Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2415/20.9T8OER-C.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESTITUIÇÃO DE BENS
CASO JULGADO MATERIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
CONFUSÃO
PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA
CREDOR
CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- A sentença proferida numa ação de separação e restituição de bens por apenso a processo de insolvência, tem força de caso julgado material.

II- A autoridade do caso julgado, implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, manifestando-se o caso julgado material no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada.

III- Não estando demonstrado a reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e devedor está liminarmente afastada a extinção da obrigação por confusão.

IV- A indivisibilidade da hipoteca, prevista no artigo 696º do CC, funciona a benefício do credor hipotecário e pode ser reduzida com o seu consentimento.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 2415/20.9T8OER-C.L1


Recorrente – AA


Recorrido – Banco Comercial Português, S.A.

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA deduziu embargos de executado à execução em que é exequente, BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., pedindo que a execução seja declarada extinta.


A fundamentar os embargos sustenta que a dívida exequenda está extinta, por confusão, por força do artigo 868.º do Código Civil, em face da adjudicação do ativo e passivo comum ao exequente, existir abuso de direito na imputação do passivo conjugal apenas à embargante. Invoca ainda a prescrição de parte da dívida exequenda.


O embargado BCP contestou, pugnando pela improcedência dos embargos de executado.


Foi proferido saneador/sentença que julgou os embargos de executado procedentes e, consequentemente, declarou extinta a execução contra a embargante.


O embargado/exequente apelou, tendo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 22.06.2023, revogado o saneador/sentença recorrido e ordenado o prosseguimento dos embargos de executado para conhecimento das demais questões suscitadas pela embargante.


A executada/embargante AA interpôs o presente recurso de revista, visando a revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que repristine o decidido na sentença de 1ª instância.


Terminou a sua alegação com as conclusões que se transcrevem:


I. Porque a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se aos factos praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público de que emanam os documentos, só podem ser levados a factos provados, o teor formalmente registado, sob a forma escrita, e não a interpretação que deles faz um qualquer declaratário.


II. A interpretação do conteúdo do documento autêntico é um juízo e não um facto.


III. Por isso, não integra o conceito adjetivo e processual de “matéria de facto”, mas antes da sua apreciação, estribada na interpretação do teor do documento, integrando um julgamento em sede de Direito.


IV. A matéria de facto, consignada pelas instâncias, que sai fora do teor literal dos documentos constantes dos autos, ultrapassa os limites da sua força probatória.


V. A prova constante dos autos, resultante de documentos autênticos neles constantes, está no âmbito de apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, que a deve cingir ao teor literal dos mesmos.


VI. A decisão proferida no apenso ao processo de insolvência de um ex-cônjuge, que não partilhou o património conjugal, determinando que a apreensão, feita no mesmo processo de insolvência, de uma fração autónoma, se deve reduzir aos limites da meação, constitui caso julgado formal, nos termos previstos no artigo 620.º do Código do Processo Civil, e não, caso julgado material, regulado no artigo 619.º do mesmo Código.


VII. A decisão de redução da apreensão, não apreciou o mérito de qualquer questão, não extinguiu pela partilha, a comunhão patrimonial decorrente do casamento, ainda que extinto, e o seu alcance limita-se, claramente, à definição do conteúdo patrimonial a liquidar, como meação, no âmbito da liquidação, como a própria decisão, literalmente, consigna.


VIII. Uma decisão, proferida no âmbito da insolvência, tendo em vista esclarecer o conteúdo da apreensão, não é uma decisão de mérito, mas, apenas, uma decisão sobre a relação processual concreta, em que é proferida.


IX. As decisões subjacentes ao julgado em causa, proferidas ao abrigo do entendimento de que a “meação dos bens é indisponível, contrariamente aos comproprietários, os quais podem alienar ou onerar a respetiva quota na compropriedade”, julgaram que, na meação do insolvente se incluía, além do passivo solidário, um direito, indiviso, correspondente a ½ do imóvel, o que é muito diferente de decidir que o insolvente é titular do ½ do mesmo imóvel.


X. O Acórdão em apreço, ao qualificar como caso julgado material, a sentença e Acórdão transitados em julgado, violou o disposto nos artigos 619.º e 620.º do Código do Processo Civil, devendo ser revogado.


XI. Ao adquirir a meação de um ex-cônjuge no património conjugal como universalidade, ou seja, ativo e passivo, e não um único bem, ou bens concretos, o recorrido assumiu o crédito hipotecário, de que é credor, reunindo, em si, na mesma obrigação, as qualidades de credor e devedor.


XII. A confusão dá-se quando, pelo facto de se reunirem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor da mesma relação creditória, a obrigação se extingue, como previsto no artigo 868.º do Código Civil.


XIII. Ao julgar em sentido inverso, o douto Acórdão em apreço, violou o artigo 868.º do Código Civil.


XIV. Sendo a indivisibilidade uma das características da hipoteca, não pode a execução da dívida garantida por esta, incidir sobre ½ do bem hipotecado.


XV. A insolvência não extingue a solidariedade entre os devedores, nem a garantia incidente sobre bens, ou direitos, que integrem o património dos mesmos, limitando-se a transmitir esses bens ou direitos com os ónus ou encargos que sobre ele incidem, com eventual exoneração de passivo restante.


XVI. Portanto, não se pode transmitir um ativo da meação, com extinção do passivo hipotecário que o onera, porque não é o direito pessoal que está em causa, mas a garantia real inscrita.


XVII. Mostram-se violados, além dos mais, o artigo 868.º do Código Civil e os artigos 619.º e 620.º do Código do Processo Civil, bem como, os artigos 236.º, 686.º, 689.º, 690.º e 696.º do primeiro, e os artigos 740.º, 752.º e 815.º do Código do Processo Civil.”


O embargado BCP contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.


Foram colhidos os vistos legais.


Fundamentação:


As questões suscitadas pela Recorrente circunscrevem-se às seguintes:


I. Se o acórdão recorrido julgou provados factos com base em documentos autênticos, ultrapassando os limites da sua força probatória.


II. Se a sentença proferida na ação de Restituição e Separação de Bens (Proc. 21576/18.0...) constitui caso julgado formal, nos termos previstos no artigo 620.º do Código do Processo Civil, e não, caso julgado material, regulado no artigo 619.º do mesmo Código.


III. Se a dívida da Recorrente se extinguiu por confusão e violação do princípio da indivisibilidade da hipoteca.


***


De Facto


Factos julgados provados nas instâncias (transcrição):


1 - Em 8-V-06 ‘Obricascais Lda’, BB e 1ª executada, ‘B.C.P., S.A.’, e CC e 2º executada outorgaram a “COMPRA E VENDA MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA” junto com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – no valor de 157.500€ a pagar em 509 meses.


2 - Em 17-I-08 BB, 1ª executada e ‘B.C.P., S.A.’ outorgaram o “MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA” junto com o requerimento executivo (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – no valor de 96.750,00€ a pagar em 475 meses.


3 - Em IX-08 a ora embargada reclamou créditos na execução instaurada em 13-V-08 por “B.E.S., S.A.” contra BB (e outra) – indicando em dívida os capitais de 157.416,52€ (incumprimento desde 26-III-08) e 96.644,91€ (incumprimento desde 20-IV-08).


4 - Em 5-XI-09 BB e ora embargante divorciaram-se.


5 - Por sentença de 26-I-19 BB foi declarado insolvente.


6 - Em 11-III-19 foi julgado improcedente o pedido de declaração de insolvência da ora embargante – decisão confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-IX-19.


7 - Por sentença de 07-11-2019, foi julgada verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal para conhecer do pedido formulado pela Autora de se proceder à partilha da fração autónoma, designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua Rio das Grades, lote 19, ..., concelho de ..., reconhecido o direito da Autora a ½ (um meio) da propriedade desta fração autónoma e, reduzida a apreensão incidente sobre o mesmo bem, realizada no âmbito dos presentes autos de insolvência para ½ (um meio) do direito de propriedade, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do referido bem, sobre o qual incidirá a liquidação.


8 - Em data incerta a ora embargada reclamou créditos no processo de insolvência supra – indicando em dívida (relativamente aos mútuos supra) as quantias de 153 713,82€ (incumprimento desde 5-VII-10) e 95 031,62€ (incumprimento desde 20-IV-10); os créditos reclamados pela ora embargada (no valor total de 353 257,28€) foram graduados por sentença de 15-II-20.


9 - Em 20-05-2020, o Administrador da Insolvência (de CC) declarou vender à ora exequente, que aceitou comprar, por 108 750€, a meação, que pertence ao insolvente, nos bens comuns do dissolvido casal, e que dessa meação, apenas faz parte, um bem imóvel, a fração autónoma, designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ....


10- Para garantia dos mútuos, respetivos juros e demais despesas, a 1.ª Executada/Recorrida e DD constituíram a favor do Recorrente hipotecas voluntárias sobre a fração “Y” correspondente ao 5.º andar direito do prédio urbano descrito na 2.º Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 9087, freguesia de ..., que garantem os montantes máximos de 198 387,00 € e 133 862,04 €.


11-No âmbito da ação de Restituição e Separação de Bens (Proc. nº 21576/18.0...), que correu termos por apenso ao Processo de insolvência de DD veio a ser proferida sentença que reconheceu o direito da 1.ª Executada/Recorrida (ali Autora) a ½ (um meio) da propriedade da fração autónoma designada pela letra “Y” e, ordenou a redução da apreensão que incidia sobre a totalidade a fração para ½ (um meio) do direito de propriedade, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do referido bem, sobre o qual incidirá a liquidação.


12-O processo de insolvência do ex-marido da 1.ª executada/Recorrida prosseguiu para liquidação do ativo daquele, para pagamento do seu passivo, sendo que o ativo correspondia, designadamente, a ½ do direito de propriedade da fração “y”.


13 - Por sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência do ex-marido da 1.ª Executada/Recorrente o crédito do Banco foi verificado pelo valor de € 353 257,28, com natureza garantida, e graduado em 2.º lugar, pelo produto da venda da fração “Y”.


14- A ½ do direito de propriedade da fração, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do referido bem, veio a ser adjudicado ao Exequente, na qualidade de credor com garantia real, tendo sido canceladas as hipotecas quanto ao devedor DD.


***


De Direito


I- Se o acórdão recorrido julgou factos provados, ultrapassando os limites da força probatória dos documentos em que se baseia.


Do artigo 682º n.ºs 1 e 2 do Código Processo Civil (doravante CPC) resulta, como regra geral, que o STJ, não pode a requerimento das partes ou oficiosamente modificar a decisão da matéria de facto.


Todavia a lei exceciona os casos previstos no artigo 674º, n.º 3 do CPC, ofensa de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.


O acórdão recorrido alterou os pontos 7 e 9 da factualidade julgada provada na 1ª instância.


Quanto ao ponto 7, na sentença da 1ª instância tinha sido julgado provado que:


“Em 7-XI-19, foi declarada a incompetência absoluta do Juízo de Comércio de ... para apreciar a “ação para separação de bens” instaurada pela ora 1ª executada, e decidido reduzir a apreensão para “1/2 do direito de propriedade.”


O acórdão recorrido alterou este ponto passando a dar como provado o seguinte:


“- Por sentença de 07-11-2019, foi julgada verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal para conhecer do pedido formulado pela Autora de se proceder à partilha da fração autónoma, designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ..., reconhecido o direito da Autora a ½ (um meio) da propriedade desta fração autónoma e, reduzida a apreensão incidente sobre o mesmo bem, realizada no âmbito dos presentes autos de insolvência para ½ (um meio) do direito de propriedade, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do referido bem, sobre o qual incidirá a liquidação.


Esta alteração resulta do dispositivo da sentença proferida no processo n.º 21576/18.0... (ação de restituição e separação de bens), com o seguinte teor:


“1– Julga-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do pedido formulado pela Autora de se ordenar que se proceda à partilha da fração autónoma, designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 9087 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 15192, da referida freguesia, absolvendo-se os Réus da instância quanto ao mesmo.


2 - Reconhece-se o direito da Autora a ½ (um meio) da propriedade da fração autónoma designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 9087 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 15192, da referida freguesia;


3 - Reduz-se a apreensão incidente sobre o mesmo bem, realizada no âmbito dos presentes autos de insolvência para ½ (um meio) do direito de propriedade, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do referido bem, sobre o qual incidirá a liquidação.”


Quanto ao ponto 9


A sentença de 1ª instância deu como provado:


- Em 20-V-20 o Administrador da Insolvência (de CC) declarou vender à ora exequente, por 108 750€, “a meação, que pertence ao insolvente, nos bens comuns do dissolvido casal.”


- O acórdão recorrido alterou esse ponto 9, dando como provado o seguinte:


“- Em 20-05-2020, o Administrador da Insolvência (de CC) declarou vender à ora exequente, que aceitou comprar, por 108 750€, a meação, que pertence ao insolvente, nos bens comuns do dissolvido casal, e que dessa meação, apenas faz parte, um bem imóvel, a fração autónoma, designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ....”


A motivar essa alteração referiu: “ Em relação a tal facto, resulta da escritura de cessão de meação que “Em 20-05-2020, o Administrador da Insolvência (de CC) declarou vender à ora exequente, que aceitou comprar, por 108 750€, a meação, que pertence ao insolvente, nos bens comuns do dissolvido casal, e que dessa meação, apenas faz parte, um bem imóvel, a fração autónoma, designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ...”.


Desta fundamentação decorre que o acórdão recorrido se limitou a transcrever o que consta da escritura de cessão de meação, cuja cópia foi junta com o requerimento executivo.


Assim sendo, o acórdão recorrido nas alterações introduzidas aos pontos 7 e 9, limitou-se a reproduzir factos, plenamente provados, que constam de documentos autênticos, sem violar qualquer norma de direito probatório, limitando-se ao teor dos documentos, sem neles integrar juízos de valor.


Relativamente aos factos aditados nos pontos 10 a 14, como consta do acórdão recorrido, resultam provados dos documentos autênticos, concretizando: ponto 10 - AP. 56 de 2005/12/27 e AP. 53 de 2008/04/14, da certidão do registo predial da fração “Y”; ponto 11- sentença proferida no âmbito do processo de insolvência, no apenso de Restituição e Separação de Bens (Proc. 21576/18.0...); pontos 12 e13 sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso de reclamação de créditos, no processo de insolvência (Proc. 21576/18.0...) e ponto 14, AP. 56 de 2005/12/27, AP 57 de 2005/12/27 e, AP 531366 de 2020/05/21, da certidão predial da fração “Y”, que não foram impugnados nem arguidos de falsos.


De referir, por fim, que, quanto a esta questão, a Recorrente acaba por não indicar um único facto que deva ser eliminado ou alterado.


Não há, pois, qualquer fundamento para se considerar que o acórdão recorrido deu como provados factos, contrariando a força probatória dos documentos juntos aos autos.


*


II– Se a sentença proferida na ação de Restituição e Separação de Bens (Proc. 21576/18.0...), não constitui caso julgado material, mas apenas caso julgado formal.


Nessa sentença proferida em 2019.11.07, na ação de separação e restituição de bens, intentada pela ora recorrente, ex-cônjuge do insolvente contra a Massa Insolvente de DD, o Devedor e os Credores da Massa, incluindo o ora recorrido foi decidido o seguinte:


“1– Julga-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do pedido formulado pela Autora de se ordenar que se proceda à partilha da fração autónoma, designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt.º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 9087 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 15192, da referida freguesia, absolvendo-se os Réus da instância quanto ao mesmo.


2- Reconhece-se o direito da Autora a ½ (um meio) da propriedade da fração autónoma designada pela letra “Y”, destinada a habitação, correspondente ao 5º andar dt. º do prédio urbano sito na Rua ..., ..., concelho de ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º 9087 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 15192, da referida freguesia;


3- Reduz-se a apreensão incidente sobre o mesmo bem, realizada no âmbito dos presentes autos de insolvência para ½ (um meio) do direito de propriedade, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do referido bem, sobre o qual incidirá a liquidação.”


Na sentença de 1ª instância foi decidido que “o recorrido/ embargado ao adquirir a meação do insolvente no património comum do casal, adquiriu também metade do passivo (CC 1730º/1 e 1689º) – que, assim, se extinguiu, por confusão (CC 868º).”


Consta da fundamentação do acórdão recorrido: “(…) havendo uma decisão judicial, transitada em julgado, que decidiu “reconhecer o direito da Autora a ½ (um meio) da propriedade da fração autónoma e, reduzir a apreensão incidente sobre o mesmo bem”, pelo caso julgado, essa questão teria de se impor e ser acatada pelo tribunal a quo.


Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo desrespeitou a decisão proferida pela sentença de 2019-11-07, que “reconheceu o direito da Autora a ½ (um meio) da propriedade da fração autónoma e, reduziu a apreensão incidente sobre o mesmo bem.


O caso julgado das decisões judiciais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (artigo 113º n.º 1 da CRP).


No domínio das decisões cíveis, a eficácia do caso julgado pode recair unicamente sobre a relação processual, tendo força obrigatória dentro do processo, de acordo com o disposto no art.º 620.º, n.º 1, do CPC, designando-se então por caso julgado formal.


Às decisões judiciais que versem sobre a relação material controvertida, quando transitadas em julgado, é atribuída força obrigatória dentro e fora do processo nos limites subjetivos e objetivos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, como se preceitua nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do mesmo Código, com o que se forma o denominado caso julgado material.


A Recorrente sustenta que a sentença proferida na ação de restituição ou separação de bens por apenso ao processo de insolvência, não partilhou o património conjugal e limitou-se à definição do conteúdo patrimonial a liquidar, tendo em vista esclarecer o conteúdo da apreensão, por isso, não é uma decisão de mérito, mas, apenas, uma decisão sobre a relação processual concreta.


Defende, por isso, que a sentença apenas constitui caso julgado formal, nos termos previstos no artigo 620.º, n. º1 do Código do Processo Civil.


No entanto, entendemos que esta posição não tem fundamento legal. As ações de separação ou restituição de bens apreendidos para a massa insolvente, tal como as ações de verificação ulterior de créditos ou outros direitos, nos termos do artigo 148º do Código Processo de Recuperação de Empresas, correm por apenso aos autos de insolvência, mas seguem os termos do processo comum.


Assim sendo, nada justifica que as sentenças nela proferidas não tenham a eficácia de caso julgado material, como ocorre nas sentenças proferidas nas demais ações comuns ainda que não contestadas, que decidam do mérito causa.


De salientar que o nosso ordenamento processual, permite sentenças simplificadas, em ações e incidentes, sem oposição, por exemplo, nos termos do artigo 567º, n.º 3, do CPC e do artigo 716.º, n.º 4, do mesmo Código, e ainda no âmbito do regime da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato e injunção constante do diploma anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 01-09, nos termos do art.º 2.º deste diploma e não se questiona que essas sentenças quando conhecem dos pedidos formulados e/ou exceções perentórias, têm força de caso julgado material.


Relativamente ao efeito do caso julgado da sentença proferida em sede do procedimento de reclamação, verificação e graduação de créditos no processo de insolvência, o STJ tem decidido que tem eficácia de caso julgado material.


Neste sentido o acórdão de 27.09.2018, proferido no processo n.º 10248/16.0T8PRT.P1.S1, relator Tomé Gomes, decidiu: “Por discutíveis que possam ser algumas das especificidades mais restritivas do procedimento da verificação dos créditos no processo de insolvência, não se afigura que com base nelas seja lícito negar ou circunscrever a eficácia do caso julgado material da sentença de verificação e graduação dos créditos ali proferida, decorrente, em termos gerais, dos artigos decorrente dos artigos 619.º e 621.º do CPC. Uma tal solução comprometeria gravemente a finalidade de liquidação visada pelo processo de insolvência e a garantia de segurança e certeza jurídica que deve ser assegurada, a todos os interessados, pela sentença de verificação do passivo do insolvente.”


Nesta linha de entendimento, o acórdão do STJ, de 12.12.2013, proferido no processo n.º 1248/11.8TBEPS.G1.S1, relator Bettencourt Faria, decidiu que: “Existe caso julgado entre a decisão que, no processo de insolvência, julgou reconhecido um crédito e a posterior ação declarativa em que se pede a declaração de nulidade do contrato em que se funda tal crédito”.


Mantendo o mesmo entendimento, o mais recente acórdão do STJ de 29.09.2022, proferido no processo n.º 5138/05.5YXLSB-F.L1.S1, relatora Catarina Serra, decidiu: “A sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em apenso do processo de insolvência, é apta a adquirir e a produzir força de caso julgado material quanto aos créditos aí reconhecidos.”


Em suma, a sentença em causa proferida em ação de separação e restituição de bens, por apenso ao processo de insolvência, ao reconhecer o direito da autora (ora recorrente) a ½ (um meio) da propriedade da fração autónoma designada pela letra “Y” e ao reduzir a apreensão incidente sobre o mesmo bem, realizada no âmbito dos presentes autos de insolvência para ½ (um meio) do direito de propriedade, decidiu de mérito.


Assim, ao contrário do que defende a Recorrente a referida sentença, não se limitou a decidir uma questão processual e, por isso, a sua força obrigatória, não se limita ao processo, nos termos do artigo 620 n.º 1 do CPC, tendo eficácia de caso julgado material, nos termos e com o alcance definidos nos citados artigos 619.º e 621.º do CPC.


O caso julgado material traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário e torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal (cf. neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código Processo Civil, pág. 567 e 568).


Nos termos do citado artigo 619º n.º 1 do CPC, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º.


Do artigo 581º, resulta que a exceção do caso julgado se reporta à tríplice identidade, relativa aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, ou seja, pressupõe a repetição de uma causa depois da primeira, entre as mesmas partes, sobre o mesmo objeto e baseada na mesma causa de pedir, ter sido decidida por sentença que não admita recurso ordinário.


No caso, na ação de restituição e separação de bens (Proc. 21576/18.0...) e nos presentes embargos de executado, os sujeitos são os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, a recorrente/embargante é demandante nas duas, dado que foi a autora na ação de restituição e separação de bens e o embargado foi também demandado nessa ação, conjuntamente com os demais credores da massa insolvente.


Importa agora apreciar se existe identidade em relação ao pedido e à causa de pedir.


A identidade de pedido tem a ver com a posição das partes quanto à relação material, ou seja, a de serem portadores do mesmo interesse substancial, independentemente da espécie processual onde seja formulada.


Por outro lado, há identidade de causas de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (cf. art. 581º n.º 4 do CPC).


Na ação de separação e restituição de bens a ali autora, ora recorrente, pedia o reconhecimento do direito de separar da massa insolvente a sua meação (no património do casal que fora constituído por ela e pelo ex-cônjuge declarado insolvente, que integrava a referida fração autónoma, designada pela letra “Y”) e ainda que se procedesse à partilha dos bens comuns e a causa de pedir era estar apreendido no processo de insolvência um imóvel que era bem comum do casal e a inexistência de partilha.


Nos embargos de executado o pedido é a extinção da execução, com fundamento em confusão, em consequência de o exequente/embargado ter adquirido o direito à meação do insolvente, no património comum do dissolvido casal.


Não existe, pois, identidade entre os pedidos e as causas de pedir entre ambos os processos.


A questão que se coloca é a de saber se a autoridade do caso julgado da sentença proferida na referida ação de separação e restituição de bens, impede que se decida que o embargado adquiriu o direito à meação do insolvente no património comum do casal e não ½ do prédio urbano que integrava esse património comum.


Enquanto a exceção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior, na autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada. (cf. Miguel Teixeira de Sousa, «O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material» in BMJ n.º 325 pág. 171 a 176).


A autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade.


Como consta da fundamentação do acórdão do STJ de 29.09.2018, acima citado, “a autoridade do caso julgado implica, independentemente da verificação de uma tríplice identidade integral, o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.”


No caso, a sentença proferida na ação de separação e restituição de bens, reconheceu à Recorrente ali Autora, o direito a ½ da propriedade da fração autónoma designada pela letra “Y” e reduziu a apreensão incidente sobre o mesmo bem, realizada no âmbito do processo de insolvência para ½ desse direito de propriedade, sobre o qual passou a incidir a liquidação.


Assim sendo, como decidiu o acórdão recorrido “havendo uma decisão judicial, transitada em julgado, que decidiu “reconhecer o direito da Autora a ½ (um meio) da propriedade da fração autónoma e, reduzir a apreensão incidente sobre o mesmo bem”, pelo caso julgado, essa questão teria de se impor e ser acatada pelo tribunal a quo.


(…) tendo a sentença de 2019.11.07, já transitada em julgado, apreciado a questão, isto é, da natureza do direito adquirido pela apelada (ora recorrente), por força do caso julgado, estava o tribunal a quo impedido de voltar a apreciar a mesma questão. (…).


Temos, pois, que se já tinha sido reconhecido ao apelante (ora recorrido) o direito a ½ da propriedade da fração, não pode vir agora o tribunal a quo dizer que este “adquiriu a meação do insolvente no património comum do casal”, em violação do caso julgado.”


De referir, por fim, que a autoridade do caso julgado se justifica e se impõe pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha interpretado corretamente a lei.


É, pois, de concluir, como decidiu o acórdão recorrido que a sentença proferida na ação de restituição e separação de bens, constitui caso julgado material.


III. Se a dívida da Recorrente se extinguiu por confusão e violação do princípio da indivisibilidade da hipoteca.


O direito à meação do insolvente no património comum do casal é único e indiviso, não incidindo sobre bens concretos e determinados, sendo que só por via da separação de bens e partilha do património do casal há lugar a essa concretização.


Dissolvido o vínculo conjugal pode, então, qualquer dos consortes dispor da sua quota ideal ou requerer a divisão da massa patrimonial através da partilha.


Está provado que “o Administrador da Insolvência (de CC) declarou vender à ora exequente, que aceitou comprar, a meação, que pertence ao insolvente, nos bens comuns do dissolvido casal, e que dessa meação, apenas faz parte, um bem imóvel, a fração autónoma, designada pela letra “Y”.


Estando dissolvido o casamento, podia o administrador da insolvência dispor (no caso, vendendo), como dispôs, da meação do insolvente nos bens comuns, mas não, a sua meação num bem concreto.


Porém, como decidiu o acórdão recorrido, tendo a sentença de 2019.11.07, transitada em julgado, apreciado a questão da natureza do direito adquirido (reconhecendo à Recorrente o direito a ½ da propriedade da fração), por força do caso julgado material, o tribunal estava impedido de apreciar a questão, isto é, se o administrador da insolvência vendeu a meação do insolvente nos bens comuns do casal.


Importa ainda ter presente, estar provado, que na sequência dessa sentença, o processo de insolvência do ex-marido da 1.ª executada( ora Recorrente) prosseguiu para liquidação do ativo daquele, para pagamento do seu passivo, sendo que o ativo correspondia, designadamente, a ½ do direito de propriedade da fração “y”, que por sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência do ex-marido da 1.ª executada/recorrente o crédito do Banco foi verificado pelo valor de € 353 257,28, com natureza garantida, e graduado em 2.º lugar, pelo produto da venda da fração “Y” e ainda que ½ do direito de propriedade da fração, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do referido bem, veio a ser adjudicado ao exequente, na qualidade de credor com garantia real, tendo sido canceladas as hipotecas quanto ao devedor DD.


Como se referiu a autoridade do caso julgado não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha interpretado corretamente a lei e a sentença em causa reconheceu que a Recorrente tinha direito a ½ da fração e na sequência dela, a apreensão no processo de insolvência foi reduzida à outra metade indivisa e posteriormente foi adjudicado ao Recorrido “½ do direito de propriedade da fração, correspondente à meação do Insolvente na titularidade do bem.”


Assim sendo, por força da autoridade do caso julgado, não se pode decidir que o recorrido “adquiriu a meação do insolvente no património comum do casal” por ter de se acatar a sentença proferida na referida ação de separação e restituição de bens.


Saber se a dívida da Recorrente se extinguiu por confusão.


A confusão é uma causa extintiva das obrigações, diferente do cumprimento, regulada nos artigos 868º a 873º do Código Civil (CC).


Estipula o artigo 868º do CC “quando na mesma pessoa se reúnam as qualidades de credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o crédito e a divida”


Como escreve Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 3ª edição, pág. 224, a confusão dá-se quando, pelo facto de se reunirem na mesma pessoa as qualidades de credor e devedor da mesma relação creditória, a obrigação se extingue.


A confusão, como refere Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. II, 2ª edição, pág. 216. tem os seguintes pressupostos:

a. Reunião da mesma pessoa das qualidades de credor e devedor;

b. Não pertença do crédito e da divida a patrimónios separados;

c. Inexistência de prejuízo para terceiros.


O Recorrido defende que não se verifica, no caso, um dos pressupostos da confusão, não pertença do crédito e da dívida a patrimónios separados.


O artigo 872º do CC expressamente estabelece não haver confusão, se o crédito e a divida pertenceram a patrimónios autónomos.


Como escreve Menezes Leitão, na obra e local citado, “efetivamente a separação de patrimónios tem por consequência a impossibilidade de verificação da confusão, uma vez que esta a ocorrer, poria em causa essa mesma separação, ao fazer desaparecer valores ativos de um património em benefício da extinção da responsabilidade de outro património”.


Como o património coletivo pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas por quotas, não se sabe, antes da partilha dos bens, quem será devedor e/ou credor desse património, razão pela qual, a dívida não se poderia extinguir por confusão.


De qualquer forma, a questão da verificação ou não do segundo pressuposto é irrelevante, pois, como atrás se referiu, foi adjudicado ao Recorrido “½ do direito de propriedade da fração”, não tendo adquirido “a meação do insolvente no património comum do casal” e, por isso, não tem simultaneamente a qualidade de credor e devedor.


Não, se verifica, pois, o primeiro pressuposto da confusão.


Saber se o Recorrido/Exequente pode intentar execução hipotecária, incidindo a hipoteca em ½ da fração “Y” pertencente à Recorrente.


A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – artigo 686.º, n.º 1 do CC.


Nos termos do artigo 688º do CC podem ser hipotecados os prédios urbanos ou rústicos no todo ou em parte.


Por outro lado, o artigo 695º do CC, consagra o princípio da indivisibilidade da hipoteca, ao estipular: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.”


A recorrente sustenta que sendo a indivisibilidade uma das características da hipoteca, não pode a execução da dívida garantida por esta, incidir sobre ½ do bem hipotecado.


A hipoteca não impede que os imóveis hipotecados possam ser livremente transmitidos para terceiro.


Apesar do direito passar para outro titular, o bem imóvel hipotecado continua a responder pela satisfação do crédito garantido, pois tal resulta da natureza da hipoteca enquanto direito real de garantia e da sequela que lhe anda associada.


Como sustenta a recorrente em caso de venda do direito da meação do insolvente no património comum do ex-casal, a hipoteca não é afetada, porque não é o imóvel sobre o qual a mesma incide que é vendido (cf. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2013-09-24).


No entanto, como se referiu, na sequência de sentença transitada em julgado, em ação em que recorrente e recorrido foram partes foi reconhecido à primeira o direito a ½ da fração hipoteca e posteriormente no processo de insolvência foi adjudicado ao recorrido o direito à outra metade.


Assim sendo, ocorreu efetivamente, com o consentimento tácito do recorrido, credor hipotecário, uma redução da hipoteca, legalmente admitida nos termos dos artigos 718º e 719º do CC.


Por outro lado, a indivisibilidade da hipoteca prevista no artigo 696º do CC, funciona a benefício do credor hipotecário e pode ser reduzida com o seu consentimento.


Neste sentido o acórdão do STJ de 11.03.2021, proferido no processo n.º 2889/15.0T8OVR-A.P1.S1, decidiu: “A indivisibilidade da hipoteca funda a sua razão de ser num assumido propósito do legislador de proteção do credor relativamente às consequências das vicissitudes da coisa onerada e tem por alicerce um equilíbrio entre a estabilidade material da garantia originária e a tutela do crédito garantido na sua integralidade; quebrado ou interrompido esse equilíbrio, a indivisibilidade da garantia perde o seu fundamento. A indivisibilidade é uma característica natural, que não essencial, da hipoteca e está na disponibilidade das partes, que a podem afastar por convenção concomitante ou posterior à constituição da garantia, expressa ou tácita, e é suscetível de renúncia, expressa ou tácita, por parte do credor hipotecário.”


Assim sendo, tendo o recorrido consentido tacitamente na redução da hipoteca, que ocorreu na sequência de decisão proferida em ação intentada pela recorrente, transitada em julgado, como decidiu o acórdão recorrido, o recorrido pode intentar execução hipotecária quanto a ½ da fração “Y” pertencente à recorrida.


De qualquer forma, ao contrário do que parece sustentar a recorrente, a extinção da hipoteca, não tinha como consequência a extinção do crédito, apenas tornando o credor, mero credor comum.


Não há, pois, fundamento para julgar extinta a execução, por extinção da divida exequenda por confusão ou por violação da indivisibilidade da hipoteca.


Decisão


Pelo exposto, nega-se a revista.


Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza.


Lisboa, 19.12.2023


Os Juízes Conselheiros


Relator - Leonel Serôdio;


1º Adjunto – Luís Correia de Mendonça;


2º Adjunto - António Barateiro Martins.