Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | CONCURSO DE INFRAÇÕES CONHECIMENTO SUPERVENIENTE NOVO CÚMULO JURÍDICO PENA ÚNICA | ||
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Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes (artigo 78.º do Código Penal – «CP»), o procedimento de determinação da moldura abstrata da pena definida pelo limite máximo correspondente à soma das penas aplicadas, sem ultrapassar 25 anos, e pelo limite mínimo correspondente à pena singular mais elevada, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do CP, encerrou-se definitivamente com o trânsito em julgado das decisões que aplicaram as penas a cada um dos crimes, havendo que anular os cúmulos jurídicos anteriores efetuados relativamente a crimes cujas penas devem integrar o novo cúmulo. II. Definida a moldura do concurso, o tribunal determina a pena conjunta, seguindo os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º do CP) e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do CP, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente manifestada no facto, em que se incluem as condições económicas e sociais deste, contribuindo para essa personalidade, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e qualidades da personalidade manifestadas no facto, como a falta de preparação para manter uma conduta lícita. III. Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual as restrições de direitos devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, desde a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se que possa ser desproporcionada ou excessiva. IV. O arguido vem condenado por pela prática de 13 crimes, entre o início de 2019 e 06.07.2021: 2 crimes de violência doméstica agravada, nas penas de 3 anos e 3 meses de prisão por cada um desses crimes; 4 crimes de extorsão, nas penas de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um desses crimes; 5 crimes de extorsão, na forma tentada, nas penas de 10 meses de prisão por cada um desses crimes; 1 crime de ameaça agravada, na pena de 9 meses de prisão; e 1 crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. De que resulta uma moldura penal do concurso definida pelo limite mínimo de 3 anos e 3 meses e 18 anos e 11 meses de prisão. V. O elevado grau de ilicitude dos factos, vistos no seu conjunto (artigo 77.º do CP), e a frequência da sua repetição, revelando indicações de uma tendência para a prática de crimes, para além dos crimes praticados contra avós e tio, em grave violação dos deveres de respeito e solidariedade para com as vítimas, a violência usada contra estas, pessoas frágeis e muito idosas, a intensidade do dolo, as suas condições económicas, familiares e sociais, o seu percurso de vida, a dependência de substâncias estupefacientes, o número de condenações anteriores em penas não privativas da liberdade revelam uma personalidade violenta, insensibilidade às penas, falta de suscetibilidade de por elas ser influenciado e manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita. VI. É, por conseguinte, muito elevado o grau de culpa e muito elevadas são as necessidades de prevenção, em particular de prevenção especial (socialização), que justificam a aplicação da pena com vista à reinserção do arguido na sociedade, nomeadamente pelo afastamento do consumo de estupefacientes cuja necessidade esteve na origem dos seus comportamentos ilícitos, mediante intervenção específica neste domínio, que já se encontra em curso no estabelecimento prisional. VII. Tendo em conta estes fatores e a irrelevância ou ausência dos motivos invocados pelo recorrente em seu favor, dada a moldura da pena, não se encontra motivo relevante que possa constituir base de discordância quanto à pena aplicada, de 8 anos e 4 meses de prisão, não se mostrando que esta se encontre fixada em violação do critério de proporcionalidade que preside à sua aplicação, em vista da realização das suas finalidades de proteção dos bens jurídicos ofendidos e da reintegração do recorrente na sociedade (artigo 40.º do CP), pelo que é negado provimento ao recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão proferido pelo tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... (Juiz ...), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que, em conhecimento superveniente do concurso, lhe aplicou a pena única de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 785/21.0PLLSB do Juízo Central Criminal de ... e 359/20.3... do Juízo Local Criminal de ...: 2. Discordando da medida das penas, que pretende ver reduzidas, apresenta motivação de recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O recorrente foi condenado pela prática de três crimes, na pena de oito anos e quatro meses em cúmulo jurídico. 2. Tendo por base a moldura abstracta, entende o recorrente que a aplicação de oito anos e quatro meses de prisão, em cúmulo, é excessiva. 5. Na determinação da medida da pena, atendeu o tribunal “a quo” em grande parte aos antecedentes criminais. Não considerou, porém, a postura do arguido em audiência de julgamento nestes processos e a situação precária em que o mesmo vive, de reclusão e o tempo passado sobre a prática dos crimes. 6. Também no que tange à determinação da pena única, a personalidade do agente não foi atendida, como sendo uma personalidade mos gravemente desconforme cenom o direito, apesar dos seus antecedentes criminais. 7. Nesta medida, entende o recorrente que a pena única devia ter sido obtida somando à pena mais grave, 1/3 das restantes penas, o que não sucedeu, porquanto a mesma se devia ter situado perto dos 7 anos de prisão. 8. Conforme menciona Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na anotação nº 3 do artigo 77º “Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos: tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em casos excepcionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso, tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito, o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço (ou, em casos excepcionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso.” Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve o presente recurso ser admitido e ser julgado procedente por provado, devendo as penas parcelares aplicadas ao arguido, serem reduzidas para o mínimo legal, ou seja, 7 anos de prisão, bem como, na determinação da pena única ser observado o estatuído na segunda parte do art.º 77 nº 1, do Código Penal, pois só assim, se fará JUSTIÇA!!!» 3. O Ministério Público, pelo Senhor Procurador da República no tribunal recorrido, apresentou resposta, no sentido da improcedência do recurso, dizendo (transcrição parcial nas partes mais diretamente relevantes): «(…) Consta na fundamentação do douto acórdão que o Tribunal teve em consideração para determinação da medida da pena, nomeadamente: “haverá que salientar que os crimes a que se reportam as condenações sofridas pelo arguido respeitam a crimes de distinta natureza, ainda que boa parte deles envolvendo violência física e psicológica, com uma gravidade já expressiva. As necessidades de prevenção geral são, obviamente elevadas, dada a frequência com este tipo de criminalidade ocorre na nossa sociedade e a repercussão que a mesma tem na comunidade, contribuindo também para um sentimento generalizado de insegurança. A ilicitude dos factos é elevada, atendendo ao modo de atuação do arguido, particularmente no que tange com os crimes de violência doméstica e ofensas à integridade física. A personalidade do arguido mostra-nos que o mesmo é, manifestamente, propenso à prática de factos similares, que andarão associados à problemática aditiva, mas também as caraterísticas da sua personalidade, o que até é relevante face aos diversos crimes que praticou. Face aos crimes assim cometidos, à sua natureza, assim como à personalidade do arguido, e às necessidades de prevenção geral positiva de nível já elevado, e tentando assim, concretizar estas considerações, relativas à ilicitude, culpa, prevenção geral e prevenção especial, tendo sempre presente a imagem global dos factos e a necessidade de adequar o tempo de prisão à dimensão global dos factos, e muito em particular à personalidade do arguido, atendendo à moldura penal abstrata a considerar, entende-se que o reflexo da soma das penas parcelares que estão para além da pena que fixa a medida mínima da moldura penal abstrata deve perto da medida de 1/3, motivo pelo qual se entende ser proporcional e adequada ao caso concreto a pena única de 8 anos e 4 meses de prisão.” Sempre se dirá que: Tendo em conta que as finalidades da punição serão as previstas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a saber, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A este propósito importa referenciar aqui as seguintes considerações de Figueiredo Dias: • “A finalidade primária da pena é o «restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime» (prevenção geral positiva de integração – arts. 18.º, n.º 2, da C.R.P. e 40.º, n.º 1, do C.P.), ou seja, nesta modalidade de prevenção geral a pena aplicada ao agente mantém e reforça a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumentos de tutela de bens jurídicos”; • “Esta finalidade primária não posterga o efeito, meramente lateral, causado pela pena em termos de prevenção geral negativa ou de intimidação geral”, entendendo-se neste tipo de prevenção geral que a pena aplicada ao infractor intimida as demais pessoas e leva-as a não cometerem crimes; • A finalidade de “reintegração do agente na sociedade” traduz a necessidade de socialização do agente (prevenção especial positiva ou de integração) e de advertência individual ou inocuização (prevenção especial negativa) – entendendo-se na prevenção especial positiva ou de integração que a pena tem como finalidade reinserir socialmente o agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, evitando cometer novos crimes e na prevenção especial negativa que a pena tem como objectivo neutralizara perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retractivo. Tendo presente o exposto, importa agora fazer um juízo de adequação/inadequação da suspensão para através dela serem alcançadas as finalidades da punição, designadamente a “reintegração do agente na sociedade”, não olvidando que a tal juízo não deve ser alheio que a pena de prisão é a ultima ratio e que só in extremis, quando todas as demais penas falecem para atingir as finalidades de punição, deve ser aplicada. Foi, de forma detalhada e minuciosa, apreciado no douto acórdão cumulatório e espelhado na abundante fundamentação, o porquê da pena de prisão aplicada ao condenado AA. Efectivamente, há “o conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que não se pode prescindir para que não sejam defraudadas as expectativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos” (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime; Editorial Notícias, pag.333, citado no acórdão do STJ, de 28 de Junho de 2007, proc. Nº1488/07, 5ª Secção). Perante a gravidade dos crimes em apreço, as elevadas necessidades de prevenção, a gravidade do ilícito e da culpa, conduzem a exigências de prevenção muito acentuadas. Por todo o exposto, consideramos, por conseguinte, que a pena é adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece qualquer reparo. Pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso interposto pelo condenado AA.» 4. Em seu parecer, diz o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça, acompanhando a posição do Ministério Público no tribunal recorrido: «Brevitatis causa, damos por integralmente reproduzida a factualidade que subjaz ao acórdão recorrido, assente com base no «teor das certidões relativas às condenações sofridas pelo arguido, bem como das informações sobre o estado das respetivas penas, e do teor do certificado de registo criminal do arguido» (de que apenas foi digitalizada a certidão da sentença do processo 359/20.3...), bem como as pertinentes considerações teóricas nele vertidas a respeito dos critérios e princípios que presidem à determinação da medida da pena única. Acompanhamos a posição da Sr.ª Procuradora da República na 1.ª instância. Pouco mais temos a acrescentar. O ilícito global é composto por treze crimes, cometidos com dolo direto ao longo de um período superior a dois anos, que atentam contra bens jurídicos e interesses de índole pessoal e patrimonial. Os crimes de violência doméstica integram o conceito de criminalidade violenta (art. 1.º, al. j), do CPP). Com exceção do crime de ameaça agravada, praticado contra um agente da PSP no exercício das suas funções, o arguido elegeu como alvo dos seus atos pessoas da própria família, idosas e/ou fisicamente fragilizadas (os ofendidos dos crimes de violência doméstica e de extorsão são os seus avós, BB, nascida a ... de ... de 1932, e CC, nascido a ... de ... de 1929, entretanto falecido em ... de ... de 2021, ambos doentes e com dificuldades de locomoção, e o ofendido do crime de ofensa à integridade física qualificada, DD, também ele pessoa doente e com dificuldades motoras, é seu tio). Regista diversas condenações pela prática de crimes de roubo (processo 116/98.1...), falsificação de documento (processo 489/95.8...), coação (processo 5265/05.9...), injúria agravada (processos 5265/05.9..., 163/08.7... e 106/13.6...), ameaça, simples (processo 5265/05.9...) e agravada (processo 106/13.6...), ofensa à integridade física, simples (processos 592/06.0..., 412/10.1... e 594/16.9...) e qualificada (processo 713/12.4...), detenção de arma proibida (processo 478/10.4...), dano e homicídio na forma tentada (processo 594/16.9...). Os factos em concurso foram praticados no decurso do prazo de suspensão de execução da pena de uma das anteriores condenações (condenação do processo 594/16.9...). O arguido foi criado em ambientes familiares disfuncionais e inamistosos. É consumidor de drogas desde o início da adolescência e nunca concluiu os (três) programas de desintoxicação que frequentou. Jamais exerceu qualquer atividade laboral de forma regular e nos meses que antecederam a sua prisão subsistia com o rendimento social de inserção e com a ajuda alimentar providenciada por associações de apoio a cidadãos sem abrigo. Revela dificuldades em gerir e controlar as suas emoções e impulsos e tende a enfrentar as adversidades com recurso à violência. No meio prisional trabalha na reparação de máquinas de café, está integrado num programa de tratamento com metadona e recebe visitas da progenitora. A «postura» que revelou na audiência de julgamento dos processos em concurso não consta do inventário dos factos que nos mesmos foram considerados provados (e só a esses o tribunal coletivo pode atender). Ainda assim, não deixaremos de assinalar que no capítulo da sentença do processo 359/20.3... dedicado à medida concreta da pena lê-se que o arguido «não confessou os factos, não revelou qualquer arrependimento em juízo» e «em audiência de julgamento, não demonstrou a menor empatia para com a vítima» (pág. 15 da sentença) Tendo os factos sido cometidos entre 2019 e 6 de julho de 2021 e encontrando-se o recorrente preso desde 7 de julho de 2021, o (já de si pouco) «tempo passado sobre a prática dos crimes» não tem qualquer peso atenuante. A cadência regular de condenações, em 2001, 2003, 2008, 2009, 2011, 2013, 2014, 2015 e 2017, sempre em penas não detentivas que se revelaram ineficazes para travar o seu roteiro criminoso, e a natureza pessoal dos bens jurídicos tutelados pela maioria dos respetivos ilícitos, apontam para uma personalidade truculenta, refratária ao direito e aos valores sociais vigentes, indubitavelmente potenciada pela toxicodependência, e, salvo melhor reflexão, afastam a possibilidade de que os crimes em concurso traduzem uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito ou acidental. Por fim, tendo o arguido sido condenado no processo 785/21.0PLLSB na pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão, a reformulação do cúmulo por via da inclusão da pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão do processo 359/20.3..., prejudica a reivindicada condenação numa pena única «perto dos 7 anos de prisão». Com efeito, embora inexista impedimento legal nesse sentido (Tiago Caiado Milheiro, in Cúmulo Jurídico Superveniente, Noções Fundamentais, Almedina, 2016, págs. 90-92, admite que tal possa ocorrer em «casos justificados e excecionais», nomeadamente quando tiver ocorrido uma alteração positiva das «circunstâncias fácticas relativas à personalidade do arguido», algo que, in casu, não se verifica), a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem contestado esse entendimento. «[S]e num concurso de duas penas parcelares não é admissível aplicar pena única inferior à mais elevada (que constitui o limite mínimo da moldura penal do concurso, seja ou não de conhecimento superveniente); lógica e racionalmente, da inclusão em posterior e novo cúmulo jurídico de mais penas de prisão parcelares não pode resultar a aplicação de pena única mais baixa que a fixada em cúmulo anterior. Pena inferior à que foi aplicada em anterior cúmulo jurídico, representaria forte incentivo à criminalidade. O arguido resultava “premiado” com a redução da pena única anteriormente aplicada em razão de ter cometido mais crimes pela anódina circunstância de somente se descobrirem depois. (…). Se a anterior pena única é irrelevante para a moldura penal do concurso de crimes, se o condenado não deve ser prejudicado por se descobrir depois que no mesmo concurso de infrações se incluíam mais crimes que os que foram considerados na condenação de um primeiro cúmulo jurídico das penas parcelares de uma parte dos delitos dessa unidade jurídica, também não deverá resultar beneficiado. Como se disse, o tribunal que em anterior cúmulo jurídico fixou a medida da pena conjunta englobando somente parte da multiplicidade dos crimes do concurso, se tivesse conhecido dos restantes crimes, logicamente, racionalmente e também juridicamente, não aplicava – não podia licitamente aplicar – pena única inferior» (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de fevereiro de 2022, processo 1089/13.8JAPRT.S1, relatado pelo conselheiro Nuno Gonçalves, www.dgsi.pt) Aqui chegados, temos por certo que a pena de 8 anos e 4 meses de prisão, situada dentro do primeiro terço da moldura abstrata do cúmulo, que vai de 3 anos e 3 meses de prisão, correspondente à pena parcelar mais elevada, a 18 anos e 11 meses de prisão, produto da soma de todas as penas parcelares, é equitativa e ajustada à gravidade do ilícito no seu todo e às fortes exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. Acompanhando em tudo o mais as considerações vertidas no acórdão recorrido e na resposta da Sr.ª procuradora da República junto da 1.ª instância, emite-se, por isso, parecer no sentido da improcedência do recurso.» 5. Notificado deste parecer, o recorrente não apresentou resposta. 6. Não devendo realizar-se audiência, colhidos os vistos, o recurso seguiu para julgamento em conferência. Apreciando e decidindo: II. Fundamentação Factos 7. O tribunal coletivo deu como provados os seguintes factos (transcrição): “1. No Processo Comum Coletivo n.º 785/21.0PLLSB do Juízo Central Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ... – J..., o arguido foi condenado, por acórdão de 29 de abril de 2022, transitado em julgado a 27 de outubro de 2022, pela prática, entre o início de 2019 e 6 de julho de 2021, de 2 (dois) crimes de violência doméstica agravada, previstos e punidos pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um desses crimes, de 4 (quatro) crimes de extorsão, na forma consumada, previstos e punidos pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão por cada um desses crimes, de 5 (cinco) crimes de extorsão, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, nas penas de 10 (dez) meses de prisão por cada um desses crimes, de 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, tendo, em cúmulo jurídico, sido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Neste processo foi dado como provado, com relevo para a presente decisão, que: 2.1. O arguido AA, nascido a ... de maio de 1978 é neto de BB, nascida a ... de ... de 1932 e de CC, nascido a ... de ... de 1929, falecido no dia ... de ... de 2021, e com estes residente, desde pelo menos, o início do ano de 2019 (ainda que com algumas interrupções), na Rua ..., 6 A, ..., .... 2.2 BB, para além da idade avançada, 89 (oitenta e nove) anos, tem dificuldade na locomoção, sofre de demência, a qual não se mostra diagnosticada, e padece de neoplasia de colon/reto. 2.3. No período compreendido entre o início do ano de 2019, e a data do seu falecimento, a ... de ... de 2021, CC para além da idade avançada, 90-91 (noventa-noventa e um) anos, também revelava dificuldade na sua locomoção. 2.4. Entre o início do ano de 2019 até ao dia ... de ... de 2021, data do falecimento de CC, e com uma frequência, pelo menos, semanal, o arguido AA, no interior da residência comum, descrita em 2.1., dirigiu-se àquele, seu avô, e a BB, sua avó, e exigiu que lhe entregassem quantias monetárias, com vista à aquisição de produto estupefaciente. 2.5. Uma vez que CC e BB, no circunstancialismo descrito em 2.4., se recusaram entregar ao arguido AA, seu neto, as quantias monetárias exigidas, este dirigiu-lhes as seguintes expressões: - “Eu mato-vos”; - “Se me puserem fora de casa, eu pego-vos fogo à casa”. 2.6. E perante a recusa dos seus avós, o arguido AA, com vista a satisfazer os seus intentos, naquelas circunstâncias, ainda lhes desligou o telefone da residência em comum, danificou a porta do quarto, a mesa da entrada, o quadro elétrico e partiu uma televisão, bem como, subtraiu objetos decorativos. 2.7. Por essa razão, CC e BB, por vezes, ainda no circunstancialismo de modo, tempo e local descrito em 2.4., receando pela sua integridade física, face à atitude do arguido AA, entregaram-lhe quantias monetárias, num valor mínimo de € 60,00 (sessenta euros), por cada ocasião. 2.8. No dia 18 de novembro de 2020, pelas 15:40 horas, o arguido AA, no interior da residência comum, dirigiu-se aos seus avós, CC e BB, e exigiu-lhes quantias monetárias, no valor que tivessem na sua posse. 2.9. O arguido AA, em virtude dos seus avós se terem recusado a entregar-lhe dinheiro, retirou de uma carteira que se encontrava no móvel da entrada da residência em comum, o valor monetário de € 60,00 (sessenta euros), em notas de € 20,00 (vinte euros) emitidas pelo Banco Central Europeu, o que fez contra a vontade daqueles – CC e BB –, seus proprietários, abandonando aquele local. 2.10. No dia 28 de janeiro de 2021, o arguido AA, no interior da residência comum, dirigiu-se à sua avó, BB e solicitou-lhe dinheiro, na quantia monetária que detivesse consigo. 2.11. Uma vez que BB não entregou qualquer quantia monetária, o arguido AA arremessou um objeto decorativo que ali se encontrava na direção daquela, acertando-lhe na zona da face, provocando um hematoma e dor. 2.12. No dia 18 de março de 2021, pelas 15:30 horas, no interior da residência em comum, o arguido AA dirigiu-se à sua avó, BB, e exigiu-lhe que lhe entregasse a quantia monetária que tivesse consigo, o que foi recusado por esta. 2.13. Face à recusa de BB, o arguido AA desferiu-lhe chapadas na zona da face, as quais, cessou, pelo facto de naquele momento terem comparecido agentes da Polícia de Segurança Pública no local, alertados pelas seguintes expressões proferidas por aquela, num tom de voz audível do exterior: - “Ajudem-me, este gatuno vai-me matar”; - “Tirem-me este bandido daqui”; - “Eu não o quero na minha casa”. 2.14. Em sequência da conduta do arguido AA, BB recebeu assistência médica, no Hospital de ..., naquele dia 18 de março de 2021. 2.15. No dia 6 de julho de 2021, pelas 16:32 horas, na residência em comum, o arguido AA dirigiu-se à sua avó, BB e exigiu-lhe dinheiro. 2.16. Como BB se recusou entregar dinheiro ao arguido AA, seu neto, este munido de uma barra de ferro [material usado na construção civil (…) com 66 cm de comprimento e 19,87 mm de diâmetro; Uma das extremidades foi envolta com tecido de cor cinzenta, papel castanho e uma máscara facial; A outra extremidade foi envolta com um saco de papel e luva de latex de cor azul(…)] dirigiu a mesma à sua avó, enquanto proferia a expressão: - “Cala-te puta! Mentirosa! Eu mato-te puta!”. 2.17. O arguido AA cessou a sua conduta descrita em 2.16., pelo facto de naquele local terem comparecido agentes da Polícia de Segurança Pública, alertados pelas seguintes expressões proferidas por BB, num tom de voz audível do exterior: - “Acudam-me ele está-me a roubar!”; - “Acudam-me Meu Deus”. 2.18. O arguido AA ao ser confrontado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública, EE, FF e GG que acorreram àquele local, no circunstancialismo descrito acima, sem que nada o fizesse prever, direcionou a barra de ferro que detinha, ao agente EE, dizendo-lhe: - “Se dão um passo levam com isto na cabeça!”, Tendo-lhe sido dada ordem de detenção. 2.19. CC (falecido a ... de ... de 2021) e BB, com a conduta do arguido acima, sentiram medo, pois acreditaram que o arguido AA, seu neto, concretizasse as ameaças que frequentemente lhes dirigia, nas quais lhes transmitia a intenção de os matar. 2.20. Ao atuar da forma descrita acima, o arguido AA, aproveitando-se da sua superioridade física, quis ofender o corpo e a saúde dos seus avós, CC e BB, pessoas fragilizadas em razão da idade avançada, das dificuldades de locomoção e problemas de saúde, com o propósito de lhes causar dores e os subjugar à sua vontade. 2.21. De igual forma, ao agir conforme descrito, o arguido AA quis ofender os seus avós, CC e BB, na honra, consideração e dignidade, bem como, quis humilhá-los e fazê-los temer pela sua integridade física e até pela sua vida, com o propósito conseguido de lhes causar sofrimento emocional, diminuindo-os como pessoa. 2.22. O arguido AA também não desconhecia que, o seu comportamento, punha em causa a paz familiar, indispensável ao saudável convívio entre os membros familiares, impedindo-a de se verificar. 2.23. O arguido AA agiu conforme relatado de acima com a intenção de assustar, atemorizar e constranger CC e BB, seus avós, a entregarem-lhe, contra a sua vontade, as quantias monetárias que lhes exigiu, apenas não o logrando conseguir, nas situações também supra descritas por motivos alheios aos seus intentos. 2.24. O arguido AA ao atuar conforme acima descrito, sabia que estava perante agentes da Polícia de Segurança Pública, devidamente uniformizados, em exercício de funções naquele local, no âmbito das competências que a lei lhes atribui, situação que era igualmente do seu conhecimento. 2.25. Mais sabia o arguido AA, que EE, FF e GG, eram agentes da Polícia de Segurança Pública, no exercício das suas funções de restabelecer a ordem e tranquilidade públicas, com poderes de autoridade. 2.26. Sabia, ainda, o arguido AA que as expressões proferidas e dirigidas ao agente da Polícia de Segurança Pública EE, e descritas supra provocava, neste, receio que o mesmo atentasse contra a sua vida ou a sua integridade física. 2.27. Porém tudo isso lhe foi indiferente, tendo agido o arguido sempre de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que todas as suas condutas eram proibidas e punida pela lei penal. 3. No Processo Comum Coletivo n.º 359/20.3... do Juízo Local Criminal de ... – J..., por sentença de 6 de dezembro de 2021, transitada em julgado a 18 de janeiro de 2022, pela prática, em 7 de abril de 2020, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. 4. Neste processo foi dado como provado, com relevo para a presente decisão, que: 4.1. No dia 7 de abril de 2020, pelas 17.00 h, o arguido encontrava-se na residência sita na Rua ..., n.º 6ª – ..., onde à data dos factos habitava, e onde também reside o ofendido DD, seu tio. 4.2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, ocorreu uma discussão verbal entre o arguido e o ofendido, relacionada com o consumo de produtos estupefacientes por parte do arguido. 4.3. No decurso de tal discussão, o arguido muniu-se de uma barra de ferro e desferiu uma pancada no lado direito da cabeça do ofendido DD, atingindo-o com o aludido objeto. 4.4. Como consequência da conduta do arguido, o ofendido sofreu dores, bem como uma ferida incisiva parietal direita com 2,5 cm de comprimento, tendo dado entrada de urgência no Centro Hospitalar Universitário de ... pelas 19.33 h do mesmo dia, onde a aludida ferida foi limpa, desinfetada e suturada. 4.5. DD nasceu a ... de ... de 1960, tendo à data dos factos 59 anos de idade, e padece de atrose, doença reumática geradora de dores e dificuldades motoras, sofrendo ainda de problemas de visão, estando quase cego de um dos olhos, o que era do pleno conhecimento do arguido, seu sobrinho. 4.6. O arguido agiu com o propósito, concretizado, de molestar o corpo e a saúde do ofendido, causando-lhe lesões e dores, o que representou e quis, atingindo-o com uma barra de ferro na zona da cabeça, bem sabendo que o mesmo era uma pessoa especialmente vulnerável por força das suas condições de saúde e que não seria capaz de se defender da agressão de que foi vítima. 4.7. O arguido agiu de modo deliberado, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. [Condições pessoais] 5. O arguido AA é fruto de um relacionamento afetivo da progenitora, quando esta tinha 15 anos de idade, não aceite pelos avós maternos, que sempre desvalorizaram e rejeitaram o progenitor do arguido, à data já maior de idade. 6. Neste contexto, o arguido cresceu integrado no agregado familiar dos avós maternos, mesmo após a saída da progenitora, quando tinha 18 anos de idade, para constitui agregado familiar próprio. 7. A dinâmica familiar vivenciada pelo arguido foi pautada pela disfuncionalidade, traduzida na violência doméstica perpetrada pelo avô (também ele vítima de maus tratos na infância e juventude), e pela ausência de regras e limites no relacionamento intrafamiliar. 8. Devido ao desenvolvimento de problemáticas de toxicodependência de quatro tios maternos do arguido, com quem o mesmo coabitava, o arguido foi integrado no agregado familiar da progenitora aos 11 anos de idade. 9. Neste novo contexto familiar, o arguido referiu ter sido vítima de abusos sexuais (dos 11 aos 13 anos de idade) por parte do irmão do padrasto, que residia no mesmo edifício onde residia a progenitora. 10. Para além das dinâmicas familiares disfuncionais vividas e dos vínculos familiares pouco securizantes e estruturantes, o contexto socio residencial (Bairro ... em ...) era também pautado por problemáticas de exclusão social e marginalidade. 11. O seu percurso escolar, iniciado precocemente, aos 5 anos, foi marcado pelo elevado absentismo e pelo abandono escolar aos 13 anos de idade, com apenas o 4.º ano concluído. 12. Aos 14 anos de idade passou a consumir haxixe com regularidade (embora refira ter tido as primeiras experiências com estupefacientes aos 11 anos de idade) e a dedicar-se à prática de atividades ilícitas (tráfico de estupefacientes), atividade aceite, pelo menos de forma implícita, pela família do arguido e pelo contexto socio residencial onde estava inserido. 13. Terá sido no âmbito desta atividade surgiu a sua problemática de toxicodependência (dependência de heroína e de haxixe). 14. Face ao exposto, nunca se dedicou de forma regular e assídua ao exercício de uma atividade laboral, embora refira experiências laborais pontuais e sem vínculo laboral, aos 20 anos de idade, como servente e ... na área da construção civil. 15. Referiu ainda ter efetuado formação profissional, tendo integrado diferentes cursos de formação, como por exemplo no CENFIC, no curso de pedreiro/ladrilhador, e cursos de educação e formação de adultos, que lhe conferiram equivalência ao 12.º ano de escolaridade. 16. Na sequência dos vários conflitos entre o arguido e os familiares, sobretudo devido à sua menor interiorização das normas e regras, à reduzida interiorização/aceitação de figuras de autoridade e de hierarquia familiar, ao seu estilo de vida pautado pela inatividade laboral e à gestão do quotidiano em torno das suas necessidades de cariz aditivo,o arguido era expulso de casa pelos diferentes familiares, ora permanecendo em casa dosavós, ora na casa da progenitora ou ficando na condição de sem abrigo. 17. Aos 20 anos de idade chegou a pernoitar na Associação ..., específica para sem abrigos. 18. Em outras ocasiões (em 2017) recebeu o apoio da Santa Casa da Misericórdia de ..., que financiou o arrendamento de quartos para o seu alojamento, mas de onde o arguido veio a sair devido a conflitos com terceiros e com o senhorio. 19. Segundo o próprio, e durante um ano, terá mantido uma relação conjugal, da qual tem uma filha, atualmente com 20 anos de idade, mas com a qual não contacta alegadamente por não manter uma boa relação com a respetiva progenitora. 20. Na tentativa de resolver a sua problemática de toxicodependência, o arguido mencionou ter permanecido durante onze meses na Comunidade ..., sem, contudo, concluir o projeto terapêutico. 21. Posteriormente, esteve integrado na Comunidade A..., mas apenas se manteve na mesma cerca de três meses. 22. Esteve também integrado no programa de substituição opiácea com metadona, no CRI ... – Equipa de Tratamento de ..., e por diversas vezes iniciou acompanhamento psicoterapêutico, mas o qual não prosseguiu. 23. Face às suas caraterísticas pessoais e ao seu estilo de vida, o arguido acabou por contactar com o sistema de justiça penal, vindo a ser alvo de várias condenações desde 2011. 24. À data da sua prisão, o arguido vivia na condição de sem abrigo e pernoitava na zona da ..., junto ao pavilhão de ..., em ..., há cerca de um ano, ou pernoitava em casa dos avós maternos, onde se deslocava diariamente 25. A dinâmica familiar era pautada pela conflitualidade, com consequências negativas para a estabilidade do agregado familiar, à data, constituído pela avó, viúva (o avô faleceu em março de 2021), e pelo tio do arguido (vítima num outro processo judicial), e do qual o arguido tem uma medida de afastamento. 26. Profissionalmente encontrava-se desempregado, subsistindo com o subsídio de inserção social, no valor de € 180,00/mês, desde janeiro de 2021, e contava com o apoio alimentar das instituições que dão apoio aos sem abrigo, como a Associação ... e a Comunidade .... 27. Em termos pessoais, o arguido revela caraterísticas pessoais indiciadoras de alguma perturbação de personalidade. 28. Revela grande dificuldade ao nível do estabelecimento de vínculos afetivos e grandes lacunas e fragilidades (traumas) ao nível emocional, não conseguindo fazer uma adequada gestão e controlo das suas emoções e impulsos. 29. Gere o conflito, o confronto e as adversidades do quotidiano de forma desadequada e com recurso frequente à violência e agressividade. 30. O arguido encontra-se preso no estabelecimento prisional de ... desde 7 de julho de 2021, tendo mantido um comportamento adequado às normas. 31. Encontra-se a trabalhar na reparação de máquinas de café e está integrado num programa de substituição opiácea com metadona. 31. Recebe a visita da progenitora. [Certificado do registo criminal] 32. Do certificado de registo criminal do arguido AA constam as seguintes condenações anteriores, para além das supra referidas: - por decisão de 21 de junho de 2001, transitada em julgado a 6 de julho de 2001, pela prática de um crime de na roubo, pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, pena essa já declarada extinta pelo decurso do período de suspensão da execução da pena – processo n.º 116/98.1...; - por decisão de 12 de junho de 2003, transitada em julgado a 27 de junho de 2003, por factos ocorridos em 21 de junho de 1995, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 150 dias de multa, pena esta já declarada extinta pelo pagamento da multa – processo n.º 489/95.8...; - por decisão de 13 de fevereiro de 2008, transitada em julgado a 4 de março de 2088, pela prática de um crime de coação, de um crime de injúrias agravado e de um crime de ameaça, na pena única de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa, pena esta já declarada extinta pelo pagamento da multa – processo n.º 5265/05.9...; - por decisão de 26 de maio de 2008, transitada em julgado a 16 de junho de 2008, por factos ocorridos em 25 de fevereiro de 2008, pela prática de dois crimes de injúrias agravados, na pena única de 90 dias de multa, pena esta já declarada extinta por prescrição – processo n.º 163/08.7...; - por decisão de 2 de junho de 2009, transitada em julgado a 30 de dezembro de 2009, por factos ocorridos em 2 de julho de 2006, pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples, na pena de 180 dias de multa, posteriormente substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade e já declarada extinta – processo n.º 592/06.0...; - por decisão de 6 de janeiro de 2011, transitada em julgado a 31 de janeiro de 2011, por factos ocorridos em 2 de dezembro de 2010, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, pena essa já declarada extinta pelo decurso do período de suspensão da execução da pena – processo n.º 478/10.4...; - por decisão de 30 de maio de 2013, transitada em julgado a 1 de julho de 2013, por factos ocorridos em 18 de outubro de 2010, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, pena essa já declarada extinta pelo decurso do período de suspensão da execução da pena – processo n.º 412/10.1...; - por decisão de 13 de julho de 2015, transitada em julgado a 28 de setembro de 2015, por factos ocorridos em 6 de dezembro de 2012, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, sendo que posteriormente foi determinada a revogação da suspensão da execução da pena e determinado o seu cumprimento efetivo, já ocorrido - processo n.º 713/12.4...; - por decisão de 1 de abril de 2014, transitada em julgado a 23 de maio de 2014, por factos ocorridos em 2013, pela prática de um crime de ameaças agravado, dois crimes de injúrias agravados e dois crimes de ameaças agravados, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, pena essa já declarada extinta pelo decurso do período de suspensão da execução da pena – processo n.º 106/13.6...; - por decisão de 12 de outubro de 2017, transitada em julgado a 13 de novembro de 2017, por factos ocorridos em 22 de agosto de 2016, pela prática de um crime de dano simples, de um crime de homicídio na forma tentada e de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo – processo n.º 594/16.9...» Âmbito e objeto do recurso 9. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos e limita-se ao reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigos 432.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto na parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, segundo o qual se pode recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, que não vêm invocados. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, define-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro), que não se verificam. 10. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é, pois, chamado a apreciar e decidir se a pena única aplicada em conhecimento superveniente do concurso de crimes é, como o recorrente alega, «excessiva». 11. Nos termos do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. De acordo com o artigo 78.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma, esta regra é aplicável quando, após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória por qualquer desses crimes, se mostrar, perante condenações transitadas em julgado, que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. 12. Decidindo controvérsia jurisprudencial a propósito do momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes em caso de conhecimento superveniente, este Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido de que tal momento «é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso» (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2016, DR I, n.º 111, de 9.6.2016). A determinação da pena única efetiva-se através de uma nova sentença que efetue o cúmulo jurídico, mediante realização de audiência e das diligências necessárias (artigo 472.º do CPP), sendo territorialmente competente para o efeito o tribunal da última condenação – como sucede no caso dos autos – nos termos do artigo 471.º do CPP, o qual «por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e atualizados, nomeadamente, quanto aos factos e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e atual do trajeto de vida do arguido» [acórdão de 6.1.2010, Proc. 98/04.2GCVRM-A.S1 (Pereira Madeira), em www.dgsi.pt]. 13. Convocando o regime de punição do concurso de crimes, por conhecimento superveniente, estabelecido nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, concluiu o tribunal a quo que os crimes se encontram numa relação de concurso, havendo lugar à aplicação de uma pena única. A determinação da medida da pena encontra-se fundamentada nos seguintes termos: «Perante as condenações em concurso, a moldura penal do concurso situa-se entre 3 anos e 3 meses (a pena parcelar mais alta) e 18 anos e 11 meses de prisão (a soma das penas parcelares) – artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal. No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”. E, ainda segundo o mesmo autor, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena doconcurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso. E no § 421, págs. 291/2, acentua-se que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta-se ainda no § 421: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade (da personalidade dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e,especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente. Veja-se, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, proferido no processo n.º 1401/04-5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, onde em caso de concurso por conhecimento superveniente, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, afirma que nesta operação “o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz, nomeadamente, uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, semrepercussão no futuro. Na consideração dos factos (do conjunto dos vários factos que integram os diversos crimes em efectivo concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações, conexões ou contactos e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso, devendo ter-se em consideração a personalidade do agente. Como diz Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos. Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”. Por outro lado, na determinação da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso. Nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal – o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta. Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena. Tendo presente tudo quanto foi exposto, e centrando-nos no caso dos autos, importa, pois, determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido. Posto isto, haverá que salientar que os crimes a que se reportam as condenações sofridas pelo arguido respeitam a crimes de distinta natureza, ainda que boa parte deles envolvendo violência física e psicológica, com uma gravidade já expressiva. As necessidades de prevenção geral são, obviamente elevadas, dada a frequência com este tipo de criminalidade ocorre na nossa sociedade e a repercussão que a mesma tem na comunidade, contribuindo também para um sentimento generalizado de insegurança. A ilicitude dos factos é elevada, atendendo ao modo de atuação do arguido, particularmente no que tange com os crimes de violência doméstica e ofensas à integridade física. A personalidade do arguido mostra-nos que o mesmo é, manifestamente, propenso à prática de factos similares, que andarão associados à problemática aditiva, mas também a caraterísticas da sua personalidade, o que até é relevante face aos diversos crimes que praticou. Face aos crimes assim cometidos, à sua natureza, assim como à personalidade do arguido, e às necessidades de prevenção geral positiva de nível já elevado, e tentando, assim, concretizar estas considerações, relativas à ilicitude, culpa, prevenção geral e prevenção especial, tendo sempre presente a imagem global dos factos e a necessidade de adequar o tempo de prisão à dimensão global dos factos, e muito em particular à personalidade do arguido, atendendo à moldura penal abstrata a considerar, entende-se que o reflexo da soma das penas parcelares que estão para além da pena que fixa a medida mínima da moldura penal abstrata deve perto da medida de 1/3, motivo pelo qual se entende ser proporcional e adequada ao caso concreto a pena única de 8 anos e 4 meses de prisão. Nestes termos, entende-se aplicar, em cúmulo jurídico a pena única de 8 anos e 4 meses de prisão.» 14. Como resulta do texto da decisão acabado de transcrever, o tribunal a quo identificou corretamente, em termos teóricos e abstratos, as regras e os critérios aplicáveis, e, embora de forma sintética, por referência a aspetos essenciais que relaciona com a gravidade dos factos, o grau de ilicitude, as necessidades preventivas e com a personalidade do arguido, aplica, em conclusão, a pena de 8 anos e 4 meses de prisão, que considera proporcional ao caso concreto. Importa, assim, apreciar da adequação da decisão em função das circunstâncias que, constituindo o substrato da pena, a justificam, convocando o que repetidamente se tem afirmado em acórdãos anteriores. 15. A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas aplicadas aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas, a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso (pena aplicável), que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Em caso de conhecimento superveniente, como o dos autos, este processo encerrou-se definitivamente, quanto às penas que o integram, com o trânsito em julgado da decisão relativamente a cada uma delas, nos processos em que foram aplicadas, havendo que anular cúmulos jurídicos anteriores que tenham sido efetuados relativamente a penas que devem integrar o cúmulo por conhecimento posterior das relações de concurso, como também ocorreu neste caso. Assim definida a moldura do concurso, o tribunal determina a pena conjunta, seguindo os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal) e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, isto é, a personalidade do agente manifestada no facto, em que se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita. O substrato da medida da pena, compreende, assim, as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, possam depor a favor do agente ou contra ele, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (como se afirmou, entre outros, no acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e na jurisprudência nele mencionada). 16. Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça e o que se tem consignado em acórdãos anteriores, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”), sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso. Há que atender ao conjunto de todos os factos e ao fio condutor presente na repetição criminosa, estabelecendo uma relação desses factos com a personalidade do agente, ter em conta a caracterização desta pela sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza dos crimes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto dos factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, o citado acórdão de 25.10.2023 e jurisprudência nele citada, retomando-se o que se afirmou em anteriores acórdãos]. Repetindo uma citação recorrente, «Na avaliação da personalidade relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291). 17. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71.º do CP). Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual as restrições de direitos devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, desde a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva. 18. Retomando o que se tem consignado em acórdãos anteriores, para a medida da gravidade da culpa há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto (n.º 2 do artigo 71.º), nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências, e a intensidade do dolo – os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente –, bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – as condições pessoais e a situação económica do agente, a conduta anterior e posterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto. Para a determinação das necessidades de prevenção, há que atender às circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, dentro dos limites da culpa, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [v.g. a frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em função das necessidades individuais e concretas de socialização, devendo evitar-se a dessocialização. É na presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar-se se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (assim, por todos, o acórdão de 29.06.2023, Proc. 15/11.3PEALM.L5.S1, e jurisprudência e doutrina nela citadas, em www.dgsi.pt). 19. Como resulta da matéria de facto provada, são múltiplos e severos os fatores que militam contra o recorrente, quer os que relevam por via da culpa, quer por via da prevenção. O arguido vem condenado por pela prática de 13 crimes, entre o início de 2019 e 6 de julho de 2021: 2 (dois) crimes de violência doméstica agravada, previstos e punidos pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, nas penas de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um desses crimes; 4 (quatro) crimes de extorsão, na forma consumada, previstos e punidos pelo artigo 223.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão por cada um desses crimes; 5 (cinco) crimes de extorsão, na forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 223.º, n.º 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal, nas penas de 10 (dez) meses de prisão por cada um desses crimes; 1 (um) crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c), e 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão; e 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. De que resulta uma moldura penal do concurso definida pelo limite mínimo de 3 anos e 3 meses (a pena parcelar mais alta) e 18 anos e 11 meses de prisão (a soma das penas parcelares). Na síntese do Senhor Procurador-Geral Adjunto, com que se concorda e se recorda: «O ilícito global é composto por treze crimes, cometidos com dolo direto ao longo de um período superior a dois anos, que atentam contra bens jurídicos e interesses de índole pessoal e patrimonial. Os crimes de violência doméstica integram o conceito de criminalidade violenta (art. 1.º, al. j), do CPP). Com exceção do crime de ameaça agravada, praticado contra um agente da PSP no exercício das suas funções, o arguido elegeu como alvo dos seus atos pessoas da própria família, idosas e/ou fisicamente fragilizadas (os ofendidos dos crimes de violência doméstica e de extorsão são os seus avós, BB, nascida a ... de ... de 1932, e CC, nascido a ... de ... de 1929, entretanto falecido em ... de ... de 2021, ambos doentes e com dificuldades de locomoção, e o ofendido do crime de ofensa à integridade física qualificada, DD, também ele pessoa doente e com dificuldades motoras, é seu tio). Regista diversas condenações pela prática de crimes de roubo (processo 116/98.1...), falsificação de documento (processo 489/95.8...), coação (processo 5265/05.9...), injúria agravada (processos 5265/05.9..., 163/08.7... e 106/13.6...), ameaça, simples (processo 5265/05.9...) e agravada (processo 106/13.6...), ofensa à integridade física, simples (processos 592/06.0..., 412/10.1... e 594/16.9...) e qualificada (processo 713/12.4...), detenção de arma proibida (processo 478/10.4...), dano e homicídio na forma tentada (processo 594/16.9...). Os factos em concurso foram praticados no decurso do prazo de suspensão de execução da pena de uma das anteriores condenações (condenação do processo 594/16.9...). O arguido foi criado em ambientes familiares disfuncionais e inamistosos. É consumidor de drogas desde o início da adolescência e nunca concluiu os (três) programas de desintoxicação que frequentou. Jamais exerceu qualquer atividade laboral de forma regular e nos meses que antecederam a sua prisão subsistia com o rendimento social de inserção e com a ajuda alimentar providenciada por associações de apoio a cidadãos sem abrigo. Revela dificuldades em gerir e controlar as suas emoções e impulsos e tende a enfrentar as adversidades com recurso à violência. No meio prisional trabalha na reparação de máquinas de café, está integrado num programa de tratamento com metadona e recebe visitas da progenitora. A «postura» que revelou na audiência de julgamento dos processos em concurso não consta do inventário dos factos que nos mesmos foram considerados provados (e só a esses o tribunal coletivo pode atender). Ainda assim, não deixaremos de assinalar que no capítulo da sentença do processo 359/20.3... dedicado à medida concreta da pena lê-se que o arguido «não confessou os factos, não revelou qualquer arrependimento em juízo» e «em audiência de julgamento, não demonstrou a menor empatia para com a vítima» (pág. 15 da sentença) Tendo os factos sido cometidos entre 2019 e 6 de julho de 2021 e encontrando-se o recorrente preso desde 7 de julho de 2021, o (já de si pouco) «tempo passado sobre a prática dos crimes» não tem qualquer peso atenuante. A cadência regular de condenações, em 2001, 2003, 2008, 2009, 2011, 2013, 2014, 2015 e 2017, sempre em penas não detentivas que se revelaram ineficazes para travar o seu roteiro criminoso, e a natureza pessoal dos bens jurídicos tutelados pela maioria dos respetivos ilícitos, apontam para uma personalidade truculenta, refratária ao direito e aos valores sociais vigentes, indubitavelmente potenciada pela toxicodependência, e, salvo melhor reflexão, afastam a possibilidade de que os crimes em concurso traduzem uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito ou acidental. Por fim [citando jurisprudência recente deste Supremo Tribunal], tendo o arguido sido condenado no processo 785/21.0PLLSB na pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão, a reformulação do cúmulo por via da inclusão da pena parcelar de 2 anos e 6 meses de prisão do processo 359/20.3..., prejudica a reivindicada condenação numa pena única «perto dos 7 anos de prisão». 20. O elevado grau de ilicitude dos factos, vistos no seu conjunto (como impõe o artigo 77.º do Código Penal), e a frequência da sua repetição, revelando indicações de uma tendência para a prática de crimes, para além dos crimes praticados contra os seus avós e contra seu tio, em grave violação dos deveres de respeito e solidariedade para com as vítimas, a violência usada contra estas, pessoas frágeis e muito idosas, a intensidade do dolo, as suas condições económicas, familiares e sociais, o seu percurso de vida, a dependência de substâncias estupefacientes, o número de condenações anteriores em penas não privativas da liberdade revelam uma personalidade violenta, insensibilidade às penas e falta de suscetibilidade de por elas ser influenciado e manifesta falta de preparação para manter uma conduta lícita. Por conseguinte, se conclui que é muito elevado o grau de culpa e muito elevadas as necessidades de prevenção, em particular de prevenção especial (socialização), que justificam a aplicação da pena com vista à reinserção do arguido na sociedade, nomeadamente pelo afastamento do consumo de estupefacientes cuja necessidade esteve na origem dos seus comportamentos ilícitos, mediante intervenção específica neste domínio, que já se encontra em curso no estabelecimento prisional. Tendo em conta estes fatores e a irrelevância ou ausência dos motivos invocados pelo recorrente em seu favor, dada a moldura da pena aplicável, não se encontra motivo relevante que possa constituir base de discordância quanto à pena aplicada, não se mostrando que esta se encontre fixada em violação do critério de proporcionalidade que preside à sua aplicação, em vista da realização das suas finalidades de proteção dos bens jurídicos ofendidos e da reintegração do recorrente na sociedade (artigo 40.º do CP).. Nesta conformidade, é negado provimento ao recurso. Quanto a custas 21. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. III. Decisão 22. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA,, mantendo-se a decisão recorrida. Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC. Supremo Tribunal de Justiça, 19 de dezembro de 2023. José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Relator) Pedro Manuel Branquinho Dias (Juiz Conselheiro Adjunto) Maria do Carmo Silva Dias (Juíza Conselheira Adjunta) |