Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3372/22.2T8VLG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO DE TRABALHO
CRÉDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO
PROPOSITURA DA AÇÃO
CITAÇÃO
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Não resultando dos autos uma qualquer ofensa a uma norma jurídica que imponha uma prova vinculada para os factos em causa nesta ação ou que estabeleça uma particular força probatória para os meios de prova considerados pelo Tribunal da Relação do Porto e que teria sido desrespeitada por este último, e não se vislumbrando, finalmente, qualquer necessidade de determinar a baixa dos autos com vista à ampliação da factualidade dada como assente, este Supremo Tribunal de Justiça terá de julgar o objeto do presente recurso com base nos factos dados como provados pelo tribunal da segunda instância.

II - Tendo a presente ação dado entrada em juízo no dia 19/10/2022, ou seja, no 7.º dia após o prazo prescricional de 1 ano do número 1 do artigo 337.º do C/2009 ter terminado, torna-se irrelevante, desde logo, atentar não só à data muito posterior de citação da Ré [14/11/2022] para efeitos de interrupção do aludido prazo de prescrição [número 1 do artigo 323.º do Código Civil], como à própria aplicação do disposto no número 3 dessa mesma disposição legal, pois a entrada em tribunal da Petição Inicial do Autor ocorreu após o total esgotamento do mencionado prazo de prescrição de 1 ano [não sendo conhecido no processo qualquer causa de suspensão ou interrupção anteriores do mesmo].

III – O debate em torno das três modalidades de cessação do vínculo laboral dos autos, assim como das possíveis alterações que se terão processado na natureza jurídica e âmbito do mesmo, por força da sua aposentação, ocorrida no dia 1/09/2021, não tem qualquer relevância na discussão do objeto do presente recurso de revista, dado aquele prazo prescricional de 1 ano do número 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 se aplicar, uniformemente – designadamente, em termos de início e termo da sua contagem -, a todos os potenciais cenários que pudessem resultar dessas diversas formas de extinção do vínculo laboral em presença, funcionando também, naqueles precisos termos, independentemente do regime jurídico excecional que eventualmente vigorasse no último período da relação de trabalho dos autos.

Decisão Texto Integral:
RECURSO DE REVISTA N.º 3372/22.2T8VLG.P1.S1 (4.ª Secção)

Recorrente: AA

Recorrida: R STAR PETRÓLEOS, LDA.

(Processo n.º 3372/22.2T8VLG – Tribunal Judicial da Comarca do Porto -Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 1)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I – RELATÓRIO

1. AA, com os sinais constantes dos autos, intentou, no dia 19/10/2022, a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral contra R STAR PETRÓLEOS, LDA, igualmente identificada nos autos, pedindo a condenação da Ré no pagamento do valor global de 65.381,66 €, correspondente a diuturnidades, complemento salarial, Cláusula 74.ª, Cláusula 61.ª, prémio TIR, subsídio noturno, trabalho prestado aos sábados e feriados, subsídio de risco, formação profissional e sanção abusiva aplicada, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do vencimento até integral e efetivo pagamento.


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2. Para sustentar a sua pretensão, alegou, em síntese:

- Ter trabalhado por conta e sob autoridade e direção da Ré, desde agosto de 2011 até 31 de outubro de 2021, apesar de se ter aposentado em novembro de 2020, exercendo as funções de motorista de pesados de mercadorias, mais concretamente no transporte de matérias perigosas.

- Que, durante a vigência da relação laboral, a Ré não lhe pagou quaisquer diuturnidades de acordo com o CCT aplicável ao sector, sendo-lhe devida, a esse título, a quantia de 3.641,40 €.

- Que a Ré nunca pagou o complemento salarial previsto na cláusula 45.ª do CCTV publicado a 15 de setembro de 2018 (Boletim do Trabalho e Emprego n.º 34, de 15.09.2018), nem os respetivos proporcionais no subsídio de Natal dos anos de 2018 e 2019, pelo que lhe deve, a esse título, o montante de 590,48 €.

- Que a Ré também não lhe pagou, até outubro de 2018, o previsto na cláusula 74.ª, n.º 7, de acordo com as tabelas salariais aplicáveis, devendo-lhe, a título de cláusula 74.ª, o montante global de 30.240,00 €.

- Que não lhe pagou o previsto na cláusula 61.ª do CCTV, nem o incluiu no mês de férias e no subsídio de férias, tal como resulta da cláusula 52ª, pelo que lhe é devida, a esse título, a quantia total de 11.668,80 €.

- Que a Ré também não lhe pagou prestações de ajuda de custo TIR, pelo que lhe deve, a esse título – falta de pagamento do previsto na cláusula 64.ª -, o montante total de 3.140,00 €.

- Que no que concerne ao subsídio noturno, é credor perante a Ré da quantia total de 1.908,80 €.

- Que a Ré não lhe pagou a retribuição pelo trabalho efetuado aos sábados e feriados, sendo credor, perante a Ré, de um total de 3.239,08 €.

- Que a Ré nunca lhe pagou o subsídio de risco, sendo, assim, credor da quantia de 6.930,00 €, conforme resulta das cláusulas 55.ª do CCTV de 2018 e 66.ª do CCTV de 2019.

- Que é credor de 360 horas de formação profissional desde a sua contratação em 2011 até ao final de 2019, e de 76 horas de formação não ministrada entre 2020 e novembro de 2021, num total de 1.694,10 €.

- Que lhe é devida a quantia de 2.329,00 €, a título de sanção abusiva aplicada.


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3. Em 14 de novembro de 2022, realizou-se Audiência de Partes, não tendo o Autor e a Ré chegado a acordo.

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4. A Ré, cuja citação, segundo os elementos constantes do processo, teve lugar entre 20/10/2022 [data do registo da carta de citação] e 27/10/2022 [entrada em juízo do Aviso de Receção assinado] contestou, invocando a exceção de prescrição, referindo que o contrato de trabalho cessou em 11/10/2021, pelo que, tendo a ação sido intentada a 19 de outubro de 2022 e a Ré apenas sido citada em 24/10/2022,os créditos salariais se encontram prescritos.

Caso não seja esse o entendimento, refere que o Autor não se encontrava apto para o exercício da sua profissão de motorista, por ter o seu CAM caducado a 15/09/2021.

Refere ainda que sempre liquidou ao Autor as quantias que lhe eram devidas, de acordo com o previamente acordado com todos os motoristas da empresa, e que o Autor, aquando da sua contratação, teve o pleno conhecimento e concordou com o referido sistema remuneratório, mais favorável, do qual usufruiu.

Defende que a cláusula 74.ª do Contrato Coletivo de Trabalho, à data, reportava-se ao regime de trabalho de deslocados no estrangeiro, sendo que os motoristas de pesados ao serviço da Ré nunca estiveram deslocados no estrangeiro.

Por último, refere que não se encontra devidamente fundamentada, ou sequer alegada, a concretização do invocado trabalho noturno, não sendo percetível qual o critério adotado para os montantes peticionados, nem se aferindo os dias a que os mesmos se reportam, nem os horários praticados que pudessem enquadrar-se em trabalho noturno, pelo que o invocado improcede totalmente.

Que foi ministrada formação profissional ao Autor.

Que foi o Autor quem assumiu, sem reservas, os valores devidos em consequências do seu erro.


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5. O Autor respondeu por escrito [1], à exceção de prescrição, reiterando que o contrato de trabalho celebrado com a Ré cessou a 31 de outubro de 2021; que se aposentou em novembro de 2020, tendo laborado mais um ano para a Ré, a pedido desta, e que realizouvárias as viagens em setembro e outubro de 2021, sempre acompanhando pelo seu colega de trabalho, BB.

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6. Foi proferido despacho saneador no qual o Meritíssimo Juiz a quo fixou o valor da ação em 65.381,66 €.

A apreciação da exceção de prescrição (factualidade controvertida) foi relegada para a sentença final.


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7. Realizado o julgamento em Audiência Final, foi proferida sentença a 6/12/2023, cujo dispositivo final se reproduz:

«Pelo exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações :

a) Julgo improcedente por não provada a exceção da prescrição invocada pela Ré;

b) Julgo parcialmente procedente por parcialmente provada a presente ação e em consequência condeno a Ré no pagamento ao Autor do valor global de € 32.036,28 (trinta e dois mil e trinta e seis euros e vinte e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa de 4% desde a data de vencimento até ao seu integral pagamento;

c) Absolvo a Ré de tudo o mais contra si peticionado na presente causa.

Custas pelo Autor e pela Ré na proporção do respetivo decaimento, respetivamente de 51% (quanto ao Autor) e de 49% (relativamente à Ré), (artigo 527.º do Código de Processo Civil).»


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8. Desta sentença interpôs a Ré recurso de Apelação, visando a sua revogação, que tendo sido admitido pelo tribunal da 1.ª instância, subiu oportunamente ao Tribunal da Relação do Porto onde, tendo seguido a sua normal tramitação, veio a ser julgado por Acórdão de 17/03/2025, nos moldes seguintes:

«Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso procedente e, consequentemente:

i. Julgar procedente a impugnação da matéria de facto;

ii. Julgar procedente a exceção de prescrição, absolvendo a Ré/Recorrente da totalidade dos pedidos formulados nos autos.

Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias [em sede de recurso de apelação é devida a taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais)].

Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais).

Notifique-se e registe-se.»


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9. O Autor AA interpôs recurso ordinário de revista, ao abrigo do n.ºs 1 dos artigos 629.º e 671.º [e ainda do artigo 674.º], todos do CPC/2013, aplicáveis por força do disposto no número 1 do artigo 87.º do CPT.

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10. Foi determinada a subida do presente recurso de revista, por despacho judicial de 11/06/2025, que tendo chegado a este Supremo Tribunal de Justiça, foi objeto de um despacho liminar onde foi entendido se mostrarem reunidos os pressupostos formais de cariz geral que se mostram legalmente previstos para o Recurso de Revista comum e, por tal motivo se mostrar corretamente admitido o mesmo pelo tribunal da 2.ª instância.

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11. O recorrente AA apresentou alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

«29. O Acórdão em crise decidiu alterar a decisão do tribunal de primeira instância.

30. Designadamente, considerou que o ponto 31) da matéria dada por provada constante sentença proferida por aquele Tribunal, deveria ter outra redação e, consequentemente, o ponto 32) não deveria ter sido dado por provado.

31. Considerando os pontos supra, o Tribunal da primeira instância dá por provado, o que ora se transcreve:

31. No entanto, mesmo após a aposentação do Autor, este continuou a laborar para a Ré durante pelo menos mais um ano e meio, até 01 de Março de 2022, (cfr. art.º 4.º da P.I.);

32. Posto isto, a relação laboral entre Autor e Ré teve a duração total de 7 (sete) Anos 7 meses e 18 dias, (cfr. art.º 5.º da P.I.).”

32. Por seu turno, o Tribunal da Relação do Porto, considera que, atento os motivos que adiante se explanará, o ponto 31) dado por provado passaria a ter a seguinte redação:

“No entanto, mesmo após a aposentação, o Autor continuou a trabalhar para a Ré até 11 de outubro de 2021.”

33. Consequentemente, e pela lógica de contradição obtida pelo Tribunal a quo – da qual se discorda – determinou pela eliminação do ponto provado 32).

34. No mais, por uma questão de economia processual, respeitosamente se remete para todo o teor do douto acórdão proferido.

35. Ora, face a esta posição do Tribunal de que ora se recorre, a verdade é que tal decisão, salvo melhor opinião, não faz uma correta aplicação do direito.

36. A aplicação do direito que se acredita ser a correta levaria a que o Acórdão proferido tivesse mantido a decisão de primeira instância.

37. Na verdade, o digníssimo Tribunal da Relação, com a douta decisão proferida, foi desacertada quanto à aplicação dos artigos 348.º e 343.º do Código do Trabalho.

38. E, consequentemente, fez uma interpretação incorreta na fixação da data de cessação do contrato de trabalho, com implicações na contagem do prazo de prescrição previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho.

Concretizando:

39. No tocante ao ponto provado 31) da douta sentença proferida em 1.ª instância, sempre se diga que é pacífica a sua assertividade na primeira parte do ponto, isto é, “mesmo após a aposentação, o Autor continuou a trabalhar para a Ré”.

40. Residindo a controvérsia na concretização da data em que se verificou o termo dessa continuidade de trabalho e consequente cessação do contrato de trabalho.

41. Indo por partes, resulta da sentença de 1.ª instância que o Recorrente se aposentou em 01 de setembro de 2020 – o que foi aceite por ambas as partes sendo que, por mero lapso do então Autor, fora alegado novembro de 2020.

42. Significa isto que, desde 01 de outubro de 2020 que a relação laboral entre Recorrente e Recorrida se encontrava abrangida pelo regime do artigo 348.º do Código do Trabalho, do qual se pode constatar:

“1 - Considera-se a termo o contrato de trabalho de trabalhador que permaneça ao serviço decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice.

2 - No caso previsto no número anterior, o contrato fica sujeito ao regime definido neste Código para o contrato a termo resolutivo, com as necessárias adaptações e as seguintes especificidades:

e) É dispensada a redução do contrato a escrito;

f) O contrato vigora pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos;

g) A caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 ou 15 dias, consoante a iniciativa pertença ao empregador ou ao trabalhador;

h) A caducidade não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador.

3 - O disposto nos números anteriores é aplicável a contrato de trabalho de trabalhador que atinja 70 anos de idade sem ter havido reforma.”

43. Assim, tendo o Recorrente permanecido ao serviço da Recorrida, apesar da sua aposentação, o contrato sem termo que vigorava entre as partes, converteu-se num contrato a termo a vigorar pelo prazo de seis meses, renovando-se por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição a limites máximos e sem redução a escrito.

44. Tendo decorrido o aludido prazo de seis meses, sem que as partes nada tivessem dito a esse propósito, em 01 de março de 2021 (ou seja, volvidos 6 meses) o contrato a termo renovou-se por igual período, mais uma vez nada tendo sido dito pelas partes quando o aludido contrato a termo atingiu o dia 01 de setembro de 2021.

45. Tal facto, indubitavelmente e pelos mesmos motivos, implica que o contrato a termo se tenha renovado mais uma vez, por 6 meses, até ao dia 01 de março de 2022.

46. Todavia, em março de 2022, e mesmo entendendo que seria já pacífico entre ambas as partes que não vigorava o contrato de trabalho entre Recorrente e Recorrida, uma vez que nessa data já não se verificavam quaisquer atos de execução do contrato, existe a possibilidade de ter ocorrido uma autêntica caducidade tácita do aludido contrato a termo, por iniciativa de ambas as partes.

47. Por outras palavras, a ocorrer a caducidade, esta manifestar-se-ia não por expressa declaração de revogação, mas sim por decurso de prazo legal para o seu exercício e, consequentemente, ocorrência de um silêncio ou omissão das partes a quem o direito pertencia.

48. Em boa verdade, nenhuma das partes acionou esse direito, o que levou o douto Tribunal de 1.ª instância a superar, categoricamente, a imprecisão quanto à data de cessação do contrato de trabalho.

49. E fê-lo mediante aplicação lógica da letra da lei.

50. O douto Tribunal a quo entendeu, todavia, que “nada impede que, antes do decurso desse prazo, o contrato de trabalho tenha cessado por qualquer outro motivo.” [negrito e sublinhado nosso]

51. Ora, bem se sabe que o regime ao qual estaria sujeito o contrato de trabalho do Recorrente sempre permitiria à Recorrida exercer o seu direito à caducidade de forma lícita.

52. Ao invés, a aqui Recorrida comunicou o fim do vínculo laboral ao Instituto da Segurança Social sob o motivo “justa causa por iniciativa do empregador” – cfr. documento n.º 1 junto com a Contestação.

53. E fê-lo no dia 10 de novembro de 2021, indicando, para o efeito, o dia 11 de outubro de 2021 como data de cessação do contrato:

54. Ora, por cautela de patrocínio, sempre se diga que esta comunicação perpetrada pela Recorrida sempre merecerá especial censura, seja pelo motivo alegado seja pela data indicada.

55. Desconsiderando as questões associadas ao motivo da cessação indicado pela Recorrida – pela sua irrelevância ao caso concreto – é no mínimo estranho que aquela comunicação apenas tenha tido lugar volvidos já 10 dias do mês de novembro de 2021.

56. Mais estranho será o facto de a 15 de setembro de 2021 o CAM (Certificado de Aptidão de Motorista) do Recorrente estar já caducado e que no seu registo de atividade constem viagens e períodos de atividade compreendidos entre a segunda metade do mês de setembro e outubro de 2021.

57. Significa isto que, desde 16 de setembro de 2021 que o Recorrente estaria impossibilitado para o exercício das funções básicas de motorista.

58. E foi este o entendimento do Tribunal a quo, determinando ser possível descortinar um cenário em que o contrato havia cessado pela “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho”.

59. Do qual, salvo o devido respeito, integralmente se discorda, e entende-se não merecer tutela jurídica.

Veja-se:

60. Partindo do pressuposto da impossibilidade por via da caducidade do CAM, sempre se poderá indagar acerca desse facto ser consideravelmente anterior à data de cessação “escolhida” pela Recorrida.

61. Isto é, bem sabendo da caducidade (e invalidade) do título que permitiria ao Recorrente exercer as suas funções de motorista, a Recorrida poderia fazer cessar o contrato a 16 de setembro de 2021.

62. Além disso, é inegável a existência de outros motivos que levaram a Recorrida a dar continuidade às instruções e orientações ao Recorrente para a prestação de trabalho, mesmo sabendo que o CAM daquele estaria já caducado.

63. Abra-se um importante parêntesis aludindo ao facto de o Recorrente, após a sua aposentação, apenas se ter mantido a trabalhar para a Recorrida, unica e exclusivamente, a pedido desta.

64. Que, fruto de represálias já vivenciadas como subordinado da Recorrida, o Recorrente sempre sentiu ser alvo de considerável coação e intimidação por parte da sua entidade patronal, como a título de exemplo se remonta às sanções pecuniárias impostas por esta tal qual vertido na petição inicial.

65. Mais, nunca será de olvidar as potenciais consequências que se poderiam extrair da continuidade de prestação de funções de motorista e registo das respetivas viagens por parte do Recorrente, já com o CAM caducado.

66. À hipótese levantada no ponto anterior, responde o douto Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 13.07.2016, relativo ao processo com o número 4152/15.7T8SNT.L1-4, cujo Relator foi José Eduardo Sapateiro:

Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador que se traduziu no não desenvolvimento das diligências e procedimentos administrativos e práticos destinados a realizar atempadamente a formação contínua e a lograr a emissão do CAM e depois da CQM (documentos legalmente reclamados aos motoristas profissionais) dentro dos prazos legais fixados, colocando-se numa situação voluntária, intencional, reiterada, culposa e temporária de impossibilidade de desenvolvimento da sua atividade profissional de motorista profissional no seio da empresa recorrente, cujo objeto social é, precisamente, o de «exploração de transportes públicos rodoviários», não obstante saber que a tal estava obrigado e que a Ré não assegurava nem custeava as referidas formação e emissão dos ditos títulos profissionais. [negrito e sublinhado nossos]

67. Nesta senda, havendo continuidade na prestação de funções de motorista mesmo após a caducidade do único título válido para tal (CAM), sempre estaria a Recorrida munida de poder disciplinar idóneo a cessar o contrato com justa causa.

68. O que, em boa verdade, o veio a fazer, conforme se aludiu supra, contudo, sem fundamento concretizado e diligentemente processado.

[…]

82. Reitere-se que, independentemente da caducidade do CAM – e consequente impossibilidade de prestar funções de motorista – é certo que o Recorrente continuou a fazer e registar viagens exatamente nos mesmos termos a que estaria adstrito.

83. Sendo que, após o último registo – datado de 11 de outubro de 2021 –, é inegável o seu contributo, ao “prontificar-se” em acompanhar o colega BB.

84. Posto isto, afigura-se essencial escrutinar o alcance da alínea b) do artigo 343.º do Código do Trabalho.

85. Isto porque, o Tribunal a quo considera o pressuposto de o contrato de trabalho do Recorrente ter cessado por “múltiplos motivos”, nomeadamente:

➢ Por caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;

➢ Por denúncia do trabalhador;

➢ Por despedimento por iniciativa do empregador.

86. Ora, por mera lógica de exclusão de partes, e mesmo não o assumindo na sua decisão, o Tribunal a quo remete a causa de cessação para os termos da alínea b) do artigo 343.º.

87. E refugia o seu entendimento na prevalência da data de cessação face ao motivo.

88. Permitam-nos, Colendos Conselheiros, manifestar a maior discórdia de tal posição.

89. É inequívoco o entendimento da Relação do Porto face ao verdadeiro motivo que levou à cessação do contrato.

90. E, partindo desse pressuposto, nunca se poderá olvidar que o alcance daquela forma de cessação exige a verificação cumulativa desses três requisitos: que a impossibilidade seja superveniente, pois se ocorrer no momento da celebração o contrato é nulo; absoluta, porque não basta o simples agravamento ou a excessiva onerosidade da prestação para que se dê a caducidade do contrato de trabalho e definitiva, uma vez que a impossibilidade temporária não extingue o vínculo, apenas o suspende.

91. A este propósito, é pertinente aludir à decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 15.03.2023, no âmbito do processo com o número 1621/22.6T8PDL.L1-4 em que foi Relatora Maria José Costa Pinto, e que se aproxima do caso sub judice:

Na verdade, nenhuma destas circunstâncias ligadas à conduta do trabalhador ainda que eventualmente justificativas de uma censura disciplinar, é susceptível de determinar o carácter definitivo da impossibilidade de prestar o trabalho ou, mesmo, de contender com ele.

E o certo é que só autoriza a desvinculação do empregador o facto impeditivo da execução do contrato que não é apenas temporário, mas definitivo. A jurisprudência e a doutrina têm apelado a um juízo particularmente rigoroso e exigente na aferição do carácter definitivo do impedimento (por estar em causa o fim do contrato de forma especialmente expedita, com a invocação da caducidade), devendo a natureza definitiva resultar da análise de cada caso com uma avaliação abrangente que tome em conta o efectivo impacto que assume, na esfera do empregador, o afastamento do trabalhador. Segundo é dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Novembro de 2010, a impossibilidade deve ter-se por definitiva se a cessação do impedimento, ainda que virtualmente possível, se apresenta de tal modo improvável, quanto à sua verificação, e incerta quanto ao momento, que não é razoável prever, em termos de evolução normal, que o impedimento venha a mostrar-se afastado em tempo de poder satisfazer minimamente o interesse do empregador. Ora, no caso em análise, mantém-se em aberto a possibilidade de o recorrido obter o cartão profissional, bastando para o efeito que inicie a instrução de um novo processo perante a autoridade competente para a emissão do cartão (…)

Assim se superando o impedimento que entravou a regular vivência do vínculo e possibilitando que este regresse à plena e efectiva execução.”[negrito e sublinhado nosso]

92. Destarte, e dada a data de caducidade que serve de base à verificação da impossibilidade lograda pelo Tribunal a quo, dificilmente se deslinda que o Recorrente havia ficado “impossibilitado” de prestar o seu trabalho ou de a Recorrida o receber.

Prosseguindo:

93. É ainda sustentado pelo Acórdão da Relação do Porto que, segundo as regras da experiência comum (como salienta a Recorrente nas alegações de recurso, tendo sido liquidada apenas a retribuição correspondente a 11 dias de outubro de 2021, o Autor/Recorrido nãoreclama o remanescente até 31 de outubro), aponta para o dia 11 de outubro de 2021 como o último dia de trabalho do Autor/Recorrido para a Recorrente.

94. Ora, permitindo uma vez mais a discórdia, sempre foi do conhecimento do Autor/Recorrente que a sua relação laboral havia cessado (pelo menos) a 31 de outubro de 2021.

95. Foi partindo desse pressuposto que o petitório daquele se fez constar do respetivo articulado.

96. Reconhece, contudo, que o leque de créditos laborais ora peticionados ficaram aquém dos que, àquela data, seriam efetivamente devidos.

97. A título de exemplo, não foi peticionado pelo Recorrente qualquer crédito emergente dos proporcionais do ano de cessação do contrato de trabalho.

98. Da mesma forma, não foi peticionado o valor de retribuição correspondente ao último mês de trabalho prestado.

99. De todo o modo, e no âmbito dos ensinamentos da lei processual laboral, a presente ação sempre estaria sujeita à (eventual) condenação extra vel ultra petitum, emergente do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho.

100. Mesmo reconhecendo a faculdade atribuída à parte no sentido do cumprimento do contraditório.

Sem desconsiderar:

101. Veio o Digníssimo Magistrado do Ministério Público manifestar o seu douto parecer à sentença proferida em 1.ª instância.

102. Nessa senda, sumaria e, diga-se, categoricamente, consta do parecer que:

«Impugna a Ré esta decisão da matéria de facto, indicando como elementos de prova a caducidade do CAM do recorrido, em 15-09-2021, não tendo o recorrido procedido à sua renovação, o registo do tacógrafo de 11.10.2021, bem como a comunicação à Segurança Social da cessação do contrato com esta mesma data.

Mas como se vê tendo a recorrido o CAM caducado desde 15.09.2021, continuou a exercer as suas funções, pelo menos até 11.10.2021.

E embora a Recorrente indique à Segurança Social, a data de 11.10.2021, como data da cessação do contrato, do motivo indicado não há prova da verificação; não houve qualquer procedimento da iniciativa da Recorrente para pôr fim ao contrato (procedimento disciplinar ou mesmo denúncia com aviso prévio de 60 dias).

Assim a credibilidade desta declaração unilateral da Recorrente é duvidosa. E da mesma forma que o recorrido com o CAM caducado exerceu funções, no mínimo mais cerca de um mês, porque há o registo do tacógrafo, também poderia tê-las exercido até 31.10.2021, como alega, embora sem registos.» [negrito e sublinhado nosso]

103. O douto parecer acompanhou a decisão de 1.ª instância, a qual o Recorrente subscreve.

104. Configurando, o caso em apreço, uma dificuldade quanto à data de cessação do contrato de trabalho, o mesmo não se poderá dizer quanto à forma que a Recorrida o fez cessar.

105. Apelidado de “duvidoso”, parece-nos desprovido de qualquer credibilidade que, dado o circunstancialismo, uma Entidade Empregadora venha a comunicar a cessação do vínculo laboral a 10 de novembro de 2021, repercutindo os seus efeitos à data de 11 de outubro de 2021 – praticamente 1 mês antes (!!!).

106. E que acione o motivo da “justa causa por iniciativa do empregador”.

107. Em face do exposto, é nítido e cristalino que a Recorrida não logrou provar a data da cessação do contrato de trabalho.

108. Muito menos o fez nos moldes em que comunicou ao respetivo órgão responsável.

109. Assim, sempre será merecedor de maior credibilidade o entendimento da decisão proferida em 1.ª instância.

110. Segundo a qual improcedeu a alegada exceção de prescrição dos créditos laborais.

111. Em sentido inverso, o Acórdão do Tribunal a quo veio [erradamente] dar provimento à suscitada exceção e, apesar de uma exposição eloquente acerca do alcance do artigo 337.º do Código do Trabalho, veio fazer uma aplicação desmedida, incorreta e descontextualizada ao caso em apreço.

112. Não sem antes considerar não merecer entendimento válido a decisão do Tribunal de 1.ª instância, ao alterar o ponto provado 31) e excluir o ponto provado 32) daquela douta sentença.

113. Ora, estas incongruências, que o Recorrente não alcança, culminaram numa absolvição da Ré/Recorrida da totalidade dos pedidos formulados nos autos e, consequentemente, numa penalização substancial da posição do Autor/Recorrente.

114. Mal andou o Tribunal a quo, porquanto tal decisão i) viola, entre outros, os artigos 348.º e 343.º do Código do Trabalho, [fazendo ainda aplicação errónea do artigo 337.º do mesmo diploma], ii) viola o artigo 607.º do Código de Processo Civil, iii) bem como os artigos 18.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.

115. Deve, por tudo isto, ser o Acórdão revogado, mantendo-se a decisão proferida em 1.ª instância.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o Recurso ser julgado procedente, por provado, e revogado o Acórdão recorrido na parte em que julgou procedente o Recurso apresentado pela Recorrente, mantendo-se a decisão Recorrida nos termos em que foi proferida, tudo com as legais consequências, com o que V. Exas. farão a sã e costumeira JUSTIÇA!»


*


12. A Ré R STAR PETRÓLEOS, LDA não veio responder dentro do prazo legal ao recurso de revista do Autor, não obstante ter sido notificada para o efeito.

*


13. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer nos autos que concluiu nos seguintes moldes:

«Somos, assim, de parecer que o presente recurso de revista deverá ser considerado improcedente, mantendo-se o douto acórdão recorrido.»


*


14. As partes não se pronunciaram sobre o teor desse Parecer, dentro do prazo legal de 10 dias, apesar de terem sido notificadas do mesmo.

*


15. Cumpre decidir, depois de o coletivo ter tomado conhecimento dos autos, recebido o projeto de Acórdão elaborado pelo relator e debatido o seu teor.

II. FACTOS

16. Com relevância para o presente Aresto, há a considerar os seguintes factos:

- FACTOS PROVADOS PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

«1) A aqui Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias, entre outros serviços conexos com aquela atividade, (facto assente 1- fls.175 v.).

2) O aqui Autor, atualmente aposentado, desempenhou funções de motorista de pesados de mercadorias, tendo sido admitido para trabalhar sob autoridade, direção e fiscalização da Ré, mediante contrato de trabalho celebrado entre ambos, tendo o primeiro assumido a categoria de motorista profissional, (facto assente 2- fls.175 v.).

3) O referido vínculo laboral teve o seu início em 12-08-2014, tendo-se o Autor aposentado em 01 de setembro de 2020, (cfr. art.º 3.º da P.I. e cfr. art.º 20.º da Contestação).

4) O Autor desempenhou as funções de motorista de pesados no transporte de matérias perigosas, mais concretamente de combustíveis (que se trata de matéria líquida inflamável), pelo menos, durante os dias 24 de Março de 2017, 2, 3, 4, 8, 10, 12,15,16,18, 24, 25, 26 e 30 de Maio de 2018, 1, 2, 4, 5, 7, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 25, 29 e 30 de Junho de 2018, 3, 4, 6, 7, 10, 12, 13, 14, 17, 20, 21, 25, 26, 27, 28 e 31 de Julho de 2018, 1, 2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29, 30 e 31 de Agosto de 2018, 1, 5, 6, 8, 10, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 21, 24, 25, 27 e 28 de Setembro de 2018, 30 de Janeiro de 2019, 1, 2, 5, 6, 7, 8, 9, 12, 14, 15, 16, 19, 21, 23, 26 e 28 de Fevereiro de 2019, 4, 6, 8, 18, 20, 21, 22, 23, 25, 27, 28 e 29 de Março de 2018, 3, 4, 5, 6, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 23, 25 e 26 de Abril de 2019, 3, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 18, 21, 22, 23, 25, 28 e 31 de Maio de 2019, 3, 4, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 19, 20, 22, 24, 27 e 29 de Junho de 2019, 1, 2, 3, 5, 8, 9, 12, 14, 15, 18, 19, 27, 29, 30 e 31 de Julho de 2019, 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 22, 23, 26 e 27 de Agosto de 2019, 29 e 30 de Novembro de 2019, 3, 5, 6, 9, 10, 12, 13, 14, 18, 19, 21, 23, 26 e 28 de Dezembro de 2019, 2, 4, 7, 8, 10, 11, 15, 16, 18, 20, 22, 23, 24, 25, 28, 29 e 30 de Janeiro de 2020, 1, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 20, 21, 22, 26, 27 e 29 de Fevereiro de 2020, 2, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 14, 17, 18, 19, 20, 23 e 26 de Março de 2020, 1, 3, 6, 8, 9, 11, 18, 22, 23 e 24 de Abril de 2020, 7, 9, 11, 14, 15, 16, 18, 20, 21, 22, 23, 27, 28 e 30 de Maio de 2020, 1, 3, 5, 6, 8, 9, 12, 13, 15, 18, 19, 20, 23, 24, 26 e 27 de Junho de 2020, 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 20, 21, 22, 24, 25, 27, 28, 29, 30 e 31 de Julho de 2020, 1, 3, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 19, 21, 22, 24, 26, 27, 28 e 31 de Agosto de 2020, 1, 2, 3, 4, 5, 14, 16, 17, 18, 19, 21, 24, 25, 26, 28, 29 e 30 de Setembro de 2020, 1, 2, 3, 6, 8, 10, 14, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 28, 29 e 31 de Outubro de 2020, 2, 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 19, 23, 24, 26, 27 e 28 de Novembro de 2020, 2, 3, 4, 5, 7, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 23, 26, 28, 30 e 31 de Dezembro de 2020, 2, 4, 6, 7, 8, 9, 15, 16, 18, 20, 22, 23, 27, 28 e 30 de Janeiro de 2021, 1, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 17, 18, 20, 24, 25, 26 e 27 de Fevereiro de 2021, 1, 3, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 18, 20, 22, 23, 24, 26, 27, 29 e 31 de Março de 2021, 1, 3, 7, 8, 10, 12, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29 e 30 de Abril de 2021, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 22, 24, 25, 26, 27, 28 e 29 de Maio de 2021, 1, 2, 4, 5, 7, 8, 9, 11, 12, 15, 16, 17, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 28 de Junho de 2021, 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 24, 26, 28, 29, 30 e 31 de Julho de 2021, 2,3,4, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 de Agosto de 2021, 1, 3, 4, 6, 7, 8, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 27 de Setembro de 2021, o que efetuou sob ordens e direção da Ré, (cfr. art.ºs 11.º e 88.º da P.I.).

[…]

20) Além do trabalho diário em dias úteis, o Autor desempenhou a sua atividade, sob as ordens e instruções da Ré, nos seguintes fins de semana e feriados nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021: a) 12.05.2018 – sábado; b) 26.05.2018 – sábado; c) 02.06.2018 – sábado; d) 16.06.2018 – sábado; e) 07.07.2018 –sábado; f) 14.07.2018 – sábado; g) 21.07.2018 – sábado; h) 28.07.2018 – sábado; i) 04.08.2018 – sábado; j) 11.08.2018 – sábado; k) 15.08.2018 – feriado; l) 25.08.2018 – sábado; m) 01.09.2018– sábado; n) 15.09.2018 – sábado; o) 02.02.2019 – sábado; p) 09.02.2019 – sábado; q) 16.02.2019 – sábado; r) 23.02.2019 – sábado; s) 23.03.2019 –sábado; t) 06.04.2019 – sábado; u) 13.04.2019 – sábado; v) 20.04.2019 – sábado; x) 25.04.2019 – feriado; z) 11.05.2019 – sábado; aa) 18.05.2019 – sábado; bb) 25.05.2019 – sábado; cc) 08.06.2019 – sábado; dd) 10.06.2019 – feriado; ee) 22.06.2019 – sábado; ff) 17.07.2019 – sábado; gg) 03.08.2019 – sábado; hh) 10.08.2019 – sábado; ii) 15.08.2019 – feriado; jj) 17.08.2019 – sábado; ll) 14.12.2019 – sábado; mm) 21.12.2019 – sábado; nn) 28.12.2019 – sábado; oo) 04.01.2020 – sábado; pp) 11.01.2020 – sábado; qq) 18.01.2020 – sábado; rr) 25.01.2020 – sábado; ss) 02.01.2021 – sábado; tt) 09.01.2021 – sábado; uu) 16.01.2021 – sábado; vv) 23.01.2021 – sábado; xx) 06.02.2021 – sábado; zz) 13.02.2021 – sábado; aaa) 20.02.2021 – sábado; bbb) 06.03.2021 – sábado; ccc) 13.03.2021 – sábado; ddd) 20.03.2021 – sábado; eee) 27.03.2021 – sábado; fff) 03.04.2021 – sábado; ggg) 10.04.2021 – sábado; hhh) 24.04.2021 – sábado; iii) 08.05.2021 – sábado; jjj) 22.05.2021 – sábado; mmm) 29.05.2021 – sábado; nnn) 05.06.2021 – sábado; ooo) 12.06.2021 – sábado; ppp) 19.06.2021 – sábado; qqq) 26.06.2021 – sábado; rrr) 03.07.2021 – sábado; sss) 10.07.2021 – sábado; ttt) 17.07.2021 – sábado; uuu) 24.07.2021 – sábado; vvv) 31.07.2021 – sábado; rrr) 03.07.2021 – sábado sss) 10.07.2021 – sábado; ttt) 17.07.2021 – sábado; uuu) 24.07.2021 – sábado; vvv) 31.07.2021 – sábado; zzz) 07.08.2021 – sábado; aaaa) 14.08.2021 – sábado; bbbb) 21.08.2021 – sábado; cccc) 28.08.2021 – sábado; dddd) 04.09.2021 – sábado; eeee) 02.10.2021 – sábado; ffff) 09.10.2021 – sábado; (cfr. art.ºs 67.º, 68.º e 69.º da P.I.).

21) O Autor tem a haver da Ré o valor total de € 918,07 a título de remuneração do trabalho em dias de descanso semanal ou feriados desde 13/12/2019 a 10/10/2021, (cfr. art.ºs 82.º, 83.º, 84.º, 85.º e 86.º da P.I.).

[…]

25) De 1/3/2017 a 1/3/2022 não foram ministradas ao Autor as 178 horas de formação (= 35 horas + 31 horas + 40 horas + 32 horas + 40 horas) que o mesmo tinha ainda a haver da Ré, (cfr. art.ºs 94.º e 95.º da P.I.).

[…]

31) No entanto, mesmo após a aposentação, o Autor continuou a trabalhar para a Ré até 11 de outubro de 2021 [2].

32) (…) [3].

[…]

40) O CAM do aqui Autor caducou em 15-09-2021, (art.º 15.º da contestação)

41) Não tendo o mesmo procedido à sua renovação, (art.º16.º da contestação).

42) E não tendo comunicado sequer à sua entidade patronal à data, aqui Ré, a intenção de renovação (art.º17.º da contestação).

43) Desde o dia 15-09-2021 o Autor não se encontrava apto para o exercício da profissão de motorista, (cfr. art.º 18.º da contestação).

45) O Autor foi contactado telefonicamente pela Ré para aquele se deslocar às instalações da segunda com vista a apurar a retribuição do mês de outubro de 2021, ao que o Autor não anuiu, (cfr. art.º 20.º da Resposta).

46) A presente ação foi intentada às 13 horas 15 minutos e 6 segundos do dia 19/10/2022, (facto assente 3- fls.175 v.).

47) A Ré foi citada em 24/10/2022 (cfr. art.º 8.º da contestação.

- FACTOS NÃO PROVADOS:

Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos anteriormente referidos, designadamente que :

- o referido vínculo laboral tenha tido o seu início em no ano de 2011, mais concretamente no mês de agosto desse ano, nem que o Autor se tenha aposentado em novembro de 2020, (cfr. art.º 3.º da P.I.);

- mesmo após a aposentação do Autor, este tenha continuado a laborar para a Ré exatamente nos mesmo termos, durante pelo menos mais um ano, ou seja, até 31 de outubro de 2021, (cfr. art.º 4.º da P.I.);

- a relação laboral entre Autor e Ré tenha tido a duração total de 10 (dez) anos, (cfr. art.º 5.º da P.I.);

[…]

- o Autor seja credor de 76 horas de formação profissional desde o ano de 2020 até novembro de 2021, nem que o mesmo tenha a haver da Ré € 306,72 a esse título, (cfr. art.º 95.º da P.I.);

[…]

- a cessação do contrato de trabalho do Autor tenha ocorrido em 11-10-2021, (cfr. art.º 6.º da Contestação);

- o término da relação laboral tenha ocorrido em 11-10-2021 (cfr. art.º 21.º da Contestação);

[…]

- o vínculo laboral tenha terminado em 31 de outubro de 2021, (cfr. art.º 18.º da Resposta);

- em novembro do mesmo ano o Autor já não laborasse para a Ré, (cfr. art.º 18.º da Resposta);

- o Autor tenha usado o seu cartão nos períodos ora compreendidos apenas e só a mando da Ré por forma a “facilitar” as rotas/atividades do seu colega BB, que na altura acompanhava o Autor (cfr. art.º 30.º da Resposta);

- porque ainda trabalhava sob orientações da Ré, o Autor temesse todo o tipo de represálias que poderiam advir (cfr. art.º 31.º da Resposta).

[…]».

III – OS FACTOS E O DIREITO

17. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


*


A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

18. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido intentada no dia 19/10/2022, com a apresentação, pelo Autor da sua Petição Inicial, ou seja, muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.

Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.

Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista, tudo sem prejuízo da Regulamentação Coletiva que é aplicável à relação laboral dos autos.

B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA

19. Neste recurso de Revista está em causa decidir se os créditos laborais reclamados pelo Autor se encontram ou não prescritos, nos termos do número 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009.

C – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

20. Importa realçar, desde logo e nesta matéria, a diferença substancial que foi introduzida pelo tribunal da 2.ª instância na Factualidade dada como Provada pelo Juízo do Trabalho de Valongo, no que respeita à data da cessação do vínculo laboral existente entre as partes.

Verifica-se, com efeito, que ao passo que o tribunal da 1.ª instância situou temporalmente o fim da relação laboral dos autos em 1/3/2022, o Tribunal da Relação do Porto considerou que o último dia de desempenho de funções laborais do Autor para a Ré foi em 11/10/2021 [4].

Interessa para este efeito ler a parte da motivação de facto do acórdão recorrido que julgou a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pela Ré, precisamente quanto à problemática da data da efetiva cessação do contrato de trabalho dos autos, e que para esse efeito reza o seguinte:

«Dado que a Recorrente cumpriu os ónus que lhe incumbem na impugnação da matéria de facto, importa aferir os pontos concretos a apreciar por este Tribunal:

Ao pretender que se prove que o contrato de trabalho cessou a 11 de outubro de 2021, a Recorrente visa a reapreciação dos factos provados em 31) e 32), os quais têm a seguinte redação:

31) “No entanto, mesmo após a aposentação do Autor este continuou a laborar para a Ré durante pelo menos mais um ano e meio, até 01 de março de 2022”.

32) “Posto isto, a relação laboral entre Autor e Ré teve a duração total de 7 (sete) Anos 7 meses e 18 dias, (cfr. art.º 5.º da P.I.)”.

Vejamos:

O próprio Autor/Recorrido, nos seus articulados (cf. artigos 2.º da petição inicial e 17.º da resposta à contestação), menciona o dia 31 de outubro de 2021, como data de cessação do contrato de trabalho, não discutindo, porém, o modo de cessação, omitindo o respetivo motivo.

Assim, uma coisa é não se ter provado cabalmente o modo de cessação do contrato de trabalho (nomeadamente, de quem partiu a iniciativa), outra, completamente distinta, é a data da sua cessação.

Por acordo entre as partes, é indubitável que, a partir de 1 de novembro de 2021, o Autor/Recorrido deixou de exercer, por conta da Ré/Recorrente, as funções de motorista de pesados de mercadorias.

O que permanece em discussão é saber qual o último dia de trabalho do Recorrido no mês de outubro de 2021: 11 de outubro ou 31 de outubro de 2021?

Para elucidar esta questão, procedeu-se à audição da prova pessoal produzida na audiência final, sendo os aspetos essenciais dos depoimentos prestados com maior relevância face à matéria em reapreciação, os seguintes:

Depoimento da testemunha BB (sessão de 15 de maio de 2023):

Esta testemunha tem conhecimento dos factos aqui em discussão por ter sido contratada pela Recorrente como motorista de pesados, substituindo o Autor/Recorrido, desempenhando essas funções de 1 de outubro de 2021 a março de 2022.

No seu depoimento, referiu que, quando entrou ao serviço da Recorrente, a 1 de outubro de 2021, foi inicialmente acompanhado pelo Autor/Recorrido, que lhe ensinou as rotas e os procedimentos de entrega de combustíveis, por não ter experiência prévia neste tipo de transporte.

Acrescentou que o Autor/Recorrido o acompanhou durante cerca de três semanas após a sua entrada na empresa, tendo a certeza de que, em novembro, este já não trabalhava na empresa.

Confrontado com o facto de a última data registada no tacógrafo pelo Autor/Recorrido ser 11 de outubro de 2021, admitiu que, algures em outubro de 2021, aproximadamente três semanas após o início das suas funções, o Recorrido terá deixado de trabalhar na empresa.

Da análise deste depoimento, resulta que o Recorrido deixou de trabalhar para a empresa pouco depois do início do trabalho da testemunha e após o período do seu acompanhamento inicial.

Depoimento da testemunha CC (sessão do dia 6 de junho de 2023):

Esta testemunha tem conhecimento dos factos em discussão na qualidade de chefe de tráfego da Recorrente.

Referiu, na sua inquirição, que o Recorrido lhe comunicou que só trabalharia até ao final de setembro de 2021 (por pretender reformar-se). Apesar disso, prontificou-se a colaborar com o senhor BB que o substituiu, acompanhando-o durante a primeira semana de outubro (prática habitual na empresa).

Mencionou que existem registos de viagens do Recorrido até 11 de outubro de 2021, sendo essa a data indicada pela empresa à Segurança Social como a do termo do vínculo laboral.

Informou que o CAM (Certificado de Aptidão de Motorista) do Autor/Recorrido caducou em setembro (não tendo conseguido renová-la), e que esse terá sido o motivo da sua saída da empresa.

A testemunha referiu ainda que a posse e validade do CAM são da responsabilidade do motorista, embora a empresa colabore com os custos de renovação do CAM e do ADR (Acordo Europeu Relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada).

Resumindo o que foi espontaneamente declarado por estas duas testemunhas inquiridas na audiência final, importa avaliar a prova pessoal em conjunto com a prova documental existente nos autos.

Nomeadamente:

✓ Cartão individual do registo tacográfico do Recorrido, cujos registos foram juntos pelo próprio (documento n.º 3 da petição inicial), no qual consta como último registo o dia 11.10.2021;

✓ Extratos de remunerações do trabalho prestado pelo Recorrido à da Recorrente enviados pelo Instituto da Segurança Social (cf. Ref.ª 35399407.º CITIUS), com início a 12.08.2014 e termo a 11.10.2021;

✓ Comunicação da Recorrente ao Instituto da Segurança Social a indicar o fim do vínculo a 11.10.2021 (documento n.º 1 junto com a contestação).

Importa ainda ponderar o que consta provado em 3), do qual resulta que o Autor se aposentou a 1 de setembro de 2020, e em 40), do qual se depreende que o CAM do Autor caducou a 15 de setembro de 2021, sem que este tenha procedido à sua renovação ou comunicado à Ré a intenção de o fazer [pontos provados em 41) e 42)].

Como é sabido, o CAM é o certificado de aptidão de motorista emitido pelo Instituto da Mobilidade e do Transportes (IMT), documento essencial para o exercício de motorista profissional de veículos pesados de mercadorias.

Acresce que os dias de trabalho efetivamente provados pelo Tribunal a quo em setembro e início de outubro de 2021 [cf. pontos provados em 4) e 20)], não vão além de 11 de outubro de 2021.

Assim, o conjunto da prova, e segundo as regras da experiência comum (como salienta a Recorrente nas alegações de recurso, tendo sido liquidada apenas a retribuição correspondente a 11 dias de outubro de 2021, o Autor/Recorrido não reclama o remanescente até 31 de outubro), aponta para o dia 11 de outubro de 2021 como o último dia de trabalho do Autor/Recorrido para a Recorrente.

Note-se que, a testemunha BB admitiu cerca de três semanas em outubro, enquanto a testemunha CC referiu uma semana. Contudo, ambas são perentórias ao afirmarem que o Recorrido apenas permaneceu em funções durante o mês de outubro de 2021 para acompanhamento inicial e auxílio de BB, que o substituiu.

Assim, não obstante a ligeira discrepância nos depoimentos (cerca de três semanas versus uma semana), é inquestionável que, a partir de 11 de outubro de 2021, não existe qualquer registo de condução no cartão individual do tacógrafo do Autor/Recorrido, e que o seu CAM se encontrava caducado desde 15 de setembro de 2021.

Por conseguinte, a impugnação à matéria de facto irá proceder.

O ponto provado em 31) passa a ter a seguinte redação:

- “No entanto, mesmo após a aposentação, o Autor continuou a trabalhar para a Ré até 11 de outubro de 2021”.

Por ser conclusivo e contraditório com o ponto provado em 31) na redação do Tribunal ad quem, determina-se a eliminação do ponto provado em 32).»

21. Impõe-se frisar, desde já, que a reprodução da motivação para a alteração e eliminação dos Pontos 31 e 32 por parte do TRP não se destina – ao contrário do que o Recorrente pretende, conforme ressalta de uma parte das conclusões do seu recurso de Revista, que nos abstivemos de transcrever, por desnecessária – a qualquer nova apreciação e valoração por este Supremo Tribunal de Justiça dos meios de prova identificados pela 2.ª instância e a uma eventual reposição dos Pontos de Facto anteriormente determinados pelo tribunal da 1.ª instância ou a uma nova redação dos mesmos, distinta da operada por ambos os tribunais referidos, mas tão somente visa demonstrar a impossibilidade adjetiva deste STJ atuar nesses moldes, face às impressivas restrições que legalmente são impostas à sua intervenção em sede de Decisão sobre a Matéria de Facto, como resulta do disposto no número 3 do artigo 674.º e no artigo 682.º do NCPC.

O número 1 do artigo 682.º estatui que «Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», precisando o seu número 2 que «A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º», que, por seu turno, determina que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.»

Ora, não resulta dos autos uma qualquer ofensa a uma norma jurídica que imponha uma prova vinculada para os factos em causa nesta ação ou que estabeleça uma particular força probatória para os meios de prova considerados pelo Tribunal da Relação do Porto e que teria sido desrespeitada por este último, não se vislumbrando, finalmente, qualquer necessidade de determinar a baixa dos autos com vista à ampliação da factualidade dada como assente.

Logo, este Supremo Tribunal de Justiça irá julgar o objeto do presente recurso com base nos factos dados como provados pelo tribunal da segunda instância.

C – REGIME LEGAL APLICÁVEL

22. Chegados aqui, Importa convocar as duas disposições legais com eventuais reflexos nesta problemática da prescrição dos créditos laborais peticionados pelo Autor e que são as seguintes:

Artigo 337.º

Prescrição e prova de crédito

1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

Artigo 323.º

Interrupção promovida pelo titular

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Será com base neste regime legal que iremos abordar as questões que, relacionada com a exceção perentória da prescrição, são suscitadas neste recurso de Revista.

D – LITÍGIO DOS AUTOS

23. Os factos que poderão relevar para aqui têm a ver com a data da cessação do contrato de trabalho dos autos [11/10/2021], o dia da propositura desta ação declaratória de condenação com processo comum laboral [19/10/2022] e a data da citação da Ré, efetuada no dia 14/11/2022 [5].

Ora, cruzando o regime do número 1 do artigo 337.º do CT/2009 com o dia em que o vínculo laboral dos autos conheceu o seu termo, há que contar o prazo prescricional de 1 ano a partir do dia 12/10/2021, o que implica que o seu termo tenha ocorrido às 24,00 horas do dia 12/10/2022.

Sabemos que a presente ação deu entrada em juízo no dia 19/10/2022, ou seja, no 7.º dia após o referido prazo prescricional de 1 ano ter terminado, o que torna irrelevante, desde logo, não só a data muito posterior da citação da Ré [14/11/2022] para efeitos de interrupção do aludido prazo de prescrição [número 1 do artigo 323.º do Código Civil], como a própria aplicação do disposto no número 3 dessa mesma disposição legal, pois a entrada em tribunal da Petição Inicial do Autor ocorreu após o total esgotamento do mencionado prazo de prescrição de 1 ano [não sendo conhecido no processo quaisquer causas de suspensão ou interrupção anteriores do mesmo].

Dir-se-á ainda que o debate em torno das três modalidades de cessação do vínculo laboral dos autos [caducidade, denúncia e despedimento], assim como das possíveis alterações que se terão processado na natureza jurídica e âmbito do mesmo, por força da aposentação do Autor, ocorrida no dia 1/09/2021, não tem qualquer relevância na discussão do objeto do presente recurso de revista, dado aquele prazo prescricional de 1 ano do número 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 se aplicar, uniformemente – designadamente, em termos de início e termo da sua contagem -, a todos os potenciais cenários que pudessem resultar dessas diversas formas de extinção do vínculo laboral em presença, funcionando também, naqueles precisos termos, independentemente do regime jurídico excecional que eventualmente vigorasse no último período da relação de trabalho dos autos.

Logo, face à fundamentação deixada exposta, tem o presente recurso de revista de ser julgado improcedente, com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

IV – DECISÃO

24. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 671.º, 674.º, 679.º e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pelo Autor AA, com a inerente confirmação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.

Custas da presente revista a cargo do Autor - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa 12 de novembro de 2025

José Eduardo Sapateiro [Juiz-Conselheiro Relator]

Domingos José de Morais [Juiz-Conselheiro Adjunto]

Júlio Gomes [Juiz-Conselheiro Adjunto]

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1. «Aceite pelo Tribunal recorrido», segundo Nota de Rodapé, com o número 2, constante do Relatório do Aresto do Tribunal da Relação do Porto, que aqui seguimos de muito perto.

2. «Matéria de facto na redação por nós efetuada na sequência do deferimento da impugnação da matéria de facto.» - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, COM O NÚMERO 4.

3. «Eliminado oficiosamente pelo Tribunal ad quem - NOTA DE RODAPÉ DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, COM O NÚMERO 5.

Os Pontos de Facto tinham sido dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância nos seguintes moldes:

«31. No entanto, mesmo após a aposentação do Autor, este continuou a laborar para a Ré durante pelo menos mais um ano e meio, até 01 de Março de 2022, (cfr. art.º 4.º da P.I.).

32. Posto isto, a relação laboral entre Autor e Ré teve a duração total de 7 (sete) Anos 7 meses e 18 dias, (cfr. art.º 5.º da P.I.).»

4. O Tribunal da Relação do Porto ao eliminar o Ponto 32 e ao alterar o Ponto 31 da Matéria de Facto dada como Provada, não atentou ainda, como deveria ter acontecido, no teor do Ponto 25, relativo à formação do Autor, que a situa também como devida até ao referido dia 1/03/2022 [quando, na sequência da intervenção oficiosa do TRP, deveria ter passado a ser apenas até 11/10/2021], numa aparente contradição fáctica que este Supremo Tribunal de Justiça reconduz antes a um mero lapso material por parte do TRP, que não se apercebeu da necessidade de modificar igualmente tal data constante deste terceiro ponto da Factualidade dada como Provada.

5. Cf. os seguintes Pontos de Facto:

«3) O referido vínculo laboral teve o seu início em 12-08-2014, tendo-se o Autor aposentado em 01 de setembro de 2020, (cfr. art.º 3.º da P.I. e cfr. art.º 20.º da Contestação).

31) No entanto, mesmo após a aposentação, o Autor continuou a trabalhar para a Ré até 11 de outubro de 2021

46) A presente ação foi intentada às 13 horas 15 minutos e 6 segundos do dia 19/10/2022, (facto assente 3- fls.175 v.).

47) A Ré foi citada em 24/10/2022 (cfr. art.º 8.º da contestação.»