Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17099/98.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SCÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ACLARAÇÃO
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / COMPENSAÇÃO.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS ESPECIAIS DO COMÉRCIO / CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA ( NULIDADES ) - PROCESSOS ESPECIAIS / PRESTAÇÃO DE CONTAS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, V, p. 141.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6.ª ed., p. 973.
- Castro Mendes, Compensação de Obrigações com lugares diferentes de pagamento, Lisboa, 1973.
- Maria Alice Croca, As contas de exercício – perspectiva civilística, p. 652 e nota 29.
- Vaz Serra, “Algumas considerações em matéria de compensação no processo”, in R.L.J., 104.º, p. 276 ss..
- Vaz Serra, “Compensação”, in B.M.J., 31, p.13 ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, 848.º, N.º1.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 224.º A 227.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 65.º E 66.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 666.º, N.º2, 668.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 266.º, N.º2, AL. C), 615.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E C), 941.º, 944.º, N.º3.
DECRETO-LEI N.º 231/81, DE 28 DE JULHO: - ARTIGOS 21.º, N.ºS1 E 2, 25.º, N.º4, 31.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 35/2005.
DECRETO-LEI N.º 410/89 DE 21 DE NOVEMBRO.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA 78/660/CEE DE 25 DE JULHO DE 1978: - ARTIGO 46.º.
DIRECTIVA 83/349/CEE DE 13 DE JUNHO DE 1993.
DIRECTIVA N.º 2003/51/CE DE 18 DE JUNHO DE 2003.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20 DE MAIO DE 1999,
-DE 25 DE MARÇO DE 2009, PROCESSO N.º 9A530, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 23 DE OUTUBRO DE 2009, PROCESSO N.º 93/1999.C1.S2.
-DE 29 DE JUNHO DE 2010, PROCESSO N.º 46/10.0YFLSB.
-DE 14 DE SETEMBRO DE 2010, PROCESSO N.º 941/08.7TBCBR.C1.S1, E DE 28 DE SETEMBRO DE 2006, PROCESSO N.º 06A2018, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 9 DE JULHO DE 2014, PROCESSO N.º 1981/07.5TBACB.C1.S1.
Sumário :
*

1) A última parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil não integrava o elenco do artigo 668.º do Código anterior, antes constituindo fundamento de aclaração (n.º 2 do artigo 666.º), incidente que hoje não tem autonomia “quo tale”, tendo a não inteligibilidade, ou falta de clareza, passado a constituir uma nulidade da decisão.

2) A nulidade da primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de construção da sentença caracterizada por os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso mas ao oposto.

3) O vício da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil supõe o silenciar dos seus fundamentos de facto e de direito da questão “sub judicio”, não ocorrendo perante uma motivação aligeirada, não exaustiva, menos eivada de erudição ou tirada com menor minúcia e cuidado formal.

4) O processo especial de prestação de contas destina-se a cotejar as receitas e despesas, em termos de apurar um saldo final.

Só então se determina quem, na realidade, é credor e quem é devedor e respectivas “quanta”.

5) A associação em participação rege-se pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho caracterizando-se pela associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, participando a primeira nos lucros ou nos lucros e perdas – sendo que esta última pode ser dispensada — que de tal exercício resultarem para a segunda.

6) Não existindo “affectio societatis” nem património comum não é uma autêntica sociedade.

7) O processo especial de prestação de contas não se destina a verificar um eventual incumprimento de contrato por uma das partes mas, tão somente, a apurar o montante das receitas e despesas que efectivamente foram cobradas ou efectuadas.

8) Não tendo despesa/pagamento sido realizada mas tratando-se de despesa futura, eventual, não há que reflecti-la no cotejo das entradas e saídas na conta-corrente, irrelevando para efeito de apuramento de saldo.

9) Como forma de extinção de duas obrigações, a compensação (“encontro de contas” para evitar pagamentos recíprocos) é potestativa operando por declaração receptícia.

10) Se efectuada judicialmente deve ser deduzida em reconvenção (artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do C.P.C.) e já não por excepção peremptória, deixando de valer a tese de que, se o demandado, verificando ser credor de quantia que excedesse o crédito do demandante podia optar pela reconvenção para peticionar a diferença, já que agora deve fazê-lo “ab initio”.

11) A compensação não pode operar em processo de prestação de contas pois a averiguação da real qualidade de credor só se verificará a final com o apuramento do respectivo saldo.

12) O n.º 3 do artigo 944.º do C.P.C impõe que as contas apresentadas pelo réu sejam instruídas com os respectivos documentos justificativos que, tratando-se de despesas de impostos, não se bastem com a respectiva liquidação fiscal exigindo-se que sejam demonstrativas do pagamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.


AA, BB e CC, intentaram acção, com processo especial de prestação de contas, contra DD.

Pediram que as contas se reportassem à actividade da Ré, na qualidade de corretora, no período de 1 de Janeiro de 1988 a 31 de Dezembro de 1990, referentes às quantias recebidas no exercício daquela actividade, com o trespasse e venda do activo do escritório das Amoreiras, em Lisboa, à “EE, SA” , com a venda dos direitos de subscrição desta sociedade a terceiros e ainda de todas as receitas auferidas para apuramento dos lucros líquidos daquele exercício; mais pediram a condenação da Ré a pagar-lhes 80% do saldo apurado, acrescidos de juros de mora, à taxa legal das operações comerciais, contados da data em que a Ré estava obrigada a distribuir lucros.

Alegaram, em cingida síntese, a celebração de um contrato-promessa de constituição de sociedade de corretagem e de um contrato de associação em participação para participarem nos lucros e nas perdas da actividade que a Ré desenvolveria a partir da sua nomeação como corretora da Bolsa de Lisboa, na sequência de concurso para o qual foi, tecnicamente, formadora pelos Autores; que financiaram o local de instalação do escritório da Ré, o fundo de maneio para o exercício da sua actividade, tendo-lhe adiantado 250.000$00 mensais por conta do seu vencimento; que, sem o seu acordo, a Ré constituiu a sociedade “EE, SA” negociando com futuros accionistas a venda dos activos do escritório que tinha sido equipado sem que tivesse prestado contas da associação em participação.

Na 1.ª Instância (Vara Cível de Lisboa) a Ré foi condenada a prestar contas aos Autores relativamente à actividade de corretagem exercida de 1 de Janeiro de 1988 a 30 de Setembro de 1990; às importâncias recebidas com o trespasse e venda do activo do escritório das Amoreiras da “EE, SA” e com a venda dos direitos de subscrição desta sociedade a terceiro; e a todas as outras “receitas auferidas para apuramento dos lucros líquidos de tais exercícios, calculados nos termos da cláusula 11.ª do contrato de associação em participação em causa; a pagar aos autores a importância correspondente a 80% do saldo apurado, sendo 1/3 (26,88%) para cada um; a pagar aos Autores os juros moratórios vencidos e vincendos, sobre o montante do saldo apurado, calculados às taxas aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais que a sentença indicou.

A Relação de Lisboa, em apelação interposta, alterou o julgado na parte ao período de prestação de contas que passou a ser de 24 de Fevereiro de 1988 a 30 de Setembro de 1990.

A Ré pediu revista que o STJ negou.

As contas foram prestadas na 12.ª Vara Cível de Lisboa com um saldo de 2.974.470$40 favorável aos Autores.

Após contestação foi proferida sentença que fixou as receitas auferidas em 817.294,24 euros, cabendo 1/3 a cada um dos Autores sendo a quantia global de 653.835,39 euros.

A Ré apelou pedindo, além do mais, a alteração da matéria de facto.

A Relação de Lisboa deu parcial provimento fixando em “648.984,93 euros o montante das receitas auferidas no período em causa” e condenando “a Ré apelante a pagar a cada um dos apelados um montante correspondente a 26,66%”

Veio, então, Ré pedir revista excepcional.

Porém, a mesma não foi admitida “quo tale” já que o Relator do Colectivo/Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.ºCPC determinou a remessa dos autos à distribuição como revista-regra por, na ponderação da data da propositura da acção e do disposto no n.º 1 do artigo 7.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, entender ser inaplicável a dupla conformidade (n.º 3 do artigo 671.º do CPC) pressuposto da competência do seu Colectivo e da consequente verificação dos requisitos da revista excepcional.

Daí que se considere essa questão definitivamente decidida e, no elencar das conclusões da revista, se omitam as referências a tal ponto.

Na parte que releva a recorrente assim concluiu:

“— Não pode o salário ser negado quando é efectivamente devido, inexistindo sequer um motivo de superior magnitude e justificativo (quando, ainda que assim fosse, sempre seria discutível os contornos de uma eventual negação do pagamento desse valor).

— Nos presentes autos está em causa uma acção especial de prestação de contas proposta pelos Recorridos contra a Recorrente, tendo esta vindo a prestar contas relativamente aos anos de 1988, 1989 e 1990 no quadro de um contrato de associação em participação entre as partes.

— A Após recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o T.R.L., entendeu - e bem - dar provimento parcial ao Recurso, não podendo contudo a Recorrente concordar com a solução jurídica alcançada no Acórdão ora recorrido, no sentido de não incluir os valores devidos a título de salários e impostos liquidados naqueles três anos.

— O Recurso aqui apresentado cinge-se ao erro de direito decorrente da decisão de mérito quanto a estes pontos, que merece censura pelo raciocínio adoptado no Acórdão recorrido em violação da lei substantiva.

— Tendo a acção especial de prestação de contas por base, conforme resulta do artigo 941,° ss, uma relação entre as partes com reflexos patrimoniais, havendo créditos e débitos recíprocos, a decisão proferida atingiu uma solução injusta em si mesma e violadora das normas reguladores da prestação de contas.

— Ao não admitir a inclusão das remunerações enquanto custos, o Tribunal da Relação de Lisboa condena a Recorrente a efectuar o pagamento de um valor que nunca seria devido por esta aos Recorridos, dizendo para tanto que a mesma se poderia ter pago ou deveria ter intentado a respectiva acção para ver considerado o seu crédito - o que é uma argumentação espúria ao processo especial de prestação de contas.

— Nem se compreende como é que, no limite, não considerando aqueles valores como custo, não podia tal valor ser elencado para efectuar uma compensação.

— Quanto aos impostos, assiste-se a uma aparente confusão do T.R.L. entre obrigação tributária e repartição de lucros, porquanto decide que, não comprovando a Recorrente o respectivo pagamento, pagá-los-á na presente acção, a quem nunca teria direito a recebê-los (aos Recorridos).

— As soluções adoptadas são violadoras das normas da acção especial da prestação de contas, assumindo especial gravidade nos termos em que foram proferidas, se atendermos a que durante três anos a Recorrente trabalhou ao abrigo do contrato de associação em participação sem receber as remunerações a que os Recorridos estavam obrigados a pagar decorrentes de tal contrato, e agora não só tem de entregar esses valores a quem nunca os pagou; como lhe é vedada a dedução de quaisquer impostos às receitas - o que contraria qualquer disposição legal acerca do conceito de lucro: contraria o contrato de associação em participação firmado entre as partes: e contraria ainda a decisão que condena a Recorrente a prestar contas.

— Não pode a acção de prestação de contas servir para sancionar o prestador, razão pela qual o processo lógico-dedutivo seguido pelo T.R.L. - alicerçado nos factos dados como provados transcritos no ponto II. do recurso - tem de ser corrigido de forma a garantir uma melhor aplicação do direito, por padecer de manifesto erro na sua aplicação.

— Pese embora se entenda que no ano de 1990 a Recorrente declarou fiscalmente encargos salariais, não ficou comprovado que o valor eventualmente correspondente a salário seja aquele que foi acordado no contrato de associação em participação, como nunca poderia, porque esse não foi pago conforme facto provado n.°2!

— Diz o T.R.L. que se a Recorrente se tivesse pago da remuneração a partir de outras receitas, as quantias seriam levadas às contas enquanto verbas de despesas; ou que poderia ter exercido contra os Recorridos o correspondente direito, o que é um raciocínio - perdoe-se-nos a expressão - simplista e pouco fundamentado! - o que fere o Acórdão de nulidade nos termos do artigo 615.° n.° 1 alínea b) aplicável ex vi do art. 674.° n.° 1 alínea c) do C.P.C, devidamente arguida.

— As remunerações não pagas têm agora que ser contabilizadas na prestação de contas, não se podendo imputar à Recorrente a falta desse pagamento por não se ter pago com outros valores (indevidamente), ou sequer dizer que deveria ter exercido   contra os Recorridos o "correspondente direito" numa outra sede, quando esta é a sede própria enquanto acção de prestação de contas decorrente do contrato de associação em participação, porque uma coisa é a Recorrente não receber os salários. Outra coisa é a Recorrente entregar esse valor aos Recorridos, que é o que acontecerá se a decisão se mantiver inalterada!

— A Recorrente não se pagou dos valores auferidos, de forma a não comprometer a actividade levada a cabo - recorde-se que o valor em 1988 foi negativo - e também não propôs qualquer acção contra os Recorridos, porque a acção própria estava devidamente instaurada (a dos presentes autos).

— Resultando dos factos dado como provados o direito a receber os valores, e ainda que tais valores nunca foram pagos, decide definitivamente a questão.

— De qualquer forma, sempre se dirá descabido referir os salários como um custo normal da actividade de corretagem e depois negar o cômputo desses mesmos valores às contas apresentadas.

— Resulta como provada a obrigação de pagar os salários e, igualmente, a falta desse pagamento, assim como resulta inclusivamente da sentença que obriga à prestação de contas no ponto 5.2.2. a fls. 2015.

— Estando perante uma despesa real que não foi cumprida/paga, a Recorrente tem que incluir nas contas prestadas esses valores.

— Na operação matemática formada pelo Tribunal da Relação, a Recorrente fica obrigada a entregar aos Recorridos valores que não lhes são devidos, porque sempre têm que ser descontados no cômputo do dever e haver, o que culmina no locupletamento indevido, porque não só o valor devido e acordado não foi oportunamente pago à Recorrente, esta terá que suportar essas quantias das quais aqueles se furtaram ao pagamento, obtendo agora uma vantagem económica, sem justa causa, em detrimento da Recorrente, onerando desta forma excessiva, injustificada e ilegalmente a prestadora de contas!

— As contas a apresentar numa acção de prestação de contas compreendem as receitas e despesas relativas à relação jurídica que motivou o pedido de prestação de contas, e o pagamento da remuneração é devida pelo mesmíssimo contrato de associação em participação sobre o qual os Recorridos requereram a prestação de contas sendo que, salvo melhor entendimento, sempre poderiam ser incluídos para efeitos de compensação, porquanto são verbas insertas na relação que gera a obrigação de prestar contas, sob pena de se subverter este instituto (artigo 941.° do NCPC).

— Estando em causa, nos presentes autos, um crédito certo, seguro, eficaz (provado na própria acção) que se contrapõe ao saldo apurado decorrente das receitas, não se compreende a recusa da compensação!

— A questão que se coloca a este Tribunal e da qual depende a melhor aplicação do Direito, prende-se com a finalidade da acção de prestação de contas e com a possibilidade de, no limite, fazer operar uma compensação nesta acção especial, atendendo a que a Recorrente encontra-se numa situação em que não só não receberá os valores devidos a título de remunerações, como terá que entregar esses valores aos Recorridos, uma vez que o Tribunal lhe está a vedar definitivamente a possibilidade de ser paga.

— Fará sentido exigir que a Recorrente tivesse em momento anterior, e durante o tempo que tem vindo a durar a presente acção (que já soma uns largos 17 anos), multiplicado os litígios nos Tribunais contra os Recorridos? - quando sempre se deveria entender que o valor referido é uma despesa, não fazendo sentido fazer depender a prestação de contas da confirmação de um valor num outro processo, quando deste já resultava a sua confirmação bastante.

— Por questões de economia e celeridade processual, não parece exigível à Recorrente lançar mão de uma outra acção quando nesta estavam a ser discutidos, ponto a ponto, os valores a dever e a haver daquele contrato de associação em participação.

— É que esse concreto ponto foi objecto de prova, constou desde logo da Base Instrutória na matéria de facto assente e posteriormente dos factos dados como provados na decisão de 1.ª instância e inalterado pelo T.R.L., e, chegados aqui, não terão relevância nas contas...

— Para uma melhor aplicação do Direito, requer-se a este Altíssimo Tribunal se digne pronunciar sobre a possibilidade de efectuar a referida compensação (que sempre poderia ser feita extrajudicialmente ou em processo autónomo) numa acção de prestação de contas.

— Assim, a remuneração mensal base calculada à razão de 14 meses totalizando, por ano, 4.716.250$00 (23.524.56 €) terá de ser deduzida aos valores apurados nos anos 1988, 1989 e 1990 (neste último na proporção de 9/12 - 3.537.187$00), no montante total de 12.969.687$00 (€ 64.692,53).

— Decidiu ainda o T.R.L. desconsiderar os valores liquidados a título de impostos, uma vez que a Recorrente não logrou comprovar o seu efectivo pagamento - sendo que quaisquer prazos de obrigação de preservação dos elementos fiscais estão mais que ultrapassados.

— O que a Recorrente pôs em causa ao longo da sua peça recursiva é que do acordo firmado entre as partes (e dado como provado no ponto 1.), resulta que os Recorridos tinham direito a 80% dos lucros líquidos de impostos, no sentido técnico, de valor efectivamente apurado depois da dedução dos impostos a pagar.

— Ainda que não fosse acordado entre as partes, a dedução dos impostos sempre resultaria do conceito de lucro, por se tratar de um rendimento residual obtido por uma operação de compra e venda ou de produção depois de pagos os custos, incluindo impostos [quer se trate de lucro de actividade comercial (art°. 3º n° 1 al. a) do CIRC), mais valia em sede de rendimentos de capital de pessoa singular (art°. 10° n° 4 al. a) do CIRS), ou lucros em sede de associação em participação no regime do código da contribuição industrial.]

— A decidir deste modo, oneramos (novamente) excessivamente o prestador de contas, distribuindo pelos associados em participação quantias destinadas ao Estado enquanto credor tributário.

— Independentemente da prova do pagamento do imposto liquidado – cujo crédito nunca poderia subsistir à data -, a verdade é que a Recorrente não só suportou o devido imposto no respectivo momento, como terá que o entregar (duplicando o valor pago) aos Recorridos.

— A não junção do documento comprovativo do pagamento dos impostos devidos não pode eliminar a consideração da despesa, sob pena de não se repartirem os lucros, não fazendo sequer sentido que o T.R.L. diga que "a não consideração de valor líquido de impostos é a consequência necessária de não satisfação pela apelante do ónus de prova que sobre si impendia", sancionando numa acção de prestação de contas aquele que não comprovou o cumprimento de uma obrigação tributária, quando não é o Tribunal da Relação quem deverá accionar tais mecanismos por um eventual não pagamento, quando o Estado dispõe de todos os meios para o fazer (execução fiscal, coima, penhora, etc). - assim subvertendo novamente a acção especial de prestação de contas e de repartição legal de lucros, violando as normas substantivas daqueles.

— Se o valor devido a título de imposto consta da matéria de facto dada como provada, como pode o T.R.L., decidir que esse pagamento seja feito aos Recorridos por não se provar o pagamento ao Estado?!

— A verdade é que esse valor nunca se destinaria aos Recorridos, por ser devido ao Estado, e só a este, recebendo os Recorrentes mais do que lhes cabia por força do contrato!

— Demonstrado o imposto a deduzir às receitas e, consequentemente, o lucro líquido a distribuir, deverão os mesmos ser incluídos; e, quando não se queira considerar o valor de imposto referente ao ano de 1989, sempre se deverá incluir o valor relativo a 1990 conforme documento de liquidação do imposto junto aos autos, e que consta da matéria de facto dada como provada no n.° 12, na proporção do exercício de 9/12 com as devidas consequências legais.

— O Tribunal é inteiramente livre na valoração e apreciação das provas trazidas aos autos, respondendo segundo a sua livre convicção acerca de cada facto, o que é excepcionado nos casos de prova tabelada, não podendo julgar os factos sem prova ou contra a prova.

— Também aqui se entende existir falta de fundamentação do Acórdão nos termos em que o raciocínio agora apresentado não foi sequer demonstrado, o que culmina na nulidade nos termos do artigo 615.° n.° 1 alínea b) aplicável ex vi do art. 674.° n.° 1 alínea c) do C.P.C. - devidamente arguida.

— Acrescente-se apenas que a própria sentença que obriga a prestar contas, transitada em julgado, condenou a Recorrente a «prestar contas aos AA., devendo-se para tanto, fazer o "apuramento dos lucros líquidos de tais exercícios, calculados nos termos da Cláusula 11.ª do contrato de associação em causa.», assim como o diz o próprio T.R.L., não efectuando, depois, os respectivos cálculos, de onde resulta a nulidade do Acórdão por oposição entre os fundamentos da sentença e a respectiva decisão nos termos do artigo 615.° n.° 1 alínea c) aplicável ex vi art. 674.° alínea c) do C.P.C. - devidamente arguida.

— Assim, o Acórdão recorrido viola a própria sentença que condenou a Recorrente na prestação de contas e repartição dos lucros líquidos de impostos, violando as normas fiscais acima referidas que dispõem nesse sentido, assim como as da prestação de contas por entender que nos termos do artigo 914.° ss. C.P.C, não serão contabilizados valores que o Tribunal entenda que podiam ser recebidos por outra via; assim como que não se comprovando a dedução de impostos, o lucro a repartir não será considerado com a subtracção desse valor, lesando o prestador de contas na medida em que o priva de receber montantes devidos de remuneração por trabalho efectivamente prestado (o que viola a própria CRP conforme artigo 59.° 1 a), e sancionando o prestador de contas por não comprovar obrigações tributárias.

— Sempre será o Acórdão declarado nulo por falta de fundamentação nos termos do artigo 615.° n.° 1 alínea b) do C.P.C, e por oposição entre os fundamentos e a decisão nos termos da alínea c) daquele artigo, aplicáveis ex vi artigo 674.° n.° 1 alínea c) - por não concretizar o raciocínio lógico-dedutivo no qual se alicerça a improcedência dos pedidos abastadamente referidos; bem como entender nos fundamentos da decisão que não foram pagas as remunerações e que os lucros deveriam ser líquidos, decidindo em sentido contrário (não contabilizando essas despesas!)”

O recurso foi contra-alegado, pugnando os recorridos pela manutenção do Acórdão da Relação.

Este Tribunal proferiu Acórdão, nos termos do n.º 1 do artigo 617.º do Código de Processo Civil, deliberando, desde logo, pela inverificação das nulidades arguidas.

Ficou, definitivamente, assente a seguinte matéria de facto:

       

“1- AA, BB e CC, aqui Requerentes, e DD, aqui Requerida, celebraram entre si, em 29 de Agosto de 1986, o acordo escrito intitulado «CONTRATO-PROMESSA DE CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE E CONTRATO DEFINITIVO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO», cuja cópia é fls. 30 a 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde nomeadamente se lê:

“(…)

Considerando que todos os signatários dos presentes contratos estão interessados, de forma estável, no exercício em comum, com fim lucrativo, da actividade económica de corretor da Bolsa de Valores de Lisboa;

Considerando que DD foi convidada para integrar o grupo de interessados neste projecto, que já se encontra em desenvolvimento, e aceitou;

Considerando que, por essa exclusiva razão, a signatária DD iniciou em Maio p.p. a necessária preparação para a prestação de provas ao concurso público, tendente ao preenchimento de vagas de corretor daquela Bolsa, as quais se iniciam em 1 de Setembro p.f.;

Considerando que os três signatários AA, Economista, (...), BB, Economista, (...) e CC, Economista, (...), dispõem de condições financeiras adequadas e se propõem financiar desde já a montagem do escritório e estabelecimento da actividade de corretor a exercer no âmbito de uma sociedade – e desde já através de outro tipo associativo -, obtendo a contrapartida económica do lucro;

Considerando que, neste espírito, a signatária DD virá reembolsar os outros signatários, através dos lucros que a ela competirem, da sua quota-parte de capital (25%), por eles três simplesmente adiantados para viabilizar o esquema associativo pretendido;

Considerando que, sendo na opinião dos três signatários AA, Economista, (...), BB, Economista, (...) e CC, Economista, (...), não obstante a clara redacção do artigo 92° do Decreto-Lei n.° 8/74, inviável a imediata constituição de uma sociedade corretora, por falta de regulamentação legal, todos os signatários aceitam uma forma associativa transitória de associação em participação, que deverá vigorar pelo mínimo espaço de tempo que se mostrar adequado, os seguintes signatários,

1º Dra DD, aqui designada por associante;

2º Dr. AA, aqui designado, bem como os dois seguintes, por associado;

3º Dr. BB

4 ° Dr. CC obrigam-se nos termos do que se dispõe nos números que se seguem:



Prometem constituir uma sociedade comercial, em comandita simples, regime estatutário conterá, fundamentalmente, as seguintes regras contratuais:

a) A sociedade durará por tempo indeterminado;

b) O objecto social será o exercício de corretagem na Bolsa de Valores de Lisboa;

c) O capital social será de Esc. 10.000.000$00 pertencendo em partes iguais aos quatro sócios;

d) A gerência da sociedade será exercida pelo sócio DD;

e) A fiscalização dos negócios sociais será exercida em conformidade com o sistema definido no artigo 988° do Código Civil;

f) A repartição dos lucros será feita na proporção da participação no capital social; as perdas serão repartidas segundo o mesmo critério, até ao limite do montante do capital investido.



1 - Os estatutos da prometida sociedade serão adaptados aos preceitos imperativos da eventual regulamentação que para as sociedades de corretagem vier a ser publicada.

2- A sociedade prometida constituir sê-lo-á logo que exista regulamentação legal para o efeito, ou logo que haja segurança sobre a desnecessidade de tal regulamentação, iniciando todavia a sua actividade no dia 1 de Janeiro do ano seguinte ao da constituição.

(...)

4 - Se algum sócio violar a obrigação em que se constitui de intervir no contrato de sociedade e adquirir o estatuto inerente, indemnizará os restantes três promitentes através do pagamento a cada um de uma quantia de valor equivalente ao quádruplo da que tiver investido na associação em participação.

5 - Qualquer dos quatro signatários pode notificar os restantes, através de escrito expedido com aviso de recepção, para efeitos de comparência no notário para outorga da escritura pública de constituição da sociedade, entre a data da recepção, ou declaração de ausência ou de não aceitação, e a escritura pública, mediará um interregno mínimo de quinze dias.

(…)



Ficando o contrato de sociedade sujeito à condição suspensiva da publicação de regulamentação adequada, ou da certeza da sua desnecessidade, os quatro signatários celebram desde já um contrato de associação em participação, que se regerá pelas leis em vigor, nomeadamente pelo Decreto-Lei n.° 231/81, de 28 de Julho, e ainda pelas cláusulas do presente contrato.


A eficácia do contrato de associação em participação fica subordinada à condição suspensiva da nomeação da associante para a função de corretora oficial da Bolsa de Valores de Lisboa


Os associados associam-se à associante no exercido da actividade económica de corretora da Bolsa de Valores de Lisboa, através da participação daqueles nos lucros e nas perdas emergentes da mesma, até ao montante do capital por aqueles investido.


1 - Os associados obrigam-se a realizar contribuições pecuniárias até ao valor de Esc: 3.333.333$00 cada um.

(…)

3- Logo que extinga os seus vínculos em relação à função pública, e seja nomeada corretora, os associados ficam obrigados a pagar à associante a quantia de Esc: 250.000$00 correspondentes à remuneração mensal base aludida adiante no n.°14º.

4- Independentemente da evolução e ritmo da instalação do escritório e estabelecimento do corretor, e de quaisquer outras cláusulas financeiras contidas neste contrato, a mesma quantia e no mesmo prazo do n.° 3 supra será sempre entregue à associante.



Durante o tempo da instalação e até ao limite definido em 7° n.º 1 os associados entregarão à associante os valores que se mostrarem necessários para a instalação e funcionamento do escritório e estabelecimento, nos termos referidos a seguir.


1 - A associante documentará sumariamente os fundamentos das entregas que solicitar, considerando-se como aceite por acordo entre todos os signatários os critérios de execução de gastos que por ela e pelo associado CC forem realizados.

(...)

3- Se houver algum atraso significativo, ou prejudicial para os interesses do conjunto de associados, na realização de alguma prestação; ou se houver atrasos reiterados que indiciem ineficácia do conjunto de associados no cumprimento dos seus deveres de financiamento, a associante pode rescindir o presente contrato, sem que daí nasçam quaisquer direitos indemnizatórios para os associados.

4- A rescisão aludida no número anterior será feita por escrito registado expedido com aviso de recepção para a residência do associado identificado no n.º 1.


10°

1- A associante fica obrigada a reembolsar os associados de uma quantia equivalente a 25% (vinte e cinco por cento) dos montantes por eles adiantados, por ser apenas aquele o valor efectivo do mútuo que por forma indirecta os associados realizam a favor da associante.

2- Cada prestação de reembolso feita pela associante será divida em três partes iguais, cabendo uma a cada associado.

3- O reembolso pela associante será feito à medida que os lucros líquidos de todos os impostos devidos por si forem recebidos.


11º

1 - Os lucros da associação serão os apurados de acordo com o que se dispõe no Código da Contribuição Industrial, em tudo o que não colida com o espírito e/ou letra deste contrato.

2- A participação de cada signatário é de 25%, nos lucros como nas perdas, e nestas até ao limite do capital investido pelos associados. (...)


12°

1 - A associante prestará contas da actividade relativa a cada ano civil durante o mês de Janeiro do ano seguinte, relativamente ao primeiro ano, completo ou incompleto, do exercício da actividade, as contas poderão ser prestadas até 31 de Março do ano seguinte. (...)

3- A quota-parte de lucros líquidos de impostos, delimitados de acordo com o que acima se estatui, será exigível pelos signatários a partir do último dia do mês seguinte ao da prestação das contas. (...)


14°

1- A associante, a partir do mês da sua nomeação como corretora, auferirá uma remuneração mensal base de Esc. 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos), líquida dos impostos e durante 14 meses anuais, (...).

(...)


15°

Cada um dos associados é responsável pelos compromissos patrimoniais assumidos apenas até ao limite definido em 7º, n.° 1; em relação à associante são todos solidariamente responsáveis em relação àqueles compromissos até ao limite de três vezes o montante individual indicado no número 7° n.º 1.

Lisboa, 29 de Agosto de 1986. (...)” (alínea A da matéria Assente)

2-    Não existiu qualquer contribuição de Esc. 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos, e zero centavos) mensais, dos Requerentes a favor da Requerida, como impunha a Cláusula 7ª, n.° 3 do acordo reproduzido na alínea anterior, onde se lia que «logo que extinga os seus vínculos em relação à função pública, e seja nomeada corretora, os associados ficam obrigados a pagar à associante a quantia de Esc: 250.000$00 correspondentes à remuneração mensal base aludida adiante no n.° 14º». (alínea B da matéria Assente)

3- A Requerida, identificada como «Correia», e EE - Sociedade Financeira de Corretagem (Dealers), S.A., identificada como «.EE», acordaram nos termos do documento epigrafado «CONTRATO DE ALIENAÇÃO DE ESTABELECIMENTO», que são fls. 3657 e 3660, datado de 29 de Novembro de 1990, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:

«(…)

1ª Correia vende à EE e esta compra todos os bens, valores e direitos constantes dos anexos I, II e III que, rubricados pelos signatários, ficam fazendo parte integrante do presente Contrato.

2ª Os bens, valores e direitos objecto do presente Contrato são: os contemplados no estudo PARTEX (referidos no n.° 1 da Acta da Reunião de 20 de Outubro de 1990); os adquiridos por correia após 1 de Novembro de 1988 (referidos no n.° daquela Acta) e os que foram objecto de contrato de leasing (referidos no n.° 3 da já aludida Acta).

3ª Os preços parciais referentes aos mencionados bens, valores e direitos são os seguintes:

a). Esc: 120.000.000$00 (cento e vinte milhões de escudos) para os contemplados no n.º 1 da Acta da Reunião de 30 de Outubro de 1990, conforme Anexo I.

b). Esc: 18.632.704$00 (dezoito milhões seiscentos e trinta e dois mil setecentos e quatro escudos), para os contemplados no n." 2 da Acta da Reunião de 30 de Outubro de 1990, conforme Anexo II.

c). Esc: 12.091 478$00 (doze milhões oitenta e um mil quatrocentos e setenta e oito escudos) para os contemplados no n.° 3 da Acta da Reunião de 30 de Outubro de 1990 conforme Anexo III.

4ª O valor total de Esc: 150.714.182$00 (cento e cinquenta milhões setecentos e catorze cento e oitenta e dois escudos), correspondente à soma daqueles valores parciais, é pago neste acto a correia através do cheque n. ° 96585, sacado sobre o Banco Comercial Português.

5ª Correia dá à EE quitação do valor mencionado no identificado cheque, declarando nada mais ter a exigir da EE em referência a esta operação de transmissão de estabelecimento.

6ª Correia, com a necessária colaboração da EE, promoverá a cessão dos contratos de locação financeira existentes, de modo a tornar eficaz a presente operação. A partir da data em que iniciar a actividade, a EE pagará a totalidade das prestações vincendas relativas aos mencionados contratos de locação financeira.

7ª As partes declaram ainda que nenhuma outra estipulação, oral ou escrita, vigora entre elas, relativamente a este contrato, pelo que nenhuma delas poderá invocar regime que seja adicional ou diverso do dele consta.

8ª Os bens, direitos ou valores objecto do presente Contrato são transmitidos no estado e condições em que se encontram nesta data.

Do presente contrato foram elaborados dois exemplares, ficando o original na posse da EE e o duplicado na posse de Correia. (...)” (alínea C da matéria Assente)

4-     O acordo reproduzido na alínea anterior era composto ainda por três Anexos, que são fls. 3161 a 3664, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, (alínea D da matéria Assente)

5-     Dos valores identificados nos documentos referidos nas alíneas C) e D) da Matéria de Facto Assente, resulta que a verba de Esc. 120.000.000$00 (cento e vinte milhões de escudos, e zero centavos), correspondia a algo referido como «equipamento e software» (Anexo I); a verba de Esc. 18.632.704$00 (dezoito milhões, seiscentos e trinta e dois mil, setecentos e quatro euros, e zero centavos) correspondia a «imobilizações corpóreas» (Anexo II); e a verba de Esc. 12.081.478$00 (doze milhões, oitenta e um mil, quatrocentos e setenta e oito escudos, e zero centavos) correspondia a «relação de equipamento imobilizado adquirido em leasing desde 1 de Novembro de 1988 até 31 de Outubro de 1990» (Anexo III). (alínea E da matéria Assente)

6-     A Requerida, sem dar conhecimento aos Requeridos, negociou com os futuros accionistas de EE - Sociedade Financeira de Corretagem, S.A. a venda dos activos do escritório de corretagem que tinha montado, transmitiu-lhes o direito ao arrendamento do escritório de corretagem sito no 8o andar da Torre I das Amoreiras, recebeu os respectivos montantes, no valor global de Esc. 150.714.182$00 (cento e cinquenta milhões, setecentos e catorze mil, cento e oitenta e dois escudos, e zero centavos), e nunca pagou qualquer importância aos Requerentes (relativa à quantia de Esc. 150.714.182$00, nem relativa a quaisquer outras importâncias que tenha recebido pela alienação do seu escritório de corretagem), (alínea F da matéria Assente)

7- No valor da cedência do software do estabelecimento de corretagem está incluído o valor da organização e da clientela, (alínea G da matéria Assente)

8- No exercício de 1988, a Requerida teve como resultado líquido do mesmo Esc. 4.007.561$00 (quatro milhões, sete mil, quinhentos e sessenta e um escudos, e zero centavos) negativos, (alínea H da matéria Assente, rectificando-se aqui a omissão nessa alínea ao valor negativo este alegado e não contestado, como se colhe de todos os termos do processo.)

9-     No exercício de 1989, a Requerida teve como resultado, antes de impostos, Esc. 32.584.648$00 (trinta e dois milhões, quinhentos e oitenta e quatro mil, seiscentos e quarenta e oito escudos, e zero centavos), (alínea I da matéria Assente)

10-   A Requerida, relativamente ao exercício de 1990, apresentou na sua declaração junto da administração fiscal, um lucro de Esc. 134.971.957$00 (cento e trinta e quatro milhões, novecentos e setenta e um mil, novecentos e cinquenta e sete escudos, e zero centavos), (alínea J da matéria Assente)

11-   Na declaração de rendimentos, modelo 2, apresentada pela Requerida em 31 de Maio de 1991, relativa ao ano de 1990, esta declarou, relativamente a prestações de serviços (que respeita ã actividade de corretagem), um rendimento de Esc. 273.027.965$00 (duzentos e setenta e três milhões, vinte e sete mil, novecentos e sessenta e cinco escudos, e zero centavos); e, relativamente a «proveitos e ganhos extraordinários», um rendimento de Esc. 126.348.869$00 (cento e vinte e seis mil, trezentos e quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e nove escudos, e zero centavos), (alínea K da matéria Assente)

12-   Da nota de apuramento do rendimento colectável e cálculo do imposto a pagar pela Requerida, relativamente ao ano de 1990, resulta que o total do imposto a pagar foi de Esc. 77.233.940$00 (setenta e sete milhões, duzentos e trinta e três, novecentos e quarenta escudos, e zero centavos), (alínea L da matéria Assente)

13-   Nos anos de 1988, 1989 e 1990, a contribuição de Esc. 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos, e zero centavos) prevista na Cláusula 7ª, n.° 3 do acordo reproduzido na alínea A) da Matéria de Facto Assente, multiplicada por catorze meses, acrescida das contribuições a fazer à segurança social, correspondia, em cada um desses anos, a Esc. 4.716.250$00 (quatro milhões, setecentos e dezasseis mil, duzentos e cinquenta escudos, e zero centavos), (resposta aos artigos 1.° a 3.° da BI)

14-   Os resultados declarados fiscalmente da actividade de corretagem da Requerida, no exercício de 1990, já contemplam os encargos salariais pagos à mesma (uma vez que são um custo normal do exercício da actividade corretora) tendo os encargos salariais de 1989 sido lançados com o montante de 2.457.000$00 na contabilidade da apelante.

15-   A Requerida declarou, no Modelo 1 do então Imposto Complementar, reportado ao exercício de 1988, um rendimento de trabalho de Esc. 7.501.210$00 (sete milhões, quinhentos e um mil, duzentos e dez escudos, e zero centavos), e um valor de colectas de Esc. 1.500.600$00. (resposta ao art.5.° da BI)

16-   A Requerida declarou, no Anexo A do Modelo 2 do I.R.S., reportado ao exercício de 1990, o rendimento bruto de trabalho dependente de Esc. 2.281.500$00 (dois milhões, duzentos e oitenta e um mil, quinhentos escudos, e zero centavos), (resposta ao art.7.° da BI)

17-   No exercício de 1990, a Requerida teve um resultado operacional decorrente da sua actividade de corretagem de Esc. 22.600.905$00 (vinte e dois milhões, seiscentos mil novecentos e cinco escudos), (resposta ao art. 9.° da BI)

18-   Os «proveitos e ganhos extraordinários», de Esc. 126.348.869$00 (cento e vinte e seis mil, trezentos e quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e nove escudos, e zero centavos), reportados ao exercício de 1990, referidos na alínea K) da Matéria de Facto Assente, mais não são do que os oriundos da transmissão para EE - Sociedade Financeira de Corretagem (Dealers), S.A. do estabelecimento onde a Requerida exercia a actividade de corretagem, (resposta ao art. 11.° da BI)

19-   Na verba de Esc. 120.000.000$00 (identificado no Anexo I, e que corresponde a «equipamento e software», referida na alínea E) da Matéria de Facto Assente), inclui-se o valor de trespasse, para EE - Sociedade Financeira de Corretagem (Dealers), S.A., das instalações onde a Requerida exercia a actividade de corretora em nome individual, (resposta ao art. 12.° da BI)

20-   A verba de Esc. 18.632.704$00 (identificado no Anexo II, e que corresponde a «imobilizações incorpóreas», referida na alínea E) da Matéria de Facto Assente), e a verba de Esc. 2.081.478$00 (identificada no Anexo III, e que corresponde a «relação de equipamento imobilizado adquirido em leasing desde 0l/Nov/88 até 31/10/90», referida na alínea E) da Matéria de Facto Assente), corresponderam às importâncias relativas à venda, a EE - Sociedade Financeira de Corretagem (Dealars), S.A., do activo do escritório onde a Requerida exercia a actividade de corretora em nome individual, (resposta ao art. 13.º da BI)

21-   A verba de Esc. 120.000.000$00, referida no artigo 12° da Base Instrutória, está compreendida no valor de Esc. 126.348.869$00 (que, na declaração de rendimentos apresentada pela Requerida, relativa ao ano de 1990, aparece como correspondente a «proveitos e ganhos extraordinários»), (resposta ao art.14.º da BI)

22-   A totalidade do património que se encontrava afecto ao exercício da actividade independente de corretagem (isto é, todos os activos do estabelecimento e todo o quadro de pessoal afecto a essa actividade) foi transferido pela Requerida para EE - Sociedade Financeira de Corretagem (Dealears), S.A., pelo acordo reproduzido na alínea C) da Matéria de Facto Assente, (resposta ao art.l8.° da BI)

23-   Na constituição de EE - Sociedade Financeira de Corretagem, S.A., os sócios fundadores (Cooperácion Financeira Cajá de Madrid, S.A., Banco Nacional Ultramarino, S.A., Seguros Fidelidade, S.A., Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. e Compta, S.A.) subscreveram 30% do capital da sociedade, sendo que o capital social era no valor de Esc. 500.000.000$00 (quinhentos milhões de escudos, e zero centavos), representado por 500.000 acções no valor nominal de Esc. 1.000$00 (mil escudos, e zero centavos) cada uma, e a ré reservou para si os restantes 70% do capital, (resposta ao art. 21.° e 22.° da BI)

24-   Mercê do referido no artigo anterior, as sociedades aí referidas subscreveram e realizaram em dinheiro Esc. 150.000.000$00 (cento e cinquenta milhões de escudos, e zero centavos) de capital, (resposta ao art. 23.° da BI)

25-   A Requerida não obteve dos demais accionistas que com ela constituíram a EE - Sociedade Financeira de Corretagem, S.A., qualquer pagamento atinente a direitos de subscrição, ou seja, quantias para que tais entidades fossem admitidas a participar no capital social da mesma sociedade aquando da respectiva constituição, (resposta ao art. 27.° da BI)”.

E foram julgados como não provados os seguintes factos:

“ 1-  A Requerida declarou, no Anexo A do Modelo 2 do I.R.S., reportado ao exercício de 1989, rendimentos de trabalho (de montante a apurar, nomeadamente com a junção do dito documento), (artigo 6.° da BI)

2-     No exercício de 1989, a Requerida pagou, sobre os resultados do mesmo, imposto sobre rendimento correspondente a Esc.l3.046.300$00 (treze milhões, quarenta e seis mil e trezentos escudos, e zero centavos), (artigo 8.° da BI)

3-     A Requerida, sobre os resultados operacionais (actividade normal) do exercício de 1990, reportado até 30 de Setembro, pagou imposto sobre rendimento no valor de Esc.l8.353.751$00 (dezoito milhões, trezentos e cinquenta e três mil, setecentos e cinquenta e um escudos, e zero centavos), (artigo 10.° da BI)

4-     O total do imposto pago pela Requerida, relativamente ao ano de 1990, foi de Esc. 77.233.940$00 (setenta e sete milhões, duzentos e trinta e três, novecentos e quarenta escudos, e zero centavos), (artigo 15.° da BI)

5-     No período considerado (exercícios de 1988, 1989 e 1990, este último até 30 de Setembro), a Requerida pagou indemnizações a trabalhadores que recorreram a processos judiciais, no valor de Esc. 13.000.000$00 (treze milhões de escudos, e zero centavos), (artigo 16.° da BI)

6-     No período considerado (exercícios de 1988, 1989 e 1990, este Último até 30 de Setembro), a Requerida teve dívidas de clientes não recuperáveis no valor de Esc: 12.225.676$00 (doze milhões, duzentos e vinte e cinco mil, seiscentos e setenta e seis escudos, e zero centavos), (artigo 17.° da BI)

7-     A Requerida utilizou um estudo encomendado à Partex para definir o valor da venda das acções da sociedade financeira de corretagem (EE – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A.), a constituir, (artigo 19.° da BI)

8-     O estudo referido no artigo anterior serviu de base à Requerida para fixar o valor a pagar pelos accionistas fundadores de EE - Sociedade Financeira de Corretagem, S.A. para a compra de 60% dos direitos de subscrição da EE. (parte artigo 20.° da BI)

9-     O prémio de subscrição referido no artigo anterior resultava do facto de a actividade de corretagem ser já exercida há três anos com resultados positivos, o que significava uma mais valia, (artigo 21.° da BI)

10-   Para participarem no capital de EE - Sociedade Financeira de Corretagem, S.A., as sociedades referidas no artigo 22° da Base Instrutória pagaram um prémio de subscrição, no valor mínimo de Esc. 2.000$00 (dois mil escudos, e zero centavos) por acção, (artigo 24.° da BI)

11-   Mercê do referido nos artigos anteriores, a Requerida teve um lucro nos direitos de subscrição de EE - Sociedade Financeira de Corretagem, S.A., pelas sociedades  referidas   no   artigo   22°   da   Base Instrutória, não inferior a Esc. 600.000.000$00 (seiscentos milhões de escudos, e zero centavos), (artigo 25.° da BI)

12-   É muito provável que o lucro da Requerida referido no artigo anterior possa ter excedido o valor de Esc. 600.000.000$00 aí mencionado, dado que o prémio de Esc. 2.000$00 por acção é o mínimo que se considera razoável em função dos valores praticados na época, (artigo 26.° da BI)

13-   Nos termos do acordo reproduzido na alínea A) da Matéria de Facto Assente, uma vez apurados os lucros líquidos da actividade, cabia a cada um dos Requerentes proceder ao englobamento, nos seus rendimentos, da parcela dos lucros que viesse a receber, (artigo 28.° da BI)

14-   Nos termos do acordo reproduzido na alínea A) da Matéria de Facto Assente, a Requerida teria de englobar, na totalidade dos seus rendimentos, a parcela dos lucros que lhe competia da actividade de corretagem, (artigo 29.° da BI)”

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo.


1- Nulidades do Acórdão.
2- Prestação de contas.
3- Conclusões.


*

1- Nulidades do Acórdão.

A recorrente assaca ao aresto recorrido as nulidades das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Tratam-se, como é óbvio, de vícios de limite consistentes, respectivamente, na não especificação dos fundamentos de facto e de direito “que justificam a decisão” (alínea b)); ou com a existência de fundamentos “~em oposição com a decisão”; ou, finalmente, se o julgado é ininteligível, por ambíguo ou obscuro (alínea c)).

Esta última parte da alínea c) não integrava o elenco do artigo 668.º do Código anterior antes constituindo fundamento de aclaração (n.º 2 do, então, artigo 666.º), incidente, hoje, sem autonomia, “quo tale”, sendo a não inteligibilidade, ou falta de clareza, passado a constituir uma nulidade.

1-1- Diga-se, desde já, e citando os Acórdãos do STJ, de 14 de Setembro de 2010 – 941/08.7TBCBR.C1.S1 – e de 28 de Setembro de 2006 – 06A2018 – deste Relator e subscrito pelo, ora, 1.º Adjunto, a aclaração “pressupõe a ininteligibilidade da decisão aclaranda, não reportada ao conteúdo ou mérito, mas à exteriorização formal do discurso”, perfilando-se, nesta perspectiva, “situações de ambiguidade expositiva, de excesso de gongorismo impeditivo de univocidade ou, no limite, de menos lapsos de escrita” (…) A decisão aclaranda terá de ser incompreensível para a parte, no sentido de não ser lógico e juridicamente decorrente do raciocínio explanado”.

Este vício é, desde logo, de afastar pois a linguagem é clara e compreensível sendo apreendida pela recorrente.

1-2- Outrossim, não se perfila o vício da primeira parte da alínea c) do n.1 do citado artigo 615.º.

Tal nulidade traduz-se num vício de construção da sentença caracterizado por os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso mas ao oposto.

Haverá uma contradição lógica entre as premissas e a conclusão do silogismo judiciário.

E, como julgou o Acórdão do STJ, de 23 de Outubro de 2009 – 93/1999.C1.S2 – com o mesmo Relator e 1.º Adjunto, “a nulidade resultante da oposição entre a decisão e os fundamentos só releva quando, a final, a conclusão fica viciada e não quando, embora aparentemente contraditória, é perceptível que o julgador seguiu um raciocínio lógico e alcançou a decisão final consciente de ser o desenvolvimento normal do silogismo judiciário.” (cfr. ainda, Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado” V. 141; Acórdão STJ de 25 de Março de 2009 – 9A530).

1-3- Finalmente, não ocorre a nulidade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo.

Esta supõe o total silenciar dos fundamentos de facto e de direito da questão “sub judicio”.

Uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (o que, note-se, nem sequer é o caso), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas. (cfr., v.g., o Acórdão do STJ de 29 de Junho de 2010 – 46/10.0YFLSB – com este Relator e 1.º Adjunto).

2- Prestação de contas

Movemo-nos no âmbito da acção especial de prestação de contas dos artigos 941º e seguintes do Código de Processo Civil.

2-1- E temos como pano de fundo um contrato de associação em participação, da regulamentação do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho.

Como se explica no relatório preambular deste diploma o contrato era regulado no Código Comercial de 1833 sob a designação de “associação em conta em participação”, “sendo que o diploma mercantil vigente lhes dedica os artigos 224.º a 227.º.

Mas aquele Decreto-Lei n.º 231/81 conceptualiza-o no artigo 21.º n.º 1, como “a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros, ou lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda”, podendo ser dispensada a participação nas perdas, que não a nos lucros (n.º 2) sendo que aquela é limitada à contribuição (artigo 25.º, n.º 4).

O artigo 31.º do mesmo diploma dispõe sobre a prestação de contas o que deve ser feito “nas épocas legal ou contratualmente fixadas para a exigibilidade da participação do associado nos lucros e nas perdas e ainda relativamente a cada ano civil de duração da associação” (n.º 1).

O Acórdão do STJ de 9 de Julho de 2014 – 1981/07.5TBACB.C1.S1 – julgou que a associação em participação não é uma sociedade por não existir nem “affectio societatis” nem património comum.

Porém, tem uma estrutura associativa; uma actividade económica de uma pessoa; a participação de outra nos ganhos e perdas dessa actividade.

2-2- A prestação de contas – artigo 941.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 1014.º) – tem na sua génese a contabilidade e respectivas regras contabilísticas, que inspiram as auditorias, espelhando as fases negociais e respectivas dimensões.

Com a globalização das economias tornaram-se necessários métodos contabilísticos uniformes com directrizes de vocação internacional, em termos de lograr um melhor escrutínio. (cfr. o “International Accounting Standards Commitee” – ISASC).

Não pode desconhecer-se que o núcleo da dogmática da prestação de contas se situa no âmbito das sociedades comerciais. (cfr., os artigos 65.º e 66.º do CSC; artigo 46.º da Directiva 78/660/CEE de 25 de Julho de 1978, que originou a adaptação do Plano Oficial de Contabilidade pelo Decreto-Lei n.º 410/89 de 21 de Novembro e, mais tarde o Decreto-Lei n.º 238/91, de 2 de Julho e a transposição da Directiva 83/349/CEE de 13 de Junho de 1993; depois o Decreto-Lei n.º 35/2005, a transpor a Directiva n.º 2003/51/CE de 18 de Junho de 2003).

Mas aqui mais importa uma visão civilística. (cfr., por todos, aDr.ª Maria Alice Croca in “As contas de exercício – perspectiva civilística” 652 e nota 29).

Não iremos prolongar esta breve exegese sobre a dogmática da prestação de contas limitando-nos a abordar as questões concretamente suscitadas.

E são, na sua essência, duas: a não consideração como despesa da remuneração mensal que as partes acordaram na cláusula 7.ª, n.º 3 do contrato (atendendo ao período de 14 meses) num total de 4.176.250$00 por ano que, tal como alega a recorrente foi acordada mas não paga; a não inclusão nas contas dos valores liquidados a título de impostos.

2-3- Quanto às remunerações refere a impetrante que, mesmo que “não se entendesse que tais valores são um custo/despesa a imputar na normalidade da prestação de contas, sempre poderiam os mesmos ser incluídos e atendidos, nomeadamente, para efeitos de compensação, porquanto são verbas insertas na relação que gera a obrigação de prestar contas.”

Antes do mais, há que atentar no que ficou assente sob o n.º 14, o que permite concluir que ao menos os encargos salariais do exercício de 1990 já foram atendidos nos resultados da actividade de corretagem e como custo inerente a essa actividade.

Por isso, não constituem despesa a adicionar ou a abater aos resultados de exercício apurados, que já os englobam.

Mas a recorrente declarou nesses exercícios rendimentos de trabalho de valor muito superior aos 4.176.250$00 anuais que, reportando-se à sua actividade de corretagem exercida nos termos do contrato celebrado com os recorridos, não podem ser considerados em sede de prestação de contas.

Finalmente, não tendo os recorridos pago a remuneração mensal, nem tendo a recorrente logrado recebê-la através de outras receitas, não se vê como pode vir obtê-la em sede de prestação de contas.

É que, esta lide não tem por escopo verificar um eventual incumprimento de contrato por uma das partes mas, tão somente, a apurar o montante das receitas e despesas que efectivamente foram cobradas ou efectuadas.

Daí que não tendo a despesa/pagamento sido efectivamente realizada, e tratando-se, se fosse caso, de despesa futura eventual não há que reflecti-la no cotejo de entradas e saídas na conta-corrente, irrelevando para efeito de apuramento de saldo.

Só se, e noutra sede, fosse declarada a obrigação da dívida peticionada e a mesma tivesse sido satisfeita, é que relevaria, como receita, mas em ulterior prestação de contas.

Não é, pois, nesta lide que a recorrente pode efectivar o direito de crédito que alega ter sobre os recorridos e que não exerceu previamente.

2-3-1- De outra banda, também não é possível uma eventual compensação, nos termos insinuados como forma de extinção de duas obrigações.

 Aquele instituto permite-a quando o credor de uma é devedor de outra.

Trata-se de buscar um “encontro de contas” para evitar pagamentos recíprocos, não obrigando a cumprir quem seja, simultaneamente, credor do seu credor.

Da regulamentação dos artigos 847.º a 856.º do Código Civil resulta a sua natureza potestativa, o que implica o não operar “ipso jure”, (cfr., a propósito, Prof.s Vaz Serra, “Compensação”, BMJ, 31, 13 ss e Castro Mendes, “Compensação de Obrigações com lugares diferentes de pagamento”, Lisboa, 1973).

Sendo potestativa e receptícia opera-se através de declaração de uma das partes à outra (artigos 848.º n.º 1 e 224.º do Código Civil) podendo ser efectuada judicialmente e, como constitui uma causa extintiva das obrigações, entendia-se antes dever ser deduzida como excepção peremptória, o que aqui não ocorreu.

No entanto, se o demandado verificava que o contracrédito excedia o montante do crédito do demandante podia, pela via da reconvenção pedir a diferença (cfr. a propósito, Prof. Vaz Serra, “Algumas considerações em matéria de compensação no processo”. R.L.J., 104.º, 276 ss; Prof. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed. 973, criticando, de algum modo, este entendimento).

Actualmente, porém, a alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do vigente Código de Processo Civil impõe que “o reconhecimento do crédito” (…) “para obter compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor” deva ser pedido em reconvenção.

De todo o modo, e na esteira do Acórdão do STJ de 20 de Maio de 1999, entende-se que a compensação não pode “operar em processo de prestação de contas já que a averiguação da real qualidade de credor, através do apuramento do respectivo saldo só se consumará a final.”

2-4- A recorrente defende, ainda, que os valores liquidados s título de impostos não poderiam entrar no acerto de contas, pois, e nos termos do contrato celebrado foi acordado que o valor a distribuir pelas partes seria o correspondente a 80% dos lucros líquidos de impostos.

Sem razão, porém.

De uma banda, o n.º 3 do artigo 944.º do Código de Processo Civil (n.º 2 do artigo 1016.º do diploma anterior) impõe que as contas apresentadas pelo réu sejam “instruídas comos documentos justificativos”.

Seria, pois, a recorrente que teria tal “ónus probandi”.

Mas resulta do acervo de factos não provados que a impetrante não logrou demonstrar que tivesse pago os impostos relativos aos exercícios de 1988, 1989 e 1990, pelo que tais despesas não podem considerar-se como efectuadas.

Os recorridos, sujeitos ao cumprimento de obrigações fiscais não podiam permanecer “na posse de valores que, na verdade, pertenciam ao Estado enquanto credor tributário.”

E no tocante ao acordo subscrito pelas partes deve acentuar-se que a distribuição de lucros líquidos de impostos ocorreria no pressuposto que estes fossem efectivamente liquidados e pagos.

A recorrente não logrou provar que pagou os impostos mas, tão somente, o respectivo valor resultante da liquidação fiscal o que, só por si, apenas demonstra a existência de uma dívida ao Estado o que não releva para efeito de prestação de contas.

Improcedem, assim, os argumentos do recurso.


4- Conclusões.

O exposto permite concluir que:

a) A última parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil não integrava o elenco do artigo 668.º do Código anterior, antes constituindo fundamento de aclaração (n.º 2 do artigo 666.º), incidente que hoje não tem autonomia “quo tale”, tendo a não inteligibilidade, ou falta de clareza, passado a constituir uma nulidade da decisão.

b) A nulidade da primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil traduz-se num vício de construção da sentença caracterizada por os fundamentos invocados conduzirem logicamente não ao resultado expresso mas ao oposto.

c) O vício da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil supõe o silenciar dos seus fundamentos de facto e de direito da questão “sub judicio”, não ocorrendo perante uma motivação aligeirada, não exaustiva, menos eivada de erudição ou tirada com menor minúcia e cuidado formal.

d) O processo especial de prestação de contas destina-se a cotejar as receitas e despesas, em termos de apurar um saldo final.

Só então se determina quem, na realidade, é credor e quem é devedor e respectivas “quanta”.

e) A associação em participação rege-se pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho caracterizando-se pela associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, participando a primeira nos lucros ou nos lucros e perdas – sendo que esta última pode ser dispensada — que de tal exercício resultarem para a segunda.

f) Não existindo “affectio societatis” nem património comum não é uma autêntica sociedade.

g) O processo especial de prestação de contas não se destina a verificar um eventual incumprimento de contrato por uma das partes mas, tão somente, a apurar o montante das receitas e despesas que efectivamente foram cobradas ou efectuadas.

h) Não tendo despesa/pagamento sido realizada mas tratando-se de despesa futura, eventual, não há que reflecti-la no cotejo das entradas e saídas na conta-corrente, irrelevando para efeito de apuramento de saldo.

i) Como forma de extinção de duas obrigações, a compensação (“encontro de contas” para evitar pagamentos recíprocos) é potestativa operando por declaração receptícia.

j) Se efectuada judicialmente deve ser deduzida em reconvenção (artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do C.P.C.) e já não por excepção peremptória, deixando de valer a tese de que, se o demandado, verificando ser credor de quantia que excedesse o crédito do demandante podia optar pela reconvenção para peticionar a diferença, já que agora deve fazê-lo “ab initio”.

k) A compensação não pode operar em processo de prestação de contas pois a averiguação da real qualidade de credor só se verificará a final com o apuramento do respectivo saldo.

l) O n.º 3 do artigo 944.º do C.P.C impõe que as contas apresentadas pelo réu sejam instruídas com os respectivos documentos justificativos que, tratando-se de despesas de impostos, não se bastem com a respectiva liquidação fiscal exigindo-se que sejam demonstrativas do pagamento.

Nos termos expostos acordam negar a revista, confirmando o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente

Sebastião Póvoas
Alves Velho

Paulo de Sá