Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B2015
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
CULPA IN CONTRAHENDO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: SJ200609140020157
Data do Acordão: 09/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - A protecção da confiança não pode ser arvorada em princípio absoluto, pressupondo, antes de mais, uma situação conforme com o sistema jurídico e isenta de inobservância dos deveres de cuidado que caibam no caso.

II - Como assim, em termos da responsabilidade pré-negocial contemplada no art.227º C.Civ., resulta fora de questão proteger quem tiver desrespeitado normas jurídicas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Em 22/5/2001, AA, que litiga com benefício de apoio judiciário quanto a custas, moveu à Empresa-A, e a BB e CC acção declarativa com processo comum na forma ordinária que foi distribuída à 2ª Secção da 1ª Vara Cível da comarca de Lisboa.

Pediu a condenação dos demandados, solidariamente, a pagar-lhe indemnização no montante global de 5.808.471$00, sendo 5.000.000$00 por danos não patrimoniais, 630.000$00 de despesas de matrículas, inscrições e propinas pagas até Maio de 1998, e 178.471$00 de juros de mora vencidos desde 18/6/98 até à data da entrada em juízo da petição inicial, acrescendo, ainda, os vincendos, desde a citação ( sic ) até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, o seguinte ( respeitando-se agora, quanto possível, a cronologia dos eventos ) :

A 1ª Ré, de que os demais eram administradores, explorou o Instituto Superior de Tecnologias da Saúde ( ISTS ).

Foi publicado no DR, II Série de 13/8/96, despacho do Secretário de Estado do Ensino Superior que indeferiu pedido de reconhecimento e homologação de cursos apresentado por essa Ré.

Em Outubro de 1996, a A. inscreveu-se no Curso de Anatomia Patológica, tendo pago 50.000$ 00 no acto da matrícula.

Teve então conhecimento de que o ISTS não tinha sido reconhecido como instituição de interesse público, nem o curso tinha sido homologado, mas foi-lhe garantido que estava em curso processo de reconhecimento e homologação que iria ser deferido em breve.

Conhecedores do indeferimento do pedido de homologação, os RR mantiveram sempre os alunos e encarregados de educação na falsa esperança de legalização da situação.

Os 2º e 3º RR garantiram, por diversas vezes, o reconhecimento e homologação dos cursos.

Em 22/7/97, os RR celebraram com a A. um contrato escrito pelo qual se comprometiam a dar formação relacionada com o curso de Anatomia Patológica mediante o pagamento do montante global de 1.000.000$00, tendo-a então convencido a aceitar letras de câmbio no valor nominal de 32.500$00, de que liquidou 10.

O recurso interposto do supramencionado despacho do Secretário de Estado do Ensino Superior que indeferiu o pedido de reconhecimento e homologação de cursos apresentado pela 1ª Ré foi julgado deserto, por falta de alegação, por despacho de 18/11/97.

Tendo tomado conhecimento de que se mantinha o indeferimento do pedido de reconhecimento do ISTS, a A. revogou a autorização de débito concedida para desconto na sua conta da quantia mensal de 32.500$00, e, por carta de 18/6/98, resolveu, por incumprimento da contraparte, o contrato de formação e exigiu a devolução das quantias desembolsadas e das letras aceites.

Pouco tempo depois, o Ministério da Educação determinou o encerramento coercivo do ISTS.

Excelente aluna, a A., sem que deles pudesse retirar qualquer proveito, passou dois anos da sua vida extremamente empenhada em tirar o curso superior de que mais gostava, perdeu o apetite, o sono e a alegria de viver, e viu o seu futuro quase destruído, tendo-lhe a situação descrita causado grande sofrimento e inquietação.

A 1ª Ré não ofereceu contestação, e o 2º, citado editalmente, não contestou, tendo-se depois apresentado e feito seu o articulado da 3ª Ré. Contestando, esta última deduziu defesa por impugnação, negando a criação de quaisquer falsas expectativas e, por desconhecimento, a existência dos prejuízos alegados. Aditou que todos os alunos do ISTS viram a sua situação reconhecida, tendo a 1ª Ré remetido todos os processos ao Ministério da Educação para esse efeito.

Saneado e condensado o processo, veio, após julgamento, a ser proferida, em 18/4/2005, sentença que declarou a nulidade do contrato aludido, celebrado entre a A. e a 1ª Ré, e determinou a devolução à A. da quantia de € 3.142,43, com juros, à taxa legal dos juros civis, desde a data da citação daquela Ré até integral pagamento. No mais, a acção foi julgada improcedente, por não provada, tendo os RR sido absolvidos do pedido, designadamente de juros até àquela data e de indemnização por danos não patrimoniais ( no montante de € 24.939,89 ).

Por acórdão de 15/12/2005, a Relação de Lisboa julgou procedente o recurso de apelação que a A. interpôs dessa sentença, e condenou os três RR, solidariamente, a indemnizarem a mesma no total de € 13.118,39, sendo € 3.142,43 de despesas de matrículas, inscrições e propinas pagas até Maio de 1998, com os juros legais respectivos (1) , até efectivo e integral pagamento, e € 9.975, 96 "a título de danos não patrimoniais", acrescidos dos juros legais desde o trânsito em julgado até integral pagamento.

Os 2º e 3º RR pedem, agora, revista dessa decisão.

Em fecho da alegação respectiva, deduzem, em termos úteis, as conclusões que seguem :

1ª - Quando se matriculou no ISTS, a recorrida estava ciente de que este não podia ministrar os cursos, por não estarem homologados ; de que o próprio Instituto não estava reconhecido ; e de que a garantia desse reconhecimento e homologação era apenas em termos de perspectivas e não de certezas.

2ª e 3ª - A recorrida não podia ignorar que a sua universidade e o seu curso não eram reconhecidos pelo Estado e assumiu um risco muito concreto, que era a não homologação do ISTS e do próprio curso que frequentava.

4ª - Em Outubro de 1996, data da matrícula, e em 22/7/97, data da celebração do contrato de formação ainda não existia decisão definitiva sobre a não homologação do ISTS e dos cursos.

5ª - A 1ª Ré propôs-se ministrar cursos na expectativa do seu ulterior reconhecimento com efeitos retroactivos, proposta que a recorrida aceitou.

6ª - A homologação dos cursos e do próprio ISTS estava dependente de acto administrativo, razão pela qual as partes não podiam de deixar de assumir ab initio a possibilidade de o acordo não se validar por determinação de decisão administrativa favorável às respectivas pretensões.

7ª - Em Dezembro de 1997, o recorrente deu conhecimento aos alunos do ISTS e pais que o Ministério da Educação tinha indeferido o reconhecimento dos cursos.

8ª - Apesar de ter conhecimento da não homologação dos cursos, a recorrida continuou a frequentar o curso de anatomia patológica.

9ª - Os danos sofridos ocorreram em larga medida em razão da própria imprevidência da A., que apostou numa instituição que não se integrava no sistema de ensino, e que, nessa medida, não podia deixar de ter equacionado a possibilidade de se gorarem as suas expectativas de aquela instituição vir a ser reconhecida, uma vez que a 1ª Ré actuava em violação de normas legais expressas.

10ª - A confiança na 1ª Ré não se pode considerar como objectivamente fundada.

11ª - Não se demonstrou que os recorrentes tenham tido qualquer intervenção na celebração do contrato de formação declarado nulo, motivando, assim, os danos patrimoniais.

12ª - Os danos causados decorreram dos factos conjugados da aceitação da matrícula por parte da 1ª Ré, da frequência do curso pela recorrida, e da expectativa de que o ISTS e o curso de anatomia patológica iriam ser homologados, o que se gorou.

13ª - Os recorrentes não podem ser responsabilizados pelos danos patrimoniais invocados pela recorrida.

14ª - A situação de confiança pode, em regra, ser expressa pela ideia de boa fé subjectiva, estando fora de questão proteger pessoa que pura e simplesmente não adira à aparência ou que tenha feito por desrespeitar normas jurídicas.

15ª - A justificação da confiança requer que se tenha alicerçado em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão duma pessoa normal, e com consistência jurídica.

16ª - Só devem ser objecto de indemnização os danos que, pela sua gravidade, mereçam ser tutelados pela lei.

17ª - Uma vez que a recorrida permaneceu no Instituto apesar de conhecer a falta de legitimidade deste para ministrar os cursos, claramente fora do sistema legal aplicável ao ensino, e que o pedido de homologação dos cursos tinha sido indeferido pelo Ministério da Educação, pode concluir-se que actuou com imprevidência e com plena consciência de que o processo podia ser indeferido e os cursos não serem reconhecidos.

18ª e 19ª - Nessa medida, e na esteira do decidido pelo tribunal de 1ª instância, não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil extracontratual, na medida em que não ocorre a violação de qualquer direito absoluto e que, por outro lado, as normas do Estatuto do Ensino Superior e Cooperativo foram violadas pela recorrida, tendo o seu comportamento contribuído decisivamente para a produção dos seus próprios sofrimentos - motivo pelo qual os danos invocados pela recorrida não podem ser atendidos e a sua responsabilidade imputada aos ora recorrentes.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, importa decidir.

Convenientemente ordenada (2), e com, entre parênteses, indicação das correspondentes alíneas e quesitos, a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue :

( 1 ) - Em 13/8/96, foi publicado no DR, II Série, nº187, despacho do então Secretário de Estado do Ensino Superior que indeferiu o pedido de reconhecimento público do estabelecimento de Ensino Superior designado Instituto Superior de Tecnologia, que integrava duas escolas, a Escola Superior de Saúde de Lisboa e a Escola Superior de Línguas de Lisboa, isto nos moldes documentados a fls.29 e 30 dos autos ( K ).

( 2 ) - Os 2º e 3º RR foram administradores da 1ª Ré ( cfr. certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, a fls.20 a 27 ), que explorava o Instituto Superior de Tecnologias da Saúde
( ISTS ), cuja gestão lhes estava confiada ( A e B ).

( 3 ) - A 1ª Ré celebrava contratos de formação com estudantes que pretendiam ingressar no ensino superior nas áreas da saúde ( C ).

( 4 ) - Um desses cursos era o de Anatomia Patológica ( D ).

( 5 ) - Em Outubro de 1996, a A. dirigiu-se às instalações do ISTS, situadas no edifício Dr. ..., no .., para aí formalizar a sua candidatura e inscrição no curso de Anatomia Patológica ( E ).

( 6 ) - Nessa mesma data, formalizou a sua inscrição, que foi aceite, e efectuou a respectiva matrícula ( F ) .

( 7 ) - No acto da matrícula, pagou 50.000$00, sendo 20.000$00 da candidatura e 30.000$00 da matrícula, conforme recibo nº 1177 ( doc. a fls.28 dos autos ) ( G ).

( 8 ) - Ao efectuar a matrícula, a A.teve conhecimento de que o referido ISTS não tinha sido reconhecido como instituição de interesse público ( H ).

( 9 ) - No entanto foi-lhe garantido pela 1ª Ré que o processo de reconhecimento e homologação dos respectivos cursos estava em curso e que iria ser deferido em breve ( I ).

( 10 ) - Essa referência constava dos boletins de matrícula respectivos, fornecidos pelo ISTS ( J ).

( 11 ) - Ao proceder conforme vem de referir-se, a A. fê-lo na expectativa de que os cursos ali ministrados viriam a ser reconhecidos e corresponderiam ao bacharelato ( 1º).

( 12 ) - Em 13/10/96, estava pendente na 3ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso com o nº 41.105, em que era recorrente a aqui 1ª Ré e recorrido o Secretário de Estado do Ensino Superior, relativo ao despacho supramencionado, recurso esse que veio a ser julgado deserto, por falta de apresentação de alegações, por despacho lavrado em 19/11/ 97, como documentado a fls.31 a 33 dos autos ( L ).

( 13 ) - Em 22/7/97, a A. celebrou com a 1ª Ré o contrato designado de formação, pelo qual esta oferecia e a A. aceitava a formação técnica na área de Anatomia Patológica necessária ao desempenho da actividade profissional de técnico de Anatomia Patológica, tudo nos moldes documentados a fls.34 a 37 ( M ).

( 14 ) - Segundo a cláusula 4ª desse escrito contratual, a remuneração da 1ª Ré em razão da formação era de 1.000.000$00 pelo conjunto dos semestres, devendo o pagamento dessa verba ser realizado em 3 anos, em 36 prestações mensais de 32.500$00, e estando esse pagamento garantido por 36 letras no montante de 32.500$00 cada, com vencimento no dia 15 de cada mês, que a A. aceitou aquando da subscrição desse contrato ( N ).

( 15 ) - A 1ª Ré serviu-se da emissão das letras referidas para obter uma garantia do pagamento da totalidade das propinas pela frequência do curso de Anatomia Patológica, na expectativa do reconhecimento desse curso com efeitos retroactivos ( 17º).

( 16 ) - Até 15/5/98, a A. liquidou 10 dessas letras ( 16º).

( 17 ) - O ( 2º) Réu assumia-se perante os alunos e pais como" professor " no ISTS, que não se encontrava reconhecido pelo Ministério da Educação ( 21º).

( 18 ) - O ( 2º) Réu apresentava-se perante os alunos, designadamente perante a A. com a autoridade que lhe advinha de ser administrador e " professor " da 1ª Ré e a 3ª Ré apresentava-se com a autoridade que lhe advinha de ser administradora daquela mesma empresa ( 20º).

( 19 ) - Os RR sabiam à partida não poderem ministrar o curso de Anatomia Patológica, nem garantir à A. o reconhecimento do mesmo pelo Ministério da Educação - do que tudo a A. estava ciente ( 18º e 19º).

( 20 ) - Durante os dois anos em que a A. frequentou a Universidade, os RR foram prestando, quer aos próprios alunos e associação de estudantes, quer aos pais e encarregados de educação, nas diversas reuniões solicitadas pelos mesmos, a informação de que o processo de reconhecimento se encontrava em curso ( 6º e 7º).

( 21 ) - Os RR mantinham os alunos e os pais destes na convicção de que o Instituto iria ser reconhecido e os cursos homologados ( 2º).

( 22 ) - Preocupada com a situação, a A. decidiu, juntamente com colegas dela, questionar os RR sobre o andamento do processo referido ( 3º).

( 23 ) - Em Dezembro de 1997, o Réu respondeu a estas preocupações em reunião de alunos e pais com a direcção do Instituto convocada pelos alunos para efeitos de esclarecimento dos mesmos e pais sobre os cursos, prestando a informação de que o processo de reconhecimento junto do Ministério da Educação seguia através duma segunda entidade e " pela porta do cavalo ", e afirmando não existirem motivos para preocupações ( 4º, 5º, e 8º).

( 24 ) - Ao actuarem pela forma descrita, os RR tinham conhecimento do predito despacho do Secretário de Estado do Ensino Superior de indeferimento do pedido de reconhecimento publicado no DR, II Série, nº187, de 13/8/96, e de que não correspondia à verdade que o processo de reconhecimento do instituto corresse os seus termos normais, tendo o ( 2º) Réu, em Dezembro de 1997, informado os alunos e pais de que o reconhecimento tinha sido indeferido e de que " tinham dado entrada do processo com outro nome " (11º).

( 25 ) - A A. foi, por isso, mantendo a sua inscrição e matrícula e continuou a efectuar o pagamento das propinas, mantendo a expectativa de que o reconhecimento do ISTS e a homologação dos cursos referidos viria a ser concedida ( 9º e 10º).

( 26 ) - Apesar daquele despacho, os RR mantiveram sempre os alunos, nomeadamente a A. e os encarregados de educação na expectativa da legalização da situação, continuando, inclusivamente, a celebrar contratos de formação e a aceitar as respectivas inscrições e matrículas (12º e 13º).

( 27 ) - Em 1/6 e em 21/9/98, a A. solicitou ao Ministério da Educação informação sobre a situação do ISTS, nos moldes documentados a fls.38/39 e 40 dos autos ( O ).

( 28 ) - Em resposta, o Departamento do Ensino Superior do Ministério da Educação enviou à A. o ofício nº10.825, de 25/9, em que informava que, na sequência de relatório elaborado pela Inspecção Geral de Educação nos moldes documentados a fls.41 dos autos, se mantinha o indeferimento do pedido de reconhecimento do ISTS efectuado pela ora Ré ( P ).

( 29 ) - Informou ainda que desde 13/8/96 não tinha dado entrada mais nenhum pedido da Ré nesse sentido (ibidem) (Q).

( 30 ) - Em consequência desses factos, em Maio/Junho de 1998, a A. revogou a autorização de débito outorgada ao Empresa-B para desconto na sua conta aquando da apresentação a pagamento das letras por ela aceites ( 22º e 23º).

( 31 ) - Por carta registada com A/R de 18/6/98, a fls.42 dos autos, a A. resolveu, por incumprimento da Ré, o contrato de formação, e exigiu o pagamento de todas as quantias desembolsadas e a devolução de todas as letras aceites ( R ).

( 32 ) - A Ré recebeu essa carta, conforme A/R a fls.43 ( S ).

( 33 ) - Pouco tempo depois, o Ministério da Educação, através do DL 94/99, de 23/3, determinou o encerramento do ISTS (T).

( 34 ) - Quando o ISTS foi encerrado, foram fornecidos ao Ministério da Educação todos os processos relativos aos alunos ( 35º).

( 35 ) - Foram facultados os certificados de frequência de todos os alunos do ISTS, incluindo o da A., a fim de poderem solucionar a sua situação junto do Ministério da Educação nos moldes que foram ulteriormente definidos ( 36º).

( 36 ) - A A. despendeu na 1ª Ré um total de 630.000$00, assim discriminado : 50.000$00 da inscrição e matrícula em 1996, 50.000$00 de propinas desse ano lectivo, 367.500$00 de mensalidades do ano de 1997, e 162.500$00 de mensalidades até 15/5/98 ( docs. a fls.52 a 62 ) ( 31º).

( 37 ) - No 1º ano em que a A. fez a sua inscrição, foi-lhe atribuído o que a 1ª Ré apelidava de bolsa de estudo e que não era mais que uma redução das quantias despendidas pelos serviços prestados (33º).

( 38 ) - No 2º ano, a A. optou por celebrar com o Empresa-C um contrato de financiamento para pagamento das propinas (34º).

( 39 ) - Por força da situação descrita, a A. passou dois anos de vida extremamente empenhada e na expectativa de vir a tirar o curso superior de que mais gostava, sem que desse esforço tivesse vindo a tirar qualquer proveito ( 24º).

( 40 ) - Era uma aluna empenhada e esse facto foi causa de enorme perturbação ; chegou a passar no seu dia a dia momentos bastante conturbados, sempre muito nervosa e deprimida e com muitas noites sem dormir ; perdeu o apetite e, inclusivamente, a alegria de viver ; teve, inclusivamente, que ser acompanhada, durante algum tempo, por um médico, como relatado na cópia de relatório médico a fls.51 dos autos, tendo necessitado de grande apoio, não só médico, mas também de familiares e amigos, para começar de novo a estudar - situação que continua a marcar a sua vida e que jamais esquecerá ( 25º, 26º, 27º, 28º, 29º e 30º).

Bem que em diversa ordem, notou-se na 1ª instância, em resumo :

Consagrado na Constituição o direito à liberdade de educação e de ensino, a revisão constitucional de 1989, aditando um nº2º ao art.75º dessa lei, introduziu um cláusula de reconhecimento do ensino particular e cooperativo, de que outrossim refere a fiscalização pelo Estado.

Em causa a necessidade do País de dispor de quadros qualificados, trata-se de matéria de inegável interesse público, regulada de forma imperativa no Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo aprovado pelo DL 16/94, de 22/1, alterado por ratificação pela Lei nº37/94, de 11/11, de que a sentença apelada destacou e transcreveu os arts.7º, nº2º, 33º, 34º, nº1º, 38º, nº1º, 50º, 62º, nº2º, e 63º.

Decorre desses normativos que, constitucionalmente garantidos os direitos à educação e ensino, sofrem, no entanto, restrições de direito público decorrentes da actividade fiscalizadora do Estado, que tem por objectivo garantir padrões de exigência em termos de só ser reconhecida a formação superior que assegure condições pedagógicas equivalentes às fornecidas pelas universidades do Estado.

Concluiu-se então constituir facto notório (3) que só as universidades e institutos de ensino superior reconhecidos pelo Estado podem ministrar cursos de ensino superior, como tal homologados.

Das disposições atrás mencionadas, mormente das três últimas ( arts.50º, 62º, nº2º, e 63º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo ), decorre claro que ao ministrar à A. um curso de Anatomia Patológica para formação como técnica de Anatomia Patológica, a 1ª Ré, de que os demais eram administradores, infringiu a proibição legal de funcionamento desse curso sem o reconhecimento já antes negado por despacho então pendente de recurso contencioso, que veio a ser julgado deserto por falta de alegação.

Em causa, pois, acordo ou convénio nulo, nos termos dos arts.280º e 294º C.Civ., visto que com objecto legalmente impossível e celebrado em contravenção de lei imperativa, decidiu-se, em consequência, na conformidade da doutrina fixada no Assento deste Tribunal nº2/95, de 28/3, publicada no DR, I Série, nº 114, de 17/5/95.

Salientou-se mais, na sentença referida, que se, a um tempo, a 1ª Ré não podia deixar de saber que se propunha actividade legalmente regulada para que não estava legalmente habilitada, exercendo-a à margem do sistema de ensino, visto não ter o reconhecimento de interesse publico, por igual, a outro tempo, a A. não podia ignorar que a sua " universidade " e o seu " curso " não eram reconhecidos pelo Estado.

Por fim proferida, pois, condenação na restituição do recebido ( 630.000$00 = € 3.142,43 ) fundada no art.289º, nº1º, C.Civ., recusou-se, no entanto, a verificação da responsabilidade extracontratual solidária dos administradores prevista no art.79º CSC, por não demonstrada intervenção directa dos 2º e 3º RR na celebração do contrato nulo.

A pretensão sub judicio foi analisada, ainda, na perspectiva da responsabilidade pré-negocial contemplada no art.227º C.Civ.

Com Menezes Cordeiro, "Teoria Geral do Direito Civil" (ed.AAFDL, 1990), 386 ss, salientou-se que a protecção jurídica da confiança " não pode ser arvorada em princípio absoluto ".

Pressupõe, na verdade, primeiro, uma situação de confiança "conforme com o sistema" e isenta da violação dos deveres de cuidado que caibam no caso ; justificada, depois, por elementos objectivos susceptíveis de gerar " uma crença plausível " ; tal, ainda, que, por sua vez, determine "um investimento de confiança", consistente num efectivo assentar de actividades jurídicas sobre a crença assim consubstanciada ; e pressupõe, por último, a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela protecção dada ao confiante, visto ter, por acção ou omissão, dado azo à entrega do confiante em causa ou ao factor objectivo que a tal conduziu.

Fora, assim, de questão proteger quem tenha desrespeitado normas jurídicas, " a justificação da confiança requer que esta se tenha alicerçado em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão duma pessoa normal, e com consistência jurídica ".
Importa recuperar, a este propósito, o disposto nos arts. 50º, 62º, nº2º, e 63º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo aprovado pelo DL 16/94, de 22/1, alterado por ratificação pela Lei nº37/94, de 11/1.

O primeiro determina que o funcionamento de estabelecimento de ensino superior particular em que se pretendam ministrar cursos que confiram diploma de estudos superiores especializados só pode ter lugar após o reconhecimento do interesse público do estabelecimento ; o segundo proíbe o início do funcionamento (4) dum curso que confira diploma de estudos superiores especializados sem o seu prévio reconhecimento pelo Ministério da Educação ; e o terceiro esclarece que esse reconhecimento não tem efeitos retroactivos. Aditar-se-á o disposto no art.6º C.Civ., segundo o qual a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento. E retomando, então, o discurso da sentença apelada :

Houve casos em que, ao abrigo do DL 201/97, de 7/8, foi atribuído o reconhecimento, com efeitos retroactivos, a cursos não homologados, mas ministrados por instituições de que o interesse público se encontrava reconhecido à data do início da leccionação - o que de modo algum é o caso dos autos.

Tendo-se a 1ª Ré, - que assim infringiu a sobredita proibição legal -, abalançado a ministrar cursos na expectativa do seu ulterior reconhecimento com efeitos retroactivos, que o predito art.63º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo expressa e imperativamente arredava, a A. aceitou proposta da mesma nesse sentido.

Dependente a homologação de cursos superiores de acto administrativo, as partes não podiam ab initio deixar de perspectivar a possibilidade do sobredito acordo não vir a ser validado por decisão administrativa favorável às suas pretensões.

Os danos reclamados " ocorreram em larga medida em razão da imprevidência da A., que apostou numa instituição que não se integrava no sistema de ensino, e que, nessa mesma medida, não podia deixar de ter equacionado a possibilidade de se gorarem as suas expectativas ( ... ), uma vez que a 1ª Ré actuava em violação de normas legais expressas ".

Sempre segundo a sentença apelada, os próprios termos das informações referidas em ( 20 ) e (23), demonstravam que os RR não tinham, nem podiam ter, qualquer garantia do reconhecimento do Instituto e da homologação dos cursos.

Mesmo quando ponderadas as circunstâncias referidas em (17), supra, não pode, pois, ter-se por objectivamente fundada a confiança depositada na 1ª Ré, não podendo escamotear-se que, ao matricular-se na 1ª Ré, a A. não podia ignorar que o fazia sem ter-se submetido a provas a nível nacional e à margem do sistema nacional de ensino.

Assim desrespeitadas normas jurídicas que a A. não podia ignorar, não ocorre uma situação de confiança legítima, tendo o seu próprio comportamento contribuído decisivamente para a produção dos sofrimentos para que reclama compensação enquanto danos não patrimoniais.

Para contrariar o decidido na instância recorrida, a Relação fundou-se, por sua vez, no seguinte :

Consoante ( 21 ), supra, os RR mantinham os alunos e os pais destes na convicção de que o Instituto iria ser reconhecido e os cursos homologados.

Conforme ( 23 ), em Dezembro de 1997, o Réu, em reunião de alunos e pais com a direcção do Instituto convocada pelos alunos para efeitos de esclarecimento dos mesmos e pais sobre os cursos, informou que o processo de reconhecimento seguia junto do Ministério da Educação através duma segunda entidade e " pela porta do cavalo " (5) e afirmou não existirem motivos para preocupações.

Como consta de ( 17 ) e ( 18 ), o ( 2º) Réu assumia-se perante os alunos e pais como " professor " no ISTS, que não se encontrava reconhecido pelo Ministério da Educação e apresentava-se perante os alunos, designadamente perante a A., com a autoridade que lhe advinha de ser administrador e " professor " da 1ª Ré, e a 3ª Ré apresentava-se com a autoridade que lhe advinha de ser administradora daquela mesma empresa.

Esses factos, diz-se na pág.11 do acórdão recorrido, a fls.514 dos autos, convencem de que " a actuação do 2º e 3º RR foram decisivas ( sic ) para convencer a apelante a inscrever-se na apelada, estando aquela convencida ( de ) que iniciava um curso superior válido ( , ) que lhe permitiria obter colocação no mundo do trabalho ".

Nossos os destaques, é flagrante, para além, enfim, da falta de concordância verbal, a inexactidão dessa conclusão, sem apoio na matéria de facto apurada.

Com efeito, conforme ( 5 ) e ( 6 ), supra, a matrícula teve lugar em Outubro de 1996, e, consoante ( 8 ), supra, ao efectuá-la, a A. teve conhecimento de que o ISTS não tinha sido reconhecido como instituição de interesse público. Mas mais : de harmonia com ( 19 ), supra, sendo certo que os RR sabiam à partida não poderem ministrar o curso de Anatomia Patológica, nem garantir à A. o reconhecimento do mesmo pelo Ministério da Educação, não menos o é que a A. estava ciente disso mesmo(6) .

Por fim datando já de Dezembro de 1997 a intervenção do Réu referida em ( 23 ), supra, vale de pleno, no que se lhe refere, o outrossim observado na sentença apelada, a saber, que os próprios termos das informações referidas em ( 20 ) e (23), - desmerecedores, aliás, de comentário -, demonstravam que os RR não tinham, nem podiam ter, qualquer garantia do reconhecimento do Instituto e da homologação dos cursos - valendo a esse respeito o disposto no art.63º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo ( DL 16/94, de 22/1, alterado por ratificação pela Lei nº37/94, de 11/1 ), que inequivocamente determina que o reconhecimento não tem efeitos retroactivos.

Tão só, consoante ( 9 ), lhe tendo então sido garantido pela (1ª) Ré que o processo de reconhecimento e homologação dos respectivos cursos estava em curso e que iria ser deferido em breve, não pode, como adiantado na sentença apelada, escamotear-se que, ao matricular-se na 1ª Ré, a A. não podia ignorar que o fazia à margem do sistema nacional de ensino.

Diz-se no acórdão recorrido ser facto público e notório, que, por conseguinte, consoante art. 514º, nº1º, CPC, não carece de alegação, nem de prova, que " qualquer jovem português procura afanosamente um curso que lhe permita ingressar no mundo laboral ".

Como, no entanto, posto à vista, de claro modo, na sentença apelada, só a esperança justificada merece, e alcança, protecção jurídica, valendo, a este respeito, directa e imediatamente, o disposto nos já referidos arts.6º C.Civ. e 50º, 62º, nº2º, e 63º do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo aprovado pelo DL 16/94, de 22/1, alterado por ratificação pela Lei nº37/94, de 11/1.

Em termos de confusão de ocasiões ou, enfim, de cronologia dos eventos, o acórdão recorrido vai, porém, mais longe. Na verdade :

Viu-se já que, conforme ( 5 ) e ( 6 ), supra, a matrícula teve lugar em Outubro de 1996 ( als.E) e F) dos factos assentes) .É em relação a essa altura que vale o constante ( 8 ) a (10) (idem, als.H) a J ) ). Não em relação à data - 22/7/97 - da celebração do contrato de formação referido em ( 13 ), supra (em que se transcreveu a al.M) dos factos assentes ). Mas é tal que se manifesta menos bem compreendido no 1º par. da pág.12 daquele acórdão, a fls.515 dos autos.

Como obtemperado na alegação dos recorrentes, a verdade é que quando se matriculou no ISTS, a ora recorrida estava ciente de que aquele instituto não podia ministrar o curso em que se matriculou, uma vez que esse curso não estava homologado ; de que o próprio Instituto não estava reconhecido ; e de que tal reconhecimento e homologação, longe de serem certezas, não passavam de perspectivas - mais ou menos esperançosas, nem por isso bem fundadas.

Vale tudo isto por dizer, com aquela alegação ainda, que a decisão de efectuar a matrícula foi inteiramente da recorrida, que, informada da situação de não reconhecimento do ISTS, aceitou o risco da não homologação do curso.

Decorrente dessa primeira decisão, a outorga do " contrato de formação " teve, por sua vez, lugar em altura em que a decisão de indeferimento do reconhecimento do ISTS e dos cursos que ministrava ainda não era definitiva.
É, em suma, inegável que a recorrida permaneceu no Instituto apesar de ter conhecimento da falta de legitimidade deste para ministrar os cursos que propunha.

É certo que, como bem sabiam, os RR ofereceram à A. um curso não reconhecido pelo Ministério da Educação : não menos o é não poder escamotear-se - mostra-se, de facto, apropriado o termo utilizado pela 1ª instância - que, consoante ( 8 ) e ( 19 ), supra, a A. estava (bem) ciente disso mesmo : como ora alegado, assumiu, pois, um risco muito concreto, que era o da não homologação do ISTS e do próprio curso em que se inscreveu.

Face à matéria de facto provada, nenhumas " legítimas expectativas " lhe assistiam. E só quando, por fim, por volta de Novembro de 1997, - algum tempo depois do contrato de formação celebrado ainda em Julho -, deixado deserto, consoante ( 12 ), supra, o recurso interposto do despacho que negou o reconhecimento se poderá legitimamente afirmar que os RR efectivamente sabiam que nunca o falado curso viria a ser reconhecido : até então nada permite contrariar estar-se - duma e doutra parte - em pleno azul de esperanças.

Nada, enfim, permite concluir, com a segurança exigível, que, como afoitamente extrapolado no acórdão em recurso, os RR ofereceram à A. um curso que sabiam que não viria a ser reconhecido.

Como os ora recorrentes fazem notar, em Outubro de 1996, data da matrícula, e em 22/7/97, dta do contrato de formação, não havia ainda decisão definitiva de recusa da homologação do ISTS e seus cursos.

Chega-se, por último, a candidamente aditar ser do conhecimento geral (7) que " a quase totalidade dos cursos superiores ministrados por instituições privadas começaram a ser ministrados sem estarem homologados pelo Ministério da Educação " ( sic ).

É, em todo o caso, sem correspondência no que na realidade se provou que no acórdão recorrido se diz " ter a actividade dos três RR provocado directa e necessariamente o atraso de dois anos na conclusão do curso da A. " ( respectiva pág.12 a fls.515 dos autos ).

Por quanto ora deixado a descoberto, o dolo considerado no acórdão recorrido não passa, se bem parece, de falácia própria de comum jurisprudência do sentimento (Gefuelsjurisprudenz ), assente em descuidada análise dos factos efectivamente provados, e que, sem válida razão que possa considerar-se, injustamente arreda a serena consideração da causa levada a efeito na instância então recorrida.

Temos, no caso, alguém a quem o afã considerado notório no acórdão recorrido levou a apostar - sem bem cuidar, sequer das probabilidades - em cavalo errado : sibi imputet.

Pode mesmo dizer-se que a lei não protege os imprudentes.

Sem margem, se bem se crê, para objecção capaz, decorre manifesta do que vem de expor-se a boa razão deste recurso : e tal assim mesmo se a qualquer um antipática e sem desculpa, por, em termos de comum ética pessoal e profissional, altamente censurável, a actuação dos ora recorrentes.

Chega-se, pelas razões adiantadas, à decisão que segue :

Concedendo a revista, revoga-se o acórdão recorrido, ficando a subsistir o decidido na 1ª instância.

Custas tanto da apelação, como deste recurso, pela ora recorrida.
Lisboa, 14 de Setembro de 2006
Oliveira Barros (relator)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) Supõe-se que desde a citação.
(2) V. Antunes Varela, RLJ, 129º/51.
(3) Isto é, nos termos e para os efeitos do art.514º, nº1º, CPC, do conhecimento da generalidade das pessoas medianamente informadas e que, por isso mesmo, não carece de alegação e prova. Sobre a noção de facto notório, v., por todos, Ac STJ de 2/7/98, CJSTJ, VI, 2º, 161-5.
(4) " Não poderá ser iniciado o funcionamento ...".
(5) A própria recorrida comenta assim, na alegação respectiva, esta proposição : " Como se isso fosse legalmente possível ... ".

(6) À praga nacional da construção clandestina seguiu-se, com a proliferação de " universidades ", " institutos superiores " e cursos não reconhecidos, a do ensino superior clandestino, de que o caso dos autos se revela case study, ou, no vernáculo imposto pelo art.139º, nº1º, CPC, história de proveito e exemplo.
(7) Apela-se assim - uma vez mais - para o art.514º, nº1º, CPC.