados, sendo certo que a lei adjectiva penal manda que os resultados das intercepções telefónicas, para serem validados como meios de prova, sejam transcritos em auto restrito, com inclusão, apenas, das conversações consideradas relevantes pelo Juiz de Instrução, o que não foi feito.
Mais entende que ao terem sido insertas no requerimento acusatório reproduções das transcrições das intercepções telefónicas efectuadas, foi cometido um vício censurado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (Acórdão de 05.06.12, proferido no Processo n.º 1441/05), do qual resulta o inquinamento do subconsciente dos membros não togados do tribunal de júri, por conduzir a que estes formem juízos de valor e de prognose que influenciam a sua vontade e imparcialidade, na base de elementos que só poderão ser utilizados como meios de provas, razão pela qual deverão ser eliminadas da acusação e da pronúncia as referências/reproduções das escutas realizadas.
Independentemente do fundado ou infundado desta última alegação produzida pelo arguido BB, constata-se que a mesma constitui matéria nova relativamente ao decidido no despacho recorrido e requerimento que a este despacho subjaz, requerimento que aquele arguido entendeu inserir na contestação que apresentou.
Com efeito, do exame da peça contestatória resulta que em parte alguma da mesma o arguido BB abordou aquela matéria, razão pela qual o tribunal recorrido, obviamente, sobre a mesma se não pronunciou.
Constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, o qual em processo penal se define e delimita através das conclusões formuladas na motivação de recurso - (13)
Daqui decorre que o tribunal de recurso só pode conhecer as questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas ou o devessem ter sido na decisão recorrida (14).

Deste modo, estando vedado a este Supremo Tribunal pronunciar-se sobre aquela matéria nova é evidente sobre ela não se pronunciará, sendo que a fazê-lo incorreria na nulidade prevista na última parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 379º.
Pronunciando-nos sobre o pedido de declaração de inexistência das intercepções telefónicas por inobservância do disposto no n.º 3 do artigo 188º do Código de Processo Penal, dir-se-á que do exame do processo, tal como se consignou no despacho impugnado, resulta à saciedade que o juiz de instrução deu cabal cumprimento ao procedimento ali previsto e imposto.
Com efeito, o juiz de instrução, após audição das intercepções telefónicas realizadas no âmbito do processo, intercepções por si devidamente autorizadas, não só ordenou a transcrição das intercepções telefónicas por si tidas por relevantes para a prova, como determinou a destruição de todas as demais.
Aliás, o arguido BB não põe minimamente em causa a fidedignidade daquele meio de prova, sendo certo que este Supremo Tribunal vem entendendo que os procedimentos para a realização das intercepções telefónicas e respectivas gravações estabelecidos no artigo 188º, após ordem ou autorização judicial para o efeito, constituem formalidades processuais cuja não observância não contende com a validade e a fidelidade da prova, razão pela qual à violação dos procedimentos previstos naquele normativo é aplicável o regime das nulidades sanáveis previsto no artigo 120º -(15).

Deste modo, atenta a temporalidade da arguição de nulidade das intercepções telefónicas realizadas, a ocorrer qualquer nulidade, o que, repete-se, não se verifica nos autos, sempre estaria sanada.
***
Segundo Recurso Interlocutório
Delimitando o objecto do segundo recurso interlocutório, o qual se prende com o pedido de audição, através de carta rogatória, de MM, prova requerida pelo arguido BB na contestação e que o tribunal deferiu, verifica-se que o mesmo incide sobre despacho do juiz presidente do tribunal, proferido na audiência, finda a fase da produção de prova, através do qual se ordenou o prosseguimento do julgamento, com a produção das alegações, sem que aquela diligência se encontrasse realizada, sob a argumentação de que se encontravam esgotadas as vias de obtenção da sua realização em tempo útil, atento o princípio da continuidade da audiência, e de que a prova dela decorrente não se mostrava absolutamente necessária para a boa decisão da causa.
Pretende o arguido BB seja revogado aquele despacho, com o fundamento de que viola os princípios constitucionais do acesso ao direito, da igualdade, da presunção de inocência e do contraditório, para além de que enferma de falta de fundamentação e do vício da contradição insanável da fundamentação.
Certo é que já depois de o processo haver dado entrada neste Supremo Tribunal de Justiça foi junta aos autos a carta rogatória em causa, junção que, obviamente, foi comunicada aos sujeitos processuais.
Do exame da respectiva documentação resulta que a audição de MM não teve lugar, conquanto a mesma tenha sido convocada para tanto e tenha estado presente perante o Terceiro Tribunal de Control do Circuito Judicial Penal do Estado de Vargas, posto que, após haver sido informada pelo juiz que presidiu ao acto, da não obrigatoriedade da prestação de declarações, face ao que estabelece a Constituição da República Boliviana da Venezuela, entendeu nada declarar.
Tal circunstância, por o meio de prova requerido pelo arguido BB se mostrar de obtenção inviável, torna inútil o recurso por aquele interposto, precludindo o seu conhecimento.
***
Decididos os recursos interlocutórios cumpre apreciar os recursos da decisão final.
A arguida AA nas conclusões que extraiu da motivação por si apresentada submete ao conhecimento deste Tribunal as seguintes questões:
a) Falta de fundamentação do acórdão impugnado por ausência de indicação na motivação dos meios ou elementos de prova na base dos quais o tribunal recorrido considerou provada a sua participação nos factos, designadamente a sua função de elo de ligação ou intermediária entre os alegados produtores de cocaína que se encontravam na Venezuela, o seu forte domínio e controlo sobre a alegada “missão” de transporte de cocaína e os contactos por si estabelecidos na Venezuela com as pessoas que procederam ao acondicionamento da cocaína em doze malas;
b) Apreciação da prova com violação do critério legal do artigo 127º, concretamente sem apelo às regras da experiência;
c) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
d) Desajustada dosimetria da pena.
Por sua vez, o arguido BB nas conclusões formuladas suscitou as seguintes questões:
a) Falta de notificação ao arguido de exame por si requerido, o que constitui nulidade insanável;
b) Ilegal valoração de provas, com violação dos princípios da presunção de inocência, do in dubio pro reo, do contraditório e da igualdade.
c) Vícios das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 410º;
d) Desajustada dosimetria da pena.
O tribunal de júri considerou provados os seguintes factos -(16)

II. Factos provados

Cumpre apreciar os factos constantes da pronúncia, das contestações e aqueles emergentes da audiência de julgamento, com relevo para a decisão. Naturalmente, porque não constituem factos, não serão indicadas as referências conclusivas presentes na acusação e mantidas na pronúncia, algumas coincidentes com a previsão legal (cfr. artºs 163º e 164º da acusação), como também serão expurgados os segmentos pertinentes unicamente aos arguidos em relação aos quais foi efectuada separação de processos e a MP, entretanto falecido. Ainda, e como já se disse a fls. 3017, não serão indicados nesta parte da decisão meios de prova, como seja o teor das conversas transcritas na acusação/pronúncia (Ac. do STJ de 02/06/2005, P05P1441, www.dgsi.pt).
1. O arguido BB era pessoa da confiança de MM com a qual manteve, desde a adolescência, uma relação de afecto;
2. Esta incumbiu-o de exercer as funções de seu motorista particular;
3. O arguido BB acedeu a movimentar em conta pessoal quantias pertencentes a MM;
4. O arguido JP é piloto da aviação civil;
5. Foi encarregado por MM de efectuar prospecções no mercado de empresas do sector aeronáutico que pudessem ser adquiridas;
6. Desempenhou ainda a actividade de consultor na área da aeronáutica civil, designadamente na área da legislação, características de aeronaves, custos de operação, de rota, de manutenção e legislação aeroportuária;
7. O arguido JP celebrou com MM contrato relativo a essa actividade;
8. Recebeu, no âmbito desse contrato, a remuneração de 29.000,00€ (vinte e nove mil euros);
9. O arguido DD realizou para MM contactos com empresas de aviação e realizou pagamentos às mesmas;
10. O arguido JP deslocou-se em Julho de 2003 às cidades de Manaus, Belém e Boavista, para efectuar uma auditoria à empresa de aviação Meta, com vista à respectiva aquisição por MM;
11. O mesmo arguido deslocou-se a 17 de Outubro de 2003 ao Brasil, na companhia de MM, altura em que se encontraram com o proprietário da Meta, chamado Mesquita;
12. Em 11 de Fevereiro de 2004, o arguido JP deslocou-se num voo regular da TAP, a São Vicente, em Cabo Verde, com o intuito de comprar um entreposto comercial de bens alimentares, a distribuir por via aérea entre as ilhas do arquipélago;
13. Em 30 de Abril de 2004, deslocou-se à Guayana, na Venezuela, nos termos adiante desenvolvidos;
14. E, em 3 de Julho de 2004, a Georgetown, na Guiana, com vista à averiguação da possibilidade de ali adquirir uma empresa de aeronáutica;
15. O arguido BB, durante o ano de 2004, acompanhava regularmente MM, como seu motorista;
16. O arguido BB, mesmo quando não transportava MM em viaturas que conduzia, algumas vezes acompanhava-a nas suas deslocações, por avião, a Espanha, designadamente a Madrid;
17. MM decidiu levar a cabo viagem aérea até à Venezuela, com partida no dia 30 de Abril;
18. Para o efeito, contactou o arguido DD, o qual, a seu pedido, contactou por sua vez VH, gerente da HH, com quem contratou o aluguer de um jacto Falcon 50, com a matrícula CSTMJ;
19. O preço desse aluguer foi de 87.500,00€ (oitenta e sete mil e quinhentos euros);
20. Por indicação do arguido DD essa verba foi facturada pela HH à empresa CCCC Ltd, pertencente a MM;
21. O pagamento foi efectuado pelo arguido DD, através de um depósito em numerário efectuado em 30/04/2004, acompanhado pela gerente da HH, VH, no valor de 45.000,00€ (quarenta e cinco mil euros), na agência do BCP, sita nos edifícios do Aeroporto da Portela e na conta nº 7291976, titulada pela HH, sendo o remanescente, de 42.500,00€ (quarenta e dois mil e quinhentos euros), pago através de depósitos em numerário na mesma agência bancária, realizados no dia 10/05/2004;
22. O dinheiro foi entregue ao arguido DD pelo arguido BB, por ordem de MM;
23. A aeronave saiu do aeroporto da Portela, tendo o seu registo de voo indicação de destino Cabo Verde e data prevista de regresso o dia 3 de Maio de 2004, com escala nas Ilhas Canárias e chegada ao Aeródromo Municipal de Cascais;
24. O destino pretendido era, na realidade, Guayana, na Venezuela;
25. A rota efectiva do voo de ida foi Lisboa/Sal/Belém/Guayana e o de regresso Guyana/ Sal/Las Palmas/Lisboa;
26. Seguiram no voo, como tripulantes, Vítor Manuel Simões Lourenço, João Manuel Nazaré Gaspar, Rui António Castilho Cardoso e, como assistente de bordo, Mónica Paula Moreira Félix;
27. E, na qualidade de passageiros, MM, o arguido JP e MC;
28. Depois de chegarem à cidade de Guayana, na Venezuela, os passageiros e a tripulação ficaram hospedados no Hotel Intercontinental Guayana;
29. A aeronave ficou estacionada junto às instalações militares existentes no aeroporto;
30. As bagagens pessoais dos passageiros e tripulação não passaram pelo circuito de “check in”;
31. Para além das bagagens pessoais dos passageiros, foram introduzidas na bagageira do avião mais três ou quatro malas, seguindo na bagageira um total de sete malas;
32. A introdução dessas malas na bagageira do avião foi realizada por uma empresa de handling;
33. A escala em Las Palmas foi efectuada para que o voo se tornasse voo Schengen e, consequentemente, não existisse controlo alfandegário necessário no Aeródromo de Cascais;
34. Em Portugal, estava previsto que o arguido BB se deslocasse ao Aeródromo de Cascais com uma carrinha monovolume, para efectuar o transporte dos passageiros bem como de toda a bagagem;
35. Para tal efeito, no dia 30/04/2004, foi alugada por esse arguido na Europcar uma viatura Volkswagen Sharan, com a matrícula 86-19-XF;
36. O arguido BB deslocou-se efectivamente ao aeródromo mas sem a viatura, por ter sofrido um acidente;
37. Por isso, no dia 3 de Maio de 2004, MM deu indicação ao arguido JP para que procedesse ele próprio ao aluguer de veículo semelhante;
38. O arguido JP saiu mais cedo do aeródromo e dirigiu-se à Europcar, onde alugou o veículo de marca Iveco, tipo carrinha/furgão, com a matrícula 00-00-UZ;
39. Na posse da viatura, e conforme combinado, o arguido JP aguardou no Prior Velho pela chegada do arguido BB, MM e MC, os quais acabaram por chegar ao local, em dois táxis;
40. Depois de efectuar o transbordo das malas dos táxis para a carrinha Iveco, o arguido BB, MM e MC passaram para esse veículo, enquanto o arguido JP se dirigiu, de táxi, a uma oficina na zona do cemitério de São João, em Lisboa, a fim de ali receber o seu veículo, de marca Fiat, modelo Punto, matrícula 00-00-RV;
41. Posteriormente, o arguido JP voltou a encontrar-se com os demais na Estrada Nacional nº10, junto a Alverca, em local previamente combinado com o arguido BB, seguindo todos para a zona de Arraiolos;
42. O arguido DD, por indicação de MM e com dinheiro que esta lhe fez entregar pelo arguido BB, procedeu à compra de três relógios, de marca Breitling, ao preço unitário de 3.945,00€ (três mil, novecentos e quarenta e cinco euros), os quais ofereceu a cada um dos pilotos que integravam a tripulação do voo;
43. Depois da realização do voo, o arguido DD voltou a contactar a HH, na pessoa de VH, com vista à realização de novos voos, designadamente no dia 9 de Setembro de 2004, através de fax, o que foi recusado;
44. No dia 7 de Maio de 2004, MM e o arguido BB viajaram de avião para Espanha, com regresso a 11 do mesmo mês;
45. No dia 31 de Maio, MM e o arguido BB deslocaram-se a Vila Nova de Gaia, seguindo no veículo 00-00-TT, ficando ambos alojados no Hotel Solverde;
46. No dia 25 de Junho, MM e o arguido BB passaram na fronteira do Caia, seguindo no veículo Volkswagen Passat, com a matrícula 00-00-TT;
47. No dia 9 de Agosto de 2004, MM e o arguido BB dirigiram-se ao aeroporto de Lisboa, onde contactaram indivíduo não identificado e entraram os três numa viatura Volvo de matrícula espanhola, após o que seguiram para Espanha;
48. No dia 9 de Setembro de 2004, o arguido BB, por ordem de MM, realizou uma viagem a Madrid, embarcando pelas 07.30 h. no voo NI 804, da Portugália, regressando pelas 13.30h. a Lisboa, trazendo consigo 20.000,00€ (vinte mil euros) em notas do Banco Central Europeu;
49. Parte desse dinheiro entregou logo de seguida, no parque de estacionamento do Aeroporto de Lisboa, a Vítor Castro;
50. No dia 11 de Setembro de 2004, MM, MP, Maria VC e Virgínia do Ó Mota, deslocaram-se à Venezuela, alugando para o efeito um jacto privado, modelo Falcon 900, fretado à firma Air Luxor Corporate Jets.
51. Em data incerta de Setembro de 2004, MM decidiu com outros indivíduos realizar viagem à Venezuela, com vista a transportar por via aérea duzentos e noventa e oito quilogramas de cocaína até Portugal e, seguidamente, por via terrestre, até Espanha;
52. De forma deliberada, livre e consciente, com vista à concretização desse mesmo transporte, o arguido BB acordou com MM e outros em assegurar o transporte dos passageiros até ao avião, receber e efectuar contactos com os vários envolvidos nessa viagem, transportar dinheiro para pagamento do voo e, ainda, em proceder à condução do veículo onde seria colocada a cocaína, uma vez chegada a Portugal, até ao local de destino, em Espanha;
53. No desenvolvimento desse propósito comum, no dia 19 de Setembro de 2004, cumprindo uma ordem de MM, o arguido BB, pelas 16h00, dirigiu-se às instalações da firma Cartronic, sitas na Rua Rodrigo da Fonseca, nº 9-B, em Lisboa, tendo ali levantado um veículo da marca Chrysler, modelo Stratus YX, com a matrícula 00-00-L0, adquirido em nome MM;
54. No dia 20 de Setembro, o arguido BB, juntamente com um indivíduo de nacionalidade espanhola, chamado Cristian, transportando-se ambos na viatura de marca Chrysler, com a matrícula 00-00-LO, dirigiram-se às instalações da empresa TAC, sitas na Avenida Marquês de Tomar, nº 35, em Lisboa, onde contactaram MP, com o objectivo de que este observasse as dimensões da bagageira daquela viatura;
55. No dia 22 de Setembro de 2004, pelas 20.45 h., realizou-se reunião na marisqueira “Tó do Marisco”, em Carnide, local onde se juntaram MM, MP, o arguido BB e o referido Cristian, para preparar a viagem à Venezuela;
56. Nessa reunião foi debatida a apreensão nesse mesmo dia pelas autoridades espanholas do montante de 150 000,00€ (cento e cinquenta mil euros ao arguido BB, em território espanhol;
57. Nesse dia, o arguido BB, fazendo-se transportar na viatura de marca Chrysler Stratos, com a matrícula 00-00-LO, tinha-se deslocado a Espanha-Madrid, onde o recebeu a quantia de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros), a qual se destinava a financiar o voo a realizar até à Venezuela;
58. Pelas 17h10 desse dia, quando o arguido BB circulava na Autovia Madrid-Lisboa, ao km 407, próximo de Badajoz, foi interceptado e revistado pela Guardia Civil de Espanha, tendo-lhe sido apreendida a quantia referida (150.000,00€);
59. No dia 23 de Setembro, realizou-se novo encontro na marisqueira “Tó do Marisco”, em Carnide;
60. MM e o arguido BB transportaram-se para o local no veículo de marca Renault, modelo Megane, com a matrícula 75-23-VC, alugado pelo arguido JP a pedido daquela;
61. Esse veículo foi alugado exclusivamente para uma deslocação a Espanha, com o objectivo de solucionar o problema do dinheiro apreendido ao arguido BB;
62. O arguido BB comprou, por ordem de MM, um telemóvel da marca Ericsson e outro da marca Alcatel, ambos da operadora Vodafone com os números 91.000000 e 91.0000000 bem como um cartão de telemóvel, igualmente da operadora Vodafone, com o nº 91.000000, com vista à sua utilização por ela própria, por MP e AV ;
63. Posteriormente, a viagem até à Venezuela acabou por ficar marcada para o dia 22 de Outubro de 2004, com partida do aeroporto da Portela, pelas 02.00h.
64. No mesmo voo seguiria também a arguida AA, para além de outras;
65. A arguida AA, de forma deliberada, livre e consciente, acordou em assegurar todos os contactos necessários na Venezuela, com vista a que, no Aeroporto Simão Bolívar, em Maiquetia, fossem introduzidos duzentos e noventa e oito quilogramas de cocaína no avião utilizado na viagem e por isso seguia nesse voo;
66. Sempre no desenvolvimento desse propósito comum, ao arguido BB foi transmitida, pela arguida MM, ordem para se deslocar a Madrid-Espanha e dali trazer consigo, para Lisboa, a arguida AA, sabendo o arguido da tarefa de que aquela estava incumbida;
67. O arguido BB efectuou essa viagem no dia 21 de Outubro, com a viatura de marca Chrysler Voyager, com a matrícula 00-00-OZ;
68. Cerca das 16h30 desse dia, já de regresso de Espanha, com a arguida AA, o arguido BB, depois de ter recolhido VC bem como MO, em Arraiolos, dirigiu-se a Setúbal, onde recolheu MM, cerca das 17h30, após o que seguiram para Lisboa;
69. Na mesma noite, mas já no dia seguinte - 22/10 -, pelas 01h15, saíram todos do hotel Tivoli Tejo, em direcção ao Aeroporto da Portela, transportando-se MP na sua viatura Audi A4, com a matrícula 00-00-LG, juntamente com MV, enquanto o arguido BB transportou MM e MO, na viatura Chrysler Voyager;
70. O arguido BB acompanhou as quatro passageiras até ao último ponto de controlo do Aeroporto, antes delas embarcarem no voo que as levaria à Venezuela;
71. Assim, no voo nº CSDCT-132-1-1 e no jacto Cessna Citation X, de matrícula CS DCT, pelas 02h00 do dia 22/10, seguiram, como passageiros, as arguidas MM e AA bem como VC e MO;
72. A tripulação era constituída por elementos da firma Masterjet, empresa esta ligada à companhia Airluxor, designadamente por AC, piloto e Comandante de Voo, LS, co-piloto, e CR, assistente de bordo;
73. A arguida AA, após a chegada à Venezuela, procedeu a contactos com indivíduos não identificados naquele país, os quais procederam ao acondicionamento de 298 kgs. de cocaína em 12 malas;
74. Por razões de segurança, foi decidido que AA não regressaria no mesmo avião onde deveria ser transportada a cocaína;
75. Pelas 01h30 do dia 23/10, hora local, em conformidade com o plano estabelecido entre a arguida AA e indivíduos de identidade não apurada, as malas contendo cocaína foram transportadas até à interior da zona aeroportuária e ao avião Cessna Citation X, sendo colocadas na bagageira do mesmo;
76. Uma vez que não permitiam o fecho da bagageira, o Comandante AC e o piloto LS retiraram as malas da bagageira e colocaram-nas na pista, tendo o primeiro chamado o representante da Alfândega;
77. Subsequentemente, as malas foram abertas e apreendidas pela Guarda Nacional da Venezuela, sendo retiradas do seu interior 300 (trezentas) embalagens, contendo 298 (duzentos e noventa e oito) quilogramas de cocaína (cloridrato), com 91,86% de pureza;
78. Entretanto, em Portugal, o arguido BB, em cumprimento de ordens que havia recebido, assegurou as tarefas necessárias à recepção e carregamento da cocaína que pensava ir chegar da Venezuela;
79. Assim, no dia 23/10, pelas 11h30, dirigiu-se à empresa de aluguer de automóveis ...., sita na Av. dos ...., nº 60, em Setúbal, onde alugou a viatura de marca Ford Transit, com a matrícula 00-00-PR;
80. Pelas 13h45, estacionou a viatura alugada no parque de estacionamento sito junto ao local de entrada e saída de passageiros do Aeródromo de Cascais, onde esperava que o avião chegasse;
81. No dia 24 de Outubro de 2004, na residência de MM, sita na Rua Capitão ...., nº 00, em Setúbal foram apreendidos:
Dois cartões da operadora Vodafone, referentes aos números 00000000 e 9100000000;
Um cartão de carregamento da operadora Vodafone, referente ao cartão nº 91000000;
Um cartão de segurança da operadora TMN, referente ao cartão nº 96000000;
Um recibo da Vodafone, referente a um carregamento no cartão com o nº 91000000;
Um cartão da operadora Vodafone com o PIN 0000 PUK 9000000;
Um chip com o nº 9000000000, da operadora Vodafone;
Um chip com o nº 00000000, da operadora Optimus;
Um papel com a referência do telefone móvel da Vodafone nº 9000000;
Um cartão de carregamento da operadora Optimus referente ao nº 9000000;
Um cartão de segurança da operadora TMN referente ao nº 90000000;
Um cartão com o respectivo chip nº 000000000000;
Uma embalagem da operadora Optimus, com vários números de telemóveis manuscritos;
Um catálogo do avião Cessna Citation Excel;
Documentação bancária;
82. Nas imediações da mesma residência, foi apreendida a viatura de marca Volkswagen, modelo Passat, 1.9 TDI, com a matrícula 00-00-TT, no valor de 23.637,00€ (vinte e três mil, seiscentos e trinta e seis euros), com duas chaves e declaração comprovativa da venda a MM;
83. No dia 24 de Outubro de 2004, na residência de MM, sita na Quinta ...., Bardeiras, São Gregório, em Arraiolos, foram apreendidos:
Uma caçadeira de duplo cano, no valor de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros);
Diversos artigos, no valor global de 6.915,00€ (seis mil, novecentos e quinze euros);
84. No mesmo dia, na localidade de Bardeiras – Arraiolos, foi apreendida ao arguido BB, uma viatura da marca Chrysler, modelo Voyager com a matrícula 00-00-OZ, no valor de 14.103,00€ (catorze mil, cento e três euros), bem como os seguintes documentos que se encontravam no seu interior:
Cópias do Bilhete de Identidade e número de contribuinte de MM;
Diversos talões/recibos de pagamento de portagens, parques de estacionamento e abastecimento de combustível;
Uma cópia de pedido de informação relativo à apreensão de 150.000,00€, dirigido a BB;
Um bilhete de avião e talões, de uma viagem entre Lisboa e Madrid, em nome de BB;
Recibos da operadora Vodafone, relativos ao carregamento do cartão de telemóvel com o nº 90000000;
Um talão da CGD, com manuscritos relativos a pagamentos e levantamento de quantias monetárias;
Diversos talões de depósitos em numerário e por cheque, de diversas entidades bancárias;
Um talão de transferência de valores pela Western Union;
Diversos cartões de alojamento e hotéis em Espanha;
Duas facturas de estadias em hotéis.
85. No mesmo dia, ao arguido BB, foi apreendida uma viatura da marca Chrysler, modelo Stratus Cabrio 2.0, com a matrícula 00-00-LO, no valor de 14.581,00€ (catorze mil, quinhentos e oitenta e um euros), bem como os seguintes documentos, que se encontravam no seu interior:
Uma declaração de venda da viatura, em nome de MM;
Um comprovativo, fax, do seguro da viatura, em nome de BB;
Uma carta verde da viatura;
Duas facturas referentes a uma estadia no Gran Hotel “Conde Duque”, em Madrid, em nome do arguido BB;
86. No mesmo dia, na residência de MP, sita na Rua Cidade ..., nº 00, 1º esqº, em Lisboa, foram apreendidos:
Um telemóvel da marca Siemens, com o cartão da operadora Vodafone nº 9100000;
Um telemóvel da marca Nokia, com o cartão da operadora Vodafone nº 9100000;
Um telemóvel da marca Sony Ericsson, com o cartão da operadora TMN nº 9600000 e PIN 0000, com máquina fotográfica e agenda electrónica;
Um cartão de segurança da operadora TMN, referente ao nº 90000000;
Um cartão vitamina da operadora Vodafone, com o nº 9000000;
Um cartão de telemóvel da operadora Vodafone e relativo ao nº 90000000;
Um caderno A5 quadriculado, com informação sobre o avião Cessna Citation X CS-DCT e informação sobre o voo de 22 de Outubro de 2004;
87. No dia 8 de Novembro de 2004, em Lisboa, a VM, filho de MM, a viatura da marca BMW 320 D Touring, com a matrícula 00-00-XA, no valor de 20.382,00€ (vinte mil, trezentos e oitenta e dois euros), bem como a seguinte documentação, existente no seu interior:
Uma declaração de venda do veículo, emitida pela firma Cartronic a favor de VM;
Uma declaração de imposto sobre veículos;
Um documento de inspecção periódica;
88. No dia 29 de Novembro de 2004, a RM, a viatura da marca Opel, modelo Astra 1.7 DTI, com a matrícula 00-00-QN, no valor de 13.715,00€ (treze mil, setecentos e quinze euros) bem como a respectiva documentação, que se encontrava no seu interior:
Livrete;
Título de Registo de Propriedade a favor de RM;
Certificado de Inspecção Técnica Periódica da viatura;
89. No dia 11 de Março de 2005, ao arguido JP, na sua residência, sita na Rua ..., nº 000, em Vista Alegre – Évora, foi apreendido:
Um suporte de chip de telemóvel usado numa viagem ao Brasil;
Notas do Banco Central Europeu, no montante de 5.350,00€ (cinco mil trezentos e cinquenta euros);
Telemóvel da marca Nokia 3100, com o Imei 000000000000000, tendo instalado o cartão da operadora TMN, com o número 96000000, ao qual corresponde o PIN 00000.
90. As viaturas Chrysler, modelo Voyager com a matrícula 00-00-OZ, e modelo Stratus Cabrio 2.0, com a matrícula 00-00-LO foram adquiridas com vista a servirem, como serviram, no transporte de passageiros e bagagens relativas à viagem de transporte de cocaína desde a Venezuela até Portugal;
91. O arguido BB, logo que regressou do serviço militar, foi convidado por MM para trabalhar numa loja/oficina/armazém de velharias e restauro, sita nas ilhas de Arraiolos;
92. No exercício da sua actividade profissional, era o arguido que, trabalhando na oficina, procedia ao transporte das velharias por todo o país;
93. Tal actividade prolongou-se até à sua detenção, pese embora ultimamente desempenhasse unicamente a actividade de motorista exclusivo de MM, família e amigos desta;
94. Essa actividade não era permanente, havendo dias em que não prestando serviço àquela, ficando então no Monte das Bardeiras onde residia com os seus pais, a cerca de 2 km do monte de MM;
95. Vezes houve que, em algumas dessas deslocações, deixava MM nos locais por ela escolhidos e regressava à sua casa em Arraiolos;
96. Outras, porém, ficava no local onde a conduzia, marcando-lhe esta as horas a que devia ir buscá-la;
97. Nos contactos com pessoas e alugueres de viaturas, o arguido BB seguiu ordens que lhe foram dadas por MM;
98. O arguido é pessoa jovem, educado, calmo, respeitado e respeitador, com bom comportamento, e é assim conhecido no meio social que frequenta;
99. Tem como habilitações literárias o 11º ano incompleto;
100. Aceitou que MM usasse a sua conta bancária para ali depositar algumas importâncias, porque esta lho pediu;
101. Os arguidos AA e BB decidiram, juntamente com outros indivíduos, assegurar a obtenção e o transporte de duzentos e noventa e oito quilogramas de cocaína, nos termos atrás referidos, sabendo da natureza e quantidade desse produto, agindo sempre de forma deliberada, livre e conscientemente, em execução conjunta dessa decisão e com vista a atingirem, com a reunião dos contributos de todos, esse propósito;
102. Agiram motivados pela vontade de obterem proventos patrimoniais com tal actividade;
103. Sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas por lei;
Em função da necessidade de determinação de sanção, encontram-se provados os seguintes factos (artº 369º do CPP):
104. A arguida AA cresceu num contexto familiar equilibrado, tendo o seu progenitor falecido quando tinha 10 anos de idade;
105. Então, o seu processo educativo foi sobretudo assegurado pela mãe, com apoio dos irmãos mais velhos;
106. Iniciou actividade profissional na adolescência, primeiro desempenhando tarefas indiferenciadas por conta de outrem;
107. Posteriormente, exerceu actividade por conta própria, tendo aberto duas lojas, a primeira das quais ligada à realização de produtos manufacturados e outra na área da reparação de motas e comercialização de automóveis;
108. Separou-se do cônjuge cerca de dois anos antes de detida;
109. Antes de detida, residia com os filhos e netos em habitação própria;
110. O arguido BB é oriundo de uma família estruturada em termos relacionais, bem integrada no seu meio sócio-habitacional e detentora de uma situação económica modesta, decorrente da actividade agrícola desenvolvida pelos progenitores;
111. O arguido beneficiou no seio do seu sistema familiar de incentivos para a aquisição de habilitações escolares que lhe permitissem o exercício de uma profissão mais diferenciada da dos seus progenitores;
112. Frequentou o 11º ano da escolaridade mas abandonou a escola aos 18 anos de idade, para cumprimento do serviço militar obrigatório;
113. Terminado esse serviço militar, o arguido regressou em 1998 à sua zona de origem e começou a trabalhar como motorista;
114. O arguido integrava agregado composto pelos pais e irmão mais novo;
115. A família reside em habitação rural de sua propriedade;
116. O pai exerce as funções de cantoneiro na Câmara Municipal de Arraiolos, em regime de contrato a seis meses, auferindo 375,00€ (trezentos e setenta e cinco euros) mensais;
117. A mãe é trabalhadora rural, auferindo cerca de 400,00€ (quatrocentos euros) mensais;
118. A estes proventos acrescem aqueles derivados de agricultura de subsistência e criação de ovinos;
119. O arguido auferia 500,00€ (quinhentos euros) mensais;
120. O arguido BB apresenta personalidade introversiva, tendencialmente passiva, ansiosa, inibida e imatura, revelando algumas dificuldades de adaptação, trauma no sector afectivo e certos traços neuróticos;
121. Apresenta capacidade de atenção e reacções rápidas, podendo reagir ora impulsivamente, ora de maneira tímida e cautelosa;
122. É sociável e possui recursos de auto-controle e capacidade crítica;
123. Mantinha estilo de vida reservado, passando os seus tempos de lazer no ambiente familiar;
124. No EP em que se encontra frequenta a escola, com o objectivo de completar o 3º ciclo;
125. A arguida AA foi detida por tráfico de estupefacientes no seu país natal em 25/11/89, 14/06/90 e 08/10/93; Não regista condenações;
126. O arguido BB não regista condenações.

***

Recurso da Arguida AA

I - Falta de Fundamentação

Alega a arguida AA que o acórdão impugnado enferma de falta de fundamentação por na motivação não terem sido indicados os meios ou elementos de prova na base dos quais se considerou provada a sua participação nos factos, designadamente a sua função de elo de ligação ou intermediária entre os alegados produtores de cocaína que se encontravam na Venezuela, o seu forte domínio e controlo sobre a alegada “missão” de transporte daquela substância e os contactos por si estabelecidos na Venezuela com as pessoas que procederam ao acondicionamento da cocaína em doze malas - (17).

Certo é que a falta de fundamentação inquina o acórdão de nulidade – artigo 379º, n.º 1, alínea a).

É do seguinte teor a fundamentação do acórdão impugnado no que tange à motivação dos factos provados atinentes à arguida AA:

«IV. Fundamentação da convicção do Tribunal

Cumpre, em obediência ao disposto no artº 374º nº2 do C.P.P, indicar as provas (fontes de prova) que serviram para fundar a convicção do Tribunal.

O entendimento do S.T.J. sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e indicação crítica das provas (fontes de prova) que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum. Como se escreveu no Ac. do STJ de 20/04/2006, proferido no processo 06P363, igualmente com intervenção de Tribunal de Júri, a fundamentação constitui a pedra-de-toque de qualquer decisão e é uma das vertentes fundamentais do «compromisso» democrático do órgão de soberania «Tribunais» com o Povo, para além de decorrência do princípio do Estado de Direito Democrático (aresto disponível em www.dgsi.pt).

Assim, tendo presente a matriz da livre apreciação probatória (artº 127º do C.Penal) o Tribunal de Júri passa a indicar os meios de prova mais relevantes para a formação da convicção do Tribunal, não só pelo seu valor individual mas também pela concatenação geral de todos.

*

Da rede internacional e organizada de tráfico de estupefacientes

O primeiro conjunto de factos prende-se com a existência de “uma rede internacional e organizada de indivíduos”, integrada, entre outros, pelos arguidos AA, BB e JP, ou seja, com o desenho de uma organização criminosa, vista na perspectiva da responsabilidade criminal imputada a esses três arguidos.

Os três arguidos rejeitaram a imputada integração de organização criminosa.

Ora, as provas produzidas e examinadas em audiência, seja os meios de prova pessoais, seja tomando os elementos documentais, não permitem, na avaliação do Tribunal de Júri, afirmar mais do que o acordo pontual e único de transporte da cocaína apreendida na Venezuela por parte dos dois primeiros arguidos.

… *

Afastada a prova dessa matéria, cumpre apreciar as condutas desenvolvidas na acusação/pronúncia, mormente as várias viagens aéreas individualizadas e as concretas actuações dos arguidos aqui em julgamento.

… *

Passemos agora aos factos relativos à preparação próxima da viagem de 22 de Outubro de 2004 e, desde já, à actuação relativa à arguida AA.

Diz a acusação/pronúncia que essa arguida tinha como missão “assegurar todos os contactos necessários na Venezuela”, o que, apreciada criticamente a prova, encontrou correspondência na convicção do Tribunal de Júri.

A leitura das conversas que constam do apenso 11 e a sua conjugação com o depoimento de MI demonstra que as negociações desenvolvidas com a Masterjet eram comunicadas por MP a MM e por esta a AV. E, diversas vezes, surge menção de uma passageira oriunda de Espanha, com papel nuclear na viagem.

Vejamos:

Na conversa de 19/10/2004 (fls. 34 do apenso 11), mantida entre MM e VC, discutem-se claramente preparativos da viagem. Surge a menção de MM «Tu ficas com uma parte e eu com a outra» mas também “A não ser que ele não tenha o passaporte e que tenhamos que a levar a ela”; “Pois aí, nessa altura, pois vai ela»; «Eu vou já telefonar para ele a perguntar se já tem o passaporte, se ele já tem o passaporte»; «Se ele não tiver, vai ela agora e…»; «vau ele outra vez…»; «vai ele prá outra semana! Tá bem»; «E prá semana há mais».

Sobre a identidade do «ele» e também da «ela» referidos na conversa, surge revelação na conversa mantida mais tarde nesse mesmo dia 19/10 (fls. 40 do apenso 11), entre AV e MM. Trata-se de senhora em relação à qual aquele havia enviado «papelito», o que se conexiona com o reconhecimento pela arguida AA de que fotocópia do seu passaporte fora enviada ao gabinete de advogado em Madrid, com vista a responder a solicitação de MM. Acresce menção de que seria BB a ir buscá-la, o que aconteceu efectivamente, como reconheceram os arguidos BB e AA.

A conversa seguinte, minutos depois, foi mantida entre MM e MP, confirma essa indicação (fls. 42 do apenso 11). Relata MM «Ora bem é que o outro disse-me para ir buscar a senhora, para mandar ir buscar amanhã, mas eu estava-lhe a dizer provavelmente é melhor passar a pensar nisso… ele já mandou o passaporte dela, lá para o escritório e amanhã vai lá ter o doutra que vai». No dia seguinte de manhã, ocorre novo contacto entre MM e AV, onde a primeira alerta para que era necessário bilhete de identidade espanhol, o que significa que essa era a nacionalidade da «senhora» a que aludiu (fls. 45 do apenso 11).

À tarde, pelas 18:05 h., MM e MP discutem os detalhes do voo, mormente o aeroporto de chegada e o percurso, referindo-se a primeira ao que estava previsto acontecer com a mesma «senhora». Pergunta MP «E onde fica a senhora? Fica em Caracas?», com a resposta «Caracas». Insiste, dizendo «Portanto, uma pessoa fica em Caracas» com a confirmação «É, a espanhola» (fls. 55 e 56).

A conversa mais reveladora ocorre pelas 18:23h, ainda no dia 20/10, e decorre entre MM e MP. Nela, MM indica a pressão sentida para efectuar a viagem - «Para não estarmos parados, porque isto parado é que não se faz nada» - e refere que a circunstância da passageira espanhola ficar em Caracas não era acaso. Diz «Eu pedi autorização acima e disseram “Então prontos, não há, não há, vai o Dez e acabou”. Percebe, porque a mulher interessa que lá fique» e «ela vai lá adiantando as reuniões e eu volto depois». A alusão a «Dez» respeita claramente ao Citation X e à indisponibilidade do Falcon e o «» corresponde, sem margem para dúvidas, à Venezuela (fls. 60 do apenso 11).

Mais tarde, MM e AV voltam a falar, deixando claro que a razão de AA seguir como passageira não se encontrava em qualquer ligação ou amizade com MM mas sim a ligação com AV. Isso mesmo é enfatizado por aquela quando diz que seguiam «A tua amiga espanhola, a tua amiga portuguesa …», compreendendo-se que aludia a ela própria, e ainda «duas amigas minhas». E, na sequência da conversa diz «É que … estão todas juntas, só a que tu mandas daí é que é casada» (fls. 70 do apenso 11).

Ainda, pela voz das mesmas pessoas (fls. 74 do apenso 11), chega a confirmação do nome – AA – anotando-se o lapso da transcrição fonética, sem margem para dúvidas, pois é referida a data de nascimento (2/2/1961).

A última conversa desse apenso 11 ocorre já no dia 21/10/2004, com início às 19:27h. (fls. 86 do apenso 11) e nela surge nova alusão de MM de que AA era primacialmente amiga de AV - «Estou com a tua amiga» - a que se segue conversa entre a arguida AA e AV, com a pergunta «Já falaste com o rapazote?» e alusão a que estava inquieto - «o pobre homem já está a arrancar os cabelos da cabeça», menção que encontra explicação óbvia nos sucessivos atrasos. Então, a forma tranquila como AA responde «Sim, liga-lhe e dentro de um pouco ligo-te eu, que agora vamos jantar», demonstra forte domínio e controlo sobre a componente da «missão», como fora apelidada por MP, relativa à recolha da cocaína.

Ora, esta sequência de conversas contrasta flagrantemente com o referido em audiência pela arguida AA, de forma não credível.

A arguida começou por escolher não prestar declarações, posição que alterou no decurso do julgamento, acabando por prestar declarações quando já haviam sido ouvidos BB e JP.

Convidada a explicar a razão porque viajara, indicou que o fizera a convite de MM, de quem era amiga, pois conhecera-a seis anos antes em Benidorn.

Ora, mesmo sem recurso à prova resultante das transcrições, essa explicação surge falha de sentido, pois não se vê que MM convidasse alguém que conhecia sem grande profundidade para uma viagem transcontinental, nem se pode acreditar que AA tivesse aderido a tal proposta, afinal reduzida a poucos dias de permanência, apenas porque passava por período difícil após a separação do marido.

Depois, a arguida revelou oscilações significativas, em particular quando mencionado AV . Começou por dizer que não o conhecia e que não tinha qualquer relação profissional ou pessoal com a Venezuela ou a Colômbia para de seguida reconhecer que tinha pessoa amiga na Colômbia, em Bogotá. Confrontada com a alusão aos seus dados pessoais por parte de AV, disse que enviou fotocópia dos seus documentos a um advogado de Madrid indicado por MM, como já se disse, sem conseguir esclarecer porquê, pois a lógica seria que enviasse essa fotocópia directamente a MM.

Porém, o momento mais impressivo, na perspectiva da avaliação dos factores de credibilidade não verbais, surgiu na altura em que foi reproduzido em audiência o registo áudio de toda a conversa de fls. 86 do Apenso 11, altura em que a compostura que procurou manter foi quebrada. Apenas conseguiu dizer que a voz não era a sua, pese embora tivesse dito que esteve sempre com MM na zona da Expo e que provavelmente estava junto dela pelas 19:30h.

Aliás, esse encontro e movimentação ocorrida na noite do dia 21/10/2004 resulta com clareza dos depoimentos de AP e AM, inspectores da PJ em acção de vigilância no local, em termos que corresponderam ao aceite pelos arguidos BB e AA.

Na avaliação do Tribunal de Júri, o confronto da voz em audiência da arguida AA com o registo da gravação da conversa aludida não deixou qualquer margem para dúvida de que se trata da mesma pessoa.

Essa contradição flagrante e os elementos probatórios aludidos, conjugados com outros, adiante referidos, relativos ao comportamento da arguida na Venezuela, fundaram a convicção do Tribunal de Júri relativamente ao conhecimento de que estava a executar actividade relativa ao transporte de cocaína e quanto à função específica que desempenhou.

Não existem dúvidas sobre a identidade dos passageiros e da tripulação, o que das declarações da arguida AA, do piloto AC e das fotos de 388 a 393. A intervenção no transporte para o aeroporto de MP e do arguido BB encontra demonstração a fls. 397.

Por outro lado, sobre a apreensão de cocaína na Venezuela e aos factos que interessam a estes autos, atendeu o Tribunal de Júri à conjugação de meios de prova pessoal – arguida AA e testemunha AC – com a prova de natureza pericial constante da rogatória expedida à Justiça da Venezuela e ainda com a prova documental constante das transcrições telefónicas.

Com efeito, a quantidade e qualidade do produto apreendido no interior das malas representadas na fotografia de fls. 793, com determinação do grau de pureza, resulta do exame de fls. 2199. A descrição completa das malas e do seu conteúdo encontra-se a fls. 84 do apenso 11A.

Por outro lado, e como já se referiu, as conversas telefónicas ocorridas durante a permanência na Venezuela, confirmam os elementos que referiam AA como destinada a efectuar os contactos com os elementos que iriam levar o estupefaciente até ao avião.

AC referiu que MM mencionou que iam buscar malas com dólares e que ficou alerta relativamente a esse propósito, pois a companhia não tinha autorização para transporte de valores, carecendo de manifesto da alfândega. Releva igualmente a troca de mensagens de fls. 1481 e 1482.

Esse comportamento encontra ligação com a conversa de fls. 3 do apenso 6, que, por sua vez, encontra relação com a alusão a «ela vai adiantando as reuniões», supra indicada. Os interlocutores foram MM e AV. Pergunta este «Vocês já falaram com o amigo dela?» e, perante resposta negativa, observa «Mas ela falou com o marido…». Segue-se diálogo relativo a possível confusão com a matrícula do Cessna, em que surgem referências ao arguido BB e MM pergunta-lhe se tem algum amigo «perito em papéis», capaz de satisfazer o comandante «que gosta muito de papéis». Em resposta, AV remete-a para AA, dizendo «Olha…olha, diz à senhora que está contigo… que fale com ele, que está a falar com ela, e que ele te resolve qualquer coisa que necessites aí certo?».

Segue-se nova conversa entre MM e AV, em que aquela refere ter contactado um rapaz e aludem à arguida AA. Pergunta AV «Ela fica, não é?” e responde MM «Não, ela diz que volta comigo», ao que aquele exclama «Pfff … eu não gostaria disso». A conversa culmina com alusão ao «marido» de AA, o qual seria incumbido de assegurar a permanência na Venezuela, o que, como já havia referido noutra conversa, era considerado vantajoso por MM (cfr. conversa de fls. 60 do apenso 11). E, de facto, AA decidiu permanecer na Venezuela, como admitiu em julgamento, sem lograr apresentar justificação minimamente coerente.

Na avaliação do Tribunal, não faz sentido que quem vem de Espanha para viajar até à Venezuela em avião executivo, com o alegado propósito de descontrair por poucos dias, sinta desconfiança pelo regresso ter sido antecipado, decidindo então, como não conhecia ninguém na Venezuela, prosseguir até à Colômbia de autocarro.

É certo que a arguida apresentou como justificação não ter dinheiro para a viagem de regresso de avião mas essa explicação não pode colher, perante a óbvia possibilidade de transferência de dinheiro de Espanha para a Colômbia ou mesmo a aquisição da passagem de avião em Espanha, bastando a comunicação dos seus elementos para o balcão local da companhia aérea local. Aliás, confrontada com a possibilidade de transferência de dinheiro, referiu que o pai das filhas – nascido na Colômbia, como resulta de fls. 2572 – acabou por fazê-lo quando estava em Bogotá.

Mas, a falência dessa versão resulta evidente, novamente no confronto com os telefonemas que precederam a detecção policial.

Em audiência, AC referiu a colocação na bagageira do avião, ao ponto de impedirem o fecho da porta, de várias malas, numa altura em que os passageiros não tinham ainda chegado à sala de embarque. Disse ter retirado as malas da bagageira e recordou conversa a esse propósito com MM, no decurso da qual esta fez telefonema.

Trata-se claramente da conversa constante de fls. 9 do apenso 6.

Nela diz MM, dirigindo-se a AV «Oi, há aqui uma confusão, nem te digo nem te conto. É que meteram doze malas dentro da bagageira e o comandante não estava no avião e eles meteram tudo sem autorização do avião…do…do comandante. Agora o comandante do avião está furioso, pôs as malas no chão…está aqui uma confusão, que nem te digo. Ainda ficamos todos presos aqui». A resposta de AV foi remeter a solução para a “Rubia”.

A arguida AA negou ser tratada por essa forma mas não ficam dúvidas que a alusão versava a sua pessoa. Não só a arguido tem cabelo claro, consentindo o tratamento de «Rubia» como a conversa envolve a indicação de que estava no hotel, o que significa que era pessoa cujo paradeiro era conhecido por MM, a mesma que antes revelara saber que a arguido AA estava num Shopping a fazer compras.

Observe-se que o mesmo receio de virem a serem detidos encontra-se na conversa de fls. 3 do apenso 10, mantida entre MM e MP.

Dos factos pessoais relativos à arguida AA

Na indicação dos factos pessoais relativos à arguida, foi ponderado o referido pela própria, os documentos de fls. 2568 e segs e o relatório social de fls. 3322».

*

Ora, da leitura do trecho acabado de transcrever, ao contrário do alegado pela arguida AA, constata-se que o tribunal recorrido fez rigorosa e pormenorizada indicação dos meios e elementos de prova que serviram para formar a sua convicção relativamente aos factos que considerou provados atinentes ao comportamento assumido por aquela arguida, para além de que explanou as razões pelas quais valorou aqueles meios e elementos de prova e os considerou relevantes.

Não enferma pois o acórdão da arguida falta de fundamentação.

*

II - Apreciação da Prova com Violação do Critério Legal

Entende a arguida AA que o tribunal recorrido não apreciou a prova de acordo com o critério legal consignado no artigo 127º, concretamente, segundo as regras da experiência, sob a alegação de que a convicção do tribunal se formou apesar da ausência de prova clara, concreta, objectiva e efectiva quanto à participação da ora recorrente - (18).

Saber se entre a convicção do tribunal e a prova produzida existe ou não correspondência, implica necessariamente sindicar aquela, ou seja, reapreciar a prova.

Como já atrás se deixou consignado, os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça circunscrevem-se ao reexame da matéria de direito.

Não pode pois este Supremo Tribunal averiguar, conforme pretende a arguida, se o tribunal recorrido na sua actividade de apreciação da prova violou ou não o princípio geral de apreciação da prova consignado no artigo 127º, mais concretamente, se a sua convicção relativamente à participação da arguida nos factos se formou sem prova, com prova insuficiente, ou se esta foi apreciada pelo tribunal contra as regras da experiência.

*

III - Insuficiência para a Decisão da Matéria de Facto Provada

Entende a arguida AA que o acórdão impugnado enferma do vício previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410º, para tanto invocando no corpo da motivação que a matéria considerada provada é insuficiente para se considerar haver cometido o crime de tráfico de estupefacientes, visto que daquela matéria não se pode concluir que sabia o verdadeiro motivo da viagem aérea à Venezuela.

Examinando a decisão proferida sobre a matéria de facto, constatamos que ali se considerou provado (n.ºs 65 a 77 dos factos provados) que:

A arguida AA, de forma deliberada, livre e consciente, acordou em assegurar todos os contactos necessários na Venezuela, com vista a que, no Aeroporto Simão Bolívar, em Maiquetia, fossem introduzidos duzentos e noventa e oito quilogramas de cocaína no avião utilizado na viagem e por isso seguia nesse voo;

Sempre no desenvolvimento desse propósito comum, ao arguido BB foi transmitida, pela arguida MM, ordem para se deslocar a Madrid-Espanha e dali trazer consigo, para Lisboa, a arguida AA, sabendo o arguido da tarefa de que aquela estava incumbida;

O arguido BB efectuou essa viagem no dia 21 de Outubro, com a viatura de marca Chrysler Voyager, com a matrícula 00-00-OZ;

Cerca das 16h30 desse dia, já de regresso de Espanha, com a arguida AA, o arguido BB, depois de ter recolhido VC bem como MO, em Arraiolos, dirigiu-se a Setúbal, onde recolheu MM, cerca das 17h30, após o que seguiram para Lisboa;

Na mesma noite, mas já no dia seguinte – 22/10 –, pelas 01h15, saíram todos do hotel Tivoli Tejo, em direcção ao Aeroporto da Portela, transportando-se MP na sua viatura Audi A4, com a matrícula 00-00-LG, juntamente com MV, enquanto o arguido BB transportou MM e MO, na viatura Chrysler Voyager;

O arguido BB acompanhou as quatro passageiras até ao último ponto de controlo do Aeroporto, antes delas embarcarem no voo que as levaria à Venezuela;

Assim, no voo nº CSDCT-132-1-1 e no jacto Cessna Citation X, de matrícula CS DCT, pelas 02h00 do dia 22/10, seguiram, como passageiros, as arguidas MM e AA bem como VC e MO;

A tripulação era constituída por elementos da firma Masterjet, empresa esta ligada à companhia Airluxor, designadamente por AC, piloto e Comandante de Voo, LS, co-piloto, e CR, assistente de bordo;

A arguida AA, após a chegada à Venezuela, procedeu a contactos com indivíduos não identificados naquele país, os quais procederam ao acondicionamento de 298 quilogramas de cocaína em 12 malas;

Por razões de segurança, foi decidido que AA não regressaria no mesmo avião onde deveria ser transportada a cocaína;

Pelas 01h30 do dia 23/10, hora local, em conformidade com o plano estabelecido entre a arguida AA e indivíduos de identidade não apurada, as malas contendo cocaína foram transportadas até à interior da zona aeroportuária e ao avião Cessna Citation X, sendo colocadas na bagageira do mesmo;

Uma vez que não permitiam o fecho da bagageira, o Comandante AC e o piloto LS retiraram as malas da bagageira e colocaram-nas na pista, tendo o primeiro chamado o representante da Alfândega;

Subsequentemente, as malas foram abertas e apreendidas pela Guarda Nacional da Venezuela, sendo retiradas do seu interior 300 (trezentas) embalagens, contendo 298 (duzentos e noventa e oito) quilogramas de cocaína (cloridrato), com 91,86% de pureza.

Ora, tais factos dão-nos a conhecer com total clareza que a arguida AA, não só tinha conhecimento do verdadeiro motivo da viagem aérea à Venezuela, mas também que participou, directa e activamente, no plano relativo ao transporte para Portugal da cocaína, tendo executado vários actos para concretização desse concerto criminoso, sendo ela que procedeu na Venezuela aos contactos necessários ao embarque da cocaína, embarque que se veio a materializar, tendo em vista o seu posterior transporte aéreo.

Não enferma pois o acórdão recorrido do vício arguido.

*

IV - Medida da Pena

Finalmente, entende a arguida AA que a pena aplicada deve ser reduzida para o mínimo legal, invocando que a finalidade daquela não é retributiva, antes meramente preventiva, sendo que são reduzidas as necessidades de pena, atentas as suas condições pessoais, designadamente a sua primariedade, a sua modesta condição social e a sua situação familiar, vivendo sozinha com dois filhos ainda menores, bem como com os netos, sendo ela o único meio de subsistência do respectivo agregado, porquanto se encontra separada do cônjuge.

Como este Supremo Tribunal vem entendendo em matéria de determinação da medida da pena - (22), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

No caso vertente estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes cujo grau de ilicitude se situa em patamar elevado, atenta a quantidade e a qualidade do produto – 298 quilogramas de cocaína, com 91,86% de pureza –, os meios utilizados, a modalidade e as circunstâncias da acção –, transporte aéreo da Venezuela para Portugal, com destino à comercialização, tendo em vista, obviamente, a obtenção de lucro -(20)o..

O dolo é directo.

A arguida AA cresceu em contexto familiar equilibrado, tendo o pai falecido quando tinha dez anos de idade.

O seu processo educativo foi assegurado sobretudo pela mãe, com o apoio dos irmãos mais velhos.

Iniciou actividade profissional na adolescência, primeiro desempenhando tarefas indiferenciadas por conta de outrem, posteriormente por conta própria, tendo aberto dois estabelecimentos, um ligado à realização de produtos manufacturados, o outro na área de reparação de motas e comercialização de automóveis.

Separou-se do cônjuge cerca de dois anos antes da sua detenção, sendo à data desta residia com os filhos e netos em habitação própria.

Conquanto haja sido detida em Espanha três vezes, por tráfico de estupefacientes, nunca foi objecto de condenação.

Em matéria de prevenção é manifesta a necessidade de prevenir o tráfico de estupefacientes, consabido haver ocorrido um significativo aumento da criminalidade, visível nas múltiplas e consideráveis quantidades de estupefacientes apreendidas, e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade, conduzindo a que parte significativa da população prisional cumpra pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico de estupefacientes. Com efeito, no final do ano de 2005, o tráfico de estupefacientes era a principal causa de condenação em pena detentiva, com 2592 condenações -(21).

Tudo ponderado, sem esquecer a concreta comparticipação da arguida no plano criminoso, tendo em vista o facto de aquela ser primária e de a cocaína não ter chegado a entrar no circuito comercial, entende-se reduzir a pena para 7 anos e 6 meses de prisão.

***

Recurso do arguido BB

I - Falta de Notificação de Relatório de Exame

Alega o arguido BB não ter sido notificado da junção aos autos de relatório de exame por si requerido, mais concretamente de exame psicológico, o que, a seu ver, constitui uma nulidade insanável, impedindo o tribunal recorrido de o utilizar, como fez, fundamentando factos que considerou provados atinentes à sua personalidade.
Primeira observação a fazer é a de que não tem sentido pretender impedir o tribunal de utilizar relatório de exame psicológico, ademais requerido pelo próprio arguido, com o fundamento de que se não foi notificado da sua junção ao processo, quando é certo que tal relatório foi realizado ainda antes da dedução da acusação, dele tendo o arguido conhecimento, pelo menos, desde que daquela foi notificado (19).
Segunda observação a fazer é a de que a falta de notificação ao arguido da junção ao processo do relatório em causa poderia, quando muito, constituir mera irregularidade, a qual por só agora arguida, no recurso da decisão final, se terá de considerar sanada – artigo 123º, n.º 1.
Improcede pois o recurso nesta parte.
II - Ilegal Valoração de Provas
Alega o arguido BB que o tribunal do júri baseou a sua convicção e motivou a decisão proferida sobre a matéria de facto, concretamente na parte atinente aos factos provados, em provas de valoração proibida ou em provas que ilegalmente valorou, visto que se fundamentou nas declarações por si prestadas perante o juiz de instrução criminal, quando é certo a tal se opôs, declarações que, em qualquer caso, não poderiam basear a convicção do tribunal, visto que se encontram em contradição com as declarações que prestou na audiência, contradição que deveria ter sido resolvida a seu favor, face ao princípio in dubio pro reo, com escolha pelo tribunal da versão dos factos mais favorável à sua pessoa, para além de que valorou conversas constantes das intercepções telefónicas respeitantes a pessoas que não estiveram na audiência, uma delas já falecida, o que impediu o exercício do direito ao contraditório, com violação dos princípios da presunção de inocência e da igualdade.
Começando por apreciar a questão concernente à valoração das declarações prestadas pelo arguido BB perante o juiz de instrução criminal, dir-se-á que a lei adjectiva penal no artigo 355º, n.º 2, admite a valoração de provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos 356º e 357º.
Certo é que a alínea b) do n.º 1 do artigo 357º declara ser permitida a leitura na audiência de declarações do arguido quando, tendo sido feitas perante o juiz, houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo.
No caso vertente constata-se do exame da acta de fls.3673, relativa à audiência ocorrida no dia 11 de Agosto de 2006, ter sido ordenada pelo tribunal, ao abrigo daquele preceito, a leitura das declarações prestadas pelo arguido BB perante o juiz de instrução de criminal.
Deste modo, ao contrário do alegado pelo arguido, não se verifica proibição de valoração no que tange às declarações por si prestadas perante o juiz de instrução, declarações que, obviamente, são livremente valoradas pelo tribunal, no sentido de que o tribunal fica livre para atribuir credibilidade às declarações que entender, ou seja, às prestadas em audiência ou às anteriormente prestadas - (23).
Passando à apreciação da questão atinente à valoração do conteúdo de algumas das intercepções telefónicas, valoração que o arguido BB entende ser proibida pelo facto de as pessoas escutadas não haverem estado presentes na audiência, uma delas por impossibilidade decorrente de falecimento, dir-se-á que, mostrando-se aquele meio de prova válido, como sucede no caso das intercepções telefónicas efectuadas no processo, nada impede a sua valoração, designadamente em conjunto com outros meios de prova.
A escuta, sendo legalmente permitida e validamente efectuada, é um meio de prova autónomo apto a provar o conteúdo da própria conversação interceptada e registada
- (24) e, por isso mesmo, pode e deve ser valorada independentemente do confronto das pessoas escutadas com aquilo que disseram e foi registado, a menos que haja dúvida sobre a sua genuinidade ou fidelidade, designadamente se a defesa suscitar a questão da falsidade, o que no caso dos autos não se verifica
- (25) De outra forma, seria um meio de prova desprovido de qualquer interesse e utilidade, designadamente nos casos como o dos autos em que a presença em audiência das pessoas escutadas se mostrasse inviável, por falecimento ou outro motivo irremovível.
Do que fica exposto é evidente que não se mostra violado qualquer princípio de matriz constitucional.
*
III – Insuficiência para a Decisão da Matéria de Facto Provada e Contradição Insanável da Fundamentação
Alega o arguido que o acórdão impugnado enferma dos supra referidos vícios, com o fundamento de que apenas retirou do relatório do exame psicológico a que foi submetido os aspectos menos bons ou mais desfavoráveis da sua personalidade, ignorando a sua formação, postura, modo de actuação e comportamento, para além de que considerou que todos os factos por si perpetrados decorreram de ordens que lhe foram dirigidas por MM, por decorrência de subordinação laboral, asserção que, conjugada com o teor do relatório social constante dos autos, implicaria fossem considerados provados os factos que alegou nos artigos 47, 48 49 e 62 da contestação e os constantes das alíneas r) e u) dos factos considerados não provados.
Como é sabido, os vícios previstos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 410º, conforme resulta da letra da lei - (26, terão de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, ou seja, com exclusão de consulta e exame de quaisquer outros elementos do processo
- (27) .
Sendo certo que a arguição apresentada pelo arguido BB vem fundamentada no teor de dois documentos constantes dos autos, relatório de exame psicológico e relatório social, é manifesta a improcedência do recurso nesta parte, improcedência que também decorre do facto de o acórdão se mostrar, no seu todo, isento de qualquer um dos vícios em causa.
*
IV – Medida da Pena

Sob a alegação de que o tribunal recorrido não considerou na fixação da medida da pena o grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram o crime, os sentimentos manifestados ao cometê-lo, o ter agido sob ascendente de pessoa de quem dependia ou a quem devia obediência, a sua personalidade, condições pessoais e conduta anterior, com ausência de antecedentes criminais, entende, face às concretas necessidades de prevenção, ser manifestamente desproporcionada a pena que lhe foi aplicada, devendo aquela ser especialmente atenuada, sendo fixada em 3 anos e 6 meses de prisão.

Como já se deixou consignado, a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 -(28).
Conforme decorre da decisão proferida sobre a matéria de facto o arguido BB, em conjugação de vontades e esforços com outros, participou activamente em plano que visava a obtenção e o transporte da Venezuela para Portugal de 298 quilogramas de cocaína, cocaína que acabou por ser apreendida pelas autoridades venezuelanas, após haver sido colocada no interior de aeronave alugada para esse efeito.
Comportou-se de forma livre e consciente, sabedor da natureza do referido produto, motivado pela vontade de obtenção de lucro, sabendo que a sua conduta era proibida e punida.
Agiu de algum modo sob a supervisão de MM de quem era pessoa de confiança e com a qual manteve, desde a adolescência, uma relação de afecto, sendo seu motorista particular, para além de que, a convite daquela, desde que regressou do serviço militar, trabalhou numa loja/oficina de velharias e restauro, sita em Arraiolos.
É oriundo de uma família estruturada e bem integrada no seu meio sócio-habitacional, conquanto modesta.
Frequentou o 11º ano da escolaridade, tendo abandonado a escola aos 18 anos de idade para cumprimento de serviço militar obrigatório.
Apresenta uma personalidade introvertida, tendencialmente passiva, ansiosa, inibida e imatura, revelando algumas dificuldades de adaptação, trauma no sector afectivo e certos traços neuróticos.
É sociável e possui recursos de auto-controlo e capacidade crítica.
À data da sua detenção integrava agregado familiar composto pelos pais e irmão mais novo, vivendo em habitação rural própria, onde passava os seus tempos de lazer; mantinha um estilo de vida reservado.
Auferia uma remuneração mensal de € 500.
Em reclusão frequenta a escola, com o objectivo de completar o 3º ciclo.
É primário.
Começando por averiguar se o arguido BB, como pretende, deve beneficiar do instituto da atenuação especial da pena, dir-se-á que este instituto, como o próprio denominativo sugere, tem em vista casos especiais expressamente previstos na lei, bem como, em geral, situações em que ocorrem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena – artigo 72º, n.º1, do Código Penal.
Pressuposto material da atenuação especial da pena é, pois, a ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo certo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo - (29).
Por isso, como defende aquele insigne penalista, a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar.
Trata-se assim de uma válvula de segurança, só aplicável a situações que, pela sua excepcionalidade, não se enquadram nos limites da moldura penal aplicável ao respectivo crime, ou seja, a situações em que se mostra quebrada a relação/equivalência entre o facto cometido e a pena para o mesmo estabelecida, consabido que entre o crime e a pena há (deve haver) uma equivalência
- (30).
Ora, no caso vertente é patente não estarmos perante um caso extraordinário ou excepcional, concretamente no que concerne ao grau da ilicitude do facto, à intensidade da culpa ou à (des)necessidade da pena.
Como já atrás se deixou consignado são prementes as necessidades de prevenção em matéria de tráfico, necessidades que no caso vertente se acentuam atenta a quantidade e a qualidade do estupefaciente, bem como os meios utilizados, a modalidade e a circunstância da acção.
Tudo ponderado, tendo presente o tipo e a dimensão da participação do arguido BB no plano ou concerto criminoso, a sua primariedade e o facto de a cocaína não haver entrado no circuito comercial, reduz-se a pena aplicada para 6 anos e 6 meses de prisão.
***
Termos em que se acorda:
a) Negar provimento ao primeiro recurso interlocutório interposto pelo arguido BB;
b) Julgar inútil, devido a circunstância superveniente, o segundo recurso interlocutório;
c) Conceder parcial provimento aos recursos da decisão final, reduzindo as penas aplicadas aos arguidos AA e BB para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses e 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, respectivamente, em tudo o mais se mantendo o acórdão impugnado.
Não são devidas custas relativamente ao segundo recurso interlocutório.
Quanto aos demais, custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça devida pela arguida AA em 10 UC e a devida pelo arguido BB relativamente ao recurso da decisão final em 12 UC; no que concerne ao primeiro recurso interlocutório o arguido BB pagará 10 UC de taxa de justiça.
***
Lisboa, 11 de Julho 2007


Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
Pires da Graça
Henriques Gaspar (tem declaração de voto quanto à matéria das escutas telefónicas)
Votei a decisão, com a declaração que continuo a considerar (cfr. Acórdãos de 2/6/04, proc. 1391/04 e de 20/4/50, proc. 4742/04) que a aplicação de uma pena única no caso de concurso de crimes supõe que estejam em causa penas da mesma natureza.
Nesta perspectiva, poder-se-á discutir se a pena suspensa, prevista no artigo 50º do Código Penal, enquanto pena de substituição, constitui para efeitos de determinação da pena única do concurso, uma pena da mesma natureza do que a pena de prisão.
Com efeito, a pena suspensa não é comparável, conceptual, político-criminalmente ou em termos de execução, à pena de prisão.
É uma pena de substituição cuja matriz de origem e base está condicionada, e que pode vir a ser declarada extinta através do procedimento adequado; enquanto não puder decorrer o procedimento de execução da pena suspensa, com a decisão de extinção da pena ou revogação da suspensão, não é susceptível de execução como pena de prisão.
Como resulta do artigo 56º do Código Penal, a revogação não é automática; mesmo verificados os pressupostos de que depende, é sempre necessária uma decisão que aprecie e avalie se a quebra dos deveres de que depende a suspensão assume gravidade que determine a revogação, e mesmo em caso de prática de crime, é necessário que uma decisão verifique que, concretamente, não puderam ser alcançadas as finalidades que estiveram na base da suspensão.
Só a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença - artigo 56º, nº 2, do Código Penal.
A pena suspensa é declarada extinta se, como dispõe o artigo 57º, nº 1, do Código Penal, durante o período da suspensão não houver motivos que possam conduzir à revogação.
A pena de substituição é, pois, uma pena de natureza diferente da pena de prisão, pela natureza e função que lhe está politico-criminalmente adstrita.
De todo o modo, como quer que se considere a natureza da pena suspensa para efeitos de fixação de uma pena única do concurso (cfr., v. g., entre outros, o acórdão deste STJ, de 8/7/03, proc. 4645/02, admitindo o cúmulo de pena suspensa com pena de prisão), há que decidir, previamente, se a pena de substituição, por ter regras distintas de execução, se extingue ou extinguiu, ou se, em diverso, tem de ser executada como pena de prisão.
A competência para o conhecimento superveniente do concurso e, consequentemente, para a determinação da pena única, pertence ao tribunal da última condenação – artigo 471º, nº 2, do Código de Processo Penal (CPP).
O tribunal da última condenação, porém, tem também competência para decidir todas as questões incidentais (artigo 474º CPP), incluindo a decisão relativa às especificidades da execução da pena suspensa que tenha sido aplicada por algum dos crimes do concurso.
O procedimento relativo à execução da pena suspensa está previsto no artigo 492º do CPP: a falta de cumprimento dos deveres para efeitos do disposto nos artigos 51º, nº 3, 52º, nº 3, 55º e 56º é apreciado por despacho, depois de recolhida a prova e «antecedendo parecer do Ministério Público e a audição do condenado». É um procedimento contraditório, de julgamento, não podendo a decisão sobre a revogação da pena suspensa basear-se em meros indícios, mas em juízo seguro sobre a não verificação do cumprimento das finalidades da suspensão (cfr., v. g., acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de 3 de Outubro de 2002, no caso BÖHMER c. Alemanha).
Não acompanho, por isso, a posição do acórdão (que não foi fundamento da concreta decisão de anulação) no que respeita à consideração da pena suspensa na formação do cúmulo jurídico.

__________________________________________
(1) - O arguido Arnaldo Menúria interpôs ainda dois recursos interlocutórios, os quais foram admitidos a subir com o da decisão final
(2) - De acordo com o disposto no artigo 368º, n.º1, do Código de Processo Penal (diploma de que serão todos os demais preceitos a citar sem menção de referência), aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores, o tribunal deve começar por decidir as questões prévias ou incidentais, tal qual aliás estabelece o artigo 660º, do Código de Processo Civil, normativo que impõe o conhecimento das questões submetidas à apreciação do tribunal segundo a sua precedência lógica.

(3) - Dever-se-á ter em atenção que o legislador ordinário ao aprovar e fazer publicar o Código de Processo Penal vigente procurou regulamentar de forma precisa e autónoma o processo penal, de modo a evitar o recurso às normas de processo civil, intenção que se revela de modo particular em matéria de recursos, como aliás decorre do respectivo preâmbulo. Acresce que na alteração operada ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, a Comissão nomeada para proceder à revisão do Código, propôs inicialmente (Anteprojecto de Revisão) a inclusão em matéria de recursos do regime de convite constante do n.º 4 do artigo 690º do Código de Processo Civil, todavia, após discussão pública e ponderada reflexão, tal iniciativa foi abandonada, tendo-se mantido intocado o texto dos nºs 1 e 2 do artigo 412º, o que impõe a conclusão de ter sido intenção do legislador a não adopção em processo penal do regime de convite à apresentação de conclusões, seu completamento, esclarecimento ou resumo previsto na lei adjectiva civil.

(4) - Há que ter em atenção, no entanto, que a lei apenas declara irrecorrível o despacho que designa dia para audiência, sendo que este despacho é proferido em simultâneo com o despacho de saneamento do processo – artigo 311º - despacho este que, por não abrangido por qualquer restrição em matéria de impugnação, é recorrível.

(5) - Acórdão n.º 1/2006, publicado no DR I-A, de 06.01.02.
(6)- Intervenientes que, aliás, nem sequer chegaram a ser acusados no processo
(7) - A incompetência do tribunal só pode ser suscitada e declarada, tratando-se de tribunal de julgamento, até ao início da audiência – artigo 32º, n.º 2, alínea b) –, pelo que terá necessariamente de ser aquilatada em função do crime ou crimes objecto do despacho de pronúncia ou da acusação, consoante tenha havido ou não lugar a instrução
(8) - Como exemplo desses actos vejam-se, entre muitos outros segmentos da acusação, os números 144 e 147 dessa peça processual, nos quais se consignou a propósito da importação e transporte da cocaína:
«Entretanto, em Portugal, o arguido Arnaldo Menúria, em cumprimento de ordens que havia recebido da arguida Margarida Mendes, tratava da logística necessária à recepção e carregamento da cocaína que se esperava chegasse da Venezuela.
Assim, no dia 23/10, pelas 11h30, dirigiu-se à empresa de aluguer de automóveis Aluacar, sita na Av. dos Combatentes da Grande Guerra, n.º 60, em Setúbal, onde alugou a viatura de marca Ford Transit, com a matrícula 98-15-PR. Pelas 13h45, estacionou a viatura alugada no parque de estacionamento sito junto ao local de entrada e saída de passageiros do Aeródromo de Cascais, onde se esperava que o avião chegasse.

No aeroporto Simão Bolívar, em Maiquetia, na Venezuela, como consequência da participação feita às autoridades pelo comandante de voo António Smith, as malas que continham uma substância que se determinou ser cocaína, com o peso líquido de 298 quilos, foram apreendidas pela Guardia Civil da Venezuela, vindo a ser detidas…»

(9)- De acordo com o artigo 7º, n.º1, do Código Penal: «O facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido».

(10) - Cf. Figueiredo Dias, RLJ, 118, 17 e Lopes Rocha, Jornadas de Direito Criminal Fase I, “Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço”, 128

(11)- Cf. o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.06, proferido no Recurso n.º 1875/04.

(12) - Código Penal Português Anotado e Comentado, anotação ao artigo 7º.
(13) - Há que excepcionar, obviamente, as questões de conhecimento oficioso, questões estas que o tribunal de recurso tem o dever de conhecer independentemente de alegação e independentemente do concreto conteúdo da decisão recorrida, quer digam respeito à relação processual, quer à relação material objecto do processo – cf. Conselheiro Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 266/267.

(14) - Cf. entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 06.02.02 e de 06.07.20, proferidos nos Recursos n.ºs 4409/05 e 2316/06.
(15) - Entre muitos outros, os acórdãos de 04.06.16, 05.04.20, 05.10.19, 05.12.07 e 06.12.15, o primeiro e o último publicados nas CJ (STJ), XII, II, 225 e XIV, I, 190, os restantes proferidos nos Recursos, n.ºs 2812/04, 1941/05 e 2942/05.
Trata-se do regime mais adequado. Com efeito, não se suscitando qualquer dúvida sobre a fidedignidade da prova recolhida através de intercepção telefónica, suposto que esta foi judicial e legalmente ordenada ou autorizada, não se justifica a proibição da sua utilização com base no incumprimento ou no cumprimento defeituoso de meros formalismos procedimentais, tanto mais que a Constituição da República no seu artigo 34º, n.º 4, permite, embora com carácter de excepcionalidade, a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, desde que se trate de matéria de processo penal, e apenas considera nulas as provas obtidas com abusiva intromissão nas telecomunicações – artigo 32º, n.º 8.

(16) - O texto que a seguir se transcreve corresponde na íntegra ao do acórdão recorrido.
(17) - A falta de fundamentação não se confunde, obviamente, com a falta de prova, sendo certo que as referências que a arguida faz no corpo da motivação à ausência ou insuficiência de prova não podem ser por este Supremo Tribunal consideradas, consabido tratar-se de um tribunal de revista, com poderes de cognição circunscritos à matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 410º, conforme preceito do artigo 434º.
(18) - É este o único argumento indicado pela recorrente, quer no corpo da motivação quer nas conclusões, como fundamento deste segmento do recurso.
(19) - Cf. entre outros, os acórdãos de 06.10.04, 07.01.18 e 07.03.29, o primeiro publicado na CJ (STJ), XIV, III, 204, os restantes proferidos nos Recursos n.ºs 4055/06 e 902/07.
(20) - Só não qualificamos o grau de ilicitude de muito elevado face à circunstância de o transporte e a comercialização do produto estupefaciente se ter frustrado.
(21) - Cf. estudo publicado no Jornal Público de 19 de Novembro de 2006.

(22) - Se o arguido Arnaldo Menúria não tomou conhecimento directo do relatório do exame, a verdade é que o poderia ter feito desde o momento em que foi notificado da acusação pública contra si deduzida, momento a partir do qual teve pleno acesso aos autos.
(23)- Cf. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 98.01.20 e de 98.06.24, proferidos nos Recursos n.ºs 1087/97 e 416/98.

(24) - A prova, em matéria de escutas telefónicas, é o que foi dito, o que foi verbalizado, nas comunicações e conversações, ou seja, é a palavra falada em si mesma – cf. Armando Veiga/Benjamim Rodrigues, Escutas Telefónicas (2ª edição), 346.

(25) - De acordo com a teoria do reconhecimento implícito, que perfilhamos, não sendo a paternidade ou origem das conversações e comunicações refutadas pelas pessoas a quem se atribuem, serão tidas por fidedignas, sendo que é à defesa que cabe o ónus processual de impugnar a autenticidade ou genuinidade dos fluxos comunicacionais.
De igual modo, é à defesa que cabe a invocação de que os segmentos transcritos estão descontextualizados ou que as palavras registadas não têm o sentido e alcance que lhes pretende atribuir a acusação – cf. Armando Veiga/Benjamim Rodrigues, ibidem, 340/342, onde se faz apelo aos ensinamentos de Rodriguez Lainz, La intervención de las comunicaciones telefónicas… 229/230.
É esta a posição mais curial e a única que se mostra consonante com o fim do processo penal – a descoberta da verdade e a administração da justiça –, posto que se a intercepção foi devidamente autorizada e validamente efectuada, sendo a transcrição processada e feita de acordo com o formalismo legal, há que presumir da genuinidade dos fluxos comunicacionais e da fidelidade da transcrição.
(26)- É do seguinte teor o texto do n.º 2 do artigo 410º: «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum».

(27)- Cf. entre muitos outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 90.01.10 e de 94.07.13, o primeiro publicado na AJ, 5, 3 e o segundo na CJ (STJ), II, III, 197.
(28) - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
(29) - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 306/307.

(30)- Sobre a equivalência entre o crime e a pena veja-se Francesco Carnelutti, El Problema de La Pena, 32/36.