Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P1779
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
RECORRIBILIDADE
DATA DA PROLAÇÃO DA DECISÃO CONDENATÓRIA
MEDIDA DA PENA
RECURSO DE REVISTA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
RELATÓRIO SOCIAL
Nº do Documento: SJ200806250017793
Data do Acordão: 06/25/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário :
1 – Tem vindo a entender-se, por consenso no STJ, por forma preservar a igualdade na aplicação da lei e sustentasse a previsibilidade que na matéria de aplicação da lei no tempo se impõem, face à inexistência de qualquer disposição transitória, designadamente na fase de recurso que, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
2 – A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
3 – Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
4 – A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
5 – É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
6 – É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
7 – A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
8 – A escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito, sindicável por via de recurso, mas com limitações no recurso de revista.
9 – Tendo a arguida de 24 anos de idade. Sem antecedentes criminais, com uma filha de tenra idade, participado no tráfico conduzido essencialmente pelo seu companheiro, de Junho a Agosto do ano de 2006, traduzido na venda de heroína, cocaína e haxixe a consumidores que procuravam esses produtos, tendo sido apreendidos 430,856 grs de heroína, 24,698 grs de cocaína e 36,190 grs de haxixe, tem-se por adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
10 – Essa pena impõe a consideração da suspensão da execução e se já no recurso para a Relação e agora no recurso para o STJ, clama a recorrente que, desde a data do acórdão em primeira instância a arguida mudou de vida, e veio trabalhar para outra casa de família, lá fazendo limpezas bem como noutras casas onde pratica a actividade de empregada de limpeza, praticando assim um trabalho honesto e digno que lhe permite proporcionar a si e à sua filha o sustento que necessitam, necessário se torna a elaboração de um relatório social na reabertura da audiência, nos termos do art. 371.º do CPP, e logo a remessa dos autos para tal efeito à 1.ª Instância.
Decisão Texto Integral:
1.

O Tribunal Colectivo do 1.º Juízo de Albufeira – Círculo Judicial de Loulé (proc. n.º 389/06.8OAABF), por acórdão de 6.7.2007, julgou parcialmente procedente a acusação e, em consequência, condenou os arguidos AA e BB pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas 1-A, J-B e J-C anexas, na pena de 9 (nove) anos de prisão, o primeiro e de 7 (sete) anos de prisão, a segunda.

Inconformados os arguidos AA e BB recorreram para a Relação de Évora (proc. n.º 2961/07-1) que, por acórdão de 12.2.2008, decidiu conceder provimento parcial ao recurso, alterando as penas relativas ao tráfico de estupefacientes aplicadas pela primeira instância e condenando os arguidos AA e BB, para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, para o primeiro e de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, para a segunda.

Ainda inconformados recorreram ambos os arguidos para este Supremo Tribunal de Justiça, impugnando a medida da pena.

Por despacho de fls. 1083, foi dado sem efeito o recurso do arguido AA, por não ter pago a taxa de justiça devida pela interposição de recurso.

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu propugnando a rejeição do recurso por inadmissível, face à dupla conforme condenatória.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público que se pronunciou detalhadamente pela inadmissibilidade do recurso, face ao entendimento anterior deste secção.

Foi cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP.

Cumpre, assim, conhecer e decidir.

2.1.

E conhecendo.

Como salientou o Ministério Público neste Tribunal, vinha entendendo esta Secção, em casos idênticos, que era inadmissível o recurso, por se ter como relevante para a determinação da aplicação da lei nova, quanto a recorribilidade, a data da prolação de decisão concretamente recorrida.

Perante divergências jurisprudenciais detectadas quanto a esta questão de direito, o Ministério Público interpôs já recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência que foi já distribuído.

Face a esta situação, os juízes chegaram informalmente a um consenso que preservasse a igualdade na aplicação da lei e sustentasse a previsibilidade que nestas matérias se impõem, assim se visando ultrapassar aqueles problemas de entendimento e decisão que se vinham desenhando no seio do Supremo Tribunal de Justiça, face à inexistência de qualquer disposição transitória visando antecipar a resolução antecipada dos problemas de aplicação da lei no tempo que se viessem a colocar, designadamente na fase de recurso e funda-se nos seguintes argumentos.

Passou-se pois a entender (com AcSTJ de 29/05/2008, proc. n.º 1313/08-5, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho e subscrito pelo Relator dos presentes autos, cuja linha argumentativa se retoma aqui integralmente) que, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.

A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).

Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.

A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.

É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.

É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.

A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.

Neste termos, e uma vez que a decisão condenatória de 1.ª Instância é de 6.7.2007, admitindo então recurso a decisão que veio a ser proferida pela Relação, conhecer-se-á do presente recurso.

2.2.

É a seguinte a factualidade apurada.

Factos provados.

lp. O arguido AA, conhecido por “Alex”, dedicou-se à venda de estupefacientes, pelo menos no período compreendido entre os meses de Junho e Agosto de 2006, participando com ele nessa actividade, de forma conjunta e concertada, a arguida BB, operando em Albufeira, sobretudo na zona da Mosqueira e das Fontaínhas, e mais tarde em Loulé, no sítio da Cascalheira.

2p. Enquanto residiram nas Fontaínhas, o produto estupefaciente era por eles também dissimulado no interior da bagageira de uma carrinha de caixa aberta, de cor branca com a matrícula RC-2l-73, que se encontrava estacionada nas proximidades da sua residência, tendo o arguido AA, pelo menos no dia 2 de Agosto de 2006, ido retirar produto estupefaciente, que removeu para outro local.

3p. Dum modo geral, a arguida BB, por ter uma filha de meses, permanecia na residência, daí dando o seu contributo à actividade de tráfico de estupefacientes a que ambos se dedicavam, designadamente vindo ao exterior entregar as quantidades de droga pretendidas.

4p. O arguido AA utilizava frequentemente o veículo “Citroen AX”, com vista a deslocar-se mais rapidamente e assim iludir eventuais vigilâncias policiais, bem como para se dirigir aos locais onde comprava a droga para revenda, e bem assim aos locais onde sabia que estavam os consumidores a quem vendia.

5p. Assim, no dia 3 de Agosto de 2006, cerca das 22.30 horas, o arguido AA, após ter recebido uma chamada no telemóvel, aguardou à porta da sua residência a chegada do veículo “Ford Mondeo” …-…-…, onde se faziam transportar CC; DD, EE e FF, todos toxicodependentes que ali se dirigiram com o único propósito de adquirirem droga.

6p. Estas pessoas, pagando quantia não apurada, adquiriram ao arguido AA 6 sacos de heroína, pesando 5,98 5 gramas, 1 saco com 5 panfletos de heroína pesando 0,848 gramas, 1 panfleto de heroína pesando 0,288 gramas, 1 saco de cocaína pesando 0,466 gramas e vários fragmentos de haxixe com o peso de 36,190 gramas.

7p. Cerca das 10.20 horas do dia 31 de Agosto de 2006, os arguidos AA e GG saíram do interior da residência do sítio da Cascalheira entraram no dito veículo “Citroen AX” …-…-…, tomando o arguido GG o lugar do condutor e ocupando o arguido AA o lugar ao seu lado.

8p. Em seguida, entraram na EN125 no sentido Faro-Albufeira, até que foram abordados por militares da Brigada de Trânsito da GNR de serviço ao controlo da velocidade.

9p. O militar HH, uniformizado e no cumprimento das suas funções, abordou o arguido AA e solicitou-lhe os documentos, tendo o arguido respondido que não os tinha consigo, após o que saiu do veículo e disse que ia telefonar a sua mulher, a fim de que esta levasse os referidos documentos.

10p. Todavia, questionado pelo mesmo militar sobre o que continha bolsa que trazia à cintura, o arguido aplicou-lhe uma palmada no peito e pôs-se em fuga, sendo então perseguido e capturado.

11p. O arguido AA ponderou que podia ser detido, por possuir droga, e afastou o agente da GNR para poder fugir, sendo certo que, ao ser alcançado e capturado, não ofereceu resistência.

12p. Enquanto fugia, porém, o arguido AA atirou para o telhado duma casa velha um saco que, recuperado, revelou conter 102 sacos de heroína de diversos tamanhos, pesando 140,135 gramas, e 34 sacos de cocaína pesando 16,483 gramas.

l3p. Estas quantidades de droga destinavam-se a venda a consumidores.

14p. Nestas circunstâncias, o arguido AA trazia consigo o seguinte: um fio de metal dourado, com medalha de ouro, uma bolsa contendo um telemóvel “Samsung”, e uma faca.

l5p. E o arguido GG trazia consigo o seguinte: uma bolsa contendo um relógio, um telemóvel “Nokia 6020”, um telemóvel “Nokia 6600” e a quantia de 27,77 Euros em dinheiro.

l6p. No porta bagagens do dito Citroen AX …-…-…, havia uma máquina de filmar com o seu estojo e acessórios.

l7p. Pelas 11.15 horas do mesmo dia 31 de Agosto de 2006, em busca à residência do dito sítio da Cascalheira, foi encontrado, no quarto dos arguidos AA e BB, o seguinte:

a — No interior da primeira gaveta da mesa de cabeceira do lado esquerdo da cama: três sacos de plástico contendo 54,08 Euros em moedas e um saco de plástico contendo 320 Euros em notas.

b — Sobre a mesma mesa de cabeceira: uma balança digital, um relógio, um par de binóculos e um fio com pendente, ambos dourados.

c — Atrás da mesma mesa de cabeceira e no chão: um saco de plástico contendo rodelas de plástico.

d — Do lado esquerdo da mesma mesa de cabeceira e no chão: uma mala de senhora com oito maços de notas, cada maço com 500 Euros, perfazendo ao todo 4.000 Euros.

e — Na cabeceira da cama: uma caixa de telemóvel contendo um telemóvel “Samsung”.

f— Sobre o guarda-fato: uma balança de precisão.

g — Sobre a cómoda: um televisor “Mitsai”, uma tesoura e dois sacos de plástico com rodelas.

h — No chão junto à cómoda: uma máscara.

— No interior da primeira gaveta da mesa de cabeceira do lado direito da cama: um telemóvel “Nokia”, um cartão TMN e um relógio.

J — Atrás desta mesa de cabeceira: um saco com rodelas de plástico.

l8p. Durante a mesma busca, no quarto do arguido GG foi encontrado o seguinte:

a — No interior da gaveta esquerda da cómoda do lado direito: um envelope com a quantia de 940 Euros em dinheiro.

b — Sobre a mesma cómoda: um rádio.

c — Na terceira gaveta da cómoda do lado esquerdo: um telemóvel “Nokia 3310”, um canivete múltiplo e uma navalha.

d — Sobre esta mesma cómoda: um par de binóculos.

e — Sobre a mesa de cabeceira: um telemóvel “Samsung” e a bateria de um telemóvel “Siemens”.

l9p. Durante a mesma busca foi encontrado na sala o seguinte:

a Sobre o sofá: um telemóvel “Siemens” e uma bolsa com documentos.

b — No móvel da televisão: um televisor e uma aparelhagem sonora.

e — Sobre uma mesa à entrada: um telemóvel “Samsung”.

20p. Durante a mesma busca foi encontrado no jardim o seguinte:

a — Junto da rede de protecção: vários sacos e rodelas de plástico.

b — Na escada dum anexo, dentro dum saco com ferramentas de pedreiro: uma embalagem de plástico cor-de-rosa, originariamente de detergente da marca “Blanka”, contendo dois sacos de heroína com o peso de 283,6 gramas e um saco de cocaína com o peso de 7,739 gramas.

c — Na mesma escada, no interior dum saco de plástico com roupa suja: um saco com dezasseis sacos de heroína pesando 15,87 gramas, mais dois sacos de heroína com o peso de 8,598 gramas.

2lp. Os objectos pertencentes aos arguidos AA e BB provinham da venda de droga.

22p. A máscara apreendida adequava-se a utilização durante o manuseamento da droga, designadamente ao acondicioná-la em doses.

23p. A tesoura era utilizada pelos arguidos AA e BB para dividirem a droga em pequenas doses, as balanças eram usadas para pesá-la e os recortes para embalá-la.

24p. A droga encontrada pertencia aos arguidos AA e BB, os quais destinavam à venda a consumidores.

25p. O dinheiro pertencente aos arguidos AA e BB provinha do produto das vendas de droga a consumidores.

26p. Os telemóveis pertencentes aos arguidos AA e BB serviam para contacto com os consumidores a quem forneciam droga.

27p. Os arguidos AA e BB não têm emprego estável, nem fonte de rendimentos lícitos, vivendo apenas do produto da venda de heroína, cocaína e haxixe.

28p. Os arguidos AA e BB sabiam que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes lhes está vedada por lei, bem como conheciam as características da heroína, da cocaína e do haxixe.

29p. Os arguidos AA e BB agiram sempre de modo livre, deliberado e consciente, querendo deter e vender heroína, cocaína e haxixe, cientes do carácter reprovável das suas condutas.

30p. Os arguidos são todos isentos de passado criminal conhecido.

3lp. O arguido AA é pai de dois filhos e faz, ocasionalmente “biscates” como servente de pedreiro.

32p. A arguida BB e o arguido AA são pais duma filha nascida em 15 de Setembro de 2005.

Factos não provados

1NP. Que arguidos AA e BB tivessem vendido droga a consumidores no sítio das Fontaínhas no dia 9 de Agosto de 2006.

2NP. Que o arguido GG tenha estado no sítio das Fontainhas no dia 9 de Agosto de 2006.

3NP. Que a navalha pertencente ao arguido GG fosse ou tivesse sido utilizada para dividir droga em doses.

Não se apuraram outros factos com interesse para a decisão da causa. Não foram consignadas, igualmente, considerações gerais, nem forma incluídos factos implicitamente decorrentes de outros e já explicitamente provados ou não provados na sede própria.

2.2.

Sustenta a recorrente que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene os arguidos numa pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos (conclusão 2.ª), por ser demasiado elevada, atendendo aos critérios do art. 71.º do C. Penal, de acordo com os fins que pretende obter (prevenção) (conclusão 3.ª).

Sendo a determinação da medida da pena” dentro dos Limites mínimos será feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção” e atento o disposto nos art°s 71.º, 72.º e 73.º os limites da pena podem ser reduzidos (conclusão 4.ª), no caso sub júdice a pena de prisão deve ser aplicada atendendo ao facto de a arguida não ter antecedentes criminais, não tendo nunca estado presa (conclusão 5.ª), mais, tendo em conta a idade da recorrente 24 anos à data da prática dos factos, a medida da pena aplicada pelo Tribunal “a quo”, por tão largo período, vem restringir a sua reintegração na sociedade (conclusão 6.ª).

Sendo que ambos os arguidos têm, em comum, uma filha menor, ainda bebé, que necessita dos cuidados dos seus progenitores, designadamente da mãe, que sempre tem cuidado e vivido com a menor desde que nasceu, ficando esta sempre a seu cargo, sozinha, principalmente desde que o arguido AA ficou em prisão Preventiva (conclusão 7.ª) e retirar à filha os seus pais, nomeadamente sua mãe e entregá-la em mãos alheias não será certamente o melhor para esta, e em muito prejudicando o seu crescimento e desenvolvimento enquanto ser humano pequenino que é e portanto dependente (conclusão 8.ª).

Até porque, desde a data do acórdão em primeira instância a arguida mudou de vida, e veio trabalhar para outra casa de família, lá fazendo limpezas bem como noutras casas onde pratica a actividade de empregada de limpeza, praticando assim um trabalho honesto e digno que lhe permite proporcionar a si e à sua filha o sustento que necessitam (conclusão 9ª).

Face à matéria de facto provada, ao ilícito praticado e às necessidades de prevenção especial e geral que no caso se faziam sentir, afigura-se, salvo devido respeito, por diversa opinião suficientemente adequada às finalidades da punição a aplicação aos arguidos da pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos no caso da recorrente BB e 4 anos e seis meses de prisão no caso do recorrente AA (conclusão 10ª)

Pelas razões amplamente deduzidas, não tendo o Tribunal a quo considerado todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do arguido, na aplicação da medida concreta da pena aplicada ao arguido, foram violadas as disposições dos art°s 2°, 40°, 69° e 71° do C. Penal (conclusão 11ª).

Pronunciando-se sobre a questão da medida da pena escreveu o Tribunal recorrido:

«Para a determinação da medida da pena o tribunal [de 1.ª instância] teve em conta: as elevadas necessidades de prevenção geral (protecção dos valores jurídicos ofendidos pelas condutas) e de prevenção especial (dissuasão activa e passiva dos arguidos em relação à reiterada prática de novos factos delituosos); o dolo directo e muito intenso; a elevada ilicitude; o não darem mostras de se terem compenetrado do carácter negativo das suas condutas; a falta de assunção das suas responsabilidades; a supremacia acentuada da actividade do arguido AA sobre a da BB; o facto do arguido executar alguns biscates como servente de pedreiro sem carácter de permanência e de continuidade; o facto da arguida não exercer qualquer profissão e o serem sustentados ambos pela actividade de venda de estupefacientes; a circunstância dos factos provados ficarem próximos do tráfico agravado na modalidade de venda a um grande número de pessoas e a ausência de circunstâncias atenuantes. (…)

Por sua vez, a arguida vem alegar que a pena é excessiva que deve ser reduzida para 4 anos suspensa na sua execução uma vez que o tribunal não teve em consideração: o não ter antecedentes criminais, o ter uma filha com poucos meses de idade, o ter um emprego estável numa casa de família onde faz o trabalho doméstico, o estar bem inserida familiarmente e o ser uma jovem com 24 anos à data dos factos.

Quanto às circunstâncias invocadas pelos recorrentes no sentido de serem reduzidas as penas umas não se provaram, outras têm pouca relevância. Pelo que passaremos a analisá-las:

Não está provado que: os arguidos estão bem inseridos familiarmente, se tal acontecesse provavelmente não se dedicariam ao tráfico de heroína e cocaína, que provocam efeitos nefastos no tecido social, designadamente, na degradação da juventude e na própria célula familiar; que o arguido AA sustenta a sua família com proventos que aufere no exercício da profissão de pedreiro; que a arguida tem um emprego estável numa casa de família onde faz o trabalho doméstico.

No acórdão recorrido refere-se que não existem circunstâncias atenuantes, no entanto os arguidos são delinquentes primários, e têm uma filha menor a cargo, circunstâncias que apesar de serem pouco relevantes neste tipo de crime, não deixam de ter aquela natureza.

Importa ainda ter realçar que, os arguidos se dedicaram ao tráfico durante os meses de Junho de 2006 a Agosto do mesmo ano, período que não é longo e que foram apreendidas as quantidades de estupefacientes, constantes dos pontos 6p.,l2.p., 20p.b) e c) da matéria provada, que totalizam 455,324 grs. de heroína, 24,688 grs. de cocaína e 36,190 gramas de haxixe que lhes pertenciam, e ainda as elevadas quantias monetárias que detinham provenientes do tráfico, na busca efectuada na sua residência foram encontrados no quarto dos arguidos, na mala da arguida 4.000 euros.

Ponderando os elementos tidos em consideração pelo tribunal da primeira instância, o período durante o qual se dedicaram ao tráfico de estupefacientes, o facto de serem delinquentes primários e terem um filha menor a cargo, e as circunstâncias mencionadas no parágrafo que antecede, consideramos como justo e adequado aplicar ao arguido AA a pena de 7 anos e 6 meses de prisão e à arguida BB a pena de 5 anos e seis meses de prisão.»

De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do C. Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do C. Penal dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
Também é sabido que, em recurso de revista, se colocam alguns limites ao poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.
Vejamos, no entanto, a questão mais de perto.
Numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
O grau de ilicitude do facto, ou seja o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente:
– A actividade de tráfico, em que participou a recorrente, estendeu-se de Junho a Agosto do ano de 2006, e traduziu-se na venda de heroína, cocaína e haxixe a consumidores que procuravam esses produtos, entre os produtos apreendeu ao co-arguido, companheiro da recorrente, aquando da fiscalização do trânsito, que detinham em casa e que comprovadamente venderam, contabilizam-se 430,856 gramas de heroína, 24,698 gramas de cocaína e 36,190 gramas de haxixe.

– Na sua residência tinham ainda 4374,08 euros em dinheiro, proveniente do tráfico, e instrumentos destinados ao mesmo tráfico, como duas balanças digitais, vários sacos de plástico contendo rodelas de plástico, uma tesoura e uma máscara, para a manipulação daqueles produtos, telemóveis que eram usados para os contactos com os compradores, objectos provenientes da venda de droga.

– Dum modo geral, a recorrente, por ter uma filha de meses, permanecia na residência que partilhava com o pai da sua filha, daí dando o seu contributo à actividade de tráfico de estupefacientes a que ambos se dedicavam, designadamente vindo ao exterior entregar as quantidades de droga pretendidas. As restantes operações de traficam ficavam a cargo daquele.

A intensidade do dolo ou negligência:
– O dolo é directo é directo, como normalmente sucede neste tipo de actividade e intenso.

– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram:
– Os arguidos agiram para intuito lucrativo.

As condições pessoais do agente e a sua situação económica:
– A recorrente, que tinha 24 anos à data dos factos, não tinha emprego estável, nem fonte de rendimentos lícitos, vivendo apenas do produto da venda de heroína, cocaína e haxixe.

– A recorrente e o arguido AA são pais duma filha nascida em 15 de Setembro de 2005.

A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime:
– A recorrente está isenta de passado criminal conhecido.

A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura (AcSTJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
Em síntese pode dizer-se que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade respeitando o limite da culpa.

A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que a pena concreta que foi fixada pela Relação se situa dentro da sub-moldura a que se fez referência e que foram sopesados no essencial os elementos de facto que se salientaram. Mas a consideração de que a concretização das vendas que o esquema montado e referido nos factos provados permitiu, foi limitada e o papel menor da recorrente nesse mesmo esquema e a sua idade então justificam que se vá mais longe na diminuição da pena que lhe foi infligida e que se fixa agora em 4 anos e 6 meses de prisão.
Esta medida da pena impõe que o Tribunal pondere a suspensão da execução, dada a nova redacção do n.º 1 do art. 50.º do C. Penal, dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
Sucede, porém, que já no recurso para a Relação e agora no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, clama a recorrente que, desde a data do acórdão em primeira instância a arguida mudou de vida, e veio trabalhar para outra casa de família, lá fazendo limpezas bem como noutras casas onde pratica a actividade de empregada de limpeza, praticando assim um trabalho honesto e digno que lhe permite proporcionar a si e à sua filha o sustento que necessitam (conclusão 9ª).
A possibilidade agora aberta, implica que seja solicitado um relatório social actual e que então se decida pela eventual suspensão da pena.
Daí que se ordene a remessa dos autos à 1.ª Instância para que reabra a audiência, nos termos do art. 371.º do CPP, solicitando a realização do mencionado relatório social e produzindo outras provas cuja produção que este relatório possa sugerir e decidir então sobre a aplicação da suspensão da execução à pena de 4 anos e 6 meses que este Supremo Tribunal de Justiça aplicou.
3.
Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso, fixando a pena em 4 anos e 6 meses de prisão e ordenando a remessa dos autos `1.ª Instância para que, pondere nos termos indicados, a suspensão da execução da pena.
Sem custas.

Lisboa, 25 de Junho de 2008

Simas Santos
Santos Carvalho