Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3566/06.8TBVFX.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
TRADIÇÃO DO IMÓVEL
POSSE
USUCAPIÃO
INVERSÃO DO TÍTULO
DETENÇÃO
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / POSSE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1253.º, 1265.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6/5/04, P. 04B1343;
-DE 27/5/04, P. 04B1445;
-DE 17/4/07, P. 07A480 E DE 22/3/11, NO P. 3121/06.2TVLSB.E1.S1;
-DE 9/9/08, P. 08A1988;
-DE 16/6/09, P. 240/03.0TBRMR.S1;
-DE 12/7/11, P. 899/04.1TBSTB.E1.S1;
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Sumário :
1. O contrato promessa de compra e venda , embora acompanhado de tradição da coisa prometida vender, mas sem que se mostre integralmente pago o preço devido pela transacção, não é, em regra, susceptível de transmitir a posse ao promitente comprador que, normalmente, não se verificando circunstâncias excepcionais, adquire o corpus possessório, mas não o animus possidendi, ficando numa situação de mero detentor.

2. A posse em nome próprio do promitente comprador pode, porém, resultar de superveniente inversão do título da posse, a qual pressupõe a sua efectivação por oposição à contraparte, levada ao conhecimento desta, em termos de poder razoavelmente inferir-se uma oposição séria ao seu direito de propriedade.

3. Ao beneficiário da traditio (eventualmente geradora de direito de retenção a favor do promitente comprador)  assiste, porém, o direito de conservar a detenção da fracção enquanto não for indemnizado pelo incumprimento da promessa de venda, ou não for convencido de que o promitente-vendedor não foi o culpado do incumprimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA intentou acção de condenação, com processo comum, na forma ordinária, contra os réus, sócios de sociedade irregular, BB e CC, pedindo que se declare transmitida a seu favor a fracção autónoma referente ao R/C Dt° do prédio sito na Estrada de …, n.° 8, …, Alverca do Ribatejo, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o n.° … e, em consequência, seja inscrito em nome da A., cancelando-se o registo dos anteriores proprietários; ou, subsidiariamente, declarar-se a aquisição originária do direito de propriedade daquele imóvel pela A. por via da usucapião e, consequentemente, serem os RR. condenados a reconhecer tal direito de propriedade.

Para tanto, alegou que, os RR. constituíram uma sociedade irregular em 24.09.1981, a qual já vinha a laborar desde 1979 e tinha por objecto social a construção e reparação de edifícios, cabendo a gerência aos dois sócios, mas sendo exercida de facto e em regra pelo sócio CC, que a representava.

Na qualidade de representante legal da sociedade em apreço, o R. CC celebrou com a A. um contrato promessa de compra e venda da referida fracção autónoma, sendo o preço da venda de 925.000$00, tendo a A. entregue naquela data a quantia de 600.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, sendo o remanescente a pagar na data da escritura. O sócio BB recusou-se, porém, a estar presente no acto e a assinar a escritura de compra e venda.

Assim, desde a data da celebração do contrato promessa de compra e venda que a A. é possuidora daquela fracção autónoma, em consequência da tradição da mesma, feita com entrega da chave de entrada e uso e habitação da mesma.

Os RR. foram notificados, mediante notificação judicial avulsa, realizada em 06.01.2006 no Tribunal Judicial de Pombal, para marcarem a escritura de compra e venda, o que não aconteceu, não obstante a disponibilidade do R. CC.

O R. BB contestou, por impugnação e por excepção, alegando que a acção carece de causa de pedir e que é nela parte ilegítima.

Na verdade, os proprietários da dita fracção seriam os RR., e não a sociedade irregular, que apenas foi constituída para a construção e reparação do edifício e se extinguiu logo após a construção, não sendo proprietária do mesmo.

O R. BB é comproprietário da fracção em apreço e não a prometeu vender à A., nem recebeu qualquer preço ou sinal, e não quis tal negócio, tanto mais que não assinou o contrato promessa.

Não aceitou a ocupação que a A. fez da fracção, sendo que o uso da mesma foi feito em nome dos RR., e não em nome próprio, mantendo-se a A. na fracção ilegitimamente e sem qualquer contrapartida económica, sendo a sua posse precária, a que acresce que, desde 1997, a A. já não reside no imóvel.

O R. BB impugnou ainda o valor da causa e deduziu reconvenção contra a A., peticionando a condenação desta a: reconhecê-lo como legítimo dono e comproprietário da fracção em apreço; a indemnizá-lo na quantia de € 39.000,00, inerente à sua quota-parte a título de rendas; a restituir a fracção e a indemnizá-lo, em quantia a determinar na fase de liquidação, quanto aos prejuízos decorrentes da deterioração do imóvel.

Para tanto, alegou que é comproprietário da fracção em apreço nos autos, estando a A. a ocupar abusiva e legitimamente a mesma, sem qualquer contrapartida económica e contra a vontade do R, o que lhe causou prejuízos, que se consubstanciam na impossibilidade de rentabilizar o espaço, nomeadamente dando-a de arrendamento.

O R. CC também contestou, alegando que a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir quanto ao primeiro pedido formulado pela A., sendo certo que a A. não tinha a posse da fracção, mas antes a mera detenção da mesma, pelo que não pode ocorrer a usucapião.

Foi a A. que não quis celebrar de imediato a escritura de compra e venda, sendo mera detentora - e não possuidora - da fracção e , por isso,  somente titular de um direito de crédito, pelo que, para ser declarada proprietária, teria de pagar o remanescente do preço, devidamente actualizado, a que acresceria o valor do uso do prédio durante 25 anos, deduzidos os frutos civis pelo pagamento efectuado a título de sinal.

A A. apresentou resposta às contestações dos réus BB, pugnando pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional; e requereu a intervenção principal provocada dos cônjuges dos RR., como associados destes, que foi admitida, sendo que as intervenientes não apresentaram contestação.


Foi proferido despacho saneador, julgando improcedentes as invocadas excepções de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade.

Prosseguiram os autos para julgamento, sendo proferida sentença a julgar procedente o pedido principal, formulado pela A, em consequência do decretamento da execução específica do contrato promessa.


2. Inconformado, apelou o réu BB, tendo, porém, a Relação confirmado a sentença apelada.

Interposta revista pelo mesmo recorrente, foi à mesma concedido parcial provimento pelo acórdão proferido pelo STJ a fls.670/689, em que se decidiu:

- revogar o acórdão recorrido na parte em que julgou procedente o pedido principal da A.; e, em consequência, julga-se improcedente o pedido de execução específica do contrato promessa formulado prioritariamente pela A.;

- confirmar o acórdão recorrido no segmento em que negou provimento aos pedidos indemnizatórios formulados pelo 1º R. em sede reconvencional;

- determinar a remessa dos autos à Relação para apreciar o pedido subsidiário, formulado pela A. com base na figura da usucapião e, bem assim, do pedido de reconhecimento da propriedade, deduzido pelo R. em reconvenção.

Remetidos os autos à Relação para apreciação da matéria do pedido subsidiário – formulado pela A. com vista à aquisição originária da propriedade do imóvel em litígio, em consequência da verificação a seu favor dos pressupostos da usucapião ( matéria que as instâncias não haviam apreciado, em consequência da solução dada ao litígio) – foi proferido acórdão a julgar procedente tal pretensão, declarando adquirida por usucapião a propriedade e determinando-se, consequentemente, o cancelamento do registo existente a favor dos RR., improcedendo, por isso, o pedido de reconhecimento da propriedade que o R./recorrente formulara em reconvenção.


3. É o seguinte o quadro factual subjacente ao presente litígio:

1. - O lote de terreno em causa - Lote 17 - foi comprado pelos réus e por escritura pública celebrada em 13.09.1979 no segundo cartório notarial de Vila Nova de Ourém (Alínea A) dos Factos Assentes);

2. - Do registo predial constam os réus como sendo os proprietários da fracção A-rés do chão direito - do prédio sito na estrada de …, n.° 8, …, Alverca do Ribatejo, descrita na CRP sob o n.° … e sob o artigo matricial urbano 3194 da freguesia de Alverca (Alínea B) dos Factos Assentes);

3. - Desde 1979, data em que adquiriram o lote 17 no …, em Alverca, que BB e CC acordaram entre si contribuir ambos com bens e serviços para o desenvolvimento em comum da actividade de construção civil visando daí retirar proveitos e reparti-los entre si (Resposta ao artigo 1.° da Base Instrutória);

4. - Os réus constituíram uma sociedade para desenvolver a actividade descrita em 3. (Resposta ao artigo 15.° da Base instrutória);

5. - Na prossecução da sua actividade a sociedade constituída por ambos construiu um prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, designado por lote 17 descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira, sob o n.° … (Resposta ao artigo 2.° da Base Instrutória);

6. - Os réus deram de empreitada àquela sociedade a construção do dito edifício que logo se extinguiu com a conclusão das obras (Resposta ao artigo 16.° da Base Instrutória).

7. - A gerência da sociedade, da responsabilidade dos dois sócios, foi exercida pelo sócio CC quando o sócio BB esteve ausente em França, onde desenvolveu a actividade de pintor, com o esclarecimento de que este esteve ausente em França durante a construção do prédio referido em 5., pelo menos urna vez durante cerca cie um mês (Resposta ao artigo 3.° da Base Instrutória);

8. - Quando o réu BB esteve ausente em França, referido em 7., o réu CC representava a sociedade, nomeadamente assinando os documentos necessários ao desenvolvimento da sua actividade (Resposta ao artigo 4.° da Base Instrutória);

9. - O prédio acima descrito foi posteriormente vendido por andares, tendo o R. CC assinado em nome próprio os competentes contratos promessa de compra e venda, recebido os competentes sinais e dado quitação dos montantes recebidos (Resposta ao artigo 5.° da Base Instrutória);

10. - Foi em nome próprio que o R. CC outorgou o acordo escrito a fls. 22 em que prometeu vender e a autora prometeu comprar a fracção autónoma constituída pelo rés-do-chão direito ao prédio urbano que vai ser constituído em propriedade horizontal situado no lote 17, sito no …, em Alverca (Resposta ao artigo 6.° da Base instrutória);

11. - Nos termos desse acordo, o preço da venda seria de 925.000$00, tendo aquele recebido naquela data a importância de Esc. 600.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento de que deu quitação (Resposta ao artigo 7.° da Base Instrutória);

12. - Nos termos da cláusula terceira do contrato promessa o resto da importância seria pago no acto aa escritura a qual seria outorgada assim que os primeiros outorgantes tivessem a documentação em ordem para o fazer (Resposta ao artigo 8.° da Base instrutória);

13. - O réu BB recusou-se a propósito de desavenças com o réu CC a estar presente e a assinar a escritura de compra e venda da autora, a qual esteve marcada (Resposta ao artigo 9.° da Base Instrutória);

14. - Em 13.06.1980 foi entregue à A. a chave de entrada da referida fracção e desde essa data a A. começou a utilizar e a residir na mesma (Resposta ao artigo 10.° da Base Instrutória);

15. - A A. é tida por quem a conhece como dona da fracção em causa (Resposta ao artigo 1!.° da Base Instrutória);

16. - A A. em 23.06. 1980 contratou com os serviços municipalizados de águas da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira o fornecimento de água para a fracção e posteriormente com a EDP o fornecimento de energia (Resposta ao artigo 12.° da Base instrutória);

17. - Desde essa data vem procedendo à manutenção e reparação interiores (Resposta ao artigo 13.° na Base instrutória),

18. - É à A. que são enviadas as notificações para as assembleias de condóminos e é a ela que são exigidas as quotas de condomínio, que tem pago, tal como tem pago as quotas extra para efeitos de reparação das partes comuns (Resposta ao artigo 14.° aa Base instrutória).


4. A procedência do pedido subsidiário, decidida no acórdão recorrido, assentou na seguinte fundamentação:

A usucapião baseia-se numa situação de posse, exercida em nome próprio, durante os períodos estabelecidos na lei e tem de ser pública, contínua, pacífica, titulada e de boa-fé.

Ora, resulta dos factos apurados que em 13.06.1980 foi entregue à A. a chave de entrada da fracção e desde essa data a A. começou a utilizar e a residir na mesma; A A. é tida por quem a conhece como dona da fracção em causa; A A. em 23.06.1980 contratou com os serviços municipalizados de águas da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira o fornecimento de água para a fracção e posteriormente com a EDP o fornecimento de energia; Desde essa data vem procedendo à manutenção e reparação interiores; É à A. que são enviadas as notificações para as assembleias de condóminos e é a ela que são exigidas as quotas de condomínio, que tem pago, tal como tem pago as quotas extra para efeitos de reparação das partes comuns.

Com efeito; perante tal factualidade, constatamos que a autora desde 13-6-1980, altura em que prometeu comprar a fracção autónoma dos autos, que se comporta como verdadeira titular da mesma, exercendo continuadamente a sua posse, como se dona se tratasse, de forma pública e pacífica.

Efectivamente, desde aquela data até à propositura da acção, em 5 de Junho de 2006, que a mesma actua na convicção de não lesar direitos alheios e à vista de toda a gente, comparticipando nas despesas do condomínio, como sendo condómina do prédio e assim considerada.

E também desde aquela data até que intentou a acção, não se apurou que alguma vez os réus tivessem questionado o uso do imóvel pela autora, o que cimenta também a ideia da ocorrência da interversio possessionis.

De igual modo, a sua posse é titulada, na medida em que teve na sua origem um modo legítimo de aquisição do direito, independentemente do direito do transmitente ou da validade substancial do negócio jurídico, ou seja, a posse da fracção pela autora não resultou de apossamento ilegítimo.

Nos termos do disposto no n". 2 do art. 1260° do Código Civil, a posse titulada presume-se de boa fé.

O facto de os réus constarem do registo predial como proprietários da fracção, em nada colide com o direito da autora.

A função do registo é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios e a presunção instituída no art. 7°. do Código de Registo Predial, significa que o direito registado existe e pertence ao titular inscrito, tios precisos termos em que o registo o define, podendo esta presunção ser ilidível.

Com efeito, uma coisa é a publicidade registral decorrente da inscrição no registo predial e outra a publicidade resultante dos actos possessórios praticados publicamente.

A usucapião constitui o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, não podendo esquecer-se que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião (cfr. Prof. Oliveira Ascensão, in ROA, ano 34).

Na situação em apreço, a autora ilidiu a presunção do registo, na medida em que demonstrou ter adquirido o imóvel por usucapião.

Assim, desde 13 de Junho de 1980 até à data da instauração da acção, em 5 de Junho de 2006, que a autora mantém a posse do imóvel, tendo adquirido o seu direito de propriedade por usucapião, nos termos dos artigos 1251°, 1259°, 1260°, 1261°, 1262°, 1263°, 1287°, 1296° e 1316°, todos do Código Civil. Destarte, procederá o pedido subsidiário da autora.

Quanto ao pedido reconvencional deduzido pelo ora apelante, atento o supra expendido, ficará prejudicado o seu conhecimento.


Com efeito, aquando da formulação de tal pedido, o réu BB invocou a presunção do registo, bem como, a permanência ilegítima da autora na fracção, defendendo. que, ainda que não dispusesse de título, sempre o mesmo seria comproprietário de metade da fracção por usucapião.


Ora, a mera inscrição no registo predial, desacompanhada de actos possessórios, é facilmente ilidível, assim como, não se pode pretender fazer valer o registo e ao mesmo tempo invocar-se a usucapião, pois, esta constitui uma forma originária de aquisição.

Assim, não só a presunção do registo foi ilidida, como a autora demonstrou a factualidade em que assentava a sua aquisição por usucapião.


5. É desta decisão que vem novamente interposta revista, encerrando o recorrente BB a sua alegação com as conclusões de fls. 760 e seguintes. em que sustenta que a posse da A. , fundada meramente na tradição do imóvel prometido vender, não era susceptível, pela sua natureza, de conduzir – enquanto mera detenção e não se mostrando invertido o título – à usucapião – sustentando ainda a procedência do pedido de reconhecimento da propriedade formulado em reconvenção.

A A. contra alegou, pugnando pela confirmação do decidido no acórdão recorrido.


6. A situação debatida nos autos reconduz-nos a um problema amplamente tratado na doutrina e na jurisprudência – e que consiste em saber em que termos e circunstâncias se poderá qualificar como «verdadeiro» possuidor o promitente comprador que, no âmbito de um contrato promessa desprovido de eficácia real, obtém a tradição da coisa, em consequência de acordo negocial conexo com a promessa de venda, e permanece por período anormalmente dilatado no respectivo uso e fruição, em consequência de, não se realizando a escritura definitiva, também não ser definida pelas partes cabalmente a situação de pendência prolongada do contrato promessa.

Será a situação jurídica do promitente comprador de certo imóvel – com tradição deste, mas em promessa desprovida de eficácia real – qualificável como posse, susceptível de – se mantida pelos períodos de tempo previstos na lei civil – conduzir à aquisição originária do direito de propriedade, através do instituto da usucapião?

Na verdade – sendo incontroverso que tal tradição da coisa prometida vender, assente na pressuposição e expectativa de que será cumprido o contrato definitivo e equivalendo, quando muito, à outorga ao promitente comprador de uma situação equiparável a um direito pessoal de gozo ( cfr. Acs. de 17/4/07, proferido pelo STJ no P. 07A480 e de 22/3/11, no P. 3121/06.2TVLSB.E1.S1), apenas desencadeará normalmente uma situação de mera detenção, enquadrável no art. 1253º do CC, possuindo aquele interessado o imóvel em nome do proprietário/promitente vendedor, sem que tal envolva a transmissão a seu favor da posse sobre o imóvel – poderão, todavia, verificar-se situações excepcionais em que assim não seja, merecendo a posição do promitente comprador com tradição do imóvel a qualificação originária de verdadeiro possuidor; ou ocorrer , na pendência da fruição do prédio, uma situação de inversão do título da posse, prevista no art. 1265º do CC, susceptível de desencadear supervenientemente a aquisição de posse - verdadeira e própria - por parte do – até então – mero detentor.

Como vem sendo reiteradamente considerado na jurisprudência (cfr., por exemplo, o Ac. de 12/7/11, proferido pelo STJ no P. 899/04.1TBSTB.E1.S1), a qualificação da natureza da posse do beneficiário da tradição da coisa, no âmbito de um contrato promessa de compra e venda de imóvel, depende fundamentalmente de uma ponderação casuística que valore adequadamente os termos e o conteúdo do negócio, as circunstâncias que o rodearam e as vicissitudes que se seguiram à sua celebração, podendo efectivamente verificar-se situações – seguramente excepcionais – em que a «traditio» não teve originariamente como pressuposto subjacente à vontade dos contraentes a realização do contrato definitivo; ou em que, supervenientemente, ocorreram vicissitudes na vida da relação contratual determinantes de uma radical mudança no título que tinha justificado a inicial «entrega das chaves», a título precário e limitado, ao promitente comprador, enquadráveis na figura da inversão do título da posse.

Impõe-se, pois, verificar se ocorrem, no caso dos autos, as referidas  circunstâncias excepcionais que permitam considerar justificadamente que a específica situação da promitente compradora ultrapassava claramente o âmbito da mera detenção do imóvel por ela usado e fruído como habitação.


Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 9/9/08, proferido pelo STJ no P. 08A1988:

A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real – art. 1251 do C. C.

Na análise de uma situação de posse distinguem-se dois momentos : um elemento material ( corpus ), que se identifica com os actos materiais de detenção e fruição praticados com o exercício de certos poderes sobre a coisa ; um elemento psicológico ( animus ) que se traduz na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados . A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação : é o que se chama a usucapião – art. 1287 do C.C. A verificação da usucapião depende de dois elementos : da posse e do decurso de certo período de tempo, variável conforme a natureza móvel ou imóvel da coisa. Para conduzir à usucapião, a posse tem de revestir sempre duas características : ser pública e pacífica . Os restantes caracteres ( boa ou má fé, titulada ou não titulada) influem apenas no prazo .

A qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio . Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., págs 6/7 ) , “ o contrato promessa de compra e venda não é susceptível de transferir a posse ao promitente comprador . O contrato promessa, com efeito, não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente comprador . Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário . São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente comprador preenche, excepcionalmente, todos os requisitos de uma verdadeira posse. Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo ( a fim de, v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício do direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade . Tais actos não são realizados em nome do promitente vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real . O promitente comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse“ .

Trata-se de posição que tem sido sufragada pela doutrina ( Antunes varela, R.L.J. Ano 124º- 348 ; Vaz Serra, R.L.J. Ano 109º-314 e Ano 114º-20, Calvão da Silva, BMJ nº 349-86, nota 55), bem como pela jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça (Ac. do S.T.J. de 26-5-94, Col. Ac. S.T.J., II, 2º, 118; Ac. S.T.J. de
19-11-96, III, 3º, 96; Ac. S.T.J. de 11-3-99, Col. Ac. S.T.J., VII, 1º, 137; Ac. S.T.J. de 23-5-06, Col. Ac. S.T.J., XIV, 2º, 97, este também relatado pelo ora relator )

E, analisando situação cujos contornos apresentam alguma similitude com a dos presentes autos, continua o referido aresto:

Assim sendo, é bom de ver que não resultaram provadas quaisquer daquelas circunstâncias excepcionais que permitam concluir que possa existir o animus da posse, por parte do promitente comprador, em resultado da tradição da coisa que lhe foi facultada pelos promitentes vendedores, na sequência da celebração do contrato promessa de compra e venda .

Com efeito, nem a coisa foi entregue ao promitente comprador como se sua fosse já, nem este nesse estado de espírito ( de proprietário ) podia praticar sobre a coisa entregue actos materiais correspondentes ao direito de propriedade, pois era propósito das partes celebrar o contrato definitivo de compra e venda, quando foi outorgado o contrato promessa, sendo certo, por outro lado, que o preço não estava pago na totalidade e que não houve pagamento da sisa . A posse do promitente comprador foi exercida com referência à traditio da coisa decorrente do contrato promessa, por cujo cumprimento os próprios autores chegaram a reclamar em 2-8-66, quando notificaram os promitentes vendedores para comparecerem em cartório notarial no dia 15-12-66, a fim de outorgarem a escritura de compra e venda. Não se vislumbram, assim, circunstâncias excepcionais que justifiquem a consagração de uma excepção à regra da qualidade de mero detentor do promitente comprador .

Já vimos que o contrato promessa celebrado não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente comprador . Com a entrega do andar e da arrecadação, antes da outorga da escritura de compra e venda do contrato prometido, o promitente comprador adquiriu o corpus possessório, mas não adquiriu o animus, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário .

Ao conferirem a posse precária aos recorridos, sem dúvida que os recorrentes queriam autorizar que aqueles usassem a arrecadação e fossem habitar, com a sua família, para o andar prometido vender, que lá preparassem e tomassem as suas refeições, que ali dormissem, recebessem a correspondência, amigos e conhecidos e lá organizassem a sua vida . Corolário dessa autorização seria também que os recorridos contratassem os fornecimentos de água, electricidade e gás, indispensáveis ao uso e fruição do andar consentido pelos promitentes vendedores, e suportassem os custos dos respectivos fornecimentos .

E, tendo sido celebrado contrato promessa de compra e venda, que definiu as prestações recíprocas das partes, nada se pode concluir do facto de não ser exigida qualquer contrapartida pela utilização do andar .

Relativamente ao facto de os recorridos terem comparticipado em outras despesas do andar e até do prédio, há que referir que nada mais se apurou para além dessa comparticipação, designadamente quanto a saber a que título foi feita, em que medida e porque razão . Tais actos traduzem o corpus da posse, que os recorrentes não contestam, sem que tenham a virtualidade de reflectir, necessariamente e de forma inequívoca, quanto aos mesmos recorrentes, o animus possidendi .

A tradição da coisa, realizada a favor do promitente comprador, no caso de promessa de compra e venda sinalizada, não investe o promitente comprador na qualidade de verdadeiro possuidor da mesma coisa . Os poderes que o promitente comprador exerce de facto sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, nem paga a totalidade do preço, não são os correspondentes ao direito do proprietário adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do promitente adquirente perante o promitente alienante .

Por outro lado, cumpre ainda salientar que, embora se tivesse apurado que, desde 30-5-64, o autor se passou a julgar dono do andar e da arrecadação, o certo é que não basta tal estado psicológico de convicção interior, nem o facto do mesmo, desde 1966, ter comparticipado em certas despesas do andar e do prédio ou de ter pago a contribuição autárquica, a partir de 1974, pois não foi feita prova da inversão do título da posse em que aquele se encontrava, que teria de ser efectuada por oposição aos promitentes vendedores e levada ao conhecimento destes, em virtude da posse em nome próprio não ter sido originariamente conferida aos autores .

Nos termos do art. 1265 do C.C., a inversão do título da posse só pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed, pág. 30 ) “torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía . Nesse sentido pode dizer-se que ainda se mantém a regra “nemo sibi causam possessionis mutare potest “.Não basta sequer que a detenção se prolongue para além do termo do título ( depósito, mandato, usufruto a termo, etc) que lhe servia de base . O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente ) a sua intenção de actuar como titular do direito “.Para ser eficaz, a inversão da posse tem de traduzir-se “em actos positivos ( materiais ou jurídicos ) inequívocos ( reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que até então considerava pertencente a outrem ) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem ( Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, pág. 98) .

Ora, desde a outorga do ajuizado contrato promessa, os autores tiveram muitas oportunidades para inverterem o título da posse precária em que estavam investidos, levando ao conhecimento dos réus ( ou dos seus herdeiros ), quer judicial ou extrajudicialmente, a sua intenção de actuar como titulares do direito de propriedade sobre os mencionados andar e arrecadação . Mas nunca o fizeram, (…) . E apenas se provou que os réus sempre souberam e nunca se opuseram à utilização que os autores faziam do andar, por eles expressamente consentida mediante a entrega das chaves, na sequência da celebração do contrato promessa, nada se tendo apurado quanto ao conhecimento, pelos réus, da mudança da convicção pessoal dos autores, nem quanto ao conhecimento do pagamento dos aludidos encargos que estes passaram a efectuar.


Em idêntico sentido, pode citar-se o Ac. 27/5/04de, proferido pelo STJ no P. 04B1445, onde se considerou:

À tradição material que acompanha o contrato-promessa de compra e venda não corresponde, em regra, a transmissão da posse correspondente ao direito de propriedade, porque a causa daquele acto translativo, que é o contrato-promessa e a convenção acessória de entrega antecipada da coisa, não se destina à constituição ou transferência de direitos reais, designadamente, o direito de propriedade, mas, tão só, à constituição de um direito de crédito a uma determinada declaração negocial.

 Mas, aquela traditio pode envolver a transmissão da posse, como nos casos excepcionais em que já se encontra paga a totalidade do preço ou em que as partes têm o deliberado e concertado propósito de não realizar a escritura pública, para evitar despesas, e a coisa foi entregue ao promitente-comprador em definitivo, como se dele fosse já.

Fora destas circunstâncias, a intenção do beneficiário de uma tal traditio só tem possibilidades de influir no animus da detenção a partir do momento em que se exteriorize numa atitude de oposição face ao transmitente, por uma das formas previstas no artº1265º, CC (inversão do título da posse).

Por outro lado, a inversão do título da posse por oposição do detentor tem uma natureza receptícia, tendo de se exteriorizar face àquele perante quem produzirá efeitos jurídicos, ou seja, aquele que constituiu a posse precária.( ac. de 6/5/04, proferido pelo STJ no P. 04B1343).

 Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 16/6/09 , proferido pelo STJ no P. 240/03.0TBRMR.S1 , acerca das exigências a seguir na interpretação rigorosa da figura da inversão do título :

Não basta a mera alegação de que houve intenção de inverter o título de posse e afirmar que essa intenção foi plasmada na actuação dos detentores precários; importa, isso sim, que essa “inversão”, inequivocamente, seja direccionada contra a pessoa em nome de quem detinham, através de actos públicos deles conhecidos, ou cognoscíveis, sob pena de tal actuação não ter relevância jurídica, porque desconhecida daqueles que poderiam reagir a essa proclamada inversão do título possessório, o que seria de todo violador das regras da boa-fé.

Tal como a posse relevante para usucapião (a par de outros requisitos, deve ser pública), também a oposição exercida pelo detentor precário tem de ser ostensiva em relação àquele em nome de quem possuía, sendo que, como observa Orlando de Carvalho, in “Introdução à Posse”, RLJ, Ano 123°, nº3792 (1990-1991), a respeito da posse pública, esta não deixa de ser pública quando não é propriamente conhecida de toda a gente, é-o acima de tudo, quando é conhecida do interessado directo ou indirecto – “trata-se de uma relação mais com o próprio interessado do que com o público em geral”.


7. No caso dos autos - e perante a matéria factual apurada pelas instâncias - não se verificam as referidas circunstâncias excepcionais que pudessem reconfigurar ou alterar a normal situação de detenção da promitente compradora, decorrente da simples tradição do imóvel, convertendo-a em verdadeira e própria posse. Assim:

- no momento da celebração do contrato promessa, estava manifestamente subjacente à intenção das partes a celebração do contrato definitivo, logo que se mostrassem ultrapassadas as dificuldades burocráticas na realização da escritura – intenção essa reiterada, aliás, pela A., muito depois da celebração do contrato promessa, expressada nomeadamente na notificação judicial avulsa a que alude o art. 14º da petição inicial;

- o preço convencionado nunca foi integralmente pago, uma vez que a fracção do valor global estipulado (925.000$00) que excedia o montante sinalizado (600.000$00)  apenas deveria ser paga no acto da escritura, que nunca se realizou;

- a mera circunstância de a A. habitar e fazer da casa um uso normal, expresso nomeadamente na celebração de contratos de fornecimento de água e energia,  sendo tal uso conhecido dos promitentes vendedores, que concederam a «traditio», é obviamente irrelevante para operar a inversão do título da posse;

- do mesmo modo, a simples circunstância de a mesma A. participar em assembleias de condomínio e pagar determinadas quotas, relativas às despesas de administração,  é insuficiente para preencher adequadamente o referido conceito de inversão do título – desde logo, por se ignorar se tais factos, processados no domínio das relações internas com o condomínio, alguma vez foram levados ao conhecimento do outro contraente, em termos de tal poder indiciar uma oposição receptícia à qualidade em que detinha o imóvel;

- tal como não constitui base factual suficiente para a inversão do título da posse a mera circunstância de o público em geral e os outros condóminos inferirem do uso continuado do prédio um direito de propriedade por parte da A.; ou a mera circunstância de esta ter adquirido uma simples convicção psicológica de que seria possuidora ou proprietária, sem que tal convencimento tivesse sido expressado, comunicado e claramente oposto à contraparte;

- carece manifestamente de densidade factual, para efeitos de inversão do título, a simples realização de obras de manutenção e reparação interiores: na verdade, a única situação que poderia ter algum relevo para o preenchimento da figura da inversão do título seria a realização de obras que tivessem alterado ou melhorado estrutural ou substancialmente o local utilizado pela A. como sua habitação, no caso de  as mesmas transcenderem claramente -e de forma inquestionável - o plano da utilização e fruição de um imóvel no quadro de um simples direito pessoal de gozo, demonstrando-se ainda  o conhecimento efectivo da sua realização, dimensão  e significado provável pelo promitente vendedor.

Deste modo, assentando originariamente o direito da A. numa situação de detenção do imóvel e não estando demonstrados os pressupostos da figura da inversão do título da posse, nos termos do art. 1265º do CC, tem naturalmente de improceder o pedido subsidiário de aquisição originária do direito de propriedade com base em usucapião.


8. A improcedência do pedido de reconhecimento da qualidade de proprietária do imóvel em litígio, formulado pela A. – quer com base na pretendida execução específica do contrato promessa, quer em consequência da aquisição originária da propriedade por usucapião – conduz naturalmente a que tenha de reconhecer-se ao R./reconvinte a qualidade jurídica de comproprietário da fracção em causa, desde logo em consequência da presunção decorrente da existência de registo a seu favor, a qual não foi abalada na presente acção, face à improcedência das pretensões formuladas pela A.

Tal reconhecimento da qualidade de comproprietário do imóvel rem litígio não é, porém, susceptível de , sem mais, determinar a procedência do pedido de imediata restituição do mesmo: é que a improcedência do pedido de execução específica não implica obviamente o apagamento do contrato promessa celebrado, envolvendo tradição da coisa e uso continuado do imóvel pela promitente compradora ( e, nessa medida, podendo originar, a favor desta, a titularidade de possível direito de retenção, até lhe ser satisfeita a indemnização devida por eventual incumprimento definitivo, se imputável à contraparte).

Na verdade, a improcedência dos pedidos formulados em concreto pela A. – e para cuja apreciação não foi necessário abordar e decidir a questão das causas e culpas no prolongado incumprimento da celebração do contrato definitivo – não implica obviamente o apagamento de tal relação contratual, plenamente revelada nos presentes autos, e que subsiste até as partes a encerrarem ou liquidarem pelas formas legalmente previstas .

Ou seja: essa relação contratual, plenamente revelada, na sua existência, pelos factos processualmente adquiridos nesta acção – e cuja nulidade não foi decretada – continua a subsistir, numa situação de pendência, enquanto não for por outra via liquidada ou encerrada pelos interessados a situação litigiosa originada com a não celebração do contrato prometido– onerando por isso a plena e efectiva disponibilidade e fruição do prédio pelos comproprietários inscritos no registo predial: como se afirmou no Ac. de 27/5/04, proferido pelo STJ no P. 04B1445., ao beneficiário da traditio assiste o direito de conservar a detenção da fracção enquanto não for indemnizado pelo incumprimento da promessa de venda, ou não for convencido de que o promitente-vendedor não foi o culpado do incumprimento.

Não pode, por isso, proceder o pedido reconvencional de imediata restituição do imóvel, formulado pelo R. /ora recorrente, apesar do reconhecimento a este da qualidade de comproprietário dele.


9. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se provimento parcial à revista, revogando-se o acórdão recorrido, na parte em que julgou procedente o pedido subsidiário, formulado pela A., de aquisição originária da propriedade por usucapião. E considera-se procedente o pedido reconvencional de reconhecimento da compropriedade da fracção em litígio, formulado pelo R. ora recorrente, improcedendo, porém, a pretensão de imediata restituição da mesma, enquanto subsistir o contrato promessa de compra e venda de tal imóvel, com tradição a favor da promitente compradora.

Custas da presente revista por recorrente e recorrida, fixando-se em ¾ a responsabilidade desta e em ¼ a responsabilidade do recorrente, sendo as custas da acção e da reconvenção da responsabilidade das partes, na proporção da sucumbência.


Lisboa, 12 de Março de 2015


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor