Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ALVES VELHO | ||
Descritores: | OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME PARTICIPAÇÃO DENÚNCIA ILICITUDE DANOS NÃO PATRIMONIAIS JUIZ ISENÇÃO DE CUSTAS CONSTITUCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 04/17/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ DIREITOS DA PERSONALIDADE - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS FUNDAMENTAIS | ||
Doutrina: | - JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, “Constituição Portuguesa Anotada, I, págs. 160-162, 430. - VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 2ª ed., págs. 284, 286. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 335.º, 449.º, 494.º, 496.º, N.º1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 511.º, N.º1, 646.º, 712.º, N.ºS 4 E 6, 722.º, N.ºS 1 E 2, 729.º, N.ºS 2 E 3, 754.º CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, N.º1, 18.º, 25.º, N.º1, 26.º, N.º1, 37.º, N.º1. ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS - LEI N.º 21/85, DE 30-7, NA REDACÇÃO DADA PELA LEI N.º 10/94, DE 5-5 - (EMJ): - ARTIGO 17.º, N.º1, AL. G). | ||
Referências Internacionais: | CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 10.º DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM (DUDH): - ARTIGOS 12.º, 19.º | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 13/01/2005, PROCESSO N.º 04B3924; -DE 08/03/2007, PROCESSO N.º 07B566; -DE 09/12/2008, PROCESSO N.º 08A2613; -DE 18/12/2008, PROCESSO N.º 08A2680; -DE 05/11/2009, PROCESSO N.º 381-2009.S1; -DE 14/01/2010, PROCESSO N.º 1869/06.0TVPRT.S1; -DE 25/03/2010, PROCESSO N.º 576/05.6TVLSB.S1; -DE 28/10/2010, PROCESSO N.º 272/06.7TBMTR.P1.S1. ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 466/97, DE 2/7/97, BMJ 469º- 59; -N.º 460/2001, DE 24/10/2001 (PROC. 553/00). | ||
Jurisprudência Internacional: | JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM: - WWW.GDDC.PT/DIREITOS-HUMANOS/PORTUGAL.DH/ACORDAOS-TEDH.HTML . | ||
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Sumário : | I- O direito de participar criminal e disciplinarmente é um direito dos cidadãos, podendo até, em certos casos, constituir um dever. II- Tendo, em primeira linha, em oposição um direito à denúncia ou participação, criminal ou disciplinar, não se têm suscitado dúvidas sobre a prevalência do direito de denúncia sobre o direito à honra do denunciado que, por via dela, sai ferido. III- O problema da licitude da denúncia coloca-se numa segunda linha, isto é, no confronto entre o direito ao bom nome e reputação com o conteúdo e modo de apresentação da denúncia. IV- Remete-se, aqui, para a ponderação da necessidade e proporcionalidade entre os elementos vertidos na participação e a sua adequação, em função das expressões utilizadas, como instrumento vulnerante da reputação do visado, sendo a este nível, que não já no direito de denunciar, que se coloca o problema de saber se, em concreto, há conflito entre os dois direitos e, consequentemente, a harmonizar, ou se, mesmo em momento logicamente anterior, não deve considerar-se que a conduta do denunciante é de tal forma injustificada que acaba por não corresponder realmente ao exercício do direito com o qual formalmente se apresenta o direito de denúncia, por com ele se não identificar o respectivo conteúdo. V- Sem prejuízo de dever ser sempre assegurada a irrenunciável possibilidade de participar, nada impede que o respectivo conteúdo deva conter dentro de certos limites. VI- A denúncia não será ilícita se o participante mantiver o respectivo conteúdo balizado pelos limites que a lei põe à sua disposição para o exercício do direito e prossecução dos interesses juridicamente protegidos, sendo que um dos limites se radica-se na distinção entre “factos” e “juízos de valor”. VII- Se o participante, em vez de se limitar à narração de factos – que tenha por verdadeiros ou não saiba serem falsos -, emite “juízos de valor” que integrem ofensa à honra do denunciado a sua conduta não é justificada, deixa de ser protegida e coloca-se no campo do ilícito. VIII- Apesar de na compensação por danos não patrimoniais intervir sempre um juízo prudencial casuístico, como é próprio do julgamento por equidade, não podem ser postergados, no critério da respectiva fixação, os valores de igualdade de tratamento (princípios da igualdade proporcionalidade) e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas tratadas pela jurisprudência. IX- A isenção de custas, de natureza objectiva, prevista na norma do art. 17º-1-g) do EMJ (Lei n.º 21/85, de 30/7, na redacção dada pela Lei n.º 10/94, de 5/5), não viola o princípio da igualdade acolhido no art. 13º-1 da Constituição da República. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - AA intentou acção declarativa contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe quantia de 150.000,00€, acrescida de juros legais desde a data da citação, como reparação por danos não patrimoniais por ele sofridos com a conduta do Réu. Alegou, em síntese, que exerce funções como Juiz de Direito no Círculo Judicial de ... desde 20/09/03, tendo, no exercício dessa actividade, presidido à audiência de julgamento em que o R. patrocinava a CC; a audiência de julgamento findou em 06/02/06 e, proferida sentença, ambas as partes recorreram; em 01/03/07, o R. entregou no C.S.M. uma participação, na qual escreveu ter existido evidente conluio do A. com uma Ré do processo, assumindo o participante que existiam fortes indícios de corrupção do A. e requerendo que se investigassem os seus meios de fortuna e com que meios adquiriu o prédio de ... em que reside. A participação abalou a imagem do A. junto dos seus colegas e advogados que, por via dos factos nela vertidos, se sentiu atingido na sua dignidade e honra, ficou preocupado, deprimido e ansioso. O Réu contestou, alegando, em resumo, que sempre pautou a sua conduta pela defesa da dignidade da magistratura e o maior respeito e colaboração com os profissionais dos tribunais, sendo que as expressões que constam da participação, resultaram da conjugação de várias circunstâncias, nomeadamente o estado de espírito do R., perturbado por grave doença oncológica, pelo facto de o legal representante de uma Ré se gabar de ter todas as garantias de um julgamento favorável por parte do A., por ter entendido que o A. praticou erros grosseiros na avaliação da prova e subsequente sentença e pela forma como lidou com ele, R., em contraponto à forma como lidou com o Advogado da parte contrária. Acrescentou ter agido apenas enquanto Advogado, no âmbito do patrocínio que lhe fora cometido, embora o pudesse ter feito de forma excessiva. Foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o R. a pagar ao A. a quantia de 50.000,00 euros. O R. recorreu, requerendo, além do mais, a ampliação da matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação anulado a decisão recorrida e todos os actos processuais a esta subsequentes, "...para se apurar toda a factualidade controvertida relevante para a decisão, nomeadamente a que se referenciou (a relacionada com os arts. que não foram levados à BI art. 34, 35 e 40 e segs. e matéria de facto que seja possível apurar, não sendo conclusiva nem de direito) …". Em cumprimento do ordenado, o Tribunal a quo proferiu despacho, aditando à B.I. mais cinco quesitos. Dessa decisão reclamou o R., por entender que não havia sido aditada outra matéria de facto relevante para a decisão da causa, relativa aos arts. 40.° e ss. e 14.° e 15.° da contestação, reclamação atendida, quanto à matéria do art. 40º (novo quesito 6º), mas indeferida na parte restante. Desse indeferimento, o Réu interpôs recurso de agravo, visando a inserção na B. I. da factualidade constante do art. 14º da contestação. Após a reabertura do julgamento, foi proferiu nova sentença que repôs a condenação do R. a pagar ao A. a quantia de € 50.000,00, atribuiu os juros moratórios a partir da data da sentença e isentou o A. das custas. Ambas as Partes interpuseram recurso de apelação, sendo o do Réu subordinado. Apreciando os recursos, no acórdão impugnado decidiu-se: “a) Negar provimento ao agravo, confirmando-se, consequentemente, o b) Negar provimento à apelação principal interposta pelo R. e, consequentemente, confirmar, neste particular, a decisão recorrida; c) Conceder parcial provimento à apelação interposta pelo A. e, consequentemente, revogar parcialmente a decisão recorrida, condenando-se agora o R. a pagar ao A. a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescido de juros a contar da sentença (fls. 484); d)No mais, confirma-se a decisão recorrida. Custas pelo agravante/apelante principal/R. e pelo apelante /A., na proporção dos respectivos decaimentos, estando, no entanto, o A. isento de custas”.
O Réu interpõe agora recurso de revista em que formula, a final, a pretensão de ser absolvido do pedido ou, no limite não ultrapassar a indemnização a quantia de 2.500,00€, sem prejuízo da ponderação das questões processuais alegadas (ampliação da base instrutória, como pedido no agravo não provido, e alteração da matéria de facto, quanto à resposta ao quesito 6º).
Para tanto, nas conclusões que se transcrevem, argumenta como segue.
A - O presente recurso tem o seguinte objecto: a) a matéria do agravo referente ao despacho que não admitiu o aditamento à BI da factualidade constante do artigo 14° da contestação do Recorrente: violação do art. 511°, n.º 1 do CPC; b) o erro processual relativo aos termos em que a Relação apreciou a impugnação da matéria de facto referente à resposta ao quesito 6° da primitiva BI: violação dos arts. 653°, n.º 2 e 712°, n.º 2 do CPC; c) a questão da ilicitude dos actos imputados ao Recorrente; d) o montante indemnizatório arbitrado; e) a condenação em custas.
B - Está em causa o facto de o Tribunal de 1.ª instância não ter levado à base instrutória um quesito do seguinte teor: "A motivação que presidiu à utilização (na participação ao CSM) pelo R. das expressões em apreço foi o resultado da conjugação das circunstâncias referidas no art. 14° da contestação, tal como por ele foram avaliadas?" C - No acórdão ora recorrido, não se acolhe a argumentação do agravante, uma vez que a factualidade relevante teria sido acolhida no aditamento à BI subsequente ao acórdão da Relação de 16/04/09, restando apenas matéria de carácter conclusivo, que não caberia quesitar, dado que - como esse acórdão da Relação também refere - não cabe levar à BI nem matéria conclusiva, nem matéria de direito. D - Porém, a tese do acórdão recorrido não colhe. É que a matéria do art. 14° da contestação tem a ver com aquilo que determinou o estado de espírito que levou o Recorrente a praticar a denúncia ao CSM nos termos em que o fez. E a ponderação da relação entre esse conjunto de circunstâncias e o comportamento do Recorrente é decisiva para avaliar da boa fé da sua atitude ou, pelo contrário, da natureza gratuita da sua motivação. É certo que algumas das circunstâncias constantes das alíneas de tal art. 14° da contestação acabaram por ser objecto de quesitação autónoma, continuando, contudo, a faltar a referência à matéria da alínea b), que tem a ver com a percepção do R. quanto à natureza dos alegados "erros grosseiros" pelo Sr. Juiz, ora Recorrido, o que, conjugado com os outros elementos, o determinou a fazer a denúncia em apreço. Naturalmente que não cabe nestes autos proceder à análise daquilo que o R., ora Recorrente, entende que foram os "erros grosseiros" do A., ora Recorrido, mas tão somente ponderar se a percepção que o R. teve desses alegados "erros grosseiros", devidamente conjugada com as outras circunstâncias invocadas, justifica a boa fé - ou, pelo menos, a ausência de um propósito malévolo - por parte do ora Recorrente. E - Pelo exposto, uma aplicação adequada do art. 511°, n.º1 do CPC - que estipula que deve ser levada à BI a matéria de facto relevante para as várias soluções de direito plausíveis - levaria a que a matéria do art. 14° da contestação fosse levada à BI, razão pela qual, não o tendo sido, se mostra violado aquele preceito legal. F - Em qualquer caso, o entendimento do art. 511 ° n.º 1 do CPC - no sentido de que não são relevantes para a causa as várias circunstâncias concretas que levaram alguém, ainda por cima advogado, a participar ao CSM determinada conduta de um magistrado, numa acção de responsabilidade civil em que se discute a ilicitude e a culpa do réu da acção - é inconstitucional, por violação do princípio de um processo equitativo (cfr. art. 20° n.º 4 CRP e art. 6° da CEDH).
G - Na 1 ª instância, o Tribunal deu como "provado" a matéria do quesito 6° da primitiva BI, onde se perguntava: "em consequência, o A. anda deprimido, nervoso, ansioso e com perturbações de sono?" H - Na apelação, o Recorrente alegou que a prova produzida em audiência de julgamento não permitiria sustentar a resposta de "provado" relativamente a todas essas alegadas sequelas da denúncia efectuada, o que se mantém, muito embora a sua argumentação, nessa sede, não possa agora ser apreciada, uma vez que o STJ não aprecia matéria de facto. I - Porém, num segmento, é manifesto que a Relação cometeu um erro processual na forma como apreciou a questão, já que o acórdão recorrido reconheceu, afinal, que os depoimentos em que se funda a resposta de "provado" se reportaram às sequelas causadas ao A., ora Recorrido, em data anterior à da propositura da acção. J - Assim sendo, a resposta ao quesito nunca pode ser a de "provado", mas, no limite, terá de ser ''provado à data da propositura da acção". E essa distinção faz toda a diferença, porque uma coisa são os incómodos sofridos pelo A. quando teve conhecimento da participação ao CSM, outra coisa é a manutenção de tais danos em termos que quase corresponderiam a uma incapacidade permanente, o que manifestamente não ficou provado. K - Pelo exposto, o acórdão recorrido aplicou erroneamente o art. 653°, n.º 2 do CPC, devidamente conjugado com o art. 712°, n.º 2 do mesmo código, uma vez que considerando os termos da sua própria fundamentação - deveria ter alterado a resposta ao quesito em apreço nos termos acima enunciados.
L - Por outro lado, o comportamento do Recorrente não é ilícito, uma vez que não se demonstrou que ele agiu de forma gratuita ou malévola. Pode até ter avaliado mal as circunstâncias do caso, mas isso não o pode inibir no exercício do direito e do dever que praticou. M - Estamos num quadro de conflito de interesses, em que o inquestionável direito à honra do A. não tem um valor superior ao direito do R. a apresentar queixa a quem de direito, a menos que se tivesse provado que a sua acção fora puramente gratuita ou malévola, o que não aconteceu. N - De resto, como é jurisprudência do TEDH, o exercício livre do direito de queixa tal como o R. o exerceu - é ainda uma manifestação da liberdade de expressão, que a CEDH, bem como a CRP, consagra, pelo que qualquer restrição - a não ser que fundada na aludida actuação gratuita ou malévola - sempre afrontaria tal princípio. O - Assim sendo, falece um dos requisitos da responsabilidade civil, o que as instâncias erroneamente não consideraram: a falta de ilicitude do acto do R., que se limitou a exercer um direito de denúncia, sem que tivesse sido provado que a sua acção foi motivada por um intuito gratuito ou malévolo. P - Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, a indemnização arbitrada a favor do A. no valor de 100.000 € - subindo para o dobro o valor já excessivo fixado na 1ª instância - é manifestamente desproporcionada e até arbitrária, sendo, de resto, completamente divergente dos critérios que a jurisprudência vem fixando. Q - A Relação devia ter ponderado e não ponderou o seguinte: - Que o Recorrente efectuou a participação em causa no exercício de um direito que entendeu que era relevante exercer; - Que o Recorrente não deu qualquer publicidade - de nenhuma espécie - à participação em causa, que foi apresentada na sede própria (o CSM); - Que o Recorrente se encontrava à época perturbado do ponto de vista psíquico e debilitado por via de complexas intervenções cirúrgicas e prolongados internamentos hospitalares (cfr. factos assentes sob os nº s. 18 a 20 do acórdão recorrido), tendo-se considerado desrespeitado pela forma descortês como o Sr. Juiz, ora Recorrido, o tratou na audiência de julgamento (cfr. factos assentes sob os nº s. 21 e 22 do acórdão recorrido); - Que o Recorrente exerce a profissão de advogado há 50 anos, sendo reconhecido como combativo e exigente na defesa dos direitos que patrocina e respeitador de todos os profissionais dos tribunais (cfr. factos assentes sob os nº s 16 e 17 do acórdão recorrido), encontrando-se presentemente reformado, com uma pensão ilíquida de 1.335,19 € e com um grau de incapacidade de 80% (cfr. Docs. de fls. 212 e 213 não impugnados e utilizados pelo Tribunal na fundamentação da resposta sob quesito 10 a 12 da primitiva base instrutória); - Que não foi provada uma intenção gratuita ou um propósito malévolo por parte do Recorrente. R - Acresce que o acórdão recorrido considerou segmentos fácticos que não constam da matéria de facto dada como assente, dando voz a puros "falatórios" que não se reportam a matéria provada. S - Assim sendo, a adequada ponderação dos critérios previstos nos arts. 494º e 496º do CC - aplicados à matéria de facto assente - nunca permitiria a fixação de uma indemnização no montante arbitrado, que seria sempre excessivo. Mesmo que os requisitos da responsabilidade civil se tivessem por verificados, tal indemnização nunca deveria ir além de 2.500 €, assumindo a natureza simbólica que as circunstâncias em causa sempre justificariam. T - A indemnização fixada no montante de 100.000 € afasta-se - em termos manifestos - daquilo que é a prática jurisprudencial dos tribunais portugueses e europeus, não havendo, in casu, qualquer circunstância especial que justifique a "punição" desmesurada de que as instâncias lançaram mão. Bem sabemos que é a honra de um juiz - de resto, a ser julgado por outros juízes - que está em causa, mas o seu incómodo - que se admite - não é substancialmente diferente do incómodo de qualquer pessoa a quem se reportassem factos equivalentes. U - O acórdão recorrido condenou o ora Recorrente em custas e delas isentou o A., na parte em que este decaiu, nos termos do art. 17º, n.º 1 - g) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o que é discriminatório e afronta o princípio da igualdade, já que a distinção não se funda em razão objectiva bastante que o justifique, arguindo-se, em conformidade, a inconstitucionalidade daquela norma legal em que se sustenta a desarmonia de tratamento. O Recorrido ofereceu o merecimento dos autos. 2. - Balizadas pelo conteúdo das conclusões da alegação do Recorrente, as questões a conhecer, como, aliás nelas proposto, podem enunciar-se como sendo as de: - Ampliação da base instrutória, mediante o aditamento da factualidade constante do artigo 14° da contestação;
- Modificação da decisão sobre a matéria de facto, mediante alteração resposta ao quesito 6° da base instrutória;
- Ilicitude dos actos imputados ao Recorrente, como pressuposto da obrigação de indemnizar;
- Redução do montante indemnizatório arbitrado; e,
- Isenção de custas do Autor.
3. - Objecto do recurso. - Questões prévias.
3. 1. - Inadmissibilidade do recurso sobre a ampliação da base instrutória.
O Recorrente pretende, neste segmento do recurso, ver incluída na base instrutória a parte da matéria que verteu no art. 14º da contestação (als. c), d) e e)), matéria que as Instâncias consideraram “de carácter conclusivo, a extrair, ou não, dos demais factos levados à BI”, e, por isso, insusceptível de ser aditada ao despacho de condensação. Argumenta que, tendo a matéria em causa “a ver com o estado de espírito que levou o Recorrente a praticar a denúncia ao CSM nos termos em que o fez … é relevante para as várias soluções de direito plausíveis”, nos termos previstos no art. 511º-1 CPC A decisão da Relação foi proferida sobre recurso de agravo interposto de despacho que, apreciando reclamação sobre a exactidão do cumprimento do acórdão da Relação que determinou ampliação, a indeferiu. Está-se, pois, quanto à matéria sob impugnação, perante uma situação de agravo continuado, incorporada no recurso de revista, como prevê o n.º 1 do art. 722º CPC. Mais estabelece esta norma que o recorrente pode invocar a violação da lei de processo, «quando desta for admissível o recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 754º». O regime do recurso de agravo em 2ª instância encontra-se fixado no dito art. 754º CPC, dele resultando, ao que aqui importa convocar, não ser admissível recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância (agravo continuado), ressalvados os casos de oposição de acórdãos ou tratando-se de decisão final, hipóteses que não ocorrem no caso sob apreciação (n.ºs 2 e 3 do preceito). Consequentemente, o recurso interposto, na parte em que tem por objecto a alegação de violação da norma do art. 511º-1 CPC, está directamente vedado pela mesma lei processual, vedado estando, por isso, o respectivo conhecimento. Acresce que o recurso está ainda proibido pela norma do n.º 6 do art. 712º CPC., ao menos em razão do fundamento invocado pelo Recorrente. Com efeito, o Recorrente argumenta, com a relevância da referida matéria - que entende constituir “matéria de facto” -, para as várias soluções de direito plausíveis (apesar de o fundamento da decisão que impugna ter sido a de o articulado reclamado conter apenas “matéria conclusiva”, de quesitação não permitida, por equiparável a matéria de direito). Ora, desse ponto de vista, seja por tomada iniciativa da parte, seja oficiosamente, a Relação move-se no exercício das competências e poderes consignados no último segmento do n.º 4 do citado art. 712º, ou seja, decide emitindo um juízo de necessidade de ampliação sobre a matéria de facto, tendo em conta, designadamente, o critério fornecido pelo dito art. 511º-1. Porque a selecção e fixação dos factos materiais da causa constitui matéria reservada à exclusiva competência das Instâncias, na qual o STJ não pode imiscuir-se, salvo os casos excepcionais expressamente admitidos no n.º 2 art. 729º CPC, bem se compreende que, em sintonia com a regra aí consagrada – a proibir ao Supremo alterações à matéria de facto -, se vede o recurso sobre decisões que tenham por objecto a sua fixação, salvaguardada que fica, em qualquer caso, a possibilidade de ampliação quando ao Tribunal de revista se depare falta de base suficiente para a solução jurídica do pleito (n.º 3 do mesmo art. 729º). Concluindo este ponto, reafirma-se a inadmissibilidade do recurso quanto à matéria do agravo continuado, e, consequentemente, não se conhece da pretendida ampliação da matéria de facto, integrante do respectivo objecto.
Resta deixar dito que a questão da inconstitucionalidade do n.º 1 do art. 511º CPC carece, a nosso ver de objecto, pois que, nem a decisão ora recorrida, nem as anteriormente proferidas no processo, sobre a inclusão na base instrutória do alegado nas als. c) e ss. do art. 14º da contestação assentaram em juízo e decisão sobre a relevância ou irrelevância de tal matéria, mas, antes, insiste-se, na sua qualificação como matéria conclusiva. Com efeito, não está aqui em causa a questão de saber se era possível proferir decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador, correspondendo a matéria de facto seleccionada para essa decisão ao critério legal vertido no art. 511º-1 CPC, ou seja, a consideração, na fundamentação de facto da decisão, da matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, formulando um juízo de suficiência a implicar a utilização de critérios jurídicos tendentes a averiguar se os factos, ou determinados factos, integram a previsão de certas normas jurídicas, à luz da relação entre a causa de pedir e o pedido. 3. 2. - Inadmissibilidade do recurso sobre a modificação da decisão de facto. O Recorrente sustenta que deve ser alterada a resposta ao quesito 6º, restringindo-se-lhe o conteúdo, a reportar temporalmente apenas “à data da propositura da acção”, pretensão que apoia nos depoimentos de duas das testemunhas inquiridas, tendo em conta a ocasião em que, conforme aceite na própria fundamentação do acórdão, terão tido contactos com o Autor. Embora socorrendo-se de apoio numa passagem da fundamentação do acórdão, o Recorrente repõe o problema de reapreciação de provas e do não uso pela Relação dos poderes de alteração da matéria e facto concedidos pelo art. 712º CPC, nomeadamente ao abrigo dos seus n.º 2, preceito que expressamente invoca como violado. Na verdade, tudo se reconduz a que o Recorrente considera incorrectamente fixada e julgada pelas instâncias a matéria de facto, fundando a revista, nessa parte, em erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, a revelar-se por erro na resposta àquele ponto da base instrutória. Não invoca violação de disposição legal impositiva de certo meio específico de prova para a existência de qualquer dos ditos factos ou com especial força probatória, nem insuficiência ou contradição entre concretos pontos da matéria de facto fixada, susceptíveis de inviabilizarem a solução jurídica da causa, condições sempre exigidas nos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3 e sem o concurso das quais o erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto não pode ser objecto de recurso de revista. É jurisprudência uniforme e constante desde STJ só caber nos seus poderes de apreciação o uso feito pela Relação dos poderes concedidos pelo art. 712º CPC, designadamente saber se a modificação operada assentou em fundamento previsto na lei, por ser matéria de direito averiguar se houve violação da lei do processo, mas estar-lhe já vedado censurar o não uso desses mesmos poderes quando se entra no campo da apreciação dos meios de prova e fixação dos factos materiais da causa, perante o qual se erguem os apertados limites constantes das ditas normas dos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3. Consequentemente, não se verificando nenhum dos casos excepcionais que o autorizem, está, no caso, vedada ao Supremo a intromissão na fixação dos factos, constituindo matéria da exclusiva competência das instâncias (art. 722º-2, 2ª parte). Está, por isso, este Tribunal vinculado à matéria de facto fixada pelas instâncias, carecendo de fundamento legal o pedido de reapreciação formulado. Concordantemente, e uma vez mais, prevê a lei que das decisões da Relação previstas no art. 712º, onde se contém a do n.º 2, que a pretensão do Recorrente ora convoca, não caiba recurso – n.º 6 do preceito. Em conclusão, não admite o regime legal que se conheça, também nesta parte, do objecto do recurso de revista interposto, o qual, por inadmissibilidade, tem de ser rejeitado. 4. – A matéria de facto – como dito aqui intocável - vem fixada pela Relação nos termos que seguem. 1. O A. exerce funções como juiz no Círculo Judicial de ... desde 20 de Setembro de 2003. 2. O A. presidiu ao julgamento do Proc. n.° ... do 3.° juízo cível do Tribunal da Comarca de ..., no qual era A. a CC e RR. DD, EE Lda., FF e Incertos. 3. Por óbito da R. FF, foram habilitados para prosseguir na causa em seu lugar, GG, HH, II e JJ. 4. O R. era Mandatário da A. nesse processo, CC. 5. A audiência de julgamento teve início em 28/11/05 e termo em 06/02/06, com fixação da matéria de facto, tendo a sentença sido proferida em 12/05/06. 6. No dia 01/03/07, o R. apresentou junto do Conselho Superior de Magistratura, uma participação contra o A., do seguinte teor: "...No entender do advogado signatário, foi evidente o conluio do referido magistrado com a R. EE e com o seu sócio-gerente KK para favorecer um outro, com prejuízo da A.. Com efeito, a) Logo na manhã do julgamento (1.ª audiência) o juiz manifestou telefonicamente ao participante o interesse em afastar a intervenção do colectivo do julgamento da matéria de facto e; b) Salientou o juiz arguido que a confissão extrajudicial dos factos feita através do mandatário do gerente da EE (KK), enquanto arguido em processo-crime, não tinha relevo, "por não haver caso julgado" (sic), ignorando o valor da confissão como meio de prova, sendo certo que KK confirmou os factos relatados pelo advogado e confirmou que foi o Procurador da mãe (DD) e da Sociedade EE em tudo o que teve a ver com as diligências destinadas a registar o prédio em causa em nome da mãe; c) O participado conheceu no processo cível que na escritura de justificação de posse duas das três testemunhas eram casadas entre si, facto conhecido da EE e de KK, sendo certo que essas testemunhas - eram pais da gestora de negócios de DD - LL - com domicílio laboral na sede da EE; d) Ao longo do processo o juiz participado tomou Conhecimento que a escritura de venda do prédio em questão da DD à EE e o registo em nome desta sociedade não tem qualquer valor; Com efeito: a)Nenhuma prova foi feita no processo de que a EE pagou preço pela compra do terreno à DD, ora exibindo um documento interno de balanço sem valor probatório, ora invocando os RR. que o preço se traduziu em suprimentos da DD à EE, sociedade de que nunca foi sócia; b)Na escritura de compra da EE à DD aparece como único outorgante o KK, filho da vendedora e sócio-gerente da compradora; c)A DD não tinha registo válido do prédio a seu favor por via da nulidade da escritura de justificação de posse, pelo que nada podia transmitir validamente. 5. Daí que só podia concluir-se que o registo em nome da EE era nulo, como nulo era o registo em nome de DD e nula a transacção entre estas duas entidades por a compra e venda ser simulada por falta de preço. 6. Ao não se pronunciar sobre a questão do preço da alegada venda de DD à EE, ao desvalorizar a confissão do Sr. KK no processo-crime e ao concluir pela boa fé da EE na aquisição do prédio à Sra. DD, o juiz participado revelou grosseiro conluio com a R. EE e com o sócio KK, com o claro propósito de os favorecer, com lesão da A. A conduta do juiz é tanto mais grosseira e parcial quando é certo que considerou provados factos de posse aquisitiva da Autarquia em relação a todo o prédio em discussão, havendo mesmo prova pericial que revela ter a Autarquia adquirido parte do prédio em discussão, ter exercido posse pública e pacífica por mais de 40 anos sobre todo o prédio, e reconhecida por todos os munícipes como única dona de todo o prédio, o que contradiz a sentença. Independentemente do que vier a concluir-se no recurso interposto, requer a abertura de Inquérito e Processo Disciplinar contra o Juiz participado assumindo o participante que há fortes indícios de corrupção do magistrado acima identificado... ". 7. Em sessão do Conselho Permanente do Conselho Superior de Magistratura, realizado em 20/03/07, "Foi deliberado notificar o Exm.° Juiz de Direito do Círculo Judicial de ..., Dr. AA, para em 10 dias, se pronunciar sobre o teor do expediente remetido pelo Exm. ° Advogado Dr. BB, em que é visada a sua actuação no âmbito doproc. n. ° ... do ... Juízo Cível." 8. Com data de 17/04/07, o A. apresentou a sua resposta à participação elaborada pelo R. 9. Em sessão do Conselho Permanente do C.S.M., realizada em 22/05/07, foi tomada a seguinte deliberação: "Foi deliberado arquivar o expediente remetido pelo Exm.° Advogado Dr. BB, bem como a resposta do Exm.° Juiz de direito do Círculo Judicial de ... visado, Dr. AA, no âmbito do proc. n.° ..., do 3.° Juízo Cível, uma vez que não há qualquer fundamento para que, dos elementos referidos pelo expoente como objecto da sua discordância, se conclua por qualquer actuação interessada ou parcial do Exm.° Juiz. Mais foi deliberado não comunicar à Ordem dos Advogados uma vez que o Exmo. Juiz comunicou que irá actuar pela forma tida por conveniente.." 10. O A. sempre pautou a sua conduta profissional pela discrição, sensatez e humildade. 11. Sempre foi considerado pelos seus colegas e no C.S.M., pela generalidade dos vogais que o foram sucessivamente constituindo, um magistrado de mérito e idónea conduta profissional. 12. O A. com esta participação e seu teor, sentiu-se atingido na sua dignidade e honra, quer pessoal, quer profissionalmente. 13. O A. andou e anda preocupado com as consequências da conduta do R. 14. O A. receia que esta participação tenha afectado a sua reputação quer perante os seus colegas, quer perante os profissionais do foro com quem lida diariamente. 15. Em consequência, o A. anda deprimido, nervoso, ansioso e com perturbações de sono. 16. O R. exerce a sua profissão há cerca de 50 anos. 17. O R. ao longo destes anos sempre se mostrou um advogado combativo e exigente na defesa dos direitos dos seus clientes e da dignidade da ordem a que pertence, e que, pelo menos, até à elaboração da participação referida na alínea F), manifestou respeito para com todos os profissionais dos tribunais. 18. No período que decorreu este julgamento o R. esteve em França a instruir um complexo processo-crime e submeteu-se a exames do foro oncológico. 19. Estes factos perturbaram o R. do ponto de vista psíquico. 20. Encontrando-se ainda debilitado por via de complexas intervenções cirúrgicas e prolongados internamentos hospitalares. 21. Enquanto o R. alegava no âmbito do processo ..., o A. bocejou, revelando aparente fadiga. 22. O R., nessa ocasião, sugeriu um adiamento da audiência, caso o Magistrado A. necessitasse de descansar. 23. Findas as alegações do R., o A. virou-se na cadeira para o mandatário da parte contrária, dando a máxima atenção e aparente interesse à alegação deste. 24. Na parte final da participação referida em 6., o R. escreveu ainda: "... Prova: a dos Autos, devendo ser ouvidas as primeiras 6 testemunhas da Autarquia. Requer que se investigue quais os meios de fortuna do juiz arguido e com que meios adquiriu o prédio de ... em que reside...". 25. Na sua resposta à participação, referida em 8., o A., nos últimos dois artigos, escreveu o seguinte: "...14. O sr. Advogado permitiu-se mesmo investigar a vida pessoal do signatário, por mera discordância com a sua decisão, atitude que se entende inadmissível. 15. O signatário desde já se disponibiliza a autorizar a consulta das suas contas bancárias e todos e quaisquer outros elementos necessários a averiguar a sua situação financeira, juntando para apreciação de V. Exas. cópia da escritura de aquisição da casa que habita...". 5. - Objecto do recurso. Mérito da causa. 5. 1. - Concurso de requisitos da responsabilidade civil. Licitude do acto. 5. 1. 1. - O Recorrente sustenta que não concorre um dos requisitos da responsabilidade civil, pois que há falta de ilicitude do acto do Réu. Para tanto defende que, podendo até ter “avaliado mal as circunstâncias do caso”, não pode, por isso ficar inibido do “exercício do direito e do dever que praticou”, configurando-se um “quadro de conflito de interesses, em que o inquestionável direito à honra do A. não tem um valor superior ao direito do R. a apresentar queixa a quem de direito, a menos que se tivesse provado que a sua acção fora puramente gratuita ou malévola, o que não aconteceu”. Em causa está, indiscutivelmente, a ofensa e violação da honra e bom nome do Autor, bem como do direito à imagem, no campo dos direitos de personalidade, a encontrar tutela, a nível indemnizatório, como exercitado neste processo, nos arts. 483º e ss. e 562º e ss. do C. Civil, mediante preenchimento dos respectivos pressupostos, no tocante ao direito (à integridade moral) ilicitamente violado, por referência às normas dos arts. 25º-1 e 26º-1 da Constituição da República, 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 70º do Código Civil. O Recorrente não questiona que o conteúdo da participação seja ofensivo da honra ou bom nome, reputação e imagem do Recorrido. Em boa verdade, também não se vê como o pudesse fazer, tão óbvias e ostensivas são as imputações de parcialidade, propósito de favorecimento e fortes indícios ou sinais de corrupção, com a inerente imputação de elementos indicadores da prática do correspondente crime de corrupção passiva. Mas o Recorrente, que é Advogado, ao expor os factos que levou à participação teve ainda o persuasivo “cuidado” de, referindo-se a questões de natureza técnica e processual, invocar uma conversa telefónica em que o ora A. manifestou “o interesse em afastar a intervenção do colectivo do julgamento da matéria de facto…”. Assim, mais que qualquer Membro do CSM, qualquer pessoa que tivesse acesso à leitura da participação passaria a deter fundadas suspeitas sobre a independência, imparcialidade e honestidade do Juiz participado no exercício da sua função jurisdicional. 5. 1. 2. - Mas a Constituição da República, em seu art. 37º-1, bem como a DUDH (art. 19º) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 10º-1) também prevêem o direito à liberdade de expressão, como direito de exprimir e difundir o pensamento por qualquer meio de expressão, sem impedimentos ou discriminações. Sobre o exercício dessa liberdade, o n.º 2 do art. 10º da CEDH acautela que o mesmo “implica deveres e responsabilidades”, de que pode decorrer a submissão a “restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática (…)”, designadamente no tocante à “protecção da honra e direitos de outrem”. O direito ao bom nome e o direito à liberdade de expressão têm, em qualquer caso, na nossa Constituição a natureza de direitos fundamentais, ambos com assento no capítulo dos “direitos, liberdades e garantias pessoais”. Por isso, não é possível estabelecer-se, em abstracto, qualquer relação de prevalência ou de hierarquia entre os direitos consagrados pelas referidas normas da Lei Fundamental. Ambos se perfilam no mesmo patamar, portadores da mesma dignidade constitucional, a todos vinculam, são de aplicabilidade directa e apenas susceptíveis de restrições impostas por lei ou por outras normas ou princípios constitucionais, protectores de um “bem constitucionalmente valioso”, com respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (art. 18º CRP).
São, de resto, esses princípios que hão-de presidir à possibilidade de conciliação entre direitos fundamentais que se apresentem como incompatíveis, como pode suceder com a garantia do bom nome e a liberdade de expressão. Têm de aceitar-se, então, «restrições implícitas, derivadas também elas da necessidade de salvaguardar “outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos” (art. 18º-2 cit.; cfr. JORGE MIRANDA – RUI MEDEIROS, “Constituição Portuguesa Anotada, I, 160-162). Ainda conforme estes Autores, não sendo admitidos, para direito de livre expressão, nenhum tipo e nenhuma forma de censura, tal não significa que a liberdade de expressão não esteja sujeita «A concordância prática com outros direitos, designadamente com os direitos pessoais (artigos 25º, nº1 e 26º), estabelecendo a lei garantias efectivas contra a utilização abusiva ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e às famílias (artigo 26º,nº2)» (ob. cit., 430).
Referindo-se aos limites imanentes dos direitos fundamentais, só determináveis por interpretação, pelo facto de estarem apenas implícitos no ordenamento constitucional, o Prof. VIEIRA DE ANDRADE (in “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, 2ª ed., 284) escreve que «estes casos são muitas vezes contados como conflitos entre direitos e valores constitucionais ou colisões de direitos», para logo pôr em evidência que «importa distinguir nesta matéria situações que não podem ter o mesmo tratamento jurídico”, questionando-se se, por exemplo, “terá sentido … invocar a liberdade de expressão para injuriar uma pessoa”, ao que responde que, «nestes, como em muitos outros casos, não estamos propriamente perante uma situação de conflito entre o direito invocado e outros direitos ou valores, por vezes expressos através de deveres fundamentais: trata-se de algo mais ou de algo menos que isso. É o próprio preceito constitucional que não protege essas formas de exercício do direito fundamental...». Será, então, de considerar a existência de limites imanentes implícitos nos direitos fundamentais quando se possa afirmar, “com segurança e em termos absolutos, que não é pensável em caso algum que a Constituição, ao proteger especificamente um certo bem através da concessão e garantia de um direito, possa estar a dar cobertura a determinadas situações ou formas de exercício” (cit., pp. 286). A colisão ou conflito de direitos, por sua vez, pressupõe que se esteja perante uma situação em que, já adquirido que a Constituição protege dois valores em contradição numa determinada situação concreta, ocorrendo uma hipótese de conflito de direitos cuja solução terá de passar pela harmonização de ambos, na análise e ponderação das concretas circunstâncias em equação. Mais uma vez, na busca dessa concordância prática, há-de intervir o princípio da proporcionalidade, procurando a solução que se apresente mais conforme aos valores constitucionalmente tutelados (cfr., na lei ordinária, o art. 335º C. Civil).
Também visitando a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (disponível em www.gddc.pt/direitos-humanos/portugal.dh/acordaos-tedh.html), relativamente à violação do art. 10º da CEDH, se constata o constante apelo, como critérios de valoração sobre os limites da liberdade de expressão, à análise sobre a proporcionalidade dos conteúdos e modo de expressão utilizados aos fins visados, avaliando, designadamente, se aqueles representam um meio razoavelmente proporcionado à prossecução de um fim legítimo, assegurado pela liberdade de expressão, para além dos quais a protecção da honra e dos direitos de outrem justificam a intervenção e sanção como necessidade numa sociedade democrática.
A ofensa gratuita e desprovida de boa fé, segundo as regras próprias aplicáveis, é, em função do agente e da actividade em exercício, ilegítima. Como assinalado no acórdão deste Supremo de 13-01-2005 (proc. 04B3924), “tratando-se de juízos de valor exclui-se a prova da sua exactidão (acórdão do Tribunal constitucional de 24 de Março de 2004, n°201/04) impossível de realizar e atentatória da liberdade de expressão, importando somente que não se encontrem totalmente desprovidos de base factual, caso em que podem revelar-se excessivos (acórdão proferido no caso Rizos e Daskas c. Grécia, n°65545/01). Dentro destes parâmetros, tais juízos de valor encontram-se ainda sujeitos à apreciação da sua proporcionalidade (entre outros, os acórdãos deste Supremo de 15 de Janeiro de 2002, revista n°2751/02 e de 27 de Maio de 2004, revista n°1704/04, e o acórdão do Tribunal dos Direitos do Homem de 28 de Setembro de 2000, no caso Lopes Gomes da Silva, n°37698/97)”. 5. 1. 3. - Aqui chegados, importa voltar ao caso proposto para apreciação. Para o Recorrente a sua conduta foi lícita, enquanto manifestação do direito de apresentar queixa, a que não se sobrepõe o direito ao bom nome do Autor, só ficando excluída essa licitude se a sua conduta tivesse sido puramente gratuita ou malévola. A participação disciplinar contra o Recorrido contém, já se disse, uma ofensa à hora e reputação do mesmo, imputados que lhe foram factos penal e disciplinarmente ilícitos, objectivamente lesivos daqueles valores constitucionalmente garantidos.
Não se perde de vista que o direito de participar criminal e disciplinarmente é um direito dos cidadãos, podendo até constituir um dever, o que se admite quando existam fundadas suspeitas relativamente a factos como os que o Recorrente fez constar da participação que elaborou (arts. 32º da Lei n.º 21/85, de 30/7 e 46º-1 do DL n.º 24/84, de 16/1, então em vigor, ora art. 40º-1 da Lei n.º 58/2008, de 9/9). Por outro lado, a imputação dolosa da suspeita da prática de crime, visando a instauração de procedimento criminal ou disciplinar, integra o crime de denúncia caluniosa, previsto pelo art. 365º C. Penal. Tendo, em primeira linha, em oposição um direito à denúncia ou participação, criminal ou disciplinar, não se têm suscitado dúvidas sobre a prevalência do direito de denúncia sobre o direito à honra do denunciado que, por via dela, sai ferido (cfr. ac., desta Secção, de 18/12/2008 (proc. n.º 08A2680, citando o ac. de 18 de Novembro do mesmo ano (proc. 08B3227).
O problema da licitude coloca-se, como resulta do anteriormente expendido, numa segunda linha, isto é, no confronto entre o direito ao bom nome e reputação com o conteúdo e modo de apresentação da denúncia. Remete-se, assim, agora, para ponderação da necessidade e proporcionalidade entre os elementos vertidos na participação e a sua adequação, em função das expressões utilizadas, como instrumento vulnerante da reputação do visado. É, com efeito, a esse nível, que não já no direito de denunciar, que se coloca o problema de saber se, em concreto, há conflito entre os dois direitos e, consequentemente, a harmonizar, ou se, mesmo em momento logicamente anterior, não deve considerar-se que a conduta do denunciante é de tal forma injustificada que acaba por não corresponder realmente ao exercício do direito com o qual formalmente se apresenta o direito de denúncia, por com ele se não identificar o respectivo conteúdo. No acórdão recorrido assim se entendeu, depois de ter concluído, invocando o ponderado na sentença da 1ª Instância, estar afastada “a alegada actuação na convicção do exercício de um direito e da prática de um dever, ou a também alegada defesa dos interesses do constituinte do apelante, ou, ainda, a alegada debilidade pessoal (…)”. Nessa perspectiva, o absoluto afastamento de fundamento para apresentação da denúncia, deixa, sem mais, a descoberto de qualquer protecção jurídica, nomeadamente em sede de licitude, as expressões utilizadas, objectivamente ofensivas da honra do Recorrido. E, efectivamente, não se pode deixar de acompanhar as Instâncias em considerações como as que referem que: - a participação não se pode haver como inserida nos poderes e deveres que aos mandatários judiciais incumbe na defesa dos respectivos mandantes, apresentada que foi mais de um ano após a decisão de facto e quase dez meses após a sentença; - o Recorrente sabia que ia caluniar, agredir gravemente e desacreditar o Recorrido, enquanto magistrado; - sabia que colocava meras suspeitas, às quais pretendeu conferir credibilidade ao relatá-las, como acontece logo com a – falsa, face à estrita regulamentação legal (art. 646º CPC) – relatada manifestação de «interesse em afastar a intervenção do colectivo do julgamento»; - a doença oncológica e as perturbações físicas e psíquicas com ela relacionadas, que, como provado, terão ocorrido no período em que decorreu o julgamento, não deixaram o Réu tolhido de lucidez, ou ao menos, não se mostra que de incapacidade intelectual padecesse ao tempo da participação (mais de um ano depois). De notar, quanto a este ponto, que o R., pretendendo justificar o conteúdo da queixa, alegou, mas não provou, ter tomado conhecimento de que o KK se gabou continuamente de ter todas as garantias de um julgamento favorável, tal como falhou a prova de que elaborou a participação por entender que a mesma era relevante para a defesa dos interesses da sua constituinte, sendo certo que não se percebe que não fosse possuidor da identidade de quem lhe deu conhecimento da actuação do KK, indicando o(s) informadore(s) como meio de prova na participação. Do estrito ponto de vista do conteúdo da denúncia, sem prejuízo, insiste-se, de dever ser sempre assegurada a irrenunciável possibilidade de participar, nada impede que se deva conter dentro de certos limites. A denúncia não será ilícita se o participante mantiver o respectivo conteúdo balizado pelos limites que a lei põe à sua disposição para o exercício do direito e prossecução dos interesses juridicamente protegidos, sendo que “um dos limites radica-se na distinção entre “factos” e “juízos de valor” (ac. de 18/11/2008, cit.). Efectivamente, como no referido aresto se argumenta, “o artigo 241.º do CPP alude a “notícia do crime” e o que seja “crime” está na alínea a) do artigo 1.º, a ele escapando juízos de valor que possam provir do denunciante”, tal como o art. 46º do EDFP alude à participação da “infracção disciplinar”. Nesse conspecto, os termos da participação “devem limitar-se à narração dos factos, sem emissão de quaisquer juízos de valor ou lançamento de epítetos sobre o denunciado. Se tais juízos de valor ou epítetos integrarem “a se” uma ofensa à honra, então a denúncia pode, por essa razão, ser ilícita cedendo o respectivo direito perante a honra” (ac. de 18/12/2008, cit.). Numa palavra, se o participante, em vez de se limitar à narração de factos – que tenha por verdadeiros ou não saiba serem falsos -, “entra em juízos de valor”, a sua conduta não é justificada, deixa de ser protegida e coloca-se no campo do ilícito. Por outro lado, quando a verdade dos factos seja desrespeitada e as imputações ou acusações se não apoiem em factos, surgindo desmotivadas e autonomizadas no campo da pura ofensa, deixa de haver objecto sobre o qual deva incidir qualquer justificação. Sai, então, violado o direito a não ser ofendido na honra e dignidade, ou seja, o direito fundamental da personalidade ao bom nome e reputação.
Estamos perante imputações que constituem juízos valorativos, pessoalmente assumidos, puramente gratuitos e injustificados, lançados na participação com perfeito conhecimento de que, através dos mesmos se estava a agredir gravemente o bom nome do Recorrido e a lesar a sua imagem, desacreditando-o, enquanto magistrado Entende-se, pois, que as afirmações vertidas na queixa, mormente os mencionados epítetos valorativos, com a consciência de denegrir a reputação do Autor, são, não só manifestamente desnecessárias e, como tal, desadequadas à prossecução de quaisquer interesses legítimos de natureza disciplinar ou criminal, com relevância pública ou particular, bem como desproporcionadas no cotejo com a concreta factualidade de que se apresentam como juízos conclusivos e, sempre, injustificadas relativamente aos interesses ou objectivos que o Réu, enquanto Advogado, tinha por missão, dever ou direito propor-se defender, em regular exercício do direito de denúncia. Quando assim se age, já não está em causa a livre expressão de ideias ou de exposição de factos, nos termos consagrados nos referidos preceitos da Constituição e da Convenção dos Direitos do Homem. Acresce, ainda, que a actuação surge em concretização de um acto amadurecido, consciente e livre, e não como produto de um momento de menor reflexão, surgido no impulso de narrar vicissitudes do julgamento e seu resultado, como bem reflecte o hiato temporal que mediou entre as decisões e a queixa. Em suma, a boa fé, na sua vertente objectiva, que é a (única) relevante para efeito de apreciação da licitude, está absolutamente ausente. Já se disse que se consideram “gratuitas” as desonrosas imputações atribuídas ao Autor, despidas como se apresentam de qualquer conteúdo, suporte ou finalidade úteis. Agora, se, por “malévolo”, se deve entender algo que “denota má vontade ou má intenção contra alguém; que causa dano; que prejudica” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea – Academia das Ciências de Lisboa), também não podemos acompanhar o Recorrente quando sustenta que a sua acção não foi, como - presumindo-o, nos termos previstos e admitidos pelo art. 449 C. Civil - consideraram as Instâncias, malévola. Presente, pois, em razão da não exclusão da conduta ilícita do Réu, o requisito ilicitude da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar de que é fonte. 5. 2. - Montante indemnizatório. O Recorrente acusa de desproporcionada e arbitrária a indemnização arbitrada, propondo, em sua substituição, quantia não superior a 2.500,00€, assumindo a natureza simbólica que as circunstâncias da causa sempre justificariam. Acrescenta, por outro lado, que o montante encontrado e impugnado se afasta, em termos manifestos, da prática jurisprudencial.
Divergindo, porém, no quantum compensatório, a 1ª Instância fixou-o em 50 mil euros, montante que a decisão recorrida duplicou. Como é sabido, a indemnização por danos não patrimoniais destina-se a, na medida do possível, proporcionar ao lesado uma compensação que lhe permita satisfazer necessidades consumistas que constituam um lenitivo para o mal sofrido. Deve, ela, abranger as consequências passadas e futuras resultantes das lesões emergentes do evento danoso –art. 496º-1 C. Civ.. Trata-se de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente, como acontece com a indemnização, mas tão só um almejo de compensação que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro. O critério de fixação é, como prevê a lei, o recurso à equidade, devendo atender-se, em qualquer caso, ao critério de valoração e montantes que as decisões judiciais vêm encontrando para casos análogos, paralelos ou equiparáveis, como postulado pela segurança jurídica e igualdade de tratamento (arts. 496º e 494º C. Civil). A lei não define nem enuncia os elementos a atender, pois que se queda por um conceito, também ele aberto ou indeterminado de “gravidade merecedora da tutela do direito”, a ser, a um tempo, medida da ressarcibilidade do dano e do respectivo quantum. Hão-de sempre ponderar-se a gravidade do dano, a culpabilidade do lesante, a situação económica do lesado e do responsável, e, em geral, as regras de prudência e bom senso, sem desprezar a prática jurisprudencial perante situações idênticas ou análogas. Ora, todos esses elementos foram, como já se assinalou, devidamente convocados e ponderados nas Instâncias em vista da fixação das quantias compensatórias, no seu necessário confronto com a factualidade provada. O grau de culpa do Réu, tendo presente a relatada conduta, não é de molde a mitigar a sua responsabilidade, com consequências na redução da compensação que deva ser arbitrada, designadamente quanto ao reclamado valor simbólico. Quanto à prática jurisprudencial reportada a esta espécie de danos, na sua relação com o meio utilizado pelo agente e a pessoa do lesado, é escasso o leque de decisões (ao menos conhecidas). Apesar disso, não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas. É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”.
Assim, afigurando-se-nos encontrar-se mais próximo dos padrões utilizados noutras decisões (cfr., vg., os acs. de 08/3/2007- proc. 07B566; 09/12/2008-proc. 08A2613; 14/01/2010-proc.1869/06.0TVPRT.S1; e, 25/3/2010-proc.576/05.6TVLSB.S1), e, consequentemente, da vinculação devida aos princípios de igualdade e proporcionalidade, não se encontram razões que, em juízo de equidade, imponham alteração do montante compensatório que, com referência à data da sentença, foi encontrado pela 1ª Instância. Prevalece, pois, a fixação do montante compensatório nos referidos 50.000,00€, com juros moratórios, à taxa legal, desde 22/4/2010. 6. - Isenção de custas do Autor. Constitucionalidade Em causa, pois, a conformidade da norma do art. 17º-1-g) do EMJ com o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição da República, em que se fundou a isenção de custas. Já acima se deixou dito que se acompanhavam as Instâncias na consideração que “a participação não se pode haver como inserida nos poderes e deveres que aos mandatários judiciais incumbe na defesa dos respectivos mandantes, apresentada que foi mais de um ano após a decisão de facto e quase dez meses após a sentença”. O R. agiu em nome próprio, fora do âmbito do mandato judicial ou representação, que não invocou. A al. g), em referência, estabelece “a isenção de preparos e custas em qualquer acção em que o Juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções”. Não se consegue retirar da parcimoniosa alegação do Recorrente se pretende, mediante o apelo à regra da igualdade, ver o A. também condenado em custas, ou se, como parece decorrer da alegada prática dos actos “no âmbito de um patrocínio”, ser delas também isentado. Seja como for, importa apreciar a questão colocada.
A norma em questão foi introduzida pela Lei n.º 10/94, de 5/5, e, como se fez constar da respectiva «exposição de motivos», teve em vista a concretização do Programa do XII Governo Constitucional, no que respeita à política de justiça e judiciária, «sendo preocupação fundamental a dignificação da respectiva função, enquanto titulares de órgãos de soberania (art. 205º, n.º 1 da Constituição), enquadrando-se “nos objectivos enunciados pelo legislador relativamente à «dignificação da magistratura judicial»”, desde que verificados cumulativamente certos pressupostos, entre os quais avulta o de a acção dever fundar-se em factos relacionados com o exercício das funções de juiz (cfr. ac. TC n.º 466/97, de 2/7/97, BMJ 469º- 59). Assim, o benefício da isenção só tem lugar quando a lide tenha por objecto factos directamente conexionados com o exercício das funções próprias do juiz, não se bastando a lei com qualidade de magistrado judicial. A isenção não tem, deste modo, natureza subjectiva, mas processual ou objectiva. Ora, porque assim é, na medida em que a lei que concede a isenção considera tais requisitos como suficientemente distintivos e relevantes para justificar um tratamento diverso do geralmente concedido, não tratando de forma diferente situações iguais ou objectivamente equiparáveis, como exigido pelo princípio de igualdade, crê-se que a norma dá resposta bastante às exigências de uma discriminação constitucionalmente justificada, sendo certo que não afronta qualquer dos fundamentos de proibição de discriminação especialmente enunciados no n.º 2 do art. 13º. De relevar, aqui, que sobre a específica questão já se pronunciou, mais que uma vez, o Tribunal Constitucional. Assim, no acórdão n.º 460/2001, de 24/10/2001 (proc. 553/00), depois de postos em evidência os mencionados requisitos de atribuição da isenção, ao que aqui releva, ponderou-se: “E no Acórdão n.º 121/2000, ainda por publicar, escreveu-se sobre esta norma: "Assim, há-de entender-se que a Constituição não vinculou o legislador, em matéria de regime de custas dos magistrados, a condição alguma (...), sendo as suas opções, antes e depois da alteração legislativa de 1994, igualmente compatíveis com o texto constitucional. Ora, pode certamente formular-se um juízo de política legislativa quanto à solução preferível, tal como pode optar-se por uma certa interpretação do regime vigente. O que não pode é, dentro dos referidos limites, invalidar-se esta por razões de constitucionalidade, e só essa tarefa poderia desempenhar este Tribunal (…)”. É tal decisão de inconstitucionalidade da norma em questão que há que repetir no presente processo, revelando-se manifestamente improcedentes os argumentos retirados pela recorrente do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição – não só o papel de advogados e juízes na administração da justiça é bem distinto (o que desde logo poderia ser tomado como fundamento razoável para a distinção de ambos quanto à isenção de custas) como não pode deixar de entender-se como perfeitamente razoável que o Estado isente de custas resultantes de processos fundados em factos, comportamentos ou razões directamente conexionados com o exercício das suas funções apenas os juízes, enquanto agentes da administração da justiça que integram o órgão de soberania que são os tribunais e cuja função de julgar mais directamente os pode expor à litigância”. Tem-se, por tais razões, a norma do art. 17º-1-g) do EMJ como não violadora do princípio da igualdade e conforme ao princípio acolhido no art. 13º-1 da Constituição. Em consequência, mantém-se o decidido quanto a isenção de custas do Autor e, pelas mesmas razões, neste acórdão, far-se-á a devida aplicação da norma. 7. - Decisão.
Em conformidade com tudo o exposto, acorda-se em:
- Rejeitar o recurso na parte – quanto às questões - em que tem por objecto a selecção e fixação da matéria de facto; - Conceder, quanto ao mais que constitui o objecto do recurso, parcialmente a revista; - Revogar, em consequência, também parcialmente, o acórdão impugnado; - Repor em vigor o decidido na sentença da 1ª Instância; e, - Condenar nas custas o Recorrente, na proporção do respectivo vencimento, mantendo-se, quanto às que ao Recorrido seriam imputáveis, a isenção atribuída pelo art. 17º-1-g) do EMJ.
Lisboa, 17 Abril 2012
Alves Velho (Relator) Paulo Sá Garcia Calejo |