Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1840
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PONCE DE LEÃO
Descritores: PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200306240018406
Data do Acordão: 06/24/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7141/02
Data: 12/18/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

CTD - veio propor a presente acção contra Clube de Futebol "Os ....", pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de esc. 7.536.537$ 10, respeitando esc. 3.378.268$00 a capital e esc. 4.158.269$10 a juros de mora vencidos.
Para tanto, alegou, em síntese, que:
nos anos 1993/94 e 1995, a pedido do réu, prestou a atletas deste serviços de assistência médica, internamento, meios de diagnóstico e terapêutica, assistência medicamentosa, utilização do equipamento cirúrgico e outros, cujo preço, no valor global de esc. 3.378.268$00, não foi pago por aquele;
a essa quantia acrescem os juros de mora vencidos até 31.12.99, à taxa anual de 15%, no valor de esc. 4.158.269$10.
Devidamente citado, veio o Réu apresentar contestação, onde:
aceita expressamente que a autora lhe prestou os serviços hospitalares descritos nas facturas por ela juntas;
mas dizendo estar prescrito, nos termos do art. 317º, al. a) do Código Civil, o direito da autora, já que os serviços foram prestados entre 1993 e 1995 e a sua citação só veio a ocorrer em 21 de Janeiro de 2000.
A Autora apresentou resposta, onde defende a inexistência da invocada prescrição, dizendo que esta, fundada na presunção de cumprimento, se mostra ilidida, uma vez que o réu confessa a dívida e o acordo de pagamento firmado com a autora, no âmbito do qual, aliás, efectuou em 16 de Fevereiro de 1998 o último pagamento.
Foi proferido despacho saneador, onde se julgou:
improcedente a arguida excepção de prescrição; e,
a acção procedente, condenando "o R. a pagar ao A. a quantia de 3.378.268$00, a título de capital, acrescidos de juros de mora já vencidos à taxa legal de 15% até 16.04.1999, e os vencidos a partir de 17.04.1999 e ainda os vincendos sobre aquela quantia à taxa legal de 12% até integral pagamento.".
Inconformado, veio o Réu a interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde foi proferido acórdão - que por não nos merecer o mais pequeno reparo, será confirmado, sem mais - onde, se começou por fazer o alinhamento das questões suscitadas nas conclusões das alegações do interposto recurso, nomeadamente:
- Saber se o saneador-sentença enferma das nulidades que lhe são atribuídas;
- Saber se, ao invés do decidido, se deve julgar procedente a invocada excepção de prescrição do direito da autora, com a consequente absolvição do pedido do aqui apelante.
Decidiu-se nos moldes que se passarão a transcrever:
"Sobre as invocadas nulidades:
Afirmando que nela se omitiu a discriminação dos factos considerados assentes e a indicação das normas jurídicas em que assenta a condenação proferida, defende o apelante que a sentença enferma da nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. b) do C. P. Civil (diploma a que respeitam as normas que doravante se refiram sem indicação de diferente proveniência).
Este preceito adjectivo, em consonância com o disposto no art. 659º, nº 2 - onde se exige que, em termos de fundamentação, na sentença se discriminem os factos julgados assentes e se indiquem, interpretem e apliquem as normas jurídicas correspondentes - fere de nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
É uniforme a orientação segundo a qual só a falta absoluta de fundamentação integrará a nulidade estabelecida na al. b) do nº 1 do art. 668º, do C. P. Civil. Uma insuficiência pontual não basta para que se tenha como verificado um dos erros de construção de que já falava José Alberto dos Reis a propósito da caracterização do vício da nulidade da sentença. Cfr. Código Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 122 e 139/140.
Tem de reconhecer-se que a sentença impugnada não satisfaz, pelo menos em termos exemplares, a exigência de fundamentação em apreço.
Na verdade, dela não consta um elenco de factos que se tenham considerado como provados e, no que respeita ao direito aplicável, apenas se procede à interpretação e aplicação de normas jurídicas respeitantes à excepção de prescrição do direito da autora, invocada pelo réu, nenhuma referência se fazendo a normas jurídicas que acolham e sustentem o reconhecimento, aí feito, do direito da autora a receber do réu a quantia que este foi condenado a pagar-lhe.
Mas, ao longo dela, concretamente sob a epígrafe "Analisando e decidindo:", constam passagens onde se alude concretamente a factos julgados provados.
Diz-se, designadamente a fls. 90:
"( .. ) Pelo que, tem de se dar como assente nos autos que por conta da dívida facturada ao R. este efectuou o último pagamento em 16 de Fevereiro de 1998.
(-) Ora, tendo o R. apenas invocado a prescrição sem sequer pôr em causa, à cautela, a versão apresentada pelo A., a não dar-se como provada a invocada excepção, toda a matéria alegada pelo A tem de se dar como provada." (sublinhado nosso)
Daqui se vê que, embora em termos formalmente desordenados e sem a exigível e adequada concretização, na sentença se indicam os factos tidos como provados, não podendo por isso atribuir-se-lhe falta de fundamentação de natureza factual.
E também no que concerne aos fundamentos de direito, poderá apontar-se-lhe insuficiência - nos termos acima explanados - mas nada permite concluir pela falta absoluta de fundamentação nessa vertente, sendo que, como se referiu já, só uma omissão nesses moldes inquinaria a sentença com o vício da nulidade.
O apelante atribui ainda à sentença a nulidade prevista no art. 668º, nº 1, al. d), em virtude de nela não ter sido abordada nem conhecida a suscitada questão de inadmissibilidade do documento junto pela autora sob o nº 19.
Este preceito fere de nulidade a sentença que omita pronúncia sobre questão cuja apreciação lhe coubesse ou que conheça de questão de que não podia tomar conhecimento.
É certo que o réu, na sua contestação, invocou a inadmissibilidade da junção aos autos do documento trazido pela autora ao processo como meio de prova do acordo alegadamente celebrado entre ela e o réu, nos termos do qual este terá assumido o compromisso de pagar em prestações o valor em dívida.
E também é verdade que nem na sentença nem em anterior despacho o tribunal de 1ª instância se pronunciou sobre esta questão.
Mas esta omissão não constitui nulidade da sentença.
Na verdade, a demonstração desse acordo não depende da existência e apresentação daquele documento, sendo antes, e independentemente dele, uma realidade assente, por falta de impugnação do réu, como aliás se considerou na sentença recorrida. Assim, revela-se inócua a apreciação daquela questão, suscitada pelo réu no intuito de ver excluído do processo elemento probatório que acabou por não ser considerado para o fim a que se destinava.
Não revelando qualquer interesse para a decisão de facto que veio a ser proferida - e era no seu âmbito que a questão da inadmissibilidade do documento se situava -, despicienda era a apreciação desta questão, pelo que não envolve qualquer nulidade da sentença o seu não conhecimento.
Sobre a invocada prescrição do direito da autora:
Como acima se disse, na sentença recorrida, embora sem discriminação dos respectivos factos, disse-se dever considerar-se assente toda a matéria de facto alegada pela autora.
Assim, teve-se como provada a seguinte factualidade:
1. A autora exerce a actividade de hospitalização privada.
2. Nos anos de 90 o réu mandou para a clínica da autora atletas seus acidentados/doentes para assistência médica, tendo-lhes sido prestados internamento, meios de diagnóstico e terapêutica, assistência medicamentosa, utilização do equipamento cirúrgico e serviços diversos.
3. Os atletas eram/foram acompanhados de termos de responsabilidade emitidos pelo F. C. ".....", ora réu, pelos quais este assumia a responsabilidade pela assistência e pagamento das consequentes despesas.
4. A facturação foi regular e pontualmente enviada ao réu.
5. Estão por liquidar as facturas referentes aos serviços prestados pela autora aos atletas do réu reportadas a 1993/1994 e 1995, serviços esses discriminados nos documentos juntos sob os nºs 1C a 18C, no valor global de esc. 3.378.268$00.
6. No seguimento de pressão feita pela autora, em 1997, o réu assumiu o compromisso de pagar a dívida, então de esc. 3.576.988$00, em 36 prestações mensais iguais e sucessivas de 99.360$00.
7. Dessas prestações, o réu apenas pagou duas, uma em Setembro de 1997 e outra em 16 de Fevereiro de 1998.
8. O dinheiro assim entregue pelo réu pagou as facturas nºs 21 e 2403, datadas, respectivamente, de 21.8.92 e de 17.2.93, e parte da factura nº 2743.
9. Apesar dos constantes contactos da autora junto do réu, nomeadamente nos últimos meses, por carta registada com aviso de recepção, faxes, telefonemas, idas pessoais ao estádio, etc., com vista ao pagamento.
Em sustentação da tese segundo a qual se deve ter como verificada a excepção peremptória por ele invocada, o apelante defende, em resumo, que a prescrição do art. 317º, al. a) do Código Civil, sendo de natureza presuntiva, só pode ser ilidida por confissão do devedor; que essa elisão não ocorreu, já, que nunca confessou a dívida em discussão, não podendo confundir-se a não impugnação das facturas juntas e dos serviços prestados com a confissão da dívida dos respectivos valores, tanto mais que invocou a inexistência da dívida ao recorrer, como recorreu, à excepção peremptória da prescrição presuntiva.
Esta sua tese não merece acolhimento.
Salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito, os factos não impugnados pelo réu consideram-se admitidos por acordo - art. 490º, nº 2.
O Réu admitiu de forma expressa - ponto 3 da sua contestação - que a autora lhe prestou os serviços hospitalares a que respeitam as facturas por ela juntas.
Para além disto e da alegação da inadmissibilidade da apresentação de documento a que já aludimos, limitou-se a invocar, ao abrigo do art. 317º, al. a) do Código Civil, a prescrição do eventual direito da autora, para tanto fazendo notar a data da prestação dos serviços em causa - entre 1993 e 1995 - e a data em que foi citado - 21 de Janeiro de 2000.
Esta alegação foi feita como se se tratasse de uma vulgar prescrição, aparentemente sem que o réu se tivesse dado conta da diferença que uma prescrição presuntiva envolve face àquela; na verdade, a prescrição presuntiva assenta na existência de um pagamento que o seu autor, ao contrário do que é regra geral, não terá de provar.
Nem alegou ter pago, nem impugnou a alegada falta de pagamento da retribuição correspondente aos serviços que a autora, na sequência do convencionado entre ambos, lhe prestou, nos valores indicados nas facturas juntas aos autos.
Essa falta de impugnação leva a que se tenha como admitido por acordo o não pagamento daquelas retribuições, nos termos do já citado art. 490º, nº 2, e envolve confissão judicial do devedor, ora apelante, que, de acordo com o art. 313º do C. Civil, ilide a presunção de cumprimento pelo decurso do prazo em que se funda a prescrição de natureza presuntiva estabelecida no art. 317º, al. a) do mesmo diploma legal.
Como se faz notar na sentença recorrida, a este propósito escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, vol. 1, 4ª edição, pág. 282: "Quanto à confissão judicial, nenhuma restrição é estabelecida na lei para prova do não cumprimento, devendo assim considerar-se a matéria abrangida no ónus de impugnação especificada a que se refere o art. 490º, nº 1, do Código de Processo Civil e excluída da ressalva contida na parte final deste preceito.".
Soçobram, pois, todas as razões invocadas pelo apelante nas suas conclusões tendentes a demonstrar que não confessou a dívida.
Estando ilidida a presunção de cumprimento por parte do apelante, não se verifica a invocada excepção de prescrição do direito da autora.
E, por isso, sobre ele impende a obrigação de pagar à autora a retribuição dos serviços que esta lhe prestou - arts. 1154º, 1156º e 1167º, al. b), todos do Código Civil -, não merecendo censura o saneador/sentença que o condenou em conformidade.
Impõe-se, pois, a improcedência da apelação.
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando--se a sentença recorrida.".

Continuando inconformado, veio o Réu interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte:
1ª) No Douto Acórdão recorrido entende-se que a sentença proferida em primeira instância não viola o dever de fundamentação;
2ª) Porém, na referida sentença não se discriminam os factos considerados provados nem se indicam as normas jurídicas que sustentam a decisão de mérito da causa;
3ª) Para além disso, no mesmo Acórdão entende-se que o recorrente admitiu por acordo a existência da dívida, por não a ter impugnado;
4ª) Porém, o recorrente opôs-se à existência da dívida sub judice ao invocar a sua prescrição;
5ª) Por estarmos perante uma prescrição presuntiva, afigura-se irrelevante invocar e demonstrar a realização do pagamento;
6ª) Pois o conceito de prescrição presuntiva assenta e pressupõe a existência de tal pagamento;
7ª) Consequentemente, não houve confissão de dívida nem foi ilidida a presunção de pagamento;
8ª) Nem se diga que o recorrente confessou a dívida ao emitir o fax junto à petição inicial sob a forma de Doc. 19 ou que interrompeu o prazo prescricional com algum dos pagamentos referidos no artº 13 da petição inicial;
9ª) No que respeita àquele fax, a junção do mesmo viola o dever do sigilo profissional a que o mandatário do A. está obrigado, não podendo o mesmo fazer prova em juízo - artº 81-5º do Estatuto da Ordem dos Advogados;
10ª) E no que respeita à suposta interrupção, são várias e diversas as facturas cujo pagamento o apelado veio reclamar e nenhuma delas respeita ás referidas no aludido nº 13;
11ª) O Acórdão recorrido ao confirmar a sentença proferida em primeira instância, violou o disposto nos artºs 659º-2º, 668º-1º alínea b) do Código de Processo Civil, bem como os artºs 312º, 313º, 3l4º, 317º, alínea a) e 490º-2º todos do Código Civil, bem como o artº 81º-5º do Estatuto da Ordem dos Advogados, constante do Decreto Lei 84/84 de 16 de Março.
Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.
Decidindo:
Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).
O acórdão recorrido não nos merece qualquer censura, como supra já se deixou salientado.
Em todo o caso sempre se farão algumas considerações acerca da problemática das prescrições, primeiro, e depois sobre o acórdão recorrido.
Assim, diremos que, como regra as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao direito prescrito (artigo 304º do Código Civil), isto é, ao devedor basta alegar e provar que já decorreu o prazo da prescrição, não precisando alegar que nunca deveu ou já pagou, basta-lhe alegar e provar que já decorreu o decurso do prazo da prescrição.
Mas ao lado dessas prescrições extintivas há as chamadas prescrições presuntivas - artigo 312ºdo Código Civil - que se constituem em prescrições de curto prazo (seis meses ou dois anos) e que se fundam na presunção de pagamento.
Decorre do artigo 317º, alínea b) do Código Civil, que a prescrição presuntiva tem dois requisitos: o prazo decorrido de dois anos após os fornecimentos; não ser o devedor comerciante ou, sendo-o, não ter destinado tais objectos ao seu comércio.
A ratio da prescrição presuntiva funda-se no princípio da segurança jurídica e no intuito de facilitar o giro da vida económica e satisfeitos por via de regra com prontidão pelo devedor;
É diferente a tutela visada com o instituto da prescrição presuntiva da que se concede através da prescrição ordinária, uma vez que nesta última se rege contra a inércia do credor, o qual esgotado o prazo não pode exigir que o devedor cumpra aquilo a que se obrigara, ainda que confesse estar em dívida; ao passo, que na primeira (prescrição presuntiva) promove-se o trafico jurídico, não se visando coarctar em absoluto ao credor a prova do seu crédito, mau grado esta se limite à confissão expressa ou tácita do devedor (vide, Ac do STJ de 12-6-1986, BMJ 358º, 558; Ac RL, de 16-6-1992, CJ de 1992, T.3, 206 e Ac RP de 28-11-1994, CJ de 1994, T.5, 215 e Sousa Ribeiro, In Revista de Direito e Economia, Ano V, nº 2, 385).
Reproduzindo as palavras de Manuel de Andrade, na vigência do Código Civil de 1867 (in, Teoria Geral da Relação Jurídica, v.II, 1960, 452 e 453), " ... a lei presumiu que, decorridos estes prazos, o devedor teria pago. Isto tem a sua importância no próprio regime destas prescrições.
Elas são tratadas, não bem como prescrições, mas como simples presunções de pagamento. Enquanto que nas prescrições verdadeiras, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, nestas prescrições presuntivas parece que não pode ser assim: se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, e a prescrição não funciona, embora ele a invoque.".
Ora, a prescrição de 2 anos do artigo 317º do Código Civil é, sem dúvida alguma, uma prescrição presuntiva.
Perante as disposições do Código Civil actual entende-se que para poder invocar a prescrição presuntiva, o Réu deve alegar que deveu mas que pagou. Se ele alegar que nunca deveu, não tem sentido invocar este tipo de prescrição, por outro lado, se ele alega que deve e nunca pagou, de nada lhe vale invocar esta prescrição, porque ele está a confessar a dívida (vide, Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, v.11, 78).
Como corolário do que acima fica explanado, neste instituto existe uma inversão do ónus da prova, verdadeira excepção ao ónus da prova do pagamento que por via de regra cabe ao Réu nas acções de dívida (competindo, no caso de se verificar esse aspecto, ao Autor efectuar a prova de que o Réu não pagou a quantia que dele reclama).
As prescrições presuntivas explicam-se "pelo facto de as obrigações a que respeitam costumam ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir por via de regra quitação, ou, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efectuado, ficando o devedor dispensado da sua prova, dado que, em virtude das razões expostas, isto poderia tomar-se muito difícil" (Almeida Costa, Direito Das Obrigações, 5ª edição, 964).
Assim, neste tipo de prescrição, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, mas apenas faz presumir o pagamento, libertando desta forma o devedor do ónus da prova do pagamento, mas não do ónus de alegar que pagou.
Por outro lado, ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite, embora de forma limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante prova da dívida. Por outras palavras, admite-se que o credor prove que a dívida existe e não foi paga, mesmo decorrido o prazo da prescrição presuntiva.
A presunção do cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão (artigo 313º, nº 1, do Código Civil). A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, mas esta só releva quando for realizada por escrito - 355º, nº 1 e 313º, nº 2 do Código Civil.
É admitida a confissão tácita, em dois casos, nos termos do artigo 314º, da referida lei substantiva civil: se o devedor se recusa a depor ou a prestar o juramento em tribunal, se o devedor pratica em juízo actos incompatíveis com a alegação da presunção de cumprimento.
Assim, se decorrido o prazo da prescrição, o credor demonstrar, pelo meio do artigo 3l3º e 314º, pela confissão, expressa ou tácita, do devedor, que não houve pagamento, ilidindo a presunção que fundamentava o prazo, já não podemos ter em consideração os prazos que a lei preceitua para a prescrição presuntiva.
Uma vez arredada a prescrição presuntiva, o devedor só pode valer-se da excepção da prescrição ordinária (artigo 315º do Código Civil).
Para maiores esclarecimentos, vide Acórdão da Relação do Porto de 14/12/1993, Colectânea de Jurisprudência, Ano 1993,Tomo V, Pg. 243 e Vaz Serra, Revista Legislação e Jurisprudência, ano 103º, 256, nota 1).
Ao apreender o espírito das prescrições presuntivas não podemos deixar de lado o princípio da boa fé processual.
Por isso, e atento o predito princípio, o demandado poderia defender-se de duas formas:
a) ou recusar que a dívida tenha nascido, e então não pode logicamente invocar a prescrição (ou só o poderá fazer por pura cautela).
b) Ou reconhecer que a dívida nasceu, mas que se extinguiu, porque foi oportunamente paga, invocando a prescrição por cautela.

E quanto ao acórdão, apenas um brevíssimo comentário:
As duas primeiras conclusões das alegações de recurso prendem-se com a fundamentação de facto e de direito.
O acórdão recorrido, é óbvio (basta lê-lo), não padece desse vício, sendo certo que é, justamente, essa decisão que, ora, está sob nossa apreciação.
Porém, também a sentença proferida em 1ª instância, estando embora, bem longe de se poder, nessa vertente, ser tida como exemplar, não está ferida de morte, por tal irregularidade, tal como o acórdão recorrido deixou, abundantemente, evidenciado.
As conclusões 3ª a 7ª expressam uma tese que não poderá ser defensável.
Na verdade, alega-se na 4ª, que "O recorrente opôs-se à existência da dívida ao invocar a sua prescrição".
Mas como, se, ele próprio, sob o nº 3 da sua contestação, alega que "No exercício da sua actividade o A. prestou ao Réu os serviços hospitalares a que respeitam as facturas juntas por aquele"?
O facto de se invocar a prescrição presuntiva não pode, de modo algum, significar oposição à existência da dívida, antes se prendendo, unicamente, com a impossibilidade da sua exigibilidade.
Isto, porque nos termos do artigo 313º do Código Civil se presume que se encontra cumprido o seu pagamento, sendo certo que in casu jamais o Réu alegou que a dívida (confessada) estava integralmente paga.
Presunção essa que pode ser ilidida, como foi, com a confissão tácita do Réu/devedor, talqualmente o acórdão recorrido deixou abundantemente demonstrado, em termos que despiciendo seria aqui estar a repetir.
Apenas acrescentaremos alguma jurisprudência em abono da tese defendida no acórdão recorrido.
A propósito de confissão da dívida decidiu-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 18.5.95 (in Boletim do Ministério da Justiça nº 447º, 555, que "O devedor só pode beneficiar da prescrição presuntiva desde que alegue ter pago a dívida ou que esta se extinguiu por outro motivo, pois, se não o fizer, tal equivale a confissão dos factos alegados na acção pelo credor, conducentes ao não pagamento, ou seja, haveria confissão da dívida resultante da prática em juízo pelo réu de factos incompatíveis com a presunção de cumprimento, ficando esta ilidida nos termos dos artigos 313º nº 1, e 314º do Código Civil.".
E quanto à prescrição presuntiva decidiu-se no Acórdão da Relação do Porto de 13.12.93 in Colectânea de Jurisprudência, Ano 1993,Tomo V, Pg. 240, que:
"I - Se a prescrição é extintiva, o devedor não necessita de alegar que nunca deveu ou que já pagou, bastando-lhe invocar o decurso do prazo. II - Mas, se a prescrição é apenas presuntiva (prescrição de curto prazo), o devedor só pode beneficiar dela desde que alegue que pagou, ou que por outro motivo a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo. III - Na falta de impugnação especificada dos factos constitutivos da obrigação, entende-se que o demandado confessa tacitamente a dívida. IV - Pelo que, se a prescrição invocada é presuntiva, a acção procede logo no saneador.".
E também o Acórdão da Relação de Lisboa de 16.6.92 in Colectânea de Jurisprudência, Ano 1992, Tomo III, Pg. 206 decidiu que:
"I - A prescrição de curto prazo tem na base uma presunção de pagamento. II - Tal presunção é ilidível apenas pela confissão, mas a extrajudicial só pode revestir a forma escrita. III - A confissão judicial provocada consiste na recusa do devedor a depor ou a prestar juramento em tribunal ou a praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de pagamento. IV - Existe confissão quando o devedor não impugna factos alegados na acção pelo credor que conduzam ao não pagamento.".
As demais conclusões apresentadas são completamente irrelevantes, na medida em que focalizam questões que, ou não foram tratadas no acórdão recorrido (v.g. interrupção da prescrição), ou se referem à junção do fax (doc. 19 junto com a p.i.), já que o próprio acórdão justificou - e bem - que o mesmo não foi tido em consideração na decisão tomada, face à sua prejudicialidade. Daí a desnecessidade de pronúncia sobre a sua admissibilidade.

Em suma:
O acórdão recorrido é de uma total clareza, sendo certo que nele se fez um adequado enquadramento jurídico dos factos e se encontra suficientemente fundamentado.
Nenhuma censura entendemos dever ser-lhe feita, já que com o mesmo nos identificamos na plenitude, não só no que concerne à decisão stricto sensu, mas também quanto aos respectivos fundamentos.
Assim sendo, fazendo uso do que é preceituado no nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, em consequência, se decide confirmar in totum o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 24 de Junho de 2003
Ponce de Leão
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida