Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ARMINDO MONTEIRO | ||
Descritores: | HOMICÍDIO QUALIFICADO AGRAVANTE CULPA ILICITUDE DOLO DIRECTO DIREITO À VIDA ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE MEIO INSIDIOSO TRAIÇÃO MEIO PARTICULARMENTE PERIGOSO ARMA IN DUBIO PRO REO MATÉRIA DE FACTO INTERPRETAÇÃO MATÉRIA DE DIREITO MEDIDA CONCRETA DA PENA FINS DAS PENAS | ||
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Data do Acordão: | 05/04/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CRIMES CONTRA A VIDA - PENAS DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA - RECURSOS | ||
Doutrina: | - A. Lourenço Martins, in Medida da Pena, pág. 141. - Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de Inimputáveis e in Dubio pro reo , BFD , Studia Jurídica, n.º 24 , pág. 91. - Eduardo Correia, in Les preuves em droit pénale portugais, RDES, Ano IV, págs. 17 e 22 a 40. - Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 29, 37, 38, 39; in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 204, 229; in Direito Processo Penal, I, págs. 218/219; in Parecer, publicado na CJ, STJ, Ano IV. - Frederico Isasca, Apontamentos de Direito Processual Penal, pág. 87. - Luís Osório, in Notas ao Código Penal Português, Vol. I, pág. 134. - Magalhães Noronha, Código Penal, 1988, pág. 32. - Maria Margarida da Silva Pereira, in Direito Penal, II , Os Homicídios , págs. 40, 41 e 42. - Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal Brasileiro, vol. V, 167 a 169. - Roxin, in Direito Penal , 2004 , págs.65 a 66. - Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, págs. 13, 62, 63, 68, 119, 126. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 125.º, 410.º, N.º2, C), 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 71.º, 131.º, 132.º, N.º2, AL. H). LEI N.º 5/2006, DE 23/2, ALTERADA PELA LEI N.º 17/2009, DE 6/5: - ARTIGO 86.º, N.º3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 15.12.83, BMJ 322, PÁG.281; -DE 2.5.96, IN CJ, ACS. STJ, ANO IV, T2, 177; -DE 11.11.96, PROCESSO N.º 152/97; -DE 14.5.97, PROCESSO N.º 1050 /97; -DE 10.2.98, PROCESSO N.º478/98; -DE 23.2.2000, PROCESSO N.º 1187/99; -DE 15.5.2002, PROCESSO N.º 02P1214; -DE 20.2.2004, PROCESSO N.º 1127 /04; -DE 13.10.2004, PROCESSO N.º 05P224; -DE 10.3.2005, PROCESSO N.º 0TP224; -DE 7.7.2005, PROCESSO N.º 1670 /05; -DE 25.5.2006, IN CJ, STJ, ANO XIV, TII, 2006, PÁG. 200; -DE 18.10.2006, PROCESSO 06P2679; -DE 15.5 2008, PROCESSO N.º 3979/07; -DE 27.5.2010, PROCESSO N.º 58/08.4/4GRD.C1.S1; -DE 9.9.2010, PROCESSO N.º 30/08.4.PEHRT. | ||
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Sumário : | I - O crime de homicídio qualificado é construído a partir do tipo-matriz contido no art. 131.º do CP, pela adição de circunstâncias especializadoras, que relevam de uma culpa agravada, retratada nos exemplos-padrão, descritos no n.º 2 do art. 132.ºdo CP. A imputação ao agente de um crime de homicídio, com dolo directo representa a forma mais gravosa de imputação subjectiva, de querer o facto e saber que violava a lei, direito fundamental, ocupante do topo da pirâmide dos direitos de personalidade, inegociável e irrepetível, como é o direito à vida de alguém. II - A meio caminho entre as circunstâncias modificativas agravativas e inominadas está uma figura reconhecida com amplitude pelo direito penal alemão, cujo desenho é obtido através daquilo a que doutrina chama uma técnica exemplificativa, denominada dos “Regelbeisplien”, exemplos-regra ou exemplos-padrão, tratando-se de circunstâncias modificativas agravantes que o legislador se não contenta em indicar através de uma cláusula indeterminada de valor, mas que também não descreve com a técnica detalhada que usa para os tipos, antes nomeia através da exemplificação padronizada. III - A descrição constitui um exemplo indiciador de situações que devem conduzir à agravação, podendo o juiz negar esse efeito, se considerar que através da valoração do facto a agravação não existe, – cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 204 – ou seja, deverá ter-se por revogado o efeito de indício a partir da “existência na pessoa do autor ou na sua acção de circunstâncias extraordinárias que destaquem a sua ilicitude ou a sua culpa claramente do exemplo padrão”, escreve Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 68. IV - A técnica dos exemplos-padrão actua aquele efeito indício, interessando indagar se não concorrem outros como contraprova, eliminando a especial censurabilidade e perversidade do acontecido globalmente considerado, pois que além de não serem de funcionamento automático são meramente exemplificativas – Cf. Teresa Serra, Homicídio Qualificado, pág. 126 e Acs. do STJ, de 07-07-2005 e de 15-05-2008, Procs. n.ºs 1670 /05 e 3979/07. V - A censurabilidade especial de que fala o art. 132.º, do CP, reporta-se às circunstâncias em que a morte foi causada, que sendo de tal modo graves reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com certos valores, visível na realização do facto. VI - A especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável, constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade, reconduzindo-se a uma atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor de que fala Binder, que denota qualidades desvaliosas da sua personalidade – cf. Comentário Conimbricense do CP, pág. 29 e Teresa Serra, op. cit., pág. 63. VII - A especial perversidade releva de um egoísmo abominável, assentando a decisão de matar em grande reprovação, deixando-se o agente motivar por factores desproporcionados, aumentando a intolerância colectiva ante o facto; a especial censurabilidade denota que o agente se não deixou vencer por factores que o deviam levar a abster-se de actuar, traduzindo um profundo desrespeito ante padrões axiológico-normativos preestabelecidos – Ac. deste STJ, de 18-09-2006, Proc. n.º 062679. VIII - O vocábulo insídia, a propósito do uso de meio insidioso, tem o alcance de pérfido, dissimulado. Este conceito recebeu, para integração, nem sempre fácil e nem sequer de agora, o contributo da doutrina, chamando Nelson Hungria meio insidioso àquele meio dissimulado na sua influência maléfica, meio fraudulento ou sub-reptício por si mesmo, que inclui traição, ataque súbito, sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante, antes de perceber o gesto criminoso, emboscada, enquanto espera da vítima em lugar por onde vai passar e dissimulação, que é ocultação da intenção hostil para acometer a vítima. IX - Para Teresa Serra, o meio insidioso compreende não apenas os meios especialmente perigosos, mas também a eleição das condições em que o facto pode ser cometido de forma mais eficaz, dada a situação de vulnerabilidade, de desprotecção da vítima em relação ao agressor – Homicídio Qualificado, pág. 13. - Meio insidioso será, para Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do CP, tomo I, págs. 38 e 39, aquele cuja forma de actuação sobre a vítima ofereça características semelhantes ao veneno, do ponto de vista do seu carácter enganoso, sub-reptício, dissimulado ou oculto; o meio insidioso é equiparado ao veneno. XI - Na insídia, o agente aproveitou uma distracção da vítima para actuar, age, enganando-a, cria uma situação que a coloca em posição de não resistir como em circunstâncias normais sucederia, escreve Maria Margarida da Silva Pereira, Direito Penal, II, Os Homicídios, pág. 42, para quem a traição sempre sugeriu agravação do homicídio, se bem que esta é a tónica dominante nessa tipologia, sobretudo sendo o agente pessoa “discernida”. XII - A dissimulação é a ocultação da intenção hostil para com a vítima, surgindo à falsa fé, quando não se perfila qualquer propósito de ofender; a insídia repousa mais no meio usado; a dissimulação mais no modo como é usado, esclarece Magalhães Noronha, CP, 1988, pág. 32. XIII - No recuado ano de 1923, Luís Osório, Notas ao CP Português, Vol. I, pág. 134, a propósito da definição de traição, considerava que nesta nem a vítima chega a lembrar-se da defesa, não dá pelo ataque senão no momento da sua realização; a surpresa exige uma tal rapidez no ataque que a vítima nem sequer tem tempo para se defender . XIV - O Ac. do STJ, de 23-02-2000, Proc. n.º 1187/99 - 3.ª, definiu meio insidioso de uma forma paradigmática, amplamente compreensiva, abrangente, como sendo o que se apresenta como enganador, dissimulado, imprevisto, traiçoeiro, desleal para com a vítima, constituindo para ela uma surpresa ou colocando-a numa situação de vulnerabilidade ou desprotecção em termos de a defesa se tornar difícil . XV - E a jurisprudência deste STJ mantém-se fiel ao conceito, tratado teoricamente de modo uniforme, mas de nem sempre fácil apreensão no real, acentuando que a traição como meio insidioso deve ser definida como sendo o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima descuidada ou confiante antes de perceber o gesto criminoso. XVI - A definição de meio particularmente perigoso – al. h) do n.º 2 do art. 132.º do CP, envolve em si uma ideia diferenciada de meios perigosos e muito perigosos de agressão, já que tem inscrita um “plus” de agressividade, que os meios comuns, normais, de agressão não comportam. XVII - Os meios de agressão hão-de ser particularmente perigosos, portadores de uma letalidade acrescida, de um poder mortífero ante o qual a possibilidade de defesa é mais reduzida ou mesmo inexistente, por isso a exigência da particular perigosidade. XVIII - Na doutrina, o conceito aparece recortado com clareza inultrapassável, quando o Prof. Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense do CP, tomo I, pág. 37, escreve que a lei, na sua definição, não prescinde de duas coisas: ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal dos meios usados para matar (não cabem seguramente no exemplo-padrão e na sua estrutura valorativa revólveres, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado, e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes, resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. XIX - Uma arma de agressão – uma espingarda caçadeira indocumentada, sem licença de uso e porte, não adquirida num estabelecimento da especialidade, mediante autorização prévia para o efeito do Comando-Geral da PSP – usada à queima roupa, a cerca de 1 metro de distância da vítima, revela-se sem dúvida um meio perigoso de agressão. Porém, de frequente uso na prática do homicídio como é, não preenche a agravativa do crime, por não ser portadora de efeito mortífero mais gravoso do que as usadas naquela prática. XX - O princípio in dubio pro reo é uma das garantias da maior importância na protecção da liberdade individual, ante a pretensão punitiva do Estado, partindo de uma visão optimista do homem, um acto de fé, com origem em Rousseau e, por outro lado, do valor supremo que a liberdade e a honra não podem ser-lhe retiradas enquanto persistir a justiça e o bem fundado do acto – Cf. Eduardo Correia, Les preuves em droit pénale portugais, RDES, Ano IV, págs. 17 e 22 a 40. XXI - O seu âmbito de aplicação tem a ver e assume particular importância em termos de uma questão de facto, só se aplicando em face de uma questão de facto e não já de uma questão de direito, no ensinamento de Frederico Isasca, Apontamentos de Direito Processual Penal, AAFDL, 1987, valendo apenas em relação à questão da prova dos factos, como princípio probatório que é, relevando da dúvida sobre o facto, pois a dúvida sobre a interpretação do feixe normativo aplicável ao caso, respeitando ao plano substantivo, se resolve por aplicação dos critérios de interpretação legal. XXII - O princípio pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais, não no sentido da dúvida interpretativa na aferição do sentido da norma, mas da dúvida sobre o facto tipicamente forense, escreve Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, BFD, Studia Jurídica, n.º 24, pág. 91. XXIII - O princípio rege também para as causas de exclusão de ilicitude, culpa, pena e, portanto, para as condições objectivas de punibilidade, como se decidiu no Ac. do STJ de 15-12-83, BMJ 322, pág. 281, mas já não funciona quanto aos pressupostos processuais, se bem que em caso de persistente dúvida sobre factos materialmente relevantes para a admissibilidade do processo, particularmente quanto à prescrição do procedimento não deva preferir-se, em regra, o arquivamento à prossecução do processo – Figueiredo Dias, Direito Processo Penal, tomo I, págs. 218/219, com base no princípio da legalidade da repressão penal. XXIV - Como, igualmente, se deve afastar o funcionamento do princípio, quando não se conseguir determinar, para além de toda a dúvida razoável, com precisão qual o tipo de crime efectivamente cometido, designadamente, furto ou abuso de confiança, hipótese em que, no entanto, dentro de uma comprovação alternativa dos factos, alguns autores admitem o funcionamento, como dá nota o Ac. do STJ, de 25-05-2006, CJSTJ, Ano XIV, TII, 2006, pág. 200. XXV - O estado de dúvida em que se baseia o princípio não se confunde com uma qualquer incerteza probatória, apoiada numa qualquer convicção intimista, subjectiva, despida, de um mínimo de objectividade, pois que tal dúvida há-de ser razoável, ou seja sustentável na avaliação global dos factos, de forma lógica, coerente e razoável, ou seja minimamente credível para se impor aos destinatários da decisão. XXVI - O STJ no aspecto em que o princípio é um princípio geral de direito probatório invocado no restrito âmbito dos factos, fornecendo-lhe a dúvida em que o julgador sucumbiu quanto a eles, não firmando a certeza bastante para condenar, por se estar no domínio da matéria de facto, não exerce qualquer sindicância ou poder de controle, mas já o faz, no controle que exerce sobre a legalidade dos meios de meios de prova usados – art. 125.º do CPP – , e, particularmente, sempre que dos termos da sentença ressalta que tribunal decidiu contra o arguido ou só não concluiu em seu favor porque, do texto daquela, resulta que incorreu no vício do erro notório da apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e só por essa razão acolheu uma solução desfavorável. XXVII - A medida concreta da pena é um puro derivado da concepção que o ordenamento jurídico adopta em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas. XXVIII - A maior ou menor gravidade das penas está bem patente na amplitude da moldura, consentindo esta suficiente margem de individualização para responderem à teleologia que visam, enunciada no art. 40.º, n.º 1, do CP, de protecção dos bens jurídicos e de reinserção do agente. XIX - Historicamente as penas nunca se dissociaram da finalidade de reeducação do agente para convivência futura em condições de não voltar a afrontar o tecido social, esta sendo a sua finalidade particular, concomitantemente com um fim público que aquele sobreleva quando em colisão, de prevenção geral positiva ou de integração, orientado para tutela das expectativas comunitárias na manutenção da validade e eficácia da lei, endereçado à contenção de potenciais impulsos criminosos. XXX - O legislador penal atribui, pois, à pena uma função pragmática e utilitária, se bem que, na prática, ao aplicador da lei não seja indiferente a uma ideia de retribuição do mal causado, pela ponderação da culpabilidade do agente, que em caso algum aquela finalidade de prevenção pode ultrapassar, – n.º 2 do art. 40.º do CP – culpabilidade apreendida pela manifestação da resolução da vontade antijurídica, quando podia afirmar uma vontade de acordo com a norma jurídica. XXXI - A medida da pena não pode assim exceder a medida da culpa, na esteira do postulado por Roxin, Direito Penal, 2004, págs. 65 e 66, fórmula que permite fixar a pena a montante da culpabilidade se as exigências de prevenção tornarem desnecessária ou desaconselharem mesmo a pena num limite máximo da culpa. XXXII - Sobre a interacção entre as finalidades de prevenção, teoriza o Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229, que é sempre desejável uma medida óptima de protecção dos bens jurídicos para defesa da comunidade, mas abaixo desse limite é, ainda, viável descortinar outros patamares de protecção, pela consideração de razões de prevenção especial, que a influenciam decisivamente, até se atingir um limiar mínimo abaixo do qual se não pode descer sob pena de se colocar irremediavelmente em causa a sua função tutelar. XXXIII - Dos princípios gerais inspiradores da pena à sua fixação em concreto, tal qual o art. 71.º, n.º 1, do CP, no-lo indica, não vai uma diferença substancial, porque continua a enunciar-se que no seu “quantum” interfere a culpa e a prevenção, acrescendo, ainda, circunstâncias que não fazendo parte do tipo, atenuam ou agravam a responsabilidade penal, umas respeitantes à pessoa do agente e outras às condições que o envolvem e condicionam o cometimento do crime e que, sem o justificarem, o tornam compreensível. Só assim se alcançará uma pena justa, porque merecida e dela irradiará a advertência sobre o condenado como resposta da comunidade ao seu comportamento desviante e como factor de correcção social, de efeito pedagógico social sobre a própria colectividade, que dessa forma ver restabelecida a força da lei. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo , no 2º juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canavezes e P.º n.º 1702/09.1JAPRT foi submetido a julgamento AA , devidamente identificado nos autos , vindo a final a ser condenado : a) pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio simples, p. e p., pelo art. 131º, n.º1 do Cód. Penal na pena de 12 (doze) anos de prisão; b) pela prática, em autoria material, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p., pelo art. 86º, n.º1, al. c), por referência ao artigo 2º e 3º da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro com a redacção dada pela Lei 17/2009, de 6 de Maio na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão; c) em cúmulo jurídico na pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão Em procedência parcial do pedido de indemnização cível formulado pela demandante BB, foi condenado a pagar-lhe a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros), acrescida de juros de moratórios computados à taxa legal em vigor, desde a notificação do pedido deduzido e até efectivo e integral pagamento, para compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da conduta do demandado; e ainda a quantia 65.000,00€ (sessenta e cinco mil euros) para indemnização dos danos patrimoniais por si sofridos em virtude da mesma conduta acrescida de juros de moratórios computados à taxa legal em vigor, desde a notificação do pedido deduzido e até efectivo e integral pagamento. I . O Digno Magistrado do M.º P.º e o arguido interpuseram recurso , apresentando aquele na motivação as seguintes conclusões : 1. Vem o presente recurso apenas interposto relativamente à matéria de direito e quanto ao crime de homicídio simples da previsão do artigo 131º do C. Penal, por cuja prática o arguido foi apenas condenado e lhe foi aplicada uma pena de doze anos de prisão; não já quanto ao outro ilícito penal, de arma proibida, cuja pena de dezasseis meses de prisão se acha perfeitamente correcta; 2.A nossa discordância prende-se, pois, com a incorrecta qualificação jurídica de homicídio simples, porquanto se nos afigura que como qualificado a conduta do arguido deveria ter sido classificada e integrada no artigo 132º do C. Penal, nas alíneas h) e i) do seu número 2, este ultimo por cuja prática se encontrava pronunciado, devendo ser-lhe aplicada uma pena de dezasseis anos de prisão de em cúmulo jurídico de dezasseis anos e seis meses de prisão; 3. Porem e mesmo que subsidiariamente se continue a entender que o mesmo deverá ser apenas punido pelo cometimento desse crime de homicídio simples, p. e p. pelo art.131º do C. Penal, ora aqui questionado, então a pena, porque demasiado branda, deverá sempre ser-lhe subida, para uma pena nunca inferior a catorze anos e em cúmulo jurídico de catorze anos e seis meses de prisão; 4. O Tribunal afastou a qualificativa da alínea i) do nº2 do citado preceito legal 132º do C. Penal, dizendo que a utilização de uma arma de fogo, não poderia ser considerada como meio insidioso, aí previsto; mas sem razão, porquanto a forma como a mesma veio a ser utilizada, numa altura em que a vitima se encontrava de costas para o arguido e a cerca de um metro de distancia, sem poder aperceber-se do arguido municiado de tal arma e sem qualquer aviso foi atingido, pelo que apenas de um acto traiçoeiro e manhoso a conduta do arguido poderá considerar-se e, como tal, em tudo idêntico e similar ao contido naquela alínea de uso de meio oculto ou dissimulado, previsto nessa mesma alínea; 5. Para alem desta qualificativa, a conduta do arguido sempre teria também de integrar-se na previsão da alínea h) desse numero 2 do art.132º do C. Penal, por virtude da utilização de uma arma de fogo e o modo como a mesma foi utilizada, pois tratando-se de um meio potencialmente letal, a pouca distância da vitima alvejada e a forma como ela foi atingida, ou seja, de baixo para cima, apenas se poderá concluir tratar-se de um meio particularmente perigoso; 6.Não ocorrendo e com tal alteração de qualificativa deste tipo legal de crime agravado, qualquer alteração fáctica ou outra, ou violação da vinculação temática, porquanto todos os factos já se encontravam contidos e descritos na acusação e pronuncia, não havendo uma nova incriminação legal, daí que também não haveria necessidade de recorrer ao disposto no art.358º nº1, do C.P.P.; 7. Por outro lado, esta agressão sempre deveria considerar-se como atípica, em virtude da especial censurabilidade ou perversidade, não só porque perpetrada por uma arma de fogo de grande dimensão e levada a efeito quando a vitima se encontrava de costas e sem aviso prévio, devendo considerar-se como meio particularmente perigoso e insidioso, mas também porque é em tudo idêntica à do padrão das aludidas alíneas qualificativas h) e i) desse nº2 do 132º, como sejam as seguintes circunstâncias; 8.A ocorrência deu-se numa altura em que ambos – vitima e agressor - estavam sozinhos, ideal para inventar uma boa desculpa; tiro dado à queima-roupa, menos de um metro de distância da vítima; quando esta se encontrava de costas para o arguido; desprevenida e totalmente indefesa; evitando que pudesse reagir; com a certeza de uma eficácia total; direccionando o tiro à região lombar, onde se alojam orgãos vitais; fugindo do local e refugiando-se em Espanha, apresentando-se após delinear estratégia de defesa; 9.Para além de ter usado uma arma de fogo indocumentada e para cuja utilização não tinha licença, não colaborando com a justiça, sem esclarecer a verdade dos factos; mantendo uma relação de proximidade com as testemunhas, não confessando ou assumindo os factos, arranjando um álibi ao dizer que a vitima estaria armada com picareta; sem demonstrar qualquer arrependimento; circunstancias estas bem reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade, pelo que essa sua conduta deveria somente integrar a pratica de um crime de homicídio qualificado da previsão do art.132º nº1 e 2 do C. Penal; 10.Subsidiariamente se propugna que, mesmo que o Tribunal Superior continue a entender que apenas de um crime de homicídio simples se trata continua a nossa discordância pela pena em concreto escolhida de doze anos de prisão e por ser demasiado benévola, em face da extrema gravidade da conduta do arguido e da grande ilicitude dos factos praticados e em termos das exigências de prevenção geral e especial; 11. Assim e de acordo com o que se dispõe no art.77º do C. Penal, sendo premente a necessidade de travar o cometimento deste tipo de ilícito, cada vez mais frequente na sociedade, que está aliada à ideia de impunidade, acresce as circunstancias atinentes ao arguido como sejam a forma como levou a efeito a agressão - disparo de baixo para cima, com instrumento perigoso e letal, a zona atingida do tronco onde se alojam órgãos vitais, forma insidiosa como foi praticada, à falsa fé e quando a vitima estava de costas, a cerca de um metro de distancia, ou seja, à queima-roupa, o local onde a mesma ocorreu, a sua não assumpção do crime, a sua superioridade e autoritarismo que se depreende ter sido feito sobre as testemunhas, a sua razoável situação sócio - económica e financeira que vem camuflando, para alem de, então, possuir ma arma ilegal em casa sem ter licença de porte de arma, a sua total ausência de arrependimento e a forma como se ausentou do local, deixando a vitima entregue à sua sorte; 12.Já aos factores que poderiam militar a favor do arguido, apenas a ausência de antecedentes criminais poderia ser considerado, ainda que só por si não signifique bom comportamento, como melhor se pode aquilatar do depoimento de algumas testemunhas; 13. Pelo que e mesmo que por este tipo legal simples de homicídio se continue a considerar a sua conduta, a pena em concreto não deverá ser inferior a catorze anos de prisão, pelo que e em cumulo jurídico de penas, deverá ser-lhe atribuída a pena única nunca inferior a catorze anos e seis meses de prisão; 14. Ao proceder do citado modo violou, assim, o Ilustre Tribunal “a quo”, frontalmente e desde logo, o disposto nos arts. 131º, 132º nºs 1 e 2 e als.) e i), do C. Penal, 40º 71º e 77º, todos do mesmo diploma legal; 15. Nestes termos, deverá, pois, o douto acórdão recorrido ser revogado e o arguido condenado pela prática, de um crime, na forma consumada de homicídio qualificado, da previsão dos arts.131º e 132º nºs 1 e 2, designadamente das alíneas h) e i), do C. Penal, na pena de dezasseis anos de prisão e em cúmulo jurídico de crimes, com o de detenção de arma proibida, na pena única de dezasseis anos e seis meses de prisão; 16. Ou subsidiariamente e caso assim se não entenda e continue a considerar a sua conduta apenas como integrando a pratica de um crime de homicídio simples, da previsão do art.131º do C. Penal, deverá então a pena em concreto aplicada ser elevada para catorze anos de prisão e em cumulo jurídico de penas, uma pena nunca inferior a catorze anos e seis meses de prisão. II Por seu turno o arguido apresentou as seguintes conclusões : 1.O presente recurso é do douto Acórdão proferido no passado dia 24 de Setembro do ano corrente, que absolveu o Recorrente da prática de um homicídio qualificado, p. e p. pelos art°s. 131° e 132°, n°s. 1 e 2, alínea i) do Cód. Penal e o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art°. 131°, n°. 1 do Código Penal, na pena de 12 anos de prisão, bem como pela prática, em autoria material, de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art°. 86°, n°. 1, alínea c), por referência ao art°. 2o e 3o da lei n°. 5/2006, de 23/02, com a redacção da Lei 17/2009, de 06/05, na pena de 16 meses de prisão, tendo, em cúmulo jurídico, sido fixada uma pena única de 12 anos e 6 meses de prisão. 2 Foi ainda julgado parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pela Demandante BB e, em consequência, foi o Recorrente condenado a pagar àquela Demandante, a quantia de € 30.000,00, acrescida de juros moratórios, computados à taxa legal em Igor, desde a notificação do pedido deduzido e até efectivo e integral pagamento, para compensação dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da conduta do Recorrente; e ainda abem como a quantia de € 65.000,00, para indemnização dos danos patrimoniais por si sofridos em virtude da mesma conduta, acrescida de juros moratórios, computados à taxa leal em vigor, desde a notificação do pedido deduzido e até efectivo e integral pagamento. 3 O presente recurso restringe-se à medida da pena aplicada ao Recorrente. 4 Com todo o respeito, que é muito, entende o Recorrente que a medida da pena que lhe foi aplicada pela prática do crime de homicídio, é inadequada, por excessiva, face à factualidade dada como provada 5 Ponderadas as circunstâncias levadas em conta pelo Tribunal de primeira instância na fixação da medida da pena ora em análise, e que em consequência levaram à condenação do Recorrente pela prática do crime de homicídio simples, em 12 anos de prisão, consideramos, sempre salvo o devido respeito que, tal pena parcelar e, consequentemente com o cúmulo jurídico efectuado, é elevada. 6 De harmonia com o disposto nos art°s. 40° e 71°, n°s., 1 e 2 , do Código Penal, na determinação da medida concreta da pena, deve o julgador atender à culpa do agente, às exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social daquele e ainda às exigências decorrentes do fim preventivo geral. 7 Ou seja, de harmonia com tais princípios que devem nortear o julgador na fixação da pena a aplicar ao arguido, verifica-se que in casu, sendo certo que as exigências de prevenção geral são significativas, não podemos, contudo, qualificá-las de "prementes". 8 De realçar, que o Recorrente tem 35 anos de idade, sendo que o crime por ele praticado foi indubitavelmente esporádico, impensado e não premeditado. 9 Foi, certamente, um episódio único na vida do Recorrente. 10 O Recorrente conta com o apoio incondicional dos seus familiares, demonstrando um percurso de vida impoluto, quer a nível laboral, quer social e familiar. 11 Ou seja, atendendo ao disposto no n°. 2 do art°. 71° do Cód. Penal, na determinação da medida concreta da pena, deve ainda o Tribunal atender às circunstâncias que depuserem a favor do agente, como sejam as supra transcritas, sendo que as mesmas, não fazendo parte do tipo de crime, depõem, naturalmente, a favor do Recorrente. 12 O que permite concluir que as exigências de prevenção especial in casu, são praticamente nulas e tanto assim é que o Meritíssimo Tribunal " a quo" nem às mesmas faz qualquer alusão. 13 Por outro lado, relativamente á ausência de antecedentes criminais a que o douto Acórdão em apreço alude e que considera não significar bom comportamento, sempre se dirá que parece óbvio que tal ausência, significa bom comportamento anterior aos factos, significa isso mesmo: nunca foi julgado nem condenado pela prática de qualquer crime, circunstância esta que, naturalmente, terá que ser levada em linha de conta a favor do Recorrente. 14 E, no que tange ao facto de o douto Acórdão em apreço considerar que o Recorrente, relativamente ao crime de homicídio, demonstrou absoluta ausência de arrependimento sincero, também, com todo o respeito, tal conclusão não parece acertada. 15 De facto, o Recorrente não se mostrou arrependido pela prática do crime de homicídio pelo qual veio a ser condenado e com o qual se conforma; todavia, manifestou-se profundamente arrependido por naquele dia e hora ter ido buscar uma arma dentro de casa, e, nas circunstâncias que relatou, ter resultado a morte da infeliz vítima. 16 Igualmente, a postura do Recorrente em' audiência de julgamento demonstrou total arrependimento pelos factos ocorridos naquele dia e hora. 17 Daí que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não possa concluir-se por "total ausência de arrependimento sincero". 18 Ademais, o dolo tendo sido considerado directo, não reveste uma particular intensidade. 19 Resulta assim que, não possuindo o Recorrente antecedentes criminais, sendo pessoa com bom comportamento social, bem inserido familiar, social e profissionalmente, com um relacionamento familiar estável, é de concluir que uma pena fixada no limite mínimo da moldura penal abstracta do tipo legal do criem de homicídio, será suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras, bem como a ressocialização do Recorrente. 20 Tendo em conta tudo o exposto, parece inequívoco que uma pena fixada junto do limite mínimo da moldura penal abstracta aplicável ao crime de homicídio em apreço, será suficiente para realizar as finalidades de punição relativamente ao Recorrente. 21 Pelo exposto se conclui que a pena aplicada ao Recorrente pela prática do crime de homicídio, ultrapassa o limite da culpa do Recorrente e não correspondendo aos critérios previstos para determinação da medida concreta da pena, sendo, por isso, excessiva, devendo ser fixada nos termos que supra se expuseram. 22 Face ao supra exposto, conclui-se que o Tribunal violou as disposições conjugadas dos art°s. 40°, 70° e 71°, n°s. 1 e 2, todos do Código Penal. III . Neste STJ o parecer do Exm.º Procurador Geral-Adjunto vai no sentido do defendido pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º junto do tribunal de 1.ª instância . IV . O Colectivo deu como provados os seguintes factos : 1) No dia 19 de Outubro de 2009, pelas 15h.30m, quando o ofendido CC se encontrava na residência sita no Lugar de Ladário, em Soalhães, nesta comarca, acompanhado de uma equipa de três trabalhadores que realizavam uma obra de assentamento de cubos no arruamento de acesso à garagem daquela propriedade, o arguido encetou uma discussão com o ofendido, por este ter ordenando o carregamento dos cubos para uma outra obra; 2) Com efeito, constatando o arguido que a vitima juntamente com EE e FF, se preparava para carregar um monte de pedras para um tractor, pediu explicações àquele e mandou descarregar o tractor o que motivou uma discussão com o ofendido; 3) Na sequência da discussão o arguido, pelo menos, empurrou o ofendido CC; 4) Após o referido em 2) e 3) o ofendido deslocou-se até aos seus operários, ordenando-lhes que arrumassem as ferramentas, pois iriam abandonar a obra; 5) Por sua vez, o arguido dirige-se para as escadas de acesso à sua residência, sobe-as e no interior da sua residência pega numa arma de fogo, tipo caçadeira, municiada; 6) Em seguida, desce as ditas escadas e no exterior da sua residência, em circunstâncias não concretamente apuradas, mas a cerca de um metro de distância da vitima, encontrando-se esta de costas para si, dispara com a dita arma de fogo (espingarda caçadeira de tiro a tiro, com canos basculantes, de calibre 12, marca provável MKV, modelo coaquest, com o n.º de série 992344) na direcção da região lombar da vitima; 7) O arguido com aquele disparo atingiu a vitima, na região lombar, lado direito, tal como se propunha, tendo em consequência causado no mesmo as lesões traumáticas abdominais descritas no Relatório de Autópsia junto a fls. 455 a 464 (nomeadamente presença de múltiplos projécteis de arma de fogo de cano comprido (“chumbos”), na linha média da face anterior do abdómen; múltiplas lesões, punctiformes, no terço superior do músculo recto abdominal direito, compatíveis com trajecto de passagem de projécteis (“chumbos”); solução de continuidade, circular, localizada na região lombar direita, abaixo do décimo-segundo arco costal posterior direito, compatível com orifício de entrada de arma de fogo de cano comprido), que lhe determinaram como consequência directa, necessária e adequada a morte. 8) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente com o propósito de pôr termo à vida do mencionado CC, o que logrou conseguir; 9) Acresce que o arguido não adquirira tal arma num estabelecimento da especialidade, mediante autorização prévia para o efeito do Comando-Geral da PSP. 10) O arguido não era titular de licença de uso e porte de arma, o que bem sabia ser obrigatório para deter tal arma legalmente na sua posse. 11) Em todas as descritas condutas, o arguido agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, mais sabendo serem tais condutas proibidas por lei. 12) Em momento ulterior ao disparo o arguido abandonou o local, pondo-se em fuga na direcção da garagem, e tendo passado por EE Monteiro disse-lhe que chamasse o INEM; após desceu a encosta, levando consigo a arma com que efectuou o disparo, tendo-se apresentado na Polícia Judiciária, pelas 12h00m do dia 21.10.2009. 13) A menor BB nasceu a 13 de Setembro de 2005 e é filha de DD e da vítima CC; sendo ambos nunca casaram; 14) A menor convivia diariamente com a vitima ou, pelo menos, sempre que o ofendido se deslocava à cidade do Porto; 15) Por sentença proferida no dia 28 de Abril de 2008 foi homologado o acordo quanto ao exercício do poder paternal, nos autos com o n.º 371/08.0TMPRT do 3º Juízo, 1ª secção, do Tribunal de Família e menores do Porto acordo este consubstanciado nas seguintes cláusulas: «1º - Guarda: A menor ficará entregue à guarda e cuidados de sua mãe, a qual sobre a mesma exercerá o respectivo poder paternal; 2º - Visitas: o pai poderá visitar a menor, sem pré que puder e quiser, desde que, previamente, avise e combine com a mãe a oportunidade e regularidade de tais visitas que não poderão colidir com o descanso da menor (…); 3º - Alimentos: A título de alimentos devidos à sua filha menor, o pai remeterá a quantia de 150,00€ mensais, até ao dia 10 do mês a que respeitar, através de qualquer meio idóneo de pagamento; as despesas de saúde e escolares (livros e material escolar) serão suportadas em partes iguais, por ambos os progenitores, na parte não comparticipada e contra apresentação de recibo; a referida prestação será actualizada, em Maio de Cada ano, no montante de 3,0%» 16) Para além daquele valor pago mensalmente à menor BB a título de alimentos, o ofendido pagava mensalmente as despesas que fossem relacionadas com consultas médicas e medicamentos em valor nunca inferior a 100 €, uma vez que a menor sofre de epilepsia, bem como pagava mensalmente a quantia de 22 € pela frequência da menor no infantário da Junta de Freguesia de Cedofeita; ainda contribuía com a quantia mensal de 25€ com despesas com material e de educação; 17) Mensalmente a vitima despendia a quantia de 100€ para vestir e calçar a menor; 18) Em consequência da morte do ofendido CC a menor EE ficou privada, de forma definitiva, de receber as mencionadas quantias, não sendo o infantário pago desde Outubro de 2009 e que àquela data ascendiam a cerca de 397€ mensais; 19) Ainda em consequência da morte de seu pai, a menor EE deixou, de forma definitiva, de poder conviver e privar com aquele, assim como ficou privada de forma definitiva, de poder gozar férias, crescer e de poder ser acompanhada e acompanhar o seu pai; 20) Ficou também privada de forma definitiva de poder passar e festejar com o seu pai as quadras festivas – Ano Novo, Páscoa, Natal e Outras – bem como os seus aniversários e os de seu pai; 21) Ficou privada de forma definitiva de poder crescer com um pai como sucede com qualquer outra criança, adolescente, jovem ou adulto; 22) Em resultado daquela morte a menor deixou de ver e ou estar, como via ou estava diariamente, com o seu pai, facto que lhe acarreta sérios e graves problemas psicológicos e comportamentais que determinam o acompanhamento da menor por um psicólogo do Centro de Saúde; 23) A morte de seu pai, sabendo a menor que foi vitima de homicídio e que por esse facto jamais poderá crescer tendo-o como companhia educador e amigo, representa para a menor dor e sofrimento, que não deixará de a acompanhar ao longo da sua vida me que aumentará à medida que a menor for crescendo e se aperceba que, ao contrário do que sucede com outras crianças da mesma idade, ela já não tem nem jamais terá um pai; 24) O arguido não tem antecedentes criminais; 25) É o segundo filho de uma fratria de três irmãos, trabalhando o pai na construção civil por conta própria; o arguido frequentou a escola até aos 11 anos tendo concluído a 4ª classe, altura em que abandonou os estudos para iniciar a aprendizagem do oficio de trolha junto do seu progenitor. Mais tarde, já laboralmente activo concluiu o 6º ano de escolaridade; a sua experiência profissional desenvolveu-se exclusivamente no sector da construção civil tendo trabalhado em várias regiões do país; formou uma pequena empresa de construção civil com um sócio; antes de ser detido vivia com o seu cônjuge e um filho menor de 10 anos de idade, residindo o agregado na casa de morada de família em Baião e ainda de modo mais ou menor regular, em casa da sua progenitora em Soalhães devido a problemas de saúde desta; as relações familiares do agregado eram caracterizadas por atitudes e sentimentos de preocupação, harmonia, solidariedade e empenhamento o que se traduzia num ambiente familiar organizado e afectivamente coeso; a mulher do arguido trabalha no Centro de Saúde de Baião auferindo o salário mensal de cerca de 1000 €; por seu turno, o arguido auferia o salário mensal de cerca de 680€ mensais; o arguido é tido, pelos seus pares, como uma pessoa com um comportamento normativo adequado no relacionamento interpessoal; no estabelecimento prisional tem sido apoiado por familiares e amigos e tem manifestado um comportamento adaptado e relacionalmente positivo; está integrado num curso de formação profissional mostra disponibilidade para executar trabalhos dentro da sua experiência profissional; *** V . Entre o elenco dos factos não provados constam os seguintes : “ VI) Que após ter descido as escadas da sua residência como descrito em 6), o arguido tenha surgido nas costas do ofendido empunhando a arma de fogo. VII ) Que ao actuar do modo descrito em 6 o arguido tenha demonstrado total desprezo pela vida humana e sem qualquer motivo que o justificasse .” VI. A diversa qualificação jurídico-penal dos factos , para alteração “ in pejus “ da adoptada no tribunal recorrido, no sentido de os factos provados integrarem crime de homicídio qualificado, em lugar de simples , tal como ali se decidiu , proposta pelo M.º P.º , influenciando , a proceder, a medida concreta da pena , reconduz em prioritária a reapreciação do recurso interposto por aquele Magistrado, como sempre reconduziria a “ reformatio in pejus “ suscitada pelo mesmo , em via subsidiária , isto a não proceder a alteração jurídico-penal dos factos uma vez que a sua pretensão do arguido se situa ao nível da redução da pena cominada em 1.ª instância . O arguido foi condenado, além do mais , pela prática de um crime de homicídio simples , p . e p . pelo art.º 131 .º , do CP , porém o Exm.º Magistrado do M.º P.º , em via de recurso , intenta a declaração das agravantes qualificativas previstas nas als.h ) e i) , do n.º 2 , do art.º 132.º , do CP , atinentes ao uso de meio particularmente perigoso e insidioso , respectivamente , inconsideradas no acórdão recorrido . O crime de homicidio qualificado é construido a partir do tipo-matriz , base , do art.º 131.º , do CP , pela adição de circunstâncias especializadoras que relevam de uma culpa agravada , retratada nos exemplos-padrão , descritos no n.º 2 , do art.º 132.º , do CP . A meio caminho entre as circunstâncias modificativas agravativas e inominadas está uma figura reconhecida com amplitude pelo directo penal alemão , cujo desenho é obtido através daquilo a que doutrina chama uma técnica exemplificativa , denominada dos “ Regelbeisplien “ , exemplos-regra ou exemplos –padrão , tratando-se de circunstâncias modificativas agravantes que o legislador se não contenta em indicar a través de uma cláusula indeterminada de valor , mas que também não descreve com a técnica detalhada que usa para os tipos , antes nomeia através da exemplificação padronizada . A descrição constitui um exemplo indiciador de situações que devem conduzir à agravação , podendo o juiz negar esse efeito , se considerar que a través da valoração do facto a agravação não existe –Cfr. Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 204 , Prof. Figueiredo Dias , ou seja deverá ter-se por revogado o efeito de indício a partir da “ existência na pessoa do autor ou na sua acção de circunstâncias extraordinárias que destaquem a sua ilicitude ou a sua culpa claramente do exemplo padrão “ , escreve Teresa Serra , in Homicídio Qualificado , pág . 68 . A técnica dos exemplos –padrão actua aquele efeito- indício , interessando indagar se não concorrem outros como contraprova, eliminando a especial censurabilidade e perversidade do acontecido globalmente considerado, pois que além de não serem de funcionamento automático são meramente exemplificativas – Cfr. Teresa Serra , in Homicídio Qualificado , 126 e Acs. deste STJ , de 7.7.2005 , P.º n.º 1670 /05 e de 15.5 2008, P.º n.º 3979/07 . São conceitos relativamente indeterminados , com conteúdo e extensão em larga medida incertos , no dizer de Engish , para quem os conceitos absolutamente indeterminados são muito raros no direito –cfr . op. cit . ,pág . 119 -, fornecendo guias , uma listagem abstracta , em forma de construção aberta, sintomática ou exemplificativa de situações reveladora de especial perversidade e complexidade –ac. deste STJ , de 15.5.2002 , Rec.º n.º 02P1214-5.ª Sec. A especial perversidade e censurabilidade é o crivo no dizer de Maria Margarida Silva Pereira ,in Homicídios , II , 40 e 41 , por que passa a qualificação , e o suporte de uma diferença essencial de grau , que intercede entre o homicídio simples e o qualificado. A censurabilidade especial de que fala o art.º 132.º , do CP , reporta-se às circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com certos valores , visível na realização do facto ; a especial perversidade revela uma atitude profundamente rejeitável , constituindo um indício de motivos e sentimentos absolutamente rejeitados pela sociedade , reconduzindo-se a uma atitude má , eticamente falando , de crasso e primitivo egoísmo do autor de que fala Binder , atinente à personalidade do autor , que denota qualidades desvaliosas da sua personalidade –cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal , pág. 29 e Teresa Serra , op . cit. , pág . 63 . A especial perversidade releva de um egoísmo abominável , assentando a decisão de matar em grande reprovação , deixando-se o agente motivar por factores desproporcionados , aumentando a intolerância colectiva ante o facto ; a especial censurabilidade denota que o agente se não deixou vencer por factores que o deviam levar a abster-se de actuar, traduzindo um profundo desrespeito ante padrões axiológico-normativos préestabelecidos-Ac. deste STJ , de 18.19.2006 , P062679 . O vocábulo “ insídia “ , e a propósito do uso de meio insidioso , tem o alcance de pérfido , dissimulado . O conceito recebeu , para integração , nem sempre fácil e nem sequer de agora , o contributo da doutrina , chamando Nelson Hungria meio insidioso àquele meio dissimulado na sua influência maléfica , meio fraudulento ou subreptício por si mesmo , que inclui traição , ataque súbito , sorrateiro , atingindo a vítima descuidada ou confiante , antes de perceber o gesto criminoso , emboscada , enquanto espera da vítima em lugar por onde vai passar e dissimulação , que é ocultação da intenção hostil para acometer a vítima. cfr. Comentário ao Código Penal Brasileiro , vol. V, 167 a 169 . Teresa Serra , aponta que o meio insidioso compreende não apenas os meios especialmente perigosos , mas também a eleição das condições em que o facto pode ser cometido de forma mais eficaz dada a situação de vulnerabilidade , de desprotecção da vítima em relação ao agressor –Homicídio Qualificado , 13 . Meio insidioso será, para Figueiredo Dias , in Comentário Conimbricense do Código Penal , I , 38, 39 , aquele cuja forma de actuação sobre a vítima ofereça características semelhantes ao veneno , do ponto de vista do seu carácter enganoso , subreptício , dissimulado ou oculto; o meio insidioso é equiparado ao veneno . Na insídia o agente aproveitou uma distracção da vítima para actuar , age , enganando-a , cria uma situação que a coloca em posição de não resistir como em circunstâncias normais sucederia , escreve Maria Margarida da Silva Pereira , in Direito Penal ; II , Os Homicídios , pág. 42 , para quem a traição sempre sugeriu agravação do homicídio , se bem que esta é a tónica dominante nessa tipologia sobretudo sendo o agente pessoa “ discernida “ . A dissimulação é a ocultação da intenção hostil para com a vítima , surgindo à falsa fé , quando não se perfila qualquer propósito de ofender ; a insídia repousa mais no meio usado ; a dissimulação mais no modo como é usado , esclarece Magalhães Noronha , Código Penal , 1988 , pág. 32 . No recuado ano de 1923 , Luís Osório , in Notas ao Código Penal Português, Vol.I , pág. 134, a propósito da definição de traição, comentando a agravante 11.ª do CP de 1886 , considera que nesta nem a vítima chega a lembrar-se da defesa , não dá pelo ataque senão no momento da sua realização; a surpresa exige uma tal rapidez no ataque que a vítima nem sequer tem tempo para se defender . O Ac. deste STJ , de 23.2.2000 , Rec.º n.º 1187/99-3.º Sec. , definiu meio insidioso de uma forma paradigmática , amplamente compreensiva , abrangente , como sendo o que se apresenta como enganador , dissimulado , imprevisto , traiçoeiro , desleal para com a vítima , constituindo para ela uma surpresa ou colocando-a numa situação de vulnerabilidade ou desprotecção em termos de a defesa se tornar difícil . E a jurisprudência deste STJ mantém –se fiel ao conceito, tratado teoricamente de modo uniforme, mas de nem sempre fácil apreensão no real , acentuando que a traição como meio insidioso deve ser definida como sendo o ataque súbito e sorrateiro , atingindo a vítima descuidada ou confiante antes de perceber o gesto criminoso. Neste sentido cfr. os Acs. de 13.10.2004 , Rec.º n.º 05P224, de 14.5.97 , P.º n.º 1050 /97, 11/11 /96 , P.º n.º 152/97 , 20.2.2004 , P.º n.º 1127 /04 e , mais recentemente , os de 27 .5.2010 , in P.º n.º 58/08.4/4GRD .C1 .S1 e 9.9.2010 , P.º n.º 30/08.4.PEHRT , dominando nestes dois últimos a tónica de meio dissimulado , tornando mais “ precária , ténue “ , uma reacção defensiva e de prevenção contra o potencial agressor . A definição de meio particularmente perigoso , enquanto qualificativa adoptada no acórdão recorrido –al.h) , do n.º 2 , do art.º 132.º , do CP , envolve em si uma ideia diferenciada de meios perigosos e muito perigosos de agressão, já que tem inscrita um “ plus “ de agressividade , que os meios comuns , normais, de agressão não comportam . Os meios de agressão hão –de ser particularmente perigosos , portadores de uma letalidade acrescida , de um poder mortífero ante o qual a possibilidade de defesa é mais reduzida ou mesmo inexistente , por isso a exigência da particular perigosidade . Na doutrina, o conceito aparece recortado com clareza inultrapassável, quando o Prof. Figueiredo Dias , in Comentário Conimbricense do Código Penal , I , pág. 37 , escreve que a lei , na sua definição, não prescinde de duas coisas : “ ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal dos meios usados para matar ( não cabem seguramente no exemplo -padrão e na sua estrutura valorativa revólveres , facas ou vulgares instrumentos contundentes ) ; em segundo lugar , ser indispensável determinar com particular exigência e severidade , se da natureza do meio utilizado –e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes -resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente .” A particular perigosidade não está ligada , não resulta nem do porte ilegal da arma , por indocumentada , do seu carácter proibido ou mesmo uso à queima roupa , escreveu-se nos Acs. de 10.3.2005 , P.º n.º 0TP224 e de 13.10.2004 , P.º n.º 05P224 . Cfr., ainda ,os Acs. de 10.2.98 , P.º 478/98 e de 14 .5.97, P.º n.º 1050/97 . E assim a arma de agressão , uma espingarda caçadeira indocumentada , sem licença de uso e porte, não adquirida num estabelecimento da especialidade, mediante autorização prévia para o efeito do Comando-Geral da PSP ,usada , é certo , à queima roupa , a cerca de um metro de distância da vítima , sem dúvida meio perigoso de agressão , porém , de frequente uso na prática do homicídio como é , não preenche a agravativa invocada, por não ser portadora de efeito mortífero mais gravoso do que as usadas por regra naquela prática . VIII . A matéria de provada em torno das condições em que teve lugar o crime de homicídio por que foi condenado o arguido é , visivelmente , muito escassa, certamente porque não foi possível uma aquisição factual mais ampliada, mostrando os autos que , no dia 19 de Outubro de 2009, pelas 15h.30m, quando o ofendido CC , então de 46 anos , se encontrava na residência sita no Lugar de Ladário, em Soalhães, comarca de Marco de Canavezes , acompanhado de uma equipa de três trabalhadores que realizavam uma obra de assentamento de paralelipípedos no arruamento de acesso à garagem daquela propriedade, o arguido, constatando que a vitima juntamente com EE e FF, se preparavam para carregar um monte de pedras para um tractor, pediu explicações àquele e mandou descarregar o tractor o que motivou uma discussão com o ofendido , durante a qual o arguido, pelo menos, o empurrou , após o que a vítima ordenou que arrumassem as ferramentas, pois iriam abandonar a obra. O arguido dirigiu-se , de seguida , para as escadas de acesso à sua residência, subindo-as e no interior da sua residência pegou numa arma de fogo, tipo caçadeira, municiada. Em seguida, desceu as ditas escadas e no exterior da sua residência, em circunstâncias não concretamente apuradas, mas a cerca de um metro de distância da vitima, encontrando-se esta de costas para si, dispara com a dita arma de fogo (espingarda caçadeira de tiro a tiro, com canos basculantes, de calibre 12, marca provável MKV, modelo coaquest, com o n.º de série 992344) na direcção da região lombar da vitima , a quem , desse modo , causou a morte . IX . Sublinhe-se que não se provou que após ter descido as escadas da sua residência o arguido tenha surgido nas costas do ofendido empunhando a arma de fogo e que ao actuar do modo o arguido tenha demonstrado total desprezo pela vida humana e sem qualquer motivo que o justificasse. X. O Projecto do CP alemão de 62 continha sessenta tipos legais que assentavam na cláusula geral dos casos “ especialmente graves “ , perfilando-se três correntes enunciando uma delas que os casos “ especialmente graves “ , de que os exemplos-padrão são exemplo, integram um ilícito agravado , outra situando-a no âmbito das consequências jurídicas , influentes na determinação da pena e , por fim , uma outra , de natureza mista , sedeando –a entre as causas de agravação da pena e uma variação de qualificação do tipo de crime fundamental , escreve Teresa Serra , op . cit . pág. 62 . O legislador português enquadra os exemplos –padrão como circunstâncias referíveis à perversidade e censurabilidade , a um juízo de desvalor , fundamento da agravação da pena na medida de uma culpa agravada , desligando-as da associação à perigosidade, como , de resto , ressalta das Actas do CP , 1979 , 24 e segs., onde os Profs. Figueiredo Dias e Eduardo Correia , as reputaram como elementos da culpa; a moldura penal é agravada no art.º 132.º relativamente ao agente que mata dolosamente , escreveu o Prof. Figueiredo Dias , in Parecer , publicado na CJ , STJ , Ano IV, o que conduz à tese do fundamento da culpa como seu incontornável e , se não reconhecido unânimemente , pelo menos , maioritariamente, pressuposto . O arguido disparou a cerca de um metro um tiro de caçadeira achando-se o ofendido de costas, causando-lhe a morte; o Colectivo escreveu na fundamentação de direito que se não apurou o circunstancialismo prévio ao disparo , mas que o disparo foi sem desprezo pela pessoa da vítima, e mais que se não provou que ao descer as escadas o fez sem empunhar a arma, ou seja escondendo-a e a vítima estivesse de costas para si . O condicionalismo reinante nos momentos precedentes ao disparo, a propósito do qual o arguido afirmou que colocara a mão sobre o ombro esquerdo da vítima a fim de o afastar da sua propriedade , sendo que é nesta altura que a vítima , de costas para o arguido , intenta pegar no cano da arma , puxando-a da esquerda para a direita , ocorrendo , então , o disparo acidental , foi descredibilizado pelo Colectivo . O Colectivo não deixou , contudo , de equacionar , a fls . 1039 , que, não obstante ter sido a vítima atingida pelas costas , os factos não apontam “ com suficiente consistência para um engano , com grau de dissimulação equivalente ao uso de um meio oculto ou dissimulado” no homicídio , pelo que “ a ausência de prova das circunstâncias que imediatamente o antecederam , não permitem , por si só , ter-se por preenchida aquela alínea “ ( …) tanto mais que se afastou , igualmente , a factualidade vertida na pronúncia e que referia o termo “ surgir “ pela imprevisibilidade que este por si só representa “ . E mais adiante –a fls . 1041 -sublinha que “ …nada permite concluir dos factos provados que tenha surgido de surpresa ao ofendido , ou que este não se tenha apercebido de que o arguido estava armado “ . O facto objectivo do disparo pelas costas esse é incontornável , mas , como se teve oportunidade de frisar o funcionamento dos exemplos-padrão não é automático , independentemente e à margem da culpa do agente, manifestada em grau elevado , sem relevar de um especial grau de censurabilidade e perversidade, alicerçado nos factos provados, mas também de um elemento subjectivo a inferir daqueles( factos ) no aspecto em que põem a descoberto uma atitude traiçoeira , dissimulada, intencionalmente procurada pelo agente do crime , quando causalmente por isso , a capacidade de defesa da vítima , se mostra fragilizada ou mesmo excluída , e de maior facilidade de consumação do crime , o que noutras condições não sucederia . O princípio “ in dubio pro reo “ , é uma das garantias da maior importância na protecção da liberdade individual , ante a pretensão punitiva do Estado , partindo de uma visão optimista do homem , um acto de fé , com origem em Rousseau e , por outro lado , do valor supremo que a liberdade e a honra não podem ser-lhe retiradas enquanto persistir a justiça e ao bem fundado do acto –Cfr. Eduardo Correia , in Les preuves em droit pénale portugais , RDES , Ano IV , págs. 17 e 22 a 40 . E o seu âmbito de aplicação tem a ver e assume particular importância em termos de uma questão de facto , só se aplicando em face de uma questão de facto e não já de uma questão de direito , no ensinamento de Frederico Isasca , Apontamentos de Direito Processual Penal , 87 , valendo apenas em relação à questão da prova dos factos, como princípio probatório que é , relevando da dúvida sobre o facto , pois a dúvida sobre a interpretação do feixe normativo aplicável ao caso , respeitando ao plano substantivo, se resolve por aplicação dos critérios de interpretação legal . O princípio pretende responder ao problema da dúvida na apreciação judicial dos casos criminais , não no sentido da dúvida interpretativa na aferição do sentido da norma , mas da dúvida sobre o facto tipicamente forense , escreve Cristina Líbano Monteiro , in Perigosidade de Inimputáveis e in Dubio pro reo , BFD , S tudia Jurídica , n.º 24 , pág. 91 . O princípio rege também para as causas de exclusão de ilicitude , culpa , pena e , portanto , para as condições objectivas de punibilidade , como se decidiu no Ac. deste STJ , no AC. de 15.12.83 , BMJ 322 , pág.281 , mas já não funciona quanto aos pressupostos processuais, se bem que em caso de persistente dúvida sobre factos materialmente relevantes para a admissibilidade do processo , particularmente quanto à prescrição do procedimento não deva preferir-se , em regra , o arquivamento à prossecução do processo , pondera o Prof. Figueiredo Dias , in Direito Processo Penal , I , págs . 218/219 , com base no princípio da legalidade da repressão penal . Como , igualmente , se deve afastar o funcionamento do princípio , cfr. Prof. Figueiredo Dias , in op . e loc. cit., quando não se conseguir determinar , para além de toda a dúvida razoável , com precisão qual o tipo de crime efectivamente cometido , se , por ex.º furto ou abuso de confiança , hipótese em que , no entanto , dentro de uma comprovação alternativa dos factos , alguns autores admitem o funcionamento , como dá nota o AC. deste STJ , de 25.5.2006 , in CJ , STJ , Ano XIV , TII , 2006 , pág. 200 . O estado de dúvida em que se baseia o princípio não se confunde com uma qualquer incerteza probatória , apoiada numa qualquer convicção intimista , subjectiva , despida , de um mínimo de objectividade , pois que tal dúvida há-de ser razoável , ou seja sustentável na avaliação global dos factos , de forma lógica , coerente e razoável ,ou seja minimamente credível para se impõr aos destinatários da decisão. O STJ no aspecto em que o princípio é um princípio geral de direito probatório invocado no restrito âmbito dos factos, fornecendo-lhe a dúvida em que o julgador sucumbiu quanto a eles , não firmando a certeza bastante para condenar , por se estar no domínio da matéria de facto , não exerce sindicância , poder de controle , mas já o faz , no controle que faz da legalidade dos meios de meios de prova usados –art.º 125.º , do CPP - , e , particularmente , sempre que dos termos da sentença ressalta que tribunal decidiu contra o arguido ou só não concluiu em seu favor porque , do texto daquela , resulta que incorreu no vício do erro notório da apreciação da prova , nos termos do art.º 410.º n.º 2 , c) , do CPP e só por essa razão acolheu uma solução desfavorável .Cfr. Ac. deste STJ , de 2.5.96 , in CJ , Acs. STJ , Ano IV, T2 , 177 . Ora o Colectivo , que teve a imediação com as provas concentradas em julgamento, fixando os factos materiais delas derivadas , examinando-as e valorando-as previamente , está em condições privilegiadas de assumir aquele estado de dúvida relativa à qualificativa traduzida no meio insidioso , ou seja em relação aos seus pressupostos factuais, e desse modo , beneficiando o arguido , concluir que a convicção alcançada não permite firmar um juízo de certeza que o arguido tenha surgido de surpresa ao ofendido e que este não se tenha apercebido de que o arguido estava armado, limitando-lhe ou mesmo tolhendo-lhe , por completo a sua defesa pessoal , como o que proibido está a este STJ valorar diferentemente aquele acervo probatório , nos termos do art.º 434.º , do CPP , porque não manteve contacto com ele , mantendo inalterada a qualificação jurídico-penal eleita na 1.ª instância . Quedam –se , ao fim e ao cabo , os factos pelo facto objectivo do disparo , mas ficam aquém da definição daquele propósito , sem comprovarem , concludentemente , que o arguido preparou uma situação específica em que surpreendesse a vítima através de um acto oculto ou dissimilado, uma armadilha, uma cilada, um engodo , na órbita de um ataque súbito e sorrateiro , atingindo a vítima de uma forma sorrateira , descuidada e confiante , antes , pois , de se aperceber da agressão criminosa , beneficiando o arguido de tal razoável situação .de dúvida quanto a esse imprescindível estádio subjectivo , nexo de imputação , de relacionamento do facto ao agente . Por isso se afasta , também , a qualificativa do meio insidioso . XI . O concurso da agravativa especial prevista no art.º 86.º n.º 3 , da Lei n.º 5/2006 , de 23/2 , alterada pela Lei n.º 17/2009 , de 6/5 , por força da qual as penas dos crimes cometidos com arma de fogo elevam de 1/3 os limites mínimo e máximo da pena , excepto se o porte ou uso daquela for elemento do tipo ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime , em função do uso ou porte , situam , pois , a medida concreta da pena num arco penal de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses de prisão, peticionando –a o arguido próxima do mínimo legal - que é 8 anos de prisão, sem a agravação decorrente daquela alteração - ou mais alargado de 16 anos , segundo o M.º P.º , a proceder a qualificativa , ou de 14 anos , a inverificar-se . A medida concreta da pena é um puro derivado da concepção que o ordenamento jurídico adopta em matéria de sentido,limites e finalidades da aplicação das penas . A maior ou menor gravidade das penas está bem patente na amplitude da moldura , consentindo esta suficiente margem de individualização para responderem à teleologia que visam , enunciada no art.º 40.º , n.º 1 , do CP , de protecção dos bens jurídicos e de reinserção do agente . Historicamente as penas nunca se dissociaram da finalidade de reeducação do agente para convivência futura em condições de não voltar a afrontar o tecido social , esta sendo a sua finalidade particular , concomitantemente com um fim público que aquele sobreleva quando em colisão , de prevenção geral positiva ou de integração , orientado para tutela das expectativas comunitárias na manutenção da validade e eficácia da lei , endereçado à contenção de potenciais impulsos criminosos . O legislador penal atribui , pois , à pena uma função pragmática , utilitária , se bem que, na prática, ao aplicador da lei não seja indiferente a uma ideia de retribuição do mal causado , pela ponderação da culpabilidade do agente, que em caso algum aquela finalidade de prevenção pode ultrapassar –n.º 2 , do art.º 40.º, do CP -culpabilidade apreendida pela manifestação da resolução da vontade antijurídica , quando podia afirmar uma vontade de acordo com a norma jurídica A medida da pena não pode assim exceder a medida da culpa , na esteira de Roxin , in Direito Penal , 2004 , 65 -66 , fórmula que permite fixar a pena a montante da culpabilidade se as exigências de prevenção tornarem desnecessária ou desaconselharem mesmo a pena num limite máximo da culpa . Sobre a interacção entre as finalidades de prevenção teoriza o Prof. Figueiredo Dias , in Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime , pág . 229 , que é sempre desejável uma medida óptima de protecção dos bens jurídicos para defesa da comunidade , mas abaixo desse é , ainda , viável descortinar outros patamares de protecção , pela consideração de razões de prevenção especial , que a influenciam decisivamente , até se atingir um limiar mínimo abaixo do qual se não pode descer sob pena de se “ põr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. “ Dos princípios gerais inspiradores da pena à sua fixação em concreto , tal qual o art.º 71.º . n.º 1 , do CP no-lo indica , não vai uma diferença substancial , porque continua a enunciar-se que no seu “ quantum “ interfere a culpa e a prevenção ,acrescendo , ainda , circunstâncias que não fazendo parte do tipo , todavia atenuam ou agravam a responsabilidade penal , umas respeitantes à pessoa do agente e outras às condições que o envolvem e condicionam o cometimento do crime e que , sem o justificarem , o tornam compreensível . Só assim se alcançará uma pena justa , porque merecida e dela irradiará a advertência sobre o condenado como resposta da comunidade ao seu comportamento desviante e como factor de correcção social , de efeito pedagógico –social sobre a própria colectividade, que dessa forma ver restabelecida a força da lei –Cfr. Medida da Pena , de A.Lourenço Martins , pág . 141 . XII . O homicídio praticado pelo arguido é-lhe imputado sob a forma de dolo directo , a forma mais gravosa de imputação subjectiva , de querer o facto e saber que violava a lei , direito fundamental , ocupante do topo da pirâmide dos direitos de personalidade , inegociável e irrepetível , como é o direito à vida de alguém , de meia idade . Da supressão desse valor jurídico , da maior grandeza , resultaram , de resto , consequências muitíssimo gravosas tanto ao nível pessoal como patrimonial , para terceiros , como é caso da filha da vítima , com apenas 4 anos de idade , que se viu privada da sua presença amiúde , do seu afecto e apoio patrimonial , que o rodar dos tempos agudizarão , sobretudo quando em confronto com outras crianças que podem usufruir da figura tutelar e protectora que é o pai , inevitável fonte de desgosto e de sofrimento , sobretudo em se apercebendo das circunstâncias da sua morte , em clima de tragédia . Em resultado daquela morte a menor deixou de ver e ou estar, como via ou estava diariamente, com o seu pai, facto que lhe acarreta sérios e graves problemas psicológicos e comportamentais que determinam o acompanhamento da menor por um psicólogo do Centro de Saúde, teve-se como provado , adensando o resultado letal . Por outro lado o modo de execução com uma espingarda caçadeira , arma indocumentada , adquirida fora de estabelecimento da especialidade, sem autorização prévia para o efeito do Comando-Geral da PSP, denota nula sensibilidade ao valor da segurança comunitária que uma detenção nessas circunstância põe em crise , ao respeito pela lei , que repele a detenção de armas nessas condições , interesses acolhidos na agravação punitiva , com fim dissuasor da detenção , como factor criminógeno que reconhecidamente é , reforçado pela Lei n.º 17/2009 , de 6 de Maio A forma como a vítima foi atingida , a uma curta distância de cerca de um metro , achando-se de costas para o agressor , na região lombar , sem embargo de se não demonstrar que o tenha sido por traição , de forma absolutamente imprevista e à “ falsa fé “ , mostra que aquela se achava fisicamente inferiorizada , de tudo resultando que o arguido agiu com elevadíssimo grau de ilicitude , que exprime não apenas a contrariedade à lei , mas também o resultado desvalioso da acção , pelos valores atingidos e penalmente tutelados . Caracterizando a não assunção imediata do resultado , acresce o facto de após o disparo ter –se posto em fuga , abandonando a vítima à sua sorte , pedindo a terceiro a comparência do INEM para prestar socorro à vítima , apresentando-se cerca de dois dias à autoridade policial , revelando esse facto posterior ao homicídio muito fraca ressonância ética ante o resultado, sentimento de desprezo a interferir negativamente na fixação da pena –art.º 71.º n.º 2 als c) e e ) , do CP . Oferece o arguido em seu favor o arrependimento , que quando sincero denota inadequação do facto à sua pessoa , fruto de um acidente no percurso vital , mas tal não se comprova . A confissão, integral e sem reservas igualmente não acorre em seu favor . O arguido deu em julgamento uma versão dos factos , conforme ao seu interesse , mas que não corresponde ao rectilíneamente acontecido , na versão sufragada pelo Colectivo , mera confissão parcial dos factos , à luz de consentida porém pura estratégia defensiva . A sua integração social e no meio prisional não reduzem a culpa e nem a ilicitude , representando uma dever de recluso e a ausência de antecedentes criminais nem sequer é garantia de bom comportamento anterior , significando , apenas , uma omissão figurando no seu registo criminal , não já uma actuação existencial de respeito pelos padrões instituídos , pilar de são convivência comunitária , insinuando, de resto , até , o M.º P.º , que o não teria. De sublinhar que , para além de vontade criminosa muita intensa , ilicitude em grau elevadíssimo interferem , ainda , na vertente da formação da pena , muito sentidas necessidades de prevenção geral , de pela via da punição se actuar ao nível de potenciais delinquentes , em nome da defesa da tranquilidade colectiva , que espera defesa firme na afirmação do respeito pelo direito ao supremo valor da vida e à segurança comunitárias , reclamando intervenção vigorosa na punição do crime grave , sem sinais de regressão . O mínimo da pena , reclamado pelo arguido , está ajustado para os casos de uma culpa mínima , de um juízo de censura no limiar mais baixo , a defluir do concurso de circunstância ou circunstâncias mitigando a sua responsabilidade penal . E nem se diga que o arguido pelo facto de usufruir de apoio incondicional dos seus familiares em reclusão –não se prova sequer , como diz , que goze de um passado impoluto –, ser havido como uma pessoa com um comportamento normativo adequado no relacionamento interpessoal , que no estabelecimento prisional tem sido apoiado por familiares e amigos e ter manifestado um comportamento adaptado e relacionalmente positivo, está integrado num curso de formação profissional mostra disponibilidade para executar trabalhos dentro da sua experiência profissional, justifica a aplicação de uma pena a aplicação de uma pena no limiar mínimo . O crime que praticou é o mais grave previsto no nosso ordenamento jurídico , põe ele se iniciando a parte especial do CP ,dando-lhe primazia descritiva , por representar um atentado ao bem precioso da vida humana , não se tendo , ainda , o arguido dado conta dessa gravidade quando preconiza uma pena situada nesse patamar, desvalorizando o acto em si , sua gravidade e consequências . Carece , pois , de interiorizar as péssimas consequências do seu acto , de visível emenda cívica , mesmo abstraindo, porque se não provou , e contra o que o M.º P.º sustenta, que exerceu influência , autoridade , junto das testemunhas sobre a forma da sua cooperação com o tribunal , fugiu para Espanha para gizar a sua defesa e camuflou a sua razoável situação sócio - económica e financeira , de aprendizagem da conformação futura à lei , de absoluto respeito pela vida humana alheia , em termos de não voltar a reincidir . Por isso a pena de 12 anos de prisão , posicionada próximo do limite mínimo, vista a alteração apontada , sem base factual atenuativa sobeja , ainda não responde de forma eficaz a prementes necessidades de prevenção geral e presentes necessidades de prevenção especial e às demais circunstâncias depondo contra o arguido e ao quase desvalor da atenuante da confissão parcial dos factos , justificando a sua elevação para 14 ( catorze ) anos de prisão , a mínima tolerável comunitariamente , ainda sustentada pela culpa e prevenção , pelo que em concurso com a imposta pelo uso e porte de arma , de 16 meses , em cúmulo jurídico se lhe aplica e nela vai condenado , considerando a personalidade e o conjunto global dos factos –art.º 77.º n.º 1 , do CP – em 14 anos e 6 meses de prisão . XIII. Nega-se provimento ao recurso intentado pelo arguido . Taxa de Justiça : 8 Uc,s . Provê-se ao recurso interposto pelo M.º P.º . Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Maio de 2011
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